A civilização contemporânea não consegue fazer com que avanços tecnológicos e científicos estejam acompanhados de posturas humanísticas capazes de demolir muros e criar mais pontes entre as pessoas. Constatação alcançada ao observar tantos cenários de guerras e das muitas formas de exclusão social. A realidade dramática vivida por muitos permite enxergar as dimensões demagógicas de cúpulas internacionais, sofisticadas, mas com baixo índice de assertividade na construção de soluções para efetivar a paz no mundo. Os discursos e as propostas ficam repetitivos, estéreis. E o mundo paga alto preço pela sua deterioração social. Ocorre uma inércia moral que neutraliza reações efetivas para resolver graves problemas, fragilizando a participação sociopolítica dos cidadãos no enfrentamento de crises. Verifica-se, por exemplo, falta de união até mesmo para enfrentar uma pandemia – a sociedade brasileira atualmente sofre com a disseminação da dengue. Mais do que uma alienação política e social, há carência de sensibilidade humanística e espiritual. Essa carência gera incapacidade para diálogos indispensáveis à demolição de “muros” – aqueles que são erguidos em nome de uma proteção ilusória, muitos com “cores de apartheids”, inviabilizando o respeito à dignidade humana, produzindo a má vontade para se adotar novo estilo de vida, necessário para enfrentar os muitos desafios deste tempo.
Apesar dos progressos, a humanidade ainda convive com muitas patologias que, para serem enfrentadas, precisam de diagnósticos mais lúcidos e de remédios assertivos. Dentre as patologias, pode-se citar uma litania de “muros” que se levantam, inviabilizando “pontes”. Não se pode deixar de enfrentar a comum anestesia social que faz crescer a indiferença – uma barreira entre as pessoas. Esse obstáculo gera distanciamentos que prejudicam diálogos, caminhos para a construção de entendimentos essenciais à superação das perdas provocadas pela frieza do “mercado”. O canto de esperança para a queda dos muros pode encontrar força e efetivação na vivência da amizade social – luz que permite reconhecer saídas para diferentes situações violentas, aparentemente insuperáveis. Todos precisam se matricular na academia da amizade social, admitindo novas aprendizagens, particularmente no âmbito da sensibilidade humanística e espiritual.
O saber técnico, o desempenho político e tantas outras habilidades são importantes, mas insuficientes quando consideradas as singularidades da existência humana e as complexidades dos funcionamentos institucionais. Ser aprendiz da amizade social traz novos alentos e sentidos existenciais, alarga o horizonte para cada um se compreender sempre como instrumento e agente do bem e da paz. Capacita o ser humano para ir além do território do seu próprio bem-estar. A escola da amizade social é o lugar onde se aprende a praticar o amor fraterno, superando todo o anseio de eliminar ou querer superar o semelhante. Viver a amizade social significa cultivar abertura a todos, efetivando a demolição de muros e a edificação de pontes. Para viver essa abertura, é preciso ultrapassar a lógica do mundo das finanças e da economia, desenvolver a competência para não apenas avizinhar-se, mas se reconhecer irmão e irmã de cada pessoa.
O Papa Francisco, na sua Carta Encíclica sobre a amizade social, Fratelli Tutti, adverte sobre o risco de engajar-se em uma luta de todos contra todos, quando a lógica da vitória significa destruir o semelhante. Se prevalecer essa lógica, sublinha o Santo Padre, pensar em um projeto comum para toda a humanidade pode soar como um delírio. Essa impossibilidade é fruto de uma incompetência humanística, pela falta de sabedoria para combater o que está na contramão do bem. É hora, pela amizade social, de nos reconhecermos como comunidade, cada um procurando zelar pelo outro, especialmente pelos pobres. É preciso também cuidar para não silenciar vozes proféticas. Ao invés de silenciar, abrir-se ao que pode levar a humanidade a viver de um modo diferente, sem ameaçar a casa comum. Somente a vivência da amizade social poderá demolir muros e construir pontes. Deus é simples, embora onisciente, onipresente e onipotente. Por isso, a humanidade precisa investir na simplicidade ao configurar novos estilos de vida, para não se afastar da compaixão e da misericórdia que constituem sabedoria única. Uma sabedoria essencial para gerar as transformações almejadas, derrubando muros, edificando pontes.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo