Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

19º Domingo do Tempo Comum

19º Domingo do Tempo Comum

Em direção a que Deus estamos caminhando?

 

Frei Gustavo Medella

O tempo de pandemia que se prolongou até recentemente foi mar revolto que balançou a frágil barca da vida. O desconforto, a náusea e o medo de perecer tornaram-se nossos companheiros de viagem. A tentação do “salve-se quem puder” chegou a bater em nossa porta e nos levou a equívocos perigosos. Chegamos a esquecer que, neste contexto extremo, o cuidado apenas de si mesmo ou de alguns privilegiados não é capaz de responder à gravidade do momento. Tem de ser o cuidado de todos, inclusive do planeta.

Num momento de incertezas, perdas e dores, é quase natural que o ser humano procure olhar com mais atenção para a dimensão do transcendente, de algo que vá para além dele mesmo, na esperança de ali encontrar a solução que tanto procura. É o mesmo ímpeto que teve Simão Pedro ao caminhar sobre as águas em direção a Jesus quando ele e seus companheiros eram assolados pelo medo da tempestade.

Nesta busca marcada pela fé, é importante discernir em torno da questão: “Em direção a que Deus estou caminhando”? Se pensamos numa figura distante e seletiva que, “salvando a mim, o resto, o que importa?”; se procuramos um Deus mágico e desencarnado, descolado da realidade e que pode me levar à arrogância de dispensar os cuidados básicos e necessários apontados por quem estuda e busca conhecer o assunto, estamos caminhando em direção a um deus falso e idealizado, “criado à minha pobre imagem e semelhança”. Neste caso, fatalmente vou afundar e perecer.

Por outro lado, se me deixo tocar pela profunda experiência de Elias, que aprende a encontrar o Senhor na sutileza, na simplicidade e na discrição, ali vou perceber a mão amorosa de Deus estendida na minha direção. Ao mesmo tempo vou perceber que, mesmo pequeno e cheio de limites, também posso e devo fazer a minha parte e, vencendo o medo e o desespero, serei capaz de ser presença divina, ainda que sutil, simples e discreta, na vida de tantos irmãos e irmãs que o sofrem o desespero desta terrível tempestade.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas para este domingo

Primeira Leitura: 1Rs 19,9a.11-13a

Naqueles dias, ao chegar a Horeb, o monte de Deus, 9ao profeta Elias entrou numa gruta, onde passou a noite. E eis que a palavra do Senhor lhe foi dirigida nestes termos: 11“Sai e permanece sobre o monte diante do Senhor, porque o Senhor vai passar”.

Antes do Senhor, porém, veio um vento impetuoso e forte, que desfazia as montanhas e quebrava os rochedos. Mas o Senhor não estava no vento. Depois do vento, houve um terremoto. Mas o Senhor não estava no terremoto. 12Passado o terremoto, veio um fogo. Mas o Senhor não estava no fogo. E, depois do fogo, ouviu-se o murmúrio de uma leve brisa. 13aOuvindo isso, Elias cobriu o rosto com o manto, saiu e pôs-se à entrada da gruta.


Salmo Responsorial (Sl 84)

— Mostrai-nos, ó Senhor, vossa bondade,/ e a vossa salvação nos concedei!

— Mostrai-nos, ó Senhor, vossa bondade,/ e a vossa salvação nos concedei!

— Quero ouvir o que o Senhor irá falar:/ é a paz que ele vai anunciar. Está perto a salvação dos que o temem,/ e a glória habitará em nossa terra.

— A verdade e o amor se encontrarão, a justiça e a paz se abraçarão; da terra brotará a fidelidade, e a justiça olhará dos altos céus.

— O Senhor nos dará tudo o que é bom, e a nossa terra nos dará suas colheitas; a justiça andará na sua frente e a salvação há de seguir os passos seus.


Segunda Leitura: Rm 9,1-5

Irmãos: 1Não estou mentindo, mas, em Cristo, digo a verdade, apoiado no testemunho do Espírito Santo e da minha consciência.

2Tenho no coração uma grande tristeza e uma dor contínua, 3a ponto de desejar ser eu mesmo segregado por Cristo em favor de meus irmãos, os de minha raça. 4Eles são israelitas. A eles pertencem a filiação adotiva, a glória, as alianças, as leis, o culto, as promessas 5e também os patriarcas. Deles é que descende, quanto à sua humanidade, Cristo, o qual está acima de todos, Deus bendito para sempre! Amém!


A fé nos momentos difíceis

Evangelho: Mt 14,22-33

* 22 Logo em seguida, Jesus obrigou os discípulos a entrar na barca, e ir na frente, para o outro lado do mar, enquanto ele despedia as multidões. 23 Logo depois de despedir as multidões, Jesus subiu sozinho ao monte, para rezar. Ao anoitecer, Jesus continuava aí sozinho. 24 A barca, porém, já longe da terra, era batida pelas ondas, porque o vento era contrário.

25 Entre as três e as seis da madrugada, Jesus foi até os discípulos, andando sobre o mar. 26 Quando os discípulos o avistaram, andando sobre o mar, ficaram apavorados, e disseram: «É um fantasma!» E gritaram de medo. 27 Jesus, porém, logo lhes disse: «Coragem! Sou eu. Não tenham medo.»

28 Então Pedro lhe disse: «Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água.» 29 Jesus respondeu: «Venha.» Pedro desceu da barca, e começou a andar sobre a água, em direção a Jesus. 30 Mas ficou com medo quando sentiu o vento e, começando a afundar, gritou: «Senhor, salva-me.» 31 Jesus logo estendeu a mão, segurou Pedro, e lhe disse: «Homem fraco na fé, por que você duvidou?»

32 Então eles subiram na barca. E o vento parou. 33 Os que estavam na barca se ajoelharam diante de Jesus, dizendo: «De fato, tu és o Filho de Deus.»

* 22-33: Sobressai aqui a figura de Pedro, protótipo da comunidade que, nas grandes crises, duvida da presença de Jesus em seu meio e, por isso, pede um sinal. E mesmo vendo sinais, continua com medo das ambigüidades da situação e, por isso, a sua fé fica paralisada. Então faz o seu pedido de socorro. Jesus atende ao pedido da comunidade. Mas deixa bem claro que ela precisa crescer na fé e não temer os passos dados dentro das águas agitadas do mundo.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus

19º Domingo do Tempo Comum, ano A

Oração: Deus.eterno e todo-poderoso, a quem ousamos chamar de Pai, dai-nos cada vez mais um coração de filhos, par alcançarmos um dia a herança que prometestes”.

  1. Primeira leitura: 1Rs 19,9a.11-13ª

Permanece sobre o monte na presença do Senhor.

No seu zelo pelo Deus verdadeiro Elias provocou um massacre dos sacerdotes de Baal, divindade promovida pela rainha Jezabel. A rainha decidiu matar Elias, que fugiu para o deserto e, desanimado, deseja morrer. Mas um anjo o socorreu com pão e água. Reanimado, Elias continuou andando até o monte Horeb, onde passou a noite numa caverna. No dia seguinte, Deus mandou Elias esperar sua manifestação no alto da montanha. Houve então uma violenta ventania, depois, um terremoto e em seguida um fogo, mas Deus não se manifestou em nenhum deles e sim, numa brisa suave. Ao perceber a presença divina, Elias cobriu seu rosto com um véu e ouviu Deus que lhe falava.

Deus não se manifesta necessariamente na força, no barulho e na violência, mas prefere o silêncio, a paz e a suavidade.

Um recado para nossas liturgias barulhentas: Rezamos, falamos para Deus, cantamos e fazemos muito barulho… Será que abrimos um pequeno espaço de silêncio para deixar que Deus nos fale? – O melhor caminho para encontrar-se com Deus, lembra o profeta Isaías, é “deixar de fazer o mal e aprender a fazer o bem” (1,16-17); sem isso, de nada valem as mais belas liturgias (Is 1,10-15). É melhor dizer no silêncio de seu coração, como o publicano “ó meu Deus, tem piedade de mim, pecador”, do que louvar a Deus, achando-se melhor que os outros, como o fariseu (Lc 18,9-14).

Salmo responsorial: Sl 84

Mostrai-nos, ó Senhor, vossa bondade,

e a vossa salvação nos concedei!

  1. Segunda leitura: Rm 9,1-5

Eu desejaria ser segregado em favor de meus irmãos.

Paulo se lamenta, cheio de dor, pelos seus irmãos de sangue e fé judaica, por não terem aderido à fé em Cristo. Desejava ser o apóstolo no meio dos judeus. Desejava ser escolhido por Cristo em favor de seus irmãos judeus. No entanto, Deus o chamou para falar aos pagãos. Lucas lembra que numa celebração da liturgia o Espírito Santo disse: “Separai-me Barnabé e Saulo para a obra a que os chamo” (At 13,1-3). Paulo e Barnabé foram escolhidos pelo Espírito Santo e pelos cristãos de Antioquia para a missão entre os pagãos. Paulo reconhece a herança comum que os cristãos têm com os judeus e é grato por Cristo ter vindo do judaísmo. Acredita que Israel, o povo escolhido por Deus, continua tendo as portas abertas para sua salvação em Cristo. Também nós somos chamados a ter um relacionamento de gratidão e respeito pelos judeus, pelo muito que do judaísmo recebemos.

Aclamação ao Evangelho

Eu confio em nosso Senhor, com fé, esperança e amor;

Eu espero em sua palavra, Hosana, ó Senhor, vem, me salva!

  1. Evangelho: Mt 14,22-33

Manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água.

Os milagres da natureza (“multiplicação” do pão) e o caminhar de Jesus sobre a água querem nos dizer mais do que, simplesmente, contar um milagre. Mateus, no cap. 8,23-27, ao contar o milagre da tempestade acalmada, quer ilustrar o seguimento de Jesus. No texto que escutamos (14,22-33) Mateus quer focalizar a atitude dos discípulos e instruí-los sobre a verdadeira fé. A vida cristã acontece em meio às tempestades e adversidades do dia-a-dia. Na celebração da Missa, quando o sacerdote nos saúda “O Senhor esteja convosco”, nós respondermos “Ele está no meio de nós”. Mesmo assim, em momentos difíceis, pode surgir a dúvida concreta que afligiu o povo de Israel no deserto: “O Senhor está, ou não está, no meio de nós?” (Ex 17,17). Assim aconteceu com o profeta Elias, que fugiu para o deserto, desanimado de sua luta pela fé no verdadeiro Deus. No silêncio do deserto, porém, teve um encontro com Deus, que lhe deu forças para continuar sua missão (1ª leitura). A fé na presença de Deus torna-nos capazes de fazer coisas incríveis. – Pedro, por exemplo, quando viu Jesus caminhando sobre as águas do mar agitado pediu-lhe para fazer a mesma experiência. Jesus lhe disse: “Vem!” Na presença de Jesus (ressuscitado) parecia fácil e Pedro começou a caminhar. Mas, ao sentir o vento, duvidou da presença do Senhor e, com medo de afundar, pôs-se a gritar: “Senhor, salva-me”! Jesus logo veio em socorro e disse: “Homem fraco na fé, por que duvidaste”? Imediatamente, todos na barca sentiram a presença do Senhor, prostraram-se diante dele e disseram: “Tu és o Filho de Deus”.

Pedro e os discípulos representam a todos nós. Nossa fé pode fraquejar, mas Jesus sempre vem em nosso socorro quando a Ele clamamos. Nele podemos confiar porque verdadeiramente é o Filho de Deus.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFM,é professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Nas horas decisivas Jesus reza

Frei Clarêncio Neotti

Jesus se escondera no deserto, logo que soube da morte de João Batista (Mt 14,13). Havia perigo para ele. A multidão correu ao deserto atrás dele. Jesus se compadeceu dela (Mt 14,14) e multiplicou o pão. O povo se entusiasmou e quis
proclamá-lo rei (Jo 6,15). O momento era muito delicado. Ali estavam provavelmente todos os discípulos de João Batista, desejosos de vingar o assassinato e de se libertar do jugo pesado de Herodes, títere dos romanos. Jesus não podia
queimar etapas. Não era chegada sua hora. Nem viera para um reinado terreno. Por isso mandou os Apóstolos retornarem à barca. Não quis que eles se contagiassem com o entusiasmo político. Tinham pela frente uma missão maior. Ele mesmo despediu o povo e retirou-se ainda mais longe para orar sozinho. Nos momentos mais decisivos, os evangelistas costumam mostrar Jesus em oração. Evidentemente que estava cansado. Todos os que lidam com o povo sabem que dar atenção, escutar as queixas e esperanças e dizer uma palavra certa e consoladora é cansativo. No entanto, Jesus se retirou para orar sozinho. O cansaço não dispensa a oração. Jesus rezou a noite toda, porque só veio ao encontro dos Apóstolos
no raiar do dia, na quarta vigília, ou seja, às três da manhã.

É provável que os Apóstolos tenham recebido ordens de Jesus para não simplesmente atravessar o lago (a maior largura é de 12 km), mas navegar de um ponto a outro na mesma margem oriental onde estavam (o comprimento máximo do
lago é 21 km). É verdade que João diz que remaram rumo a Cafarnaum (Jo 6,17). Mas isso pode ser apenas por interesse literário, já que põe imediatamente o grande discurso eucarístico de Jesus em Cafarnaum.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

O Senhor não está tão longe

Por que duvidar?

 

Frei Almir Guimarães

♦ Deus não está nos fenômenos naturais grandiosos e violentos: vento, terremoto, fogo; mas no sopro leve da brisa, com que significando a espiritualidade e a intimidade das manifestações de Deus ao homem.
Missal dominical e festivo p. 769

♦ Uma vez mais somos confrontados com a Palavra. Ela nos reúne, congrega, anima e fortalece na medida em que pessoal e comunitariamente queremos. Nos deixamos interiormente tocar por ela. Sempre de novo a qualidade de nossa escuta. Vamos vivendo essa vida de todos os dias. Tentamos tudo esclarecer com uma luz que do Mistério, desse que mora numa luz inacessível, da fé. Somos cristãos e não gostaríamos de ver a figura de Jesus se diluir nas coisas de todos os dias. Que o Senhor aumente nossa fé.

♦ Elias está cansado. É penoso ser profeta, dizer aos homens o que Deus manda dizer e que é para o bem deles. O profeta está tentado abandonar tudo. É demais. Hoje vemo-lo subir ao Horeb, a montanha de Deus. Vai ali passar a noite. Deus se lhe manifesta. Vento impetuoso que quebrava os rochedos. Terremoto que a tudo sacudia e fogo violento. Ali não estava Deus. E veio uma brisa suave, um silencio sutil. E ali estava Ele, o Altíssimo como que a dizer ao mais íntimo do profeta desanimado que o acolhesse. “Elias cobriu o rosto com o manto, saiu e pôs-se à entrada da gruta”.

♦ Confiança numa presença sutil, que não pode ser vista. O Senhor não está nas violências, nos estardalhaços. A experiência está sempre a nos dizer que o encontramos quando deixamos o bulício, mas na busca persistente de encontros no âmbito da brisa ligeira. Talvez no eloquente silêncio, quem sabe quarto ou em nossos templos. Nesse empenho de silencio interior, no degustar os salmos vamos alimentando nossa inteira certeza de uma proximidade que nos permite superar medos e desânimos, como foi o caso de Elias. Trata-se de uma experiência interior. Francisco de Assis foi um amante e frequentador das grutas, mas nos garante que sua reviravolta interior começou num episódio terra a terra, ou seja, a carinhosa aproximação sua das carnes do leproso. Ali ele tocou o Mistério.

♦ Detenhamo-nos agora na perícope do evangelho. Jesus despede as multidões depois da multiplicação dos pães. Pede que os discípulos avancem até o outro lado do Lago de Genesaré. O evangelista observa que “Jesus sobe ao monte para rezar a sós”. Essas coisas ditas en passant são importantes. Jesus sente necessidade de estar a sós com o Pai.

♦ Ordem de atravessar o mar… mas o impiedoso mar impedia e complicava a ordem de Jesus. Tempestade e medo. Parece nossa história de fé. Sensação de abandono. Jesus nos pediu e nos pede que continuemos sua obra. Garantiu que estaria conosco até o final dos tempos. Palavrinha curta e difícil. Fé. Na proximidade de sua presença. Confiança de ir até andando sobre as águas. Supõe fé em Jesus. Preciso a coragem de ir sempre “ao encontro de Jesus”.

♦ Necessário saber gritar como Pedro: “Senhor, salva-me”. No empenho de divulgar a Boa Nova do Evangelho, a alegria da fé, nos desalentos e nas dúvidas: “Senhor, salva-me”.


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Aprender a crer a partir da dúvida

José Antonio Pagola

Não é fácil responder com sinceridade essa pergunta que Jesus faz a Pedro no momento em que o salva de afundar na água: “Por que duvidaste?”

Às vezes, as mais profundas convicções se desvanecem e os olhos da alma ficam turvos sem que saibamos exatamente por quê. Princípios aceitos até então como inalteráveis começam a cambalear. E desperta em nós a tentação de abandonar tudo sem reconstruir nada novo.

Outras vezes, o mistério de Deus parece oprimir-nos. A última palavra sobre a minha vida me escapa e é duro abandonar-me ao mistério: minha razão continua buscando insatisfeita uma luz clara e incontestável que não encontra, nem jamais poderá encontrar.

Não raras vezes a superficialidade e a leviandade de nossa vida cotidiana e o culto secreto a tantos ídolos nos submergem em graves crises de indiferença e ceticismo interior, com a sensação de termos realmente perdido a Deus.

Com frequência é nosso próprio pecado que enfraquece nossa fé, pois ela decai e se debilita quando nos afastamos de Deus. Se somos sinceros, temos que confessar que há uma distância enorme entre o crente que professamos ser e o crente que somos na realidade. O que fazer ao constatar uma fé às vezes tão frágil e vacilante em nós?

Primeiramente, não desesperar nem assustar-nos ao descobrir dúvidas e vacilações em nós. A busca de Deus se vive quase sempre na insegurança, na obscuridade e no risco. A Deus se busca “às apalpadelas”. E não devemos esquecer que muitas vezes “a genuína fé só pode aparecer como dúvida superada” (Ladislao Boros).

O importante é aceitar o mistério de Deus com o coração aberto. Nossa fé depende da verdade de nossa relação com Ele. E não é preciso esperar que nossas interrogações e dúvidas se resolvam para viver em verdade diante desse Pai.

Por isso é importante saber gritar como Pedro: “Senhor, salva-me”. Saber levantar nossas mãos vazias para Deus, não só como gesto de súplica, mas também de entrega confiante de alguém que se reconhece pequeno, ignorante e necessitado de salvação. Não esqueçamos que a fé é “caminhar sobre a água”, mas com a possibilidade de encontrar sempre essa mão que nos salva quando começamos a afundar.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

Cristo abandonou a Igreja?

Pe. Johan Konings

As leituras de hoje falam de tempestade e escuridão. Na 1ª leitura, Elias, desanimado, procura Deus no monte no qual este se havia manifestado a Moisés. Deus lhe promete uma “entrevista”. Elias o espera, no vento, no terremoto, no fogo, mas ele não está aí. Depois, porém, surge uma brisa mansa, e Deus lhe fala… No evangelho lemos que, depois da multiplicação dos pães, Jesus manda os discípulos atravessarem o mar, sozinhos. Ele mesmo fica na montanha, para orar. No meio da noite, enquanto os discípulos lutam contra a tempestade, ele vai até eles, andando sobre o mar. Incute-lhes confiança: “Não tenhais medo”. Pedro se entusiasma, quer ir até ele sobre as ondas, mas duvida…

Deus é precedido pela tempestade, mas domina-a. É na calmaria que ele dirige a palavra a Elias. Jesus domina as ondas do lago e dissipa o pânico dos discípulos. Sua manifestação é um convite a ter fé nele. Os doze, o barco, o porta-voz Pedro: tudo isso evoca a Igreja, abalada pelas tempestades da história, enquanto Cristo parece estar demorando para chegar – pois os primeiros cristãos esperavam vivamente e para breve a nova vinda de Cristo, a Parusia, que parecia protelar-se sempre assim. A mensagem da narrativa parece ser que a Igreja deve acreditar na presença confortadora de seu Senhor.Mas nessa fé podem aparecer falhas, como no caso de Pedro…

Que tempestade e escuridão angustiam a Igreja hoje? Cristo nos parece estar longe, não percebemos sua presença… A Igreja como poderosa instituição está sendo atingida pelo desmantelamento da força política que durante muito tempo lhe serviu de sustentáculo: o ocidente europeu e suas extensões coloniais: “Morreu a Cristandade”, o regime no qual Igreja e Sociedade se identificavam. Sociologicamente falando, a Igreja aparece sempre mais como o que ela era no início: uma mera comunidade de fiéis, sem maior peso civil que as sociedades culturais, círculos literários e clubes de futebol (e olhe lá!). Quem ainda não acostumou seus olhos a esses apagamento sociológico, tem dificuldade de enxergar a presença de Cristo.

As dificuldades que a Igreja enfrenta hoje devem nos fazer enxergar melhor a presença de Cristo em novos setores da Igreja, sobretudo na população empobrecida e excluída da sociedade do bem-estar globalizado. De repente, Jesus se manifesta como calmaria no ambiente tempestuoso das “periferias” do mundo, na simplicidade das comunidades nascidas da fé do povo. Temos coragem para ir até ele ou duvidamos ainda, deixando-nos “levar pela onda”?


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella