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Morre Papa Francisco: O peregrino de esperança

Morre Papa Francisco: o peregrino de esperança

Na segunda-feira, 21 de abril, a Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil amanheceu tomada por profunda tristeza diante da notícia do falecimento do Papa Francisco.

De acordo com o Vaticano, a morte do Pontífice, aos 88 anos, ocorreu às 7h35 (horário de Roma) daquele dia. O anúncio foi feito, com pesar, diretamente da Capela da Casa Santa Marta, no Vaticano, por Sua Eminência, o Cardeal Farrell, com as seguintes palavras:

Jorge Mario Bergoglio nasceu em 17 de dezembro de 1936, em Buenos Aires, Argentina. Ele é o primeiro Papa latino- americano e também o primeiro jesuíta a ocupar o papado. Filho de imigrantes italianos, formou-se em química antes de entrar para o seminário e ingressar na Companhia de Jesus (jesuítas) em 1958.

Foi ordenado sacerdote em 1969 e sempre se destacou por sua simplicidade, dedicação pastoral e firmeza na defesa dos pobres. Tornou-se bispo auxiliar de Buenos Aires em 1992 e, posteriormente, arcebispo em 1998. Foi criado cardeal pelo Papa João Paulo II em 2001.

Após a renúncia do Papa Bento XVI, foi eleito Papa em 13 de março de 2013, adotando o nome Francisco em homenagem a São Francisco de Assis, refletindo seu compromisso com a humildade, a paz e o cuidado com os pobres e com a criação.

Papa Francisco foi e ficará marcado na história da Igreja de Roma como voz influente em questões sociais, econômicas e ambientais. Publicou encíclicas importantes como Laudato Si’ (sobre o cuidado com a casa comum), que este ano completa 10 anos, e Fratelli Tutti (sobre fraternidade e amizade social). É conhecido por seu estilo pastoral próximo do povo, sua ênfase na misericórdia e sua busca por uma Igreja mais sinodal e missionária.

O Santo Padre nos ensinou a viver os valores do Evangelho com fidelidade, coragem e amor universal, especialmente em favor dos mais pobres e marginalizados.

Última mensagem

No domingo de Páscoa, 20 de abril, o Pontífice apareceu na sacada da Basílica de São Pedro para a mensagem de Páscoa Urbi et Orbi, deixando sua última fala para a Igreja e o mundo, lida pelo Mons. Diego Ravelli, mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias. Seu último apelo foi pelo desarmamento.

O Papa estendeu seus votos de paz a todo o Oriente Médio, de modo especial ao Líbano, à Síria e ao Iêmen. Paz também para o Sul do Cáucaso e aos povos africanos vítimas de violências, especialmente a República Democrática do Congo, o Sudão, o Sudão do Sul, o Chifre da África e a Região dos Grandes Lagos. Na Ásia, o pensamento de Francisco vai a Mianmar, que além do conflito armado sofre com as consequências do terremoto.

“Não é possível haver paz sem um verdadeiro desarmamento! A necessidade que cada povo sente de garantir a sua própria defesa não pode transformar-se numa corrida generalizada ao armamento”, acrescenta o Pontífice, que renova o pedido para que os recursos disponíveis sejam utilizados para ajudar os necessitados, combater a fome e promover iniciativas que favoreçam o desenvolvimento. “Estas são as ‘armas” da paz: aquelas que constroem o futuro, em vez de espalhar morte!”, diz ainda o Papa, apelando que não se ceda à lógica do medo.

“Que o princípio da humanidade nunca deixe de ser o eixo do nosso agir quotidiano. Perante a crueldade dos conflitos que atingem civis indefesos, atacam escolas e hospitais e agentes humanitários, não podemos esquecer que não são atingidos alvos, mas pessoas com alma e dignidade.” Por fim, os votos de que neste ano jubilar a Páscoa seja uma ocasião para libertar os prisioneiros de guerra e os presos políticos.

Ao encerrar sua mensagem, Papa Francisco disse:

“Queridos irmãos e irmãs, na Páscoa do Senhor, a morte e a vida enfrentaram-se num admirável combate, mas agora o Senhor vive para sempre. Feliz Páscoa para todos!”

Com imensa gratidão por seu exemplo como verdadeiro discípulo do Senhor Jesus, recomendamos a alma do Papa Francisco ao infinito amor misericordioso do Deus Trino.

A causa da morte do Pontífice

A certificação do falecimento do Santo Padre está presente na declaração de óbito assinada pelo professor Andrea Arcangeli, diretor do Departamento de Saúde e Higiene do Estado da Cidade do Vaticano. A constatação da morte foi realizada por meio de registro eletrocardiotanatográfico.
O site Vatican News divulgou as seguintes informações na noite de ontem.

Derrame cerebral, coma e parada cardiorrespiratória irreversível. Essas foram as causas da morte do Papa Francisco, ocorrida nesta manhã, às 7h35, em seu apartamento na Casa Santa Marta.

Quem atesta é o professor Andrea Arcangeli, diretor do Departamento de Saúde e Higiene do Estado da Cidade do Vaticano, na declaração de óbito publicada à noite pela Sala de Imprensa da Santa Sé.

O documento médico afirma que o Papa apresentava histórico de insuficiência respiratória aguda por pneumonia bilateral multimicrobiana, bronquiectasias múltiplas, hipertensão arterial e diabetes tipo II.

A constatação da morte foi realizada por meio de registro eletrocardiotanatográfico. “Declaro – escreve Arcangeli – que as causas da morte, segundo minha ciência e consciência, são as acima indicadas”.


Adriana Rabelo Rodrigues, com informações do Vatican News

Nota de pesar: Orfandade e gratidão

Em plena oitava da Páscoa, depois de saudar seu povo pela Ressurreição do Senhor, o Papa Francisco parte do mesmo modo como viveu e conduziu o seu Pontificado: simples, silencioso, discreto e profético. O homem do olhar terno, do amor aos pobres e às periferias, da Igreja em Saída, do cuidado com a Casa Comum, da acolhida e da misericórdia. Homem de Deus!

Para nós, Frades Menores, foi e continuará sendo uma voz de alento, de esperança e também de provocação. Ao mesmo tempo que admiramos sua profecia e liberdade no testemunho do Reino, ficamos constrangidos por não responder com a mesma ousadia com que ele nos propõe a radicalidade do Evangelho.

De nossa parte, em nome da Província Franciscana da Imaculada Conceição, dois sentimentos: orfandade e gratidão. Imensa gratidão ao Espírito Santo de Deus, por ter suscitado no seio da Igreja tão necessário pastor; à Virgem Maria, presente em todos os gestos e palavras de seu pontificado; à São Francisco de Assis, por ter inspirado as entranhas do papado deste jesuíta argentino escolhido por Deus para pastorear a Igreja; e a Francisco, o Papa, pelas inúmeras lições que nos deixou, com as quais precisamos ainda muito aprender.

Muito, muito obrigado, Papa Francisco. Descanse em Paz!

Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil

Doze anos de novos dinamismos e portas abertas

Papa Francisco foi o primeiro em muitas coisas. Primeiro Papa jesuíta, primeiro Papa originário da América Latina, primeiro a escolher o nome Francisco sem um numeral, primeiro a ser eleito com seu antecessor ainda vivo, primeiro a residir fora do Palácio Apostólico, primeiro a visitar terras nunca antes tocadas por um pontífice – do Iraque à Córsega -, primeiro a assinar uma Declaração de Fraternidade com uma das autoridades islâmicas mais importantes. Também foi o primeiro Papa a se equipar com um Conselho de Cardeais para governar a Igreja, a atribuir funções de responsabilidade a mulheres e leigos na Cúria, a lançar um Sínodo que envolvia diretamente o povo de Deus, a abolir o segredo pontifício para casos de abuso sexual e a remover a pena de morte do Catecismo. O primeiro também, a liderar a Igreja enquanto no mundo não há “a” guerra, mas muitas guerras, pequenas e grandes, travadas “em pedaços” nos diferentes continentes. Uma guerra que “é sempre uma derrota”, como repetiu nos mais de 300 apelos, mesmo quando sua voz falhava, e que ocuparam todos os últimos pronunciamentos públicos desde o início da violência na Ucrânia e no Oriente Médio.

Processos

Mas Francisco, nascido Jorge Mario Bergoglio, provavelmente não gostaria que o conceito de “primeiro” fosse associado ao seu pontificado, projetado nesses 12 anos não para atingir metas ou conquistar primados, mas para iniciar “processos”. Processos em andamento, processos concluídos ou distantes, processos que provavelmente são irreversíveis até mesmo para quem o sucederá no trono de Pedro. Ações que geram “novos dinamismos” na sociedade e na Igreja – como está escrito na road map do pontificado, a Evangelii Gaudium – sempre no horizonte do encontro, da troca, da colegialidade.

 

Do fim do mundo

“E agora iniciamos este caminho, Bispo e povo”, foram as primeiras palavras pronunciadas da Sacada Central da Basílica de São Pedro, no final da noite de 13 de março de 2013, para uma multidão que lotava a Praça São Pedro há um mês, sob os refletores após a renúncia de Bento XVI. Para aquela multidão, o recém-eleito Papa de 76 anos, escolhido por seus irmãos cardeais, originário “do fim do mundo”, pediu uma bênção. Com o povo, quis recitar uma Ave Maria, tropeçando em um italiano que até então não havia praticado assiduamente, dadas as raras visitas do pastor de Buenos Aires a Roma, pronto para fazer as malas imediatamente após o Conclave. E ao povo, no dia seguinte, ele quis prestar sua homenagem íntima, dirigindo-se à paróquia de Santa Ana no Vaticano e depois à Basílica de Santa Maria Maior, agradecendo à Salus Populi Romani, protetora de seu pontificado, a quem ele continuou a prestar homenagem em todos os momentos mais fortes. E exatamente nessa Basílica, Francisco expressou seu desejo de ser enterrado.

Pastor no meio do povo

A proximidade com o povo, um legado do ministério argentino, foi manifestada pelo Papa em todos os anos seguintes de várias maneiras: com visitas aos funcionários do Vaticano nos seus escritórios, com as Sextas-feiras da Misericórdia no Jubileu de 2016 em locais de marginalização e exclusão, com as celebrações da Quinta-feira Santa em prisões, asilos e centros de acolhida, com o longo tour em paróquias nos subúrbios romanos, com visitas e telefonemas surpresa. E manifestou essa proximidade em todas as viagens apostólicas, começando pela primeira ao Brasil em 2013, herdada de Bento XVI, da qual nos lembramos a imagem do papamóvel bloqueado no meio da multidão.

Primeiro Papa no Iraque

O Pontífice argentino completou quarenta e sete peregrinações internacionais, feitas com base em eventos, convites de autoridades, missões a serem realizadas ou algum “movimento” interno, como ele mesmo revelou no voo de volta do Iraque. Sim, exatamente o Iraque: três dias em março de 2021 entre Bagdá, Ur, Erbil, Mosul e Qaraqosh, terras e vilarejos com cicatrizes ainda evidentes da matriz terrorista, com sangue nas paredes e tendas de pessoas deslocadas ao longo das estradas, em meio à pandemia da Covid e preocupações gerais com a segurança. Uma viagem desaconselhada por muitos por causa da saúde e do risco de atentados; uma viagem desejada a todo custo. A “mais bela” viagem, como o próprio Francisco sempre confidenciou, o primeiro Papa a pisar na terra de Abraão, onde João Paulo II não conseguiu ir, e a conversar com o líder xiita Al-Sistani.

Papa Francisco entre os escombros de Mosul, viagem ao Iraque (2021) (Vatican Media)

A Porta Santa em Bangui e a mais longa viagem ao Sudeste Asiático e à Oceania

Uma boa obstinação o levou ao Iraque, a mesma que em 2015 o levou a Bangui, a capital da República Centro-Africana ferida por uma guerra civil que, nos mesmos dias da visita, deixou mortos pelas ruas. No país africano, onde disse que queria ir mesmo ao custo de saltar “de paraquedas”, Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia em uma cerimônia comovente que também marca o recorde de um Ano Santo aberto não em Roma, mas em uma das regiões mais pobres do mundo. Também pode ser descrito como uma boa obstinação a que animou sua decisão de empreender a viagem mais longa do pontificado em setembro de 2024, aos 87 anos: Indonésia, Papua-Nova Guiné, Timor-Leste, Cingapura. Quinze dias, dois continentes, quatro fusos horários, 32.814 km percorridos de avião. Quatro universos diferentes, cada um representando os principais temas do Magistério: fraternidade e diálogo inter-religioso, periferias e emergência climática, reconciliação e fé, riqueza e desenvolvimento a serviço da pobreza.
De Lampedusa a Juba

Não se pode esquecer, repercorrendo as viagens apostólicas e as visitas pastorais, a primeira viagem fora de Roma, à pequena ilha de Lampedusa, cenário de grandes tragédias migratórias, com a coroa de flores lançada no “cemitério a céu aberto” do Mediterrâneo. A denúncia também se repetiu na dupla viagem a Lesbos (2016 e 2021) nos contêineres e tendas de refugiados e pessoas deslocadas.

Na história do pontificado, ficaram marcadas também a viagem à Terra Santa (2014); à Suécia, em Lund (2016) para as celebrações do 500º aniversário da Reforma Luterana; ao Canadá (2022) com o pedido de perdão às populações indígenas pelos abusos sofridos por representantes da Igreja Católica. E, em seguida, na República Democrática do Congo e ao Sudão do Sul, em Juba (2023), esta última etapa compartilhada com o Arcebispo de Canterbury, Justin Welby, e o Moderador da Assembleia Geral da Igreja da Escócia, Ian Greenshields, para sublinhar a vontade ecumênica de curar as feridas de um povo. As mesmas que ele implorou que fossem curadas aos líderes sul-sudaneses, reunidos em 2019 para dois dias de retiro na Casa Santa Marta, concluídos com o gesto perturbador de beijar seus pés.

A assinatura da Declaração sobre a Fraternidade Humana em Abu Dhabi (2019)

Também, Cuba e Estados Unidos (2015), uma viagem para selar o estabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países. Um evento histórico para o qual Francisco passou meses, enviando cartas a Barack Obama e Raúl Castro, instando-os a “iniciar uma nova fase”. Foi o próprio Obama quem agradeceu publicamente ao Pontífice. Em Havana, houve também o encontro com o Patriarca Kirill e a assinatura de uma declaração conjunta para colocar em prática o “ecumenismo da caridade”, o compromisso dos cristãos para uma humanidade mais fraterna. Um compromisso que se tornou, anos depois, tragicamente atual e um tanto desconsiderado com a eclosão da guerra no coração da Europa.

A assinatura do Documento sobre a Fraternidade Humana em Abu Dhabi

Por último, mas não menos importante, entre as viagens, Abu Dhabi (2019) e o Documento sobre a Fraternidade Humana assinado em conjunto com o Grão Imame al-Tayeb, coroando o degelo com a universidade sunita de Al-Azhar que começou com um abraço na Casa Santa Marta e terminou com a assinatura de um texto que imediatamente se tornou a pedra angular do diálogo islâmico-cristão, também transposto para várias Constituições.

As encíclicas

O Sínodo para a Região Pan-Amazônica (Vatican Media)

As experiências, os diálogos e os gestos vividos nessas viagens fluíram para os documentos do pontificado. Quatro encíclicas: a primeira, Lumen Fidei, sobre o tema da fé, a quatro mãos com Bento XVI; depois, Laudato si’, um grito para invocar uma “mudança de rumo” para a “casa comum”, em crise pelas mudanças climáticas e pela exploração excessiva, e para estimular ações para erradicar a miséria e para o acesso equitativo aos recursos do planeta. A terceira encíclica, a Fratelli Tutti, o eixo fundamental do Magistério, fruto do Documento de Abu Dhabi, profecia – antes da deflagração de novas guerras – da fraternidade como o único caminho para o futuro da humanidade. Por fim, a Dilexit Nos para repercorrer a tradição e a atualidade do pensamento “sobre o amor humano e divino do coração de Jesus” e lançar uma mensagem a um mundo que parece ter perdido seu coração.
Exortações Apostólicas e Motu Proprio

São sete exortações apostólicas: desde a já mencionada Evangelii Gaudium até C’est la confiance, para o 150º aniversário do nascimento de Teresa do Menino Jesus. Entre elas, as exortações pós-sinodais – Amoris Laetitia (Sínodo sobre a família), Christus Vivit (Sínodo sobre os jovens), Querida Amazonia (Sínodo para a Região Pan-Amazônica) -, Gaudete et Exsultate sobre o chamado à santidade no mundo contemporâneo, Laudate Deum, uma sequência ideal da Laudato si’ para completar seu apelo para reagir pela Mãe Terra antes de um “ponto de ruptura”.

Foram emitidos cerca de 60 Motu Proprio para reconfigurar as estruturas da Cúria Romana e do território da Diocese de Roma, para alterar o Direito Canônico e o sistema judiciário do Vaticano, para emitir regras e procedimentos mais rigorosos na luta contra os abusos. Esse é o caso do Vos estis lux mundi, um documento que incorporou resultados, indicações e recomendações do Summit sobre a Proteção dos Menores, realizado no Vaticano, em fevereiro de 2019. Uma cúpula que representou o auge do trabalho para combater a pedofilia do clero e os abusos não só sexuais; uma expressão da disposição da Igreja de agir com verdade e transparência em uma atitude penitencial. Com o Vos estis lux mundi, Francisco estabeleceu novos procedimentos para a denúncia de assédios e violências e introduziu o conceito de accountability, ou seja, garantir que bispos e superiores religiosos prestem conta de suas ações.

Os melhores votos à Cúria Romana em dezembro de 2024 (Vatican Media Divisione Foto)

Reforma da Cúria

Portanto, processos. Os processos de reformas foram uma constante no papado de Francisco, que não quis ignorar as recomendações dos cardeais nas congregações pré-conclave que pediam ao futuro novo Papa que reestruturasse a Cúria Romana e, em particular, as finanças do Vaticano, que durante anos estiveram no centro de escândalos. Logo após sua eleição, o Papa criou um Conselho de Cardeais, o C9 (que se tornou C6 e C8 ao longo dos anos, conforme os vários membros foram mudando), um pequeno “senado” para ajudá-lo a governar a Igreja universal e trabalhar na reforma da Cúria. Fusões de Dicastérios e outras mudanças de títulos e organogramas foram os sinais do work in progress; o passo final foi a Constituição Apostólica Praedicate evangelium: aguardada por anos, promulgada em 2022, sem aviso prévio ou preâmbulo, introduzindo novidades significativas. Entre elas, a instituição do novo Dicastério para a Evangelização, presidido diretamente pelo Pontífice, e o envolvimento dos leigos “em funções de governo e responsabilidade”. Nessa onda de mudanças, devem ser vistas as nomeações do primeiro prefeito leigo, Paolo Ruffini, para o Dicastério para a Comunicação, da primeira “prefeita” para o Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada, Irmã Simona Brambilla, e da primeira governadora da Cidade do Vaticano, Irmã Raffaella Petrini.

As Mulheres

Com os jovens na Jornada Mundial da Juventude em Lisboa (Vatican Media)

As mulheres, outra vertente destes anos de Bergoglio no trono de Pedro, o Papa que, mais do que outros, confiou a figuras femininas papéis de responsabilidade, que criou duas comissões para o estudo das diaconisas, que nunca deixou de recordar o “gênio” feminino e a dimensão materna da Igreja (que “é mulher” porque “é a Igreja, não o Igreja”). Além disso, colocou as mulheres lado a lado com cardeais e bispos nas mesas do último Sínodo sobre a Sinodalidade, irmãs, missionárias, professoras, especialistas, teólogas, às quais deu, pela primeira vez, o direito de voto.

“Todos, todos, todos”

Uma abertura, como tantas outras feitas por Francisco. Aberturas e não extirpações, nem saltos; para alguns muito rápidos, para outros cautelosos demais. De fato, também esses, processos. Como a concessão dos sacramentos aos divorciados recasados, na perspectiva da Eucaristia como “remédio” para os pecadores e não como “alimento para os perfeitos”; a acolhida às pessoas Lgbtq+ com o convite à proximidade pastoral, porque dentro da Igreja há espaço para “todos, todos, todos”; a obstinação em dialogar com representantes de outras denominações e religiões cristãs, após séculos de preconceitos e suspeitas, também em virtude do “ecumenismo do sangue”. Também, o olhar à China, com o Acordo Provisório para a Nomeação de Bispos, assinado em 2019 e renovado três vezes. Um sinal de diálogo, entre tropeços e retomadas, com um “povo nobre” que ele desejou visitar por todos esses anos. Um desejo que remonta às aspirações missionárias da juventude.
Missionariedade e sinodalidade

Com migrantes no campo de refugiados em Lesbos

Missão, este também é um tema central. De fato, a “missionariedade”, é um convite recorrente em textos e homilias, assim como a “sinodalidade”, outro termo que ressoou tantas vezes nesses doze anos. O Papa dedicou nada menos que duas sessões do Sínodo (2023 e 2024) à “sinodalidade”, renovando a estrutura e o funcionamento da assembleia, percebendo a necessidade de começar o caminho sinodal “de baixo” e instituindo também dez grupos de estudo para aprofundar temas doutrinários, teológicos e pastorais após os trabalhos.

Pobres e migrantes

Neste pontificado serão lembrados também os axiomas que encapsularam inteiras realidades eclesiais, políticas e sociais: “Cultura do descarte”, “globalização da indiferença”, “Igreja pobre para os pobres”, “Igreja em saída”, “pastores com cheiro de ovelhas”, “ética global da solidariedade”. Permanecerá a atenção aos pobres com a instituição, em 2017, de um Dia dedicado a eles, sempre caracterizado pelo almoço do Papa na Sala Paulo VI, lado a lado com pessoas em situação de rua e sem-teto. Permanecerá o ensinamento sobre os migrantes, declinado nos quatro verbos “acolher, proteger, promover e integrar”, como indicações programáticas para enfrentar “uma das maiores tragédias deste século”. Assim como permanecerá o convite para elaborar “compromissos honrosos” como soluções para os conflitos que estão dilacerando a Europa, o Oriente Médio e a África.

Compromisso em prol da paz

Conflitos, angústia dos últimos anos, denunciados em apelos ressonantes e cartas a núncios e povos vítimas de violências, aliviados por meio de videochamadas – sobretudo a diária para a paróquia de Gaza – ou missões de cardeais e o envio de produtos de primeira necessidade. “Não pensei que seria um Papa em tempo de guerra”, confidenciou no primeiro e único podcast com a mídia do Vaticano no décimo aniversário de sua eleição.

O Angelus de 2 de fevereiro de 2025 (VATICAN MEDIA Divisione Foto)

A paz foi o objetivo constante. Pela paz, o Papa Francisco pediu continuamente orações, convocando Dias de jejum e oração – pela Síria, Líbano, Afeganistão, Terra Santa – envolvendo os fiéis de todas as latitudes; consagrou a Rússia e a Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria em 2022; organizou momentos históricos, como o plantio de uma oliveira nos Jardins do Vaticano em 8 de junho de 2014 com os presidentes de Israel, Shimon Peres, e da Palestina, Mahmoud Abbas. Em prol da paz, o Papa fez gestos inusitados, como entrar em seu carro e ir, no dia seguinte ao lançamento da primeira bomba em Kiev, ao escritório do embaixador russo na Santa Sé, Alexander Avdeev, tentando iniciar contatos com o presidente Putin e assegurando-lhe sua disposição de mediar. Francisco repreendeu várias vezes os chefes de Estado e de governo, advertiu os senhores da guerra de que eles prestarão contas diante de Deus pelas lágrimas derramadas entre os povos, estigmatizou o florescente mercado de armas lançando uma proposta para usar os gastos com armas para criar um Fundo Mundial para erradicar a fome. Pediu a construção de pontes e não a construção de muros, e insistiu em colocar o bem comum acima das estratégias militares, sendo às vezes mal interpretado e criticado.

Inovações

Em todos esses anos não faltaram críticas contra o Papa argentino, que comentou escaladas e os ventos contrários com aquele humor que é o que “mais se aproxima da graça de Deus”. Francisco questionou e surpreendeu, talvez tenha feito alguém torcer o nariz pela quebra de tabus e a ruptura de protocolos e velhos costumes, ou pela remodelação do próprio papado com roupas diferentes, uma residência diferente, uma inusual gestualidade, um estilo pastoral original. Ou aparecendo em transmissões ao vivo pela Internet e em programas de TV, usando a conta X @Pontifex, em 9 idiomas, ou como um canal para transmitir mensagens de divulgação e imediatismo necessários.

Momentos difíceis e problemas de saúde

Saudações da Policlínica Gemelli (VATICAN MEDIA Divisione Foto)

Nesses anos sempre densos, com raríssimos momentos de descanso (e o cancelamento das tradicionais férias papais em Castel Gandolfo), não faltaram momentos difíceis, em meio a processos judiciais – liderados pelo longo e complexo processo pela gestão dos fundos da Santa Sé -, o caso Vatileaks 2, escândalos de abusos e corrupção e a publicação de livros sem “nobreza e humanidade”. Também não faltaram problemas de saúde entre as operações no Hospital Gemelli em 2021 e 2023, a internação no mesmo hospital, novamente em 2023, as complicações respiratórias, e depois os resfriados, as gripes e as dores no joelho que o forçaram a usar a cadeira de rodas nos últimos três anos.

Dados estatísticos

Tantas dificuldades que nunca impediram uma intensa atividade ou sua presença em eventos. Várias estatísticas testemunham isso: mais de 500 audiências gerais, dez Consistórios para a criação de 163 novos cardeais que restituíram caráter de universalidade ao rosto da Igreja; mais de 900 canonizações (incluindo três predecessores: João XXIII, João Paulo II, Paulo VI); os “Anos Especiais”, entre os quais os da Vida Consagrada (2015-2016), São José (2020-2021) e a Família (2021-2022); quatro Jornadas Mundiais da Juventude: Rio de Janeiro, Cracóvia, Panamá, Lisboa. Dois Jubileus: o extraordinário sobre a Misericórdia em 2016 e o ordinário em 2025, atualmente em andamento, com o tema “Peregrinos da Esperança”.

A Statio Orbis durante a pandemia da Covid

Em Statio Orbis de 27 de março de 2020

Jorge Mario Bergoglio foi um Papa que buscou a proximidade com o grande público também por meio de entrevistas, livros, prefácios, autobiografias. Um Papa do qual, talvez, mais do que as muitas palavras e escritos, será recordado com uma imagem: ele, sozinho, mancando, na chuva, no silêncio geral do lockdown e com o único som de fundo de uma ambulância, enquanto atravessa a Praça São Pedro no tempo suspenso da pandemia. Era a Statio Orbis de 27 de março de 2020, com o mundo fechado dentro de casa vendo em streaming um homem idoso que parecia carregar sobre os ombros todo o peso de uma tragédia que revirou cotidianidade e hábitos. A humanidade estava aflita, mas o Papa falou de esperança. E de fraternidade: “Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados, mas ao mesmo tempo todos chamados a remar juntos”.


Salvatore Cernuzio – Vatican News

 

“Não tenhais medo de vos fazerdes cidadãos do mundo digital” (Papa Francisco)

Os cristãos de todo o mundo foram surpreendidos nesta segunda-feira, 21 de abril, com a notícia da morte do Papa Francisco, aos 88 anos. Conhecido por sua proximidade com os jovens e pela ousadia na comunicação, Jorge Mario Bergoglio deixa um legado marcado pela “Igreja em saída” e pelo incentivo à presença corajosa dos fiéis no mundo digital.

Um pontífice próximo dos jovens
Desde o início do seu pontificado, em março de 2013, Francisco buscou envolver principalmente as novas gerações. Em sua primeira intervenção oficial, ao anunciar o nome escolhido em homenagem a São Francisco de Assis, deixou claro que seu papado seria pautado por um “programa comunicacional” renovador – não apenas uma simples adoção de nomenclatura, mas a promessa de um estilo de vida e evangelização acessível e fraterno.

Nas Jornadas Mundiais da Juventude e em encontros locais, o Papa distribuiu abraços e beijos sem cerimônia, rompendo barreiras protocolares e aproximando-se de cardeais, seminaristas e peregrinos. Foi nesses gestos espontâneos que muitos jovens encontraram força para assumir sua fé de forma autêntica, sem medo de participar ativamente da Igreja.

“Não tenhais medo do mundo digital”
A digitalização do papado ganhou um selo franciscano quando Francisco motivou jovens a “se tornarem cidadãos do mundo digital”, encorajando-os a usar as redes sociais não apenas para lazer, mas como espaço de encontro e partilha do bem. Em 2016, ao criar sua conta oficial @franciscus no Instagram, ele revelou que desejava “caminhar com vocês pelo caminho da misericórdia e ternura de Deus”, convertendo o perfil em canal direto com milhões de seguidores.

Para o Frei Gabriel Dellandrea, guardião e reitor do Convento da Penha, um dos estudiosos do paradigma “Igreja em saída”, essa postura foi essencial para formar uma nova evangelização: “Primeirear é tomar a iniciativa: envolver-se, acompanhar, frutificar e celebrar junto aos jovens. Francisco exigiu que a Igreja fosse capaz de sair ao encontro, também no universo digital”.

Comunicação sem intermediários

Rompeu-se com a tradição de discursos apenas em documentos e textos oficiais. O novo pontífice deu entrevistas espontâneas – a primeira, já em julho de 2013, ao jornalista brasileiro Gerson Camarotti – e usou metáforas maternas para explicar que uma Igreja que só fala por cartas torna-se distante de seus filhos. Na entrevista a Antonio Spadaro, reforçou: “Não estou acostumado às massas. Sem gente eu não posso viver. Eu preciso viver junto dos outros”.

Foi ele quem, a 27 de junho de 2015, instituiu o Dicastério para a Comunicação, reunindo todos os meios vaticanos sob uma só direção e criando o portal Vatican News, com transmissão multilíngue e multicanal, pensado para “comunicar o Evangelho da misericórdia a todos os povos”.

Na Frente de Comunicação da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, o pontificado de Francisco serviu de bússola. Na Evangelii Gaudium, ele afirmou: “O bem tende sempre a comunicar-se. Toda a experiência autêntica de verdade e de beleza procura, por si mesma, a sua expansão; e qualquer pessoa que viva uma libertação profunda adquire maior sensibilidade face às necessidades dos outros. E, uma vez comunicado, o bem radica-se e desenvolve-se. Por isso, quem deseja viver com dignidade e em plenitude, não tem outro caminho senão reconhecer o outro e buscar o seu bem. Assim, não nos deveriam surpreender frases de São Paulo como estas: “O amor de Cristo nos absorve completamente” (2 Cor 5, 14); “ai de mim, se eu não evangelizar!” (1 Cor 9, 16) (FRANCISCO, EG, par. 9).

Entre os inúmeros gestos que marcaram seu papado – a conta no até então Twitter @pontifex, a simplificação de aparições, o uso de vídeos em primeira pessoa – destaca-se a convicção de que “o bem tende sempre a comunicar-se”. No texto da “Alegria do Evangelho”, ele lembrava que toda verdade e beleza se expandem por si só, e que aqueles libertados pelo amor de Cristo se tornam sensíveis às necessidades dos outros.

Sentimos muito a morte do Papa que os ensinou a “construir pontes, não muros”. Será difícil esquecer o pontífice que virou do avesso a comunicação da Igreja e fez do mundo digital um terreno fértil para o anúncio da Boa Nova.


Frei Augusto Luiz Gabriel

Exéquias e testamento do Papa Francisco

O Departamento de Celebrações Litúrgicas do Vaticano anunciou os detalhes das exéquias do Papa Francisco. A cerimônia segue as indicações estabelecidas no Ordo Exsequiarum Romani Pontificis, documento que rege os ritos funerários do Pontífice Romano.

Traslado para a Basílica de São Pedro

Na quarta-feira, 23 de abril, às 9h (horário local), o corpo do Papa Francisco será trasladado da Capela da Casa Santa Marta até a Basílica de São Pedro. A condução da urna será precedida por um momento de oração, presidido pelo cardeal Kevin Joseph Farrell, camerlengo da Santa Igreja Romana.

A procissão seguirá pela Praça Santa Marta e pela Praça dos Protormártires Romanos, saindo pelo Arco dos Sinos até a Praça São Pedro, entrando em seguida na Basílica Vaticana pela porta central. Diante do Altar da Confissão, o cardeal camerlengo conduzirá a Liturgia da Palavra, após a qual será aberto o período de visitação à urna mortuária do Papa Francisco.

Exéquias e sepultamento

No sábado, 26 de abril, às 10h (horário local), será celebrada a Missa das Exéquias, que marca o primeiro dia do Novendiali (novenário), os nove dias de luto e orações em honra ao Pontífice falecido. A celebração ocorrerá no átrio da Basílica de São Pedro e será presidida pelo cardeal Giovanni Battista Re, decano do Colégio Cardinalício.

Ao final da celebração eucarística, ocorrerão os ritos da Última Commendatio e da Valedictio — despedidas solenes que marcam o encerramento das exéquias. Em seguida, o caixão do Papa será levado novamente para o interior da Basílica de São Pedro e, de lá, transferido para a Basílica de Santa Maria Maior, onde será realizada a cerimônia de sepultamento.

Diversos chefes de Estado e de governo já anunciaram oficialmente sua presença para prestar homenagem ao Pontífice falecido.

O testamento do Pontífice

Nesta segunda-feira, 21 de abril, o Vaticano divulgou o textamento do Papa Francisco.

O documento de 2022 revela a simplicidade do Santo Padre diante de seu pedido para o próprio funeral.

Miserando atque Eligendo

Em Nome da Santíssima Trindade. Amém.

Sentindo que se aproxima o ocaso da minha vida terrena e com viva esperança na Vida Eterna, desejo expressar a minha vontade testamentária somente no que diz respeito ao local da minha sepultura.

Sempre confiei a minha vida e o ministério sacerdotal e episcopal à Mãe do Nosso Senhor, Maria Santíssima. Por isso, peço que os meus restos mortais repousem, esperando o dia da ressurreição, na Basílica Papal de Santa Maria Maior.

Desejo que a minha última viagem terrena se conclua precisamente neste antiquíssimo santuário Mariano, onde me dirigia para rezar no início e fim de cada Viagem Apostólica, para entregar confiadamente as minhas intenções à Mãe Imaculada e agradecer-Lhe pelo dócil e materno cuidado.

Peço que o meu túmulo seja preparado no nicho do corredor lateral entre a Capela Paulina (Capela da Salus Populi Romani) e a Capela Sforza desta mesma Basílica Papal, como indicado no anexo.

O túmulo deve ser no chão; simples, sem decoração especial e com uma única inscrição: Franciscus.

As despesas para a preparação da minha sepultura serão cobertas pela soma do benfeitor que providenciei, a ser transferida para a Basílica Papal de Santa Maria Maior e para a qual dei instruções apropriadas ao Arcebispo Rolandas Makrickas, Comissário Extraordinário do Cabido da Basílica.

Que o Senhor dê a merecida recompensa àqueles que me quiseram bem e que continuarão a rezar por mim. O sofrimento que esteve presente na última parte de minha vida eu o ofereço ao Senhor pela paz no mundo e pela fraternidade entre os povos.

Santa Marta, 29 de junho de 2022


Vatican News

Da Casa Santa Marta à Basílica de São Pedro

Da sua residência na Casa Santa Marta à Basílica de São Pedro, onde os restos mortais do Papa Francisco, que faleceu na segunda-feira de Páscoa, receberão a homenagem dos fiéis antes da Missa das Exéquias programada para sábado. Primeiro a oração introdutória na capela da Casa Santa Marta, depois a procissão com os cardeais, os patriarcas, o cardeal Camerlengo Kevin Farrell e o mestre das celebrações papais, dom Diego Ravelli. Sobre os ombros dos “sediários” pontifícios, o caixão como corpo do Papa percorreu a Via della Sacrestia, passando pela Praça dos Protomártires Romanos e saindo para a Praça São Pedro pelo Arco dos Sinos. Vinte mil pessoas, com longos aplausos, saudaram a passagem do corpo do Papa Francisco. A procissão chegou ao interior da Basílica e, em frente ao Altar da Confissão, o caixão com o corpo do Papa foi colocado no chão. Às 11h o início a homenagem dos fiéis. A Basílica permanecerá aberta até a meia-noite. Amanhã, a abertura está programada para as 7h e o fechamento à meia-noite. Na sexta-feira, véspera do funeral, ela estará aberta das 7h às 19h.


Vatican News

Francisco: a morte não é o fim de tudo, mas um novo começo

O site Vatican News divulgou o prefácio que o Papa Francisco escreveu em 7 de fevereiro, portanto antes da sua internação de 14 de fevereiro no Hospital Gemelli de Roma, para o livro do cardeal Angelo Scola, arcebispo emérito de Milão, intitulado “À espera de um novo começo. Reflexões sobre a velhice”. A obra em italiano da LEV, a Livraria Editora Vaticana, chega às bancas a partir desta quinta-feira, 24 de abril.

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Li com emoção estas páginas que saíram dos pensamentos e do afeto de Angelo Scola, querido irmão no episcopado e pessoa que cobriu cargos delicados na Igreja, por exemplo, como reitor da Pontifícia Universidade Lateranense, depois Patriarca de Veneza e arcebispo de Milão. Antes de mais nada, quero expressar meus agradecimentos por essa reflexão que une experiência pessoal e sensibilidade cultural como poucas vezes aconteceu de eu ler. Uma, a experiência, ilumina a outra, a cultura; a segunda fundamenta a primeira. Nesse feliz entrelaçamento, a vida e a cultura florescem com beleza. 

Não se deixe enganar pelo formato curto deste livro: são páginas muito densas, que devem ser lidas e relidas. Extraio das reflexões de Angelo Scola alguns pontos de particular consonância com o que a minha experiência me fez perceber. 

Angelo Scola nos fala da velhice, da sua velhice, que – escreve com um toque de confiança desarmante – “veio sobre mim com uma aceleração repentina e, em muitos aspectos, inesperada”. 

Já na escolha da palavra com a qual se autodefine, “velho”, encontro uma consonância com o autor. Sim, não devemos ter medo da velhice, não devemos ter medo de abraçar o tonar-se velhos, porque a vida é a vida e adoçar a realidade significa trair a verdade das coisas. Restaurar o orgulho de um termo muitas vezes considerado doentio é um gesto pelo qual devemos ser gratos ao cardeal Scola. Porque dizer “velho” não significa “ser jogado fora”, como uma degradada cultura do descarte às vezes nos leva a pensar. Dizer velho, por outro lado, significa dizer experiência, sabedoria, discernimento, ponderação, escuta, lentidão… Valores de que precisamos muito! 

É verdade que ficamos velhos, mas esse não é o problema: o problema é como se tornar velho. Se vivermos esse tempo da vida como uma graça, e não com ressentimento; se acolhermos o tempo (mesmo longo) em que experimentamos forças reduzidas, a fadiga do corpo que aumenta, os reflexos não mais iguais aos da nossa juventude, com um senso de gratidão e de agradecimento, bem, até mesmo a velhice se torna uma idade da vida, como nos ensinou Romano Guardini, verdadeiramente fecunda e que pode irradiar o bem.

Angelo Scola destaca o valor, humano e social, dos avós. Já enfatizei várias vezes como o papel dos avós seja de fundamental importância para o desenvolvimento equilibrado dos jovens e, em última análise, para uma sociedade mais pacífica. Porque o exemplo deles, a palavra e a sabedoria deles podem incutir nos mais jovens uma longa visão, a memória do passado e a ancoragem em valores duradouros. Em meio ao frenesi das nossas sociedades, muitas vezes dedicadas ao efêmero e ao gosto doentio de aparecer, a sabedoria dos avós se torna um farol que brilha, ilumina a incerteza e dá direção aos netos, que podem extrair da experiência deles um “mais” em relação à própria vida cotidiana. 

As palavras que Angelo Scola dedica ao tema do sofrimento, que muitas vezes se instaura ao se tornar velho e, consequentemente, com a morte, são preciosas joias de fé e esperança. Ao argumentar sobre este irmão bispo, ouço ecos da teologia de Hans Urs von Balthasar e de Joseph Ratzinger, uma teologia “feita de joelhos”, mergulhada na oração e no diálogo com o Senhor. Por esse motivo que eu disse há pouco que essas são páginas que saíram “do pensamento e do afeto” do cardeal Scola: não só do pensamento, mas também da dimensão afetiva, que é a que se refere a fé cristã, sendo o cristianismo não tanto uma ação intelectual ou uma escolha moral, mas o afeto por uma pessoa, aquele Cristo que veio ao nosso encontro e decidiu nos chamar de amigos. 

A própria conclusão dessas páginas de Angelo Scola, que são uma confissão de coração aberto sobre como ele está se preparando para o encontro final com Jesus, nos dá uma certeza consoladora: a morte não é o fim de tudo, mas o começo de algo. É um novo começo, como o título sabiamente indica, porque a vida eterna, que aqueles que amam já experimentam na terra em suas ocupações diárias, é começar algo que não terá fim. E é exatamente por esse motivo que é um “novo” começo, porque experimentaremos algo que nunca experimentamos plenamente: a eternidade. 

Com estas páginas em minhas mãos, eu gostaria, idealmente, de repetir o mesmo gesto que fiz assim que vesti o hábito branco do papa, na Capela Sistina: abraçar o irmão Angelo com grande estima e afeto, agora, ambos mais velhos do que naquele dia de março de 2013. Mas sempre unidos pela gratidão a esse Deus amoroso que nos oferece vida e esperança em qualquer idade do nosso viver. 

Cidade do Vaticano, 7 de fevereiro de 2025


Francisco

Fonte:https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2025-04/papa-francisco-morte-21-abril-2025-prefacio-livro-angelo-scola.html

Congregação Geral dos Cardeais


Um dia após o falecimento do Papa Francisco o Vaticano deu início às Congregações Gerais dos cardeais, que assumiram um papel central nesse momento da administração da Igreja e na preparação do conclave, que vai eleger o novo pontífice.

As congregações são realizadas durante o chamado período de Sé Vacante, ou seja, tempo que a Sé de Pedro está desocupada.

Em todo o mundo são 252 cardeais, desses 135 estão aptos a votar no Conclave, 117 estarão ausentes deste momento, pois já estão com mais 80 anos de idade.

Dentre os cardeais que participarão da escolha do próximo papa, sete são brasileiros, incluindo dois franciscanos da Província da Imaculada Conceição do Brasil: Cardeal Dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre (RS) e atual presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil); e Cardeal Dom Leonardo Urlrich Steiner, arcebispo de Manaus (AM).

Durante as Congregações Gerais, todos têm a missão de discutir e decidir questões importantes durante a Sé Vacante, trocar informações sobre a situação da Igreja no mundo, além de definir a data de início do Conclave. Votam os cardeais que têm menos de 80 anos. Ao todo são 135, entre eles, sete brasileiros.

Nesse período, nenhuma decisão de grande impacto para a Igreja pode ser tomada, como criar novas dioceses ou alterar doutrinas, pois o papel das congregações é administrativo e preparatório.

Primeira Congregação Geral 

Na terça-feira, dia 22 de abril, cerca de sessenta cardeais se reuniram no período da manhã para prestar juramento à Constituição Universi Dominici Gregis sobre a Sé Vacante e a eleição do Pontífice. Foram escolhidas as datas da trasladação e das exéquias, palavra originária do latim exsequiae, que significa “acompanhamento do corpo”, indicando o rito de condução do falecido à sepultura. No caso do Papa Francisco, foi definida para o dia 26 de abril.

Durante o encontro da primeira Congregação Geral foi feito o sorteio dos três cardeais que auxiliam o Carmalengo Kevin Joseph Farrell nas decisões ordinárias. Carmalengo é o cardeal que desempenha as funções de papa interinamente, nas ausências e no período entre a morte e a escolha do novo titular. E esse trabalho de auxílio passou a caber ao secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin; e ao cardeal Fabbio Baggio, que subsecretário para o Desenvolvimento Humano Integral, e ao cardeal Stanisław Ryłko, arcipreste da Basílica de Santa Maria Maior, onde Francisco será sepultado.

Os auxiliares são substituídos a cada três dias, num sistema de rodízio. O Conclave é um rito secular que marca a eleição de novos papas. Ele tem início após os rituais de velório e sepultamento. E a escolha do próximo Santo Padre é feita em votação às portas fechadas na Capela Sistina.

Na ocasião, também foram lidos os parágrafos 12 e 13 da Constituição Apostólica e o cardeal Farrel leu o Testamento espiritual de Francisco.

Suspensas as celebrações de beatificação

Na Congregação Geral realizada na terça-feira, o Colégio Cardinalício decidiu suspender as celebrações de beatificação programadas, até a decisão do novo Romano Pontífice.

Segunda Congregação dos Cardeais definiu programação dos “Novendiali”

A segunda Congregação Geral dos cardeais foi realizada na tarde de quarta-feira, 23 de abril, entre 17h e 18h30 (horário de Roma), na Sala Nova do Sínodo, no Vaticano. A reunião contou com a presença de 103 cardeais e foi aberta com a oração Veni, Sancte Spiritus. Em seguida rezaram em sufrágio do Papa Francisco. Durante a reunião, os cardeais que ainda não haviam prestado juramento o fizeram, cumprindo assim os ritos protocolares previstos no processo do conclave.

Aprovação da programação dos Novendiali

O Colégio Cardinalício aprovou a programação dos “Novendiali”, os nove dias de celebrações eucarísticas em sufrágio do Pontífice falecido, conforme tradição da Igreja. A notificação oficial foi divulgada com a informação de que as missas serão reaçizadas entre os dias 26 de abril e 4 de maio.

A primeira celebração será a Missa Exequial do Papa Francisco, marcada para o dia 26 de abril, às 10h (horário local), no sagrado da Basílica de São Pedro. Nos dias seguintes, continuarão as celebrações dos “Novendiali” em sufrágio do Santo Padre falecido, e cada celebração contará com a presença de diferentes grupos eclesiais, refletindo a universalidade da Igreja e os diversos vínculos do Sumo Pontífice com esses setores.

2º dia: domingo, 27 de abril, às 10h30 (horário local), no adro da Basílica Vaticana: funcionários e os fiéis da Cidade do Vaticano. A concelebração será presidida pelo cardeal Pietro Parolin, ex-Secretário de Estado.

3º dia: segunda-feira, 28 de abril, às 17h (horário local), na Basílica Vaticana: Igreja de Roma. A concelebração será presidida pelo cardeal Baldassare Reina, Vigário Geral de Sua Santidade para a Diocese de Roma.

4º dia: terça-feira, 29 de abril, às 17h (horário local), na Basílica Vaticana: Cabidos das Basílicas Papais. A concelebração será presidida pelo cardeal Mauro Gambetti, arcipreste da Basílica Papal de São Pedro no Vaticano.

5º dia: quarta-feira, 30 de abril, às 17h (horário local), na Basílica Vaticana: Capela Papal. A concelebração será presidida pelo cardeal Leonardo Sandri, Vice-Decano do Colégio Cardinalício.

6º dia: quinta-feira, 1º de maio, às 17h(horário local), na Basílica Vaticana: Cúria Romana. A concelebração será presidida pelo Cardeal Kevin Joseph Farrell, camerlengo da Santa Igreja Romana.

7º dia: sexta-feira, 2 de maio, às 17h (horário local), na Basílica Vaticana: Igrejas Orientais. A concelebração será presidida pelo cardeal Claudio Gugerotti, ex-Prefeito do Dicastério para as Igrejas Orientais.

8º dia: sábado, 3 de maio, às 17h (horário local), na Basílica Vaticana: membros dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica. A concelebração será presidida pelo cardeal Ángel Fernández Artime, ex-Pro-Prefeito do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica.

9º dia: domingo, 4 de maio, às 17h (horário local), na Basílica Vaticana: Capela Papal. A concelebração será presidida pelo cardeal Dominique Mamberti, Protodiácono do Colégio Cardinalício.

Terceira Congregação dos Cardeais, conversa sobre a Igreja e o mundo

Cento e treze cardeais participaram da terceira Congregação Geral em vista do Conclave, que se realizou na manhã desta quinta-feira, 24 de abril, ao final da qual, com algumas intervenções, “teve início um diálogo sobre a Igreja e o mundo”.

De acordo com o diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni, no total, foram feitas 34 intervenções na Terceira Congregação, que começou às 9h com uma oração e durou até o meio-dia, com uma pausa de meia hora.

Os cardeais que ainda não haviam feito, puderam prestar juramento, conforme previsto pela Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis. Também foram lidos os primeiros 23 parágrafos desse documento, que regula a vacância da Sé Apostólica e a eleição do Romano Pontífice.

Quarta Congregação

Cento e quarenta e nove cardeais estiveram presentes na Sala do Sínodo para participar da Quarta Congregação geral dos cardeais realizada, na manhã de sexta-feira, 25 de abril, das 9h10 às 12h20.

Foram 33 pronunciamentos sobre vários assuntos, incluindo temas da Igreja e do mundo. Como nas outras sessões, prosseguiu-se com a leitura da Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis e os cardeais que chegaram, nesta sexta-feira, tiveram a oportunidade de prestar juramento.

Na ocasião foi decidido que na tarde de domingo, 27 de abril, os cardeais irão a Santa Maria Maior para visitar o túmulo de Francisco e a capela onde está exposto o ícone que lhe é querido, a Salus Populi Romani. Eles também passarão pela Porta Santa e celebrarão as Vésperas juntos.

A próxima Congregação Geral, a quinta, se realizará na manhã de segunda-feira, 28 de abril, às 9h.

Os métodos e a organização das exéquias

No final da Congregação de sexta-feira, o mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias, dom Diego Ravelli, explicou o rito das exéquias. “Serão as exéquias de um pastor, não de um soberano”, disse ele. O corpo do Papa não será exibido no catafalco. Matteo Bruni lembrou que essas mudanças foram escolhidas e pensadas pelo próprio Francisco e aprovadas em 2024, quando foi publicada a nova edição do Ordo Exsequiarum Romani Pontificis.


 

Fontes: Vatican News;  Agência Brasil e  Estadão