XVI ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS
PARA UMA IGREJA SINODAL: COMUNHÃO, PARTICIPAÇÃO, MISSÃO
INSTRUMENTUM LABORIS para a Primeira Sessão (Outubro de 2023)
SUMÁRIO
Prefácio
O percurso até agora
Um instrumento de trabalho para a segunda fase do percurso sinodal
A estrutura do texto
A. Para uma Igreja sinodal. Uma experiência integral
A 1. Os sinais característicos de uma Igreja sinodal
A 2. Um caminho para a Igreja sinodal: o diálogo no Espírito
B. Comunhão, missão, participação. Três questões prioritárias para a Igreja sinodal
B 1. Uma comunhão que irradia. Como podemos ser mais plenamente sinal e instrumento da união com Deus e da unidade do gênero humano?
B 2. Corresponsáveis na missão. Como partilhar dons e tarefas ao serviço do Evangelho?
B 3. Participação, responsabilidade e autoridade. Que processos, estruturas e instituições numa Igreja sinodal missionária?
FICHAS DE TRABALHO PARA A ASSEMBLEIA SINODAL
Introdução
Fichas para B 1. Uma comunhão que irradia
B 1.1 Como é que o serviço da caridade e o empenho na justiça e no cuidado da casa comum alimentam a comunhão numa Igreja sinodal?
B 1.2 Como pode uma Igreja sinodal tornar credível a promessa de que «o amor e a verdade se encontrarão» (Sl 85,11)?
B 1.3 Como pode crescer uma relação dinâmica de troca de dons entre Igrejas?
B 1.4 Como pode uma Igreja sinodal cumprir melhor a sua missão através de um compromisso ecumênico renovado?
B 1.5 Como reconhecer e colher a riqueza das culturas e desenvolver o diálogo com as religiões à luz do Evangelho?
Fichas para B 2. Corresponsáveis na missão
B 2.1 Como podemos caminhar juntos para uma consciência comum do sentido e do conteúdo da missão?
B 2.2 O que fazer para que uma Igreja sinodal seja também uma Igreja missionária “toda ministerial”?
B 2.3 Como pode a Igreja do nosso tempo cumprir melhor a sua missão através de um maior reconhecimento e promoção da dignidade batismal das mulheres?
B 2.4 Como valorizar o Ministério ordenado, na sua relação com os Ministérios batismais, numa perspetiva missionária?
B 2.5 Como renovar e promover o Ministério do Bispo numa perspetiva sinodal missionária?
Fichas para B 3. Participação, responsabilidade e autoridade
B 3.1 Como renovar o serviço da autoridade e o exercício da responsabilidade numa Igreja sinodal missionária?
B 3.2 Como podemos desenvolver práticas de discernimento e processos de tomada de decisão de uma forma autenticamente sinodal, reforçando o papel de liderança do Espírito?
B 3.3. Que estruturas podem ser desenvolvidas para consolidar uma Igreja sinodal missionária?
B 3.4 Como configurar instâncias de sinodalidade e colegialidade envolvendo agrupamentos de igrejas locais?
B 3.5 Como se pode reforçar a instituição do Sínodo para que seja uma expressão da colegialidade episcopal numa Igreja totalmente sinodal?
ABREVIATURAS
AA Concílio Vaticano II, Decr. Apostolicam actuositatem (18 de novembro de 1965)
AG Concílio Vaticano II, Decr. Ad gentes (7 de dezembro de 1965)
CA São João Paulo II, Cart. Enc. Centesimus annus (1° de maio de 1991)
CL São João Paulo II, Exort. Ap. Post-Sinod. Christifideles laici (30 de dezembro de 1988)
CV Francisco, Exort. Ap. Post-Sinod. Christus vivit (25 de março de 2019)
DP Secreteria Geral do Sínodo, Para uma Igreja sinodal. Comunhão, participação, missão. Documento Preparatório (2021)
DEC Secreteria Geral do Sínodo, Para uma Igreja sinodal. Comunhão, participação, missão. «Alarga o espaço da tua tenda» (Is 54,2). Documento de Trabalho para a Etapa Continental (2022)
DV Concílio Vaticano II, Const. Dogm. Dei Verbum (18 de novembro de 1965)
EC Francisco, Const. Ap. Episcopalis communio (15 de setembro de 2018)
EG Francisco, Exort. Ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013)
FT Francisco, Cart. Enc. Fratelli tutti (3 de outubro de 2020)
GS Concílio Vaticano II, Const. Past. Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965)
IL Instrumentum Laboris
LG Concílio Vaticano II, Const. Dogm. Lumen gentium (21 de novembro de 1964)
PE Francisco, Const. Ap. Praedicate Evangelium (19 de março de 2022)
SC Concílio Vaticano II, Const. Sacrosanctum Concilium (4 de dezembro de 1963)
UR Concílio Vaticano II, Decr. Unitatis redintegratio (21 de novembro de 1964)
INSTRUMENTUM LABORIS
Prefácio
«O Deus da constância e da consolação vos conceda toda a união nos mesmos sentimentos, uns com os outros, segundo a vontade de Cristo Jesus. Assim, tendo como que um só coração e a uma só voz, glorificareis o Deus e Pai do nosso Senhor Jesus Cristo» (Rm 15,5-6).
O percurso até agora
1. O Povo de Deus está em movimento desde 10 de outubro de 2021, quando o Papa Francisco convocou toda a Igreja para o Sínodo. Partindo do seu nível mais vital e elementar, as igrejas locais em todo o mundo iniciaram a consulta ao Povo de Deus, começando com a pergunta básica formulada no n. 2 do DP: «como se realiza hoje, a diferentes níveis (do local ao universal) aquele “caminhar juntos” que permite à Igreja anunciar o Evangelho, em conformidade com a missão que lhe foi confiada; e que passos o Espírito nos convida a dar para crescer como Igreja sinodal?». Os frutos da consulta foram recolhidos a nível diocesano e, em seguida, resumidos e enviados aos Sínodos das Igrejas Católicas Orientais e às Conferências Episcopais. Por sua vez, cada um destes elaborou uma síntese que foi encaminhada à Secretaria Geral do Sínodo.
2. A partir da leitura e análise dos documentos recolhidos, foi elaborado o DEC, a serviço de uma etapa que representa um novo passo no processo sinodal em curso. O DEC foi devolvido às Igrejas locais em todo o mundo, convidando-as a confrontarem-se com ele e, em seguida, a se reunirem e dialogarem nas sete Assembleias continentais. Durante esse período, o trabalho do Sínodo digital também continuou. O objetivo era concentrar-se nas percepções e tensões que ressoavam mais fortemente com a experiência da Igreja em cada continente e identificar, a partir da perspectiva de cada continente, as prioridades a serem abordadas na Primeira Sessão da Assembleia sinodal de outubro de 2023.
3. Este IL foi elaborado com base em todo o material recolhido durante a fase de escuta e, em particular, nos documentos finais das Assembleias continentais. A sua publicação encerra a primeira fase do Sínodo, «Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão», e abre a segunda, composta pelas duas sessões[1] nas quais ocorrerá a XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (outubro de 2023 e 2024). O seu objetivo será continuar a animar o processo na vida ordinária da Igreja, identificando em quais linhas o Espírito nos convida a caminhar com mais determinação como Povo de Deus. O fruto que pedimos para a próxima Assembleia é que o Espírito inspire a Igreja a caminhar junto como o Povo de Deus em fidelidade à missão que o Senhor lhe confiou. De fato, o objetivo do processo sinodal «não é produzir documentos, mas abrir horizontes de esperança para o cumprimento da missão da Igreja» (DEC 6).
4. O percurso até agora, incluindo especialmente a etapa continental, possibilitou identificar e partilhar as situações particulares vividas pela Igreja em diferentes regiões do mundo. Estas incluem a realidade do excesso de guerras que mancham o nosso mundo com sangue, levando a um apelo para um compromisso renovado pela construção de uma paz justa; a ameaça representada pela mudança climática que implica uma prioridade necessária de cuidar da casa comum; um sistema econômico que produz exploração, desigualdade e uma cultura do descarte; a pressão homogeneizadora do colonialismo cultural que esmaga as minorias; experiência de sofrer perseguição até ao martírio e emigração que progressivamente esvaziam as comunidades, ameaçando a sua própria sobrevivência; o crescente pluralismo cultural que atualmente marca todo o planeta; a experiência de comunidades cristãs que representam minorias dispersas dentro do país em que vivem; experiência de lidar com uma secularização cada vez mais avançada e, por vezes, agressiva, que parece considerar a experiência religiosa irrelevante, mas onde permanece a sede pela Boa Nova do Evangelho. Em muitas regiões, as igrejas são profundamente afetadas pela crise causada por várias formas de abuso: sexual, de poder e de consciência, económicos e institucionais. Estas são feridas abertas, cujas consequências ainda não foram totalmente tratadas. Ao pedido de perdão dirigido às vítimas pelos sofrimentos causados, a Igreja deve unir um compromisso crescente de conversão e de reforma, a fim de evitar que situações semelhantes voltem a acontecer no futuro.
5. É nesse contexto, diversificado mas com características globais comuns, que aconteceu o percurso sinodal. À Assembleia Sinodal também será pedido ouvir profundamente as situações nas quais a Igreja vive e realiza sua missão: o que significa caminhar juntos somente ganha a sua urgência missionária quando é perguntado num contexto específico, com pessoas e situações reais em mente. Está em jogo a capacidade de proclamar o Evangelho caminhando juntamente com os homens e as mulheres de nosso tempo, onde quer que estejam, e praticando a catolicidade que emerge do caminhar junto com as igrejas que vivem em condições de sofrimento particular (cf. LG 23).
6. Na Assembleia Sinodal, trazemos os frutos colhidos durante a fase de escuta. Em primeiro lugar, experimentamos a alegria expressa no encontro sincero e respeitoso entre irmãos e irmãs na fé: encontrar-se com o outro é encontrar o Senhor que está no meio de nós! Assim, pudemos tocar com nossas próprias mãos a catolicidade da Igreja, que, na variedade de idades, sexos e condições sociais, manifesta uma riqueza extraordinária de carismas e vocações eclesiais, e é guardiã de um tesouro de diferenças de idiomas, culturas, expressões litúrgicas e tradições teológicas. De fato, essa rica diversidade é o dom de cada Igreja local para todas as outras (cf. LG 13), e a dinâmica sinodal é uma maneira de apreciar e aprimorar essa rica diversidade sem esmagá-la em uniformidade. Da mesma forma, descobrimos que há questões partilhadas, mesmo que a sinodalidade seja vivenciada e compreendida de várias maneiras em diferentes partes do mundo, com base numa herança comum da Tradição apostólica. Parte do desafio da sinodalidade é discernir o nível em que é mais apropriado abordar cada questão. Certas tensões são igualmente partilhadas. Não nos devemos assustar com elas, nem tentar resolvê-las a qualquer custo, mas sim nos envolver num discernimento sinodal contínuo. Somente dessa forma essas tensões se podem tornar fontes de energia e não cair em polarizações destrutivas.
7. A primeira fase renovou a nossa consciência de que a nossa identidade e vocação é nos tornarmos uma Igreja cada vez mais sinodal: caminhar juntos, ou seja, tornar-se sinodal é o caminho para nos tornarmos verdadeiramente discípulos e amigos daquele Mestre e Senhor que disse de si mesmo: «Eu sou o caminho» (Jo 14,6). Também hoje constitui um desejo profundo: tendo experimentado isso como um dom, queremos continuar a fazê-lo, conscientes de que este caminho se realizará no último dia, quando, pela graça de Deus, nos tornaremos parte daquela multidão assim descrita no Apocalipse: «Vi uma multidão imensa, que ninguém podia contar, gente de todas as nações, tribos, povos e línguas. Estavam de pé diante do trono e do Cordeiro; vestiam túnicas brancas e traziam palmas na mão. Todos proclamavam com voz forte: “A salvação pertence ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro”» (Ap 7,9-10). Esse texto nos dá a imagem de uma Igreja na qual reina a perfeita comunhão entre todas as diferenças que a compõem, diferenças essas que são mantidas e unidas na única missão que ainda precisa ser cumprida: participar da liturgia de louvor que, de todas as criaturas, por meio de Cristo, se eleva ao Pai na unidade do Espírito Santo.
8. À intercessão destas irmãs e destes irmãos, que já estão vivendo a plena comunhão dos santos (cf. LG 50), e especialmente àquela que é a primeira em suas fileiras (cf. LG 63), Maria, Mãe da Igreja, confiamos o trabalho da Assembleia e a continuação de nosso compromisso com uma Igreja sinodal. Pedimos que a Assembleia seja um momento de efusão do Espírito, mas, mais ainda, que a graça nos acompanhe quando chegar o momento de colocar seus frutos em ação na vida cotidiana das comunidades cristãs em todo o mundo.
Um instrumento de trabalho para a segunda fase do processo sinodal
9. As novidades que marcam o Sínodo 2021-2024 são inevitavelmente refletidas no significado e na dinâmica da Assembleia Sinodal e, portanto, na estrutura do Instrumentum Laboris (IL) que está ao serviço da sua realização. Em particular, a longa fase preparatória já levou à produção de uma multiplicidade de documentos: DP, sínteses das Igrejas locais, DEC e Documentos finais das Assembleias continentais. Dessa forma, foi estabelecido um circuito de comunicação entre as Igrejas locais e entre estas e a Secretaria Geral do Sínodo. O atual IL não anula os documentos anteriores nem absorve toda a sua riqueza, mas está enraizado neles e se refere continuamente a eles: na preparação para a Assembleia, pede-se aos Membros do Sínodo que tenham em mente os documentos anteriores, em particular o DEC e os Documentos finais das Assembleias dontinentais, bem como o relatório do Sínodo digital, e que os utilizem como ferramentas para seu próprio discernimento. Em particular, os Documentos finais das Assembleias continentais são particularmente valiosos por manterem a realidade concreta dos diferentes contextos e os desafios colocados por cada um deles: o trabalho comum da Assembleia sinodal não pode prescindir deles. Os muitos recursos reunidos na seção dedicada do site do Sínodo 2021-2024, www.synod.va, também podem ser úteis, em particular a Const. Ap. Episcopalis communio e os dois documentos da Comissão Teológica Internacional, Sinodalidade na vida e missão da Igreja (2018) e O sensus fidei na vida da Igreja (2014).
10. Dada a abundância de material já disponível, o IL foi concebido como um auxílio prático para a condução da Assembleia Sinodal em outubro de 2023 e, portanto, para a sua preparação. Ainda mais válido para o IL é a descrição dada ao DEC: «não é um documento do Magistério da Igreja, nem o relatório de um inquérito sociológico; não oferece a formulação de indicações operativas, de metas e objetivos, nem a completa elaboração de uma visão teológica» (n. 8). Isso é inevitável, uma vez que o IL faz parte de um processo inacabado. No entanto, o IL dá um passo além do DEC, baseando-se nas percepções da primeira fase e agora no trabalho dos Assembleias continentais, articulando algumas das prioridades que surgiram ao ouvir o Povo de Deus, mas evita apresentá-las como afirmações ou posições. Em vez disso, ele as expressa como perguntas dirigidas à Assembleia sinodal. Este órgão terá a tarefa de discernir os passos concretos que possibilitam o crescimento contínuo de uma Igreja sinodal, passos que depois submeterá ao Santo Padre. Só então se completará essa dinâmica particular de escuta, na qual «cada um tem algo a aprender. Povo fiel, Colégio episcopal, Bispo de Roma: cada um à escuta dos outros; e todos à escuta do Espírito Santo, o “Espírito da verdade” (Jo 14, 17), para conhecer aquilo que Ele “diz às Igrejas” (Ap 2, 7)»[2]. Assim sendo, o objetivo do IL não é ser um primeiro esboço do Documento Final da Assembleia Sinodal, apenas para ser corrigido ou emendado. Em vez disso, delineia uma compreensão inicial da dimensão sinodal da Igreja, com base na qual um discernimento posterior pode ser feito. Os Membros da Assembleia Sinodal são os principais destinatários do IL, que também é tornado público não apenas por motivos de transparência, mas como uma contribuição para a implementação de iniciativas eclesiais. Em particular, pode incentivar a participação na dinâmica sinodal ao nível local e regional, enquanto se aguarda o resultado da Assembleia de outubro. Isso fornecerá mais material sobre o qual as Igrejas locais serão chamadas a orar, refletir, agir e dar a sua própria contribuição.
11. As perguntas que o IL apresenta são uma expressão da riqueza do processo do qual foram extraídas: elas trazem a marca dos nomes e rostos particulares daqueles que participaram e testemunham a experiência de fé do Povo de Deus, revelando assim a realidade de uma experiência transcendente. Desse ponto de vista, indicam um horizonte em direção ao qual somos convidados a viajar com confiança, aprofundando a prática sinodal da Igreja. A primeira fase nos permite compreender a importância de tomar a igreja local como um ponto de referência privilegiado[3], como o lugar teológico onde os Batizados experimentam, em termos práticos, o caminhar juntos. Entretanto, isso não nos leva a um fechamento. Nenhuma igreja local pode viver fora dos relacionamentos que a unem a todas as outras, incluindo o relacionamento particular com a Igreja de Roma, à qual foi confiado o serviço da unidade por meio do ministério de seu Pastor, que convocou toda a Igreja em Sínodo.
12. Esse foco nas igrejas locais exige que se tenha em conta a variedade e diversidade de culturas, idiomas e modos de expressão. Em particular, as mesmas palavras – pensemos, por exemplo, em autoridade e liderança – podem ter ressonâncias e conotações muito diferentes em diferentes áreas linguísticas e culturais, especialmente quando, em alguns contextos, um termo está associado a precisas abordagens teóricas ou ideológicas. O IL se esforça por evitar a linguagem que fomente a divisão, na esperança de promover um melhor entendimento entre os membros da Assembleia sinodal que vêm de diferentes regiões ou tradições. A visão do Vaticano II é o ponto de referência partilhado, a partir da catolicidade do Povo de Deus, em virtude da qual «cada uma das partes traz às outras e a toda a Igreja os seus dons particulares, de maneira que o todo e cada uma das partes aumentem pela comunicação mútua entre todos e pela aspiração comum à plenitude na unidade, […] sem detrimento do primado da cátedra de Pedro, que preside à universal assembleia da caridade, protege as legítimas diversidades e vigia para que as particularidades ajudem a unidade e de forma alguma a prejudiquem» (LG 13). Essa catolicidade se realiza na relação de mútua interioridade entre a Igreja universal e as Igrejas locais, nas quais e a partir das quais «existe a Igreja católica, una e única» (LG 23). O processo sinodal, que na primeira fase se desenrolou nas Igrejas locais, está agora na sua segunda fase, com a realização das duas sessões da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos.
A estrutura do texto
13. Este IL está dividido em duas seções, que correspondem à articulação das tarefas das Assembleias continentais (e, portanto, aos conteúdos dos relativos Documentos finais): em primeiro lugar, proceder a uma releitura do caminho percorrido durante a primeira fase, a fim de identificar o que a Igreja de cada continente aprendeu com a experiência sobre a maneira de viver a dimensão sinodal ao serviço da missão; em seguida, discernir as ressonâncias produzidas nas Igrejas locais do continente pela comparação com o DEC, a fim de identificar as prioridades sobre as quais continuar o discernimento durante a Assembleia Sinodal.
14. A Seção A do IL, intitulada «Para uma Igreja sinodal», procura reunir os frutos do caminho percorrido até agora. Em primeiro lugar, delineia uma série de características fundamentais ou marcas distintivas de uma Igreja sinodal. Em seguida, articula a consciência de que uma Igreja sinodal também é marcada por uma maneira particular de proceder. De acordo com o resultado da primeira fase, o diálogo no Espírito é essa maneira de proceder. Sobre os frutos desta releitura a Assembleia será convidada a reagir com o objetivo de os esclarecer e precisar. A Seção B deste IL, intitulada «Comunhão, missão, participação»[4], articula, na forma de três perguntas, as prioridades que emergem do trabalho de todos os continentes, apresentando-as ao discernimento da Assembleia. A fim de auxiliar o processo de trabalho da Assembleia sinodal, especialmente os trabalhos em grupo (Circuli Minores), são propostas cinco folhas de trabalho para cada uma das três prioridades, permitindo que sejam abordadas a partir de diferentes perspectivas.
15. As três prioridades da seção B, desenvolvidas por meio das respectivas Fichas de trabalho, abrangem tópicos amplos de grande relevância. Muitos poderiam ser objeto de todo um Sínodo, e alguns já o foram. Em vários casos, as intervenções do Magistério também são numerosas e bem definidas. Durante a Assembleia, elas não podem ser tratadas extensivamente nem, acima de tudo, devem ser consideradas independentemente umas das outras. Em vez disso, elas devem ser abordadas a partir da sua relação com o real tema dos trabalhos, ou seja, a Igreja sinodal. Por exemplo, as referências à urgência de dedicar atenção adequada às famílias e aos jovens não têm o objetivo de estimular um novo tratamento do ministério da família ou dos jovens. O seu objetivo é ajudar a focar como a implementação das conclusões das Assembleias sinodais de 2015 e 2018 e as orientações das Exortações Apostólicas Pós-sinodais subsequentes, Amoris laetitia e Christus vivit, representa uma oportunidade de caminharmos juntos como uma Igreja capaz de acolher e acompanhar, aceitando as mudanças necessárias nas regras, estruturas e procedimentos. O mesmo se aplica a muitas outras questões que emergem nas Fichas de trabalho.
16. O compromisso solicitado à Assembleia e a seus Membros será o de manter um equilíbrio dinâmico entre manter uma visão geral, que caracteriza a seção A, e a identificação de medidas práticas a serem tomadas de forma concreta e oportuna, que é o foco da seção B deste texto. Disso dependerá a fecundidade do discernimento da Assembleia sinodal, cuja tarefa será abrir toda a Igreja para acolher a voz do Espírito Santo. Uma inspiração para esse trabalho pode vir da reflexão sobre a articulação da Const. Past. Gaudium et Spes, que «consiste em duas partes», diferentes em caráter e foco, mas que se tornam «um todo unificado» (GS, nota de rodapé 1).
A. Para uma Igreja Sinodal
Uma experiência integral
«Há diversidade de carismas, mas o Espírito é o mesmo; há diversidade de serviços, mas o Senhor é o mesmo; há diversidade de atividades, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. A cada um é dada a manifestação do Espírito para o bem comum» (1Cor 12,4-7).
17. Um traço comum que une as descrições das etapas da primeira fase: é a surpresa expressa pelos participantes que se encontraram perante algo inesperado que superou as suas expectativas. Para quem participa, o processo sinodal oferece uma oportunidade de encontro na fé que faz crescer o vínculo com o Senhor, a fraternidade entre as pessoas e o amor pela Igreja, não apenas ao nível individual, mas envolvendo e dinamizando toda a comunidade. A experiência é a de um horizonte de esperança que se abre para a Igreja, um sinal claro da presença e da ação do Espírito que a guia através da história no seu caminho rumo ao Reino (cf. LG 5): «O protagonista do Sínodo é o Espírito Santo»[5]. Desta forma, quanto mais intensamente foi aceite o convite para caminhar juntos, mais o Sínodo se tornou um caminho no qual o Povo de Deus prossegue com entusiasmo, mas sem ingenuidade. De fato, os problemas, as resistências, as dificuldades e as tensões não são escondidos ou dissimulados, mas identificados e nomeados graças a um contexto de diálogo autêntico que permite falar e ouvir com liberdade e sinceridade. Questões que muitas vezes são colocadas de maneira adversa, ou para as quais a vida da Igreja hoje carece de um lugar de aceitação e discernimento, podem ser abordadas de maneira evangélica dentro do processo sinodal.
18. Um termo tão abstrato ou teórico como sinodalidade começou assim a encarnar-se numa experiência concreta. A partir da escuta do Povo de Deus, surge uma apropriação e uma compreensão progressivas da sinodalidade “a partir de dentro”, que não deriva da enunciação de um princípio, de uma teoria ou de uma fórmula, mas se desenvolve a partir de uma disposição para entrar numa dinâmica de palavra construtiva, respeitosa e orante, de escuta e diálogo. Na raiz desse processo está a aceitação, tanto pessoal como comunitária, de algo que é tanto um dom quanto um desafio: ser uma Igreja de irmãs e irmãos em Cristo que se escutam mutuamente e que, ao fazê-lo, são gradualmente transformados pelo Espírito.
A 1. Os sinais característicos de uma Igreja sinodal
19. Dentro desta compreensão integral, surge a consciência de certas características ou sinais distintivos de uma Igreja sinodal. Estas são convicções partilhadas sobre as quais nos devemos debruçar e refletir juntos ao empreendermos um caminho que continuará a clarificá-las e a precisá-las, a partir do trabalho da Assembleia sinodal.
20. É isso que emerge com grande força de todos os continentes: a consciência de que uma Igreja sinodal se funda no reconhecimento da dignidade comum derivada do Batismo, que torna todos os que o recebem filhos e filhas de Deus, membros da família de Deus e, portanto, irmãos e irmãs em Cristo, habitados pelo único Espírito e enviados para cumprir uma missão comum. Na linguagem de Paulo, «todos nós – judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só Espírito, para sermos um só corpo e a todos nos foi dado a beber um só Espírito» (1Cor 12,13). Assim, o Batismo cria uma verdadeira corresponsabilidade entre todos os membros da Igreja, que se manifesta na participação de todos, com os carismas de cada um, na missão da Igreja e na edificação da comunidade eclesial. Uma Igreja sinodal não pode ser entendida senão no horizonte da comunhão, que é sempre também uma missão de proclamar e encarnar o Evangelho em todas as dimensões da existência humana. A comunhão e a missão se nutrem da participação comum na Eucaristia, que faz da Igreja um corpo «ajustado e unido» (Ef 4,16) em Cristo, capaz de caminhar em conjunto rumo ao Reino.
21. Enraizado nessa consciência está o desejo de uma Igreja que também seja cada vez mais sinodal em suas instituições, estruturas e procedimentos, de modo a constituir um espaço no qual a dignidade batismal comum e a corresponsabilidade pela missão não sejam apenas afirmadas, mas exercidas e praticadas. Nesse espaço, o exercício da autoridade na Igreja é apreciado como um dom, com o desejo de que seja cada vez mais configurado como «um verdadeiro serviço, significativamente chamado “diaconia” ou ministério na Sagrada Escritura» (LG 24), seguindo o modelo de Jesus, que se abaixou para lavar os pés de seus discípulos (cf. Jo 13,1-11).
22. «Uma Igreja sinodal é uma Igreja que escuta» [6]: esta consciência é fruto da experiência do caminho sinodal, que é uma escuta do Espírito por meio da escuta da Palavra, da escuta dos acontecimentos da história e da escuta mútua como indivíduos e entre as comunidades eclesiais, desde o nível local até os níveis continental e universal. Para muitos, a grande surpresa foi a experiência de serem ouvidos pela comunidade, em alguns casos pela primeira vez, recebendo assim o reconhecimento de seu valor humano único, que testemunha o amor do Pai por cada um de seus filhos e filhas. A experiência de ouvir e ser ouvido desta forma não serve apenas a uma função prática, mas também tem uma profundidade teológica e eclesial, pois segue o exemplo de como Jesus ouviu as pessoas que encontrou. Este estilo de ouvir precisa marcar e transformar todos os relacionamentos que a comunidade cristã estabelece entre seus membros, bem como com outras comunidades religiosas e com a sociedade como um todo, especialmente em relação àqueles cuja voz é mais frequentemente ignorada.
23. Como Igreja comprometida em ouvir, uma Igreja sinodal deseja ser humilde e sabe que deve pedir perdão e que tem muito a aprender. Alguns relatórios observaram que o caminho sinodal é necessariamente penitencial, reconhecendo que nem sempre vivemos a dimensão sinodal constitutiva da comunidade eclesial. O rosto da Igreja hoje traz os sinais de graves crises de confiança e de credibilidade. Em muitos contextos, crises relacionadas com abusos sexuais e abusos de poder, dinheiro e consciência levaram a Igreja a um exigente exame de consciência para que, «sob a ação do Espírito Santo, não cesse de se renovar» (LG 9), num caminho de arrependimento e conversão que abre percursos de reconciliação, cura e justiça.
24. Uma Igreja sinodal é uma Igreja do encontro e do diálogo. No caminho que percorremos, esse aspecto da sinodalidade emerge com força especial em relação a outras Igrejas e Comunidades eclesiais, às quais estamos unidos pelo vínculo de um só Batismo. O Espírito, que é «o princípio da unidade da Igreja» (UR 2), está atuando nessas Igrejas e Comunidades eclesiais e nos convida a trilhar caminhos de conhecimento mútuo, de partilha e construção de uma vida comum. A nível local, emerge com força a importância do que já está sendo feito em conjunto com membros de outras Igrejas e Comunidades eclesiais, especialmente como um testemunho comum em contextos socioculturais que são hostis até o ponto da perseguição – este é o ecumenismo do martírio – e perante a emergência ecológica. Em todos os lugares, em sintonia com o Magistério do Concílio Vaticano II, emerge o profundo desejo de aprofundar o caminho ecumênico: uma Igreja autenticamente sinodal não pode deixar de envolver todos aqueles que partilham o único Batismo.
25. Uma Igreja sinodal é chamada a praticar a cultura do encontro e do diálogo com os fiéis de outras religiões e com as culturas e sociedades nas quais está inserida, mas, acima de tudo, entre as muitas diferenças que atravessam a própria Igreja. Esta Igreja não tem medo da variedade que comporta, mas a valoriza sem forçá-la à uniformidade. O processo sinodal tem sido uma oportunidade de começar a aprender o que significa viver a unidade na diversidade, um ponto fundamental a ser explorado, confiando que o caminho se tornará mais claro à medida que avançarmos. Portanto, uma Igreja sinodal promove a passagem do “eu” para o “nós”. É um espaço no qual ressoa uma chamada para sermos membros de um corpo que valoriza a diversidade, mas que é unificado pelo Espírito. É o Espírito que nos impele a ouvir o Senhor e a responder-lhe como um povo ao serviço da missão única de proclamar a todas as nações a salvação oferecida por Deus em Cristo Jesus. Isso acontece numa grande diversidade de contextos: ninguém é solicitado a deixar o seu próprio contexto, mas sim a entendê-lo e a entrar nele mais profundamente. Regressando a esta visão após a experiência da primeira fase, a sinodalidade aparece, antes de tudo, como um dinamismo que anima comunidades locais concretas. Passando para o nível mais universal, este impulso abrange todas as dimensões e realidades da Igreja, num movimento de catolicidade autêntica.
26. Vivida numa diversidade de contextos e culturas, a sinodalidade prova ser uma dimensão constitutiva da Igreja desde a sua origem, mesmo que ainda esteja em processo de realização. De fato, ela pressiona para ser implementada cada vez mais plenamente, expressando uma chamada radical à conversão, à mudança, à oração e à ação que é para todos. Neste sentido, uma Igreja sinodal é aberta, acolhedora e abraça a todos. Não há fronteira que este movimento do Espírito não sinta dever ultrapassar, para atrair todos ao seu dinamismo. A natureza radical do cristianismo não é prerrogativa de algumas vocações específicas, mas a chamada para construir uma comunidade que viva e dê testemunho de uma maneira diferente de entender o relacionamento entre as filhas e os filhos de Deus, uma maneira que incarne a verdade do amor, que se baseie no dom e na gratuidade. A chamada radical é, portanto, para construirmos juntos, sinodalmente, uma Igreja atraente e concreta: uma Igreja em saída, na qual todos se sintam bem-vindos.
27. Ao mesmo tempo, uma Igreja sinodal confronta, honesta e destemidamente, o chamado para uma compreensão mais profunda da relação entre o amor e a verdade, de acordo com o convite de São Paulo: «testemunhando a verdade no amor, em tudo cresçamos para Cristo, que é a cabeça. É por Ele que o corpo inteiro, bem ajustado e unido por meio de toda a espécie de articulações que o sustentam, realiza o seu crescimento, de acordo com a atividade própria de cada membro, a fim de se edificar a si próprio no amor» (Ef 4,15-16). Para incluir autenticamente todos, é necessário entrar no mistério de Cristo, permitindo ser formado e transformado pela maneira como ele viveu a relação entre amor e verdade.
28. Característica de uma Igreja sinodal é a capacidade de administrar as tensões sem ser esmagada por elas, experimentando-as como um impulso para aprofundar o modo como a comunhão, a missão e a participação são vividas e compreendidas. A sinodalidade é um caminho privilegiado de conversão, porque reconstitui a Igreja na unidade: cura suas feridas e reconcilia a sua memória, acolhe as diferenças que comporta e a redime das divisões que se inflamam, permitindo-lhe assim encarnar mais plenamente sua vocação de ser «em Cristo, [..] como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano» (LG 1). A escuta autêntica e a capacidade de encontrar maneiras de continuar caminhando juntos para além da fragmentação e da polarização são indispensáveis para que a Igreja permaneça viva e vital e seja um sinal poderoso para as culturas de nosso tempo.
29. Tentar caminhar juntos também nos coloca em contato com a saudável inquietação da incompletude, com a consciência de que ainda há muitas coisas cujo peso não somos capazes de carregar (cf. Jo 16,12). Isso não é um problema a ser resolvido, mas sim um dom a ser cultivado. Estamos diante do inesgotável e santo mistério de Deus e devemos permanecer abertos às suas surpresas enquanto caminhamos pela história em direção ao Reino (cf. LG 8). Isto também se aplica às questões que o processo sinodal trouxe à tona. Como primeiro passo, elas exigem escuta e atenção, sem pressa de oferecer soluções imediatas.
30. Carregar o peso destas questões não deve ser o fardo pessoal daqueles que ocupam certos papéis, com o risco de serem esmagados por elas, mas uma tarefa para toda a comunidade, cuja vida relacional e sacramental é frequentemente a resposta imediata mais eficaz. É por isso que uma Igreja sinodal se nutre incessantemente na fonte do mistério que celebra na liturgia, «a meta para a qual se encaminha a ação da Igreja e a fonte de onde dimana toda a sua força» (SC 10), e em particular na Eucaristia.
31. Uma vez que a ansiedade do limite é superada, a inevitável incompletude de uma Igreja sinodal e a prontidão de seus membros para abraçar as suas vulnerabilidades se tornam o espaço para a ação do Espírito, que nos convida a reconhecer os sinais de sua presença. É por isso que uma Igreja sinodal é também uma Igreja do discernimento, na riqueza de significados que esse termo assume dentro das diferentes tradições espirituais. A primeira fase permitiu que o Povo de Deus começasse a experimentar o discernimento por meio da prática do diálogo no Espírito. Ao ouvir atentamente a experiência vivida por cada um de nós, crescemos em respeito mútuo e começamos a discernir os movimentos do Espírito de Deus na vida dos outros e na nossa própria vida. Dessa forma, começamos a prestar mais atenção «ao que o Espírito diz às Igrejas» (Ap 2,7), no compromisso e na esperança de nos tornarmos uma Igreja cada vez mais capaz de tomar decisões proféticas que sejam fruto da orientação do Espírito.
A 2. Um caminho de proceder para a Igreja sinodal: o diálogo no Espírito
32. Em todos os continentes, houve o reconhecimento da fecundidade do método aqui chamado de “diálogo no Espírito”, adotado durante a primeira fase e referido em alguns documentos como “conversação espiritual” ou “método sinodal” (cf. figura na pág. 16).
33. Em seu sentido etimológico, o termo “diálogo” não indica uma troca genérica de ideias, mas uma dinâmica na qual a palavra pronunciada e ouvida gera familiaridade, permitindo que os participantes se aproximem uns dos outros. A especificação “no Espírito” identifica o autêntico protagonista: o desejo dos que conversam tende a ouvir a Sua voz e, na oração, eles se abrem à ação livre d’Aquele que, como o vento, sopra onde quer (cf. Jo 3,8). Gradualmente, o diálogo entre irmãos e irmãs na fé abre espaço para o consenso, ou seja, para a concordância conjunta com a voz do Espírito. Não se trata de um diálogo no Espírito se não houver um passo adiante numa direção precisa, muitas vezes inesperada, que aponte para uma ação concreta.
34. Nas igrejas locais que a praticaram durante a primeira fase, o diálogo no Espírito foi “descoberto” como proporcionando a atmosfera que torna possível o partilhar das experiências de vida e o espaço para o discernimento numa Igreja sinodal. Nos Documentos finais das Assembleias continentais, é descrito como um momento pentecostal, como uma oportunidade de experimentar ser Igreja e passar da escuta de nossos irmãos e irmãs em Cristo para a escuta do Espírito, que é o autêntico protagonista, e ser enviado em missão por Ele. Ao mesmo tempo, por meio desse método, a graça da Palavra e da Eucaristia se torna uma realidade sentida, atualizada e transformadora, que atesta e realiza a iniciativa pela qual o Senhor Jesus se faz presente e ativo na Igreja. Cristo nos envia em missão e nos reúne à volta de si para dar graças e glória ao Pai no Espírito Santo. Por isso, de todos os continentes vem o pedido de que esse método possa animar e informar cada vez mais a vida cotidiana das Igrejas.
35. O diálogo no Espírito faz parte de uma longa tradição de discernimento eclesial, que produziu uma pluralidade de métodos e abordagens. Seu preciso valor missionário deve ser enfatizado. Essa prática espiritual nos permite passar do “eu” para o “nós”: ela não perde de vista ou apaga a dimensão pessoal do “eu”, mas a reconhece e a insere na dimensão comunitária. Dessa forma, permitir que os participantes falem e ouçam torna-se uma expressão de liturgia e oração, na qual o Senhor se faz presente e nos atrai para formas cada vez mais autênticas de comunhão e discernimento.
36. No Novo Testamento, há inúmeros exemplos desse modo de conversar. Um exemplo paradigmático é o relato do encontro do Senhor ressuscitado com os dois discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-35 e a explicação dada em CV 237). Como demonstra a sua experiência, o diálogo no Espírito constrói a comunhão e traz dinamismo missionário: os dois, de fato, regressam à comunidade que tinham deixado para partilhar a proclamação pascal de que o Senhor ressuscitou.
37. Na sua realidade concreta, o diálogo no Espírito pode ser descrito como uma oração partilhada em vista do discernimento comunitário, para o qual os participantes se preparam por meio de reflexão e meditação pessoal. Oferecem uns aos outros o dom de uma palavra meditada, alimentada pela oração, e não uma opinião improvisada na hora. A dinâmica entre os participantes articula três etapas fundamentais. A primeira é dedicada a cada pessoa que toma a palavra, partindo de sua própria experiência relida em oração durante o período de preparação. Os outros ouvem, sabendo que cada um tem uma contribuição valiosa a oferecer e se abstêm de debates ou discussões.
38. O silêncio e a oração ajudam a preparar a próxima etapa, na qual cada pessoa é convidada a abrir dentro de si um espaço para os outros e para o Outro. Mais uma vez, cada pessoa toma a palavra: não para reagir ou se opor ao que ouviu, reafirmando sua própria posição, mas para expressar o que, a partir de sua escuta, a tocou mais profundamente e o que a desafiou mais fortemente. Os traços interiores que resultam da escuta das irmãs e dos irmãos são a linguagem com a qual o Espírito Santo faz ressoar sua própria voz: quanto mais cada participante tiver sido nutrido pela meditação da Palavra e dos Sacramentos, crescendo em familiaridade com o Senhor, mais ele ou ela será capaz de reconhecer o som de Sua voz (cf. Jo 10,14.27), auxiliado também pelo acompanhamento do Magistério e da teologia. Da mesma forma, quanto mais intencional e cuidadosamente os participantes atenderem à voz do Espírito, mais eles crescerão num sentido partilhado e aberto à missão.
39. A terceira etapa, novamente numa atmosfera de oração e sob a orientação do Espírito Santo, é identificar os pontos-chave que surgiram e construir um consenso sobre os frutos do trabalho conjunto, que cada pessoa considera fiel ao processo e pelo qual pode, portanto, sentir-se representada. Não basta elaborar um relatório enumerando os pontos mais mencionados. Em vez disso, é necessário discernimento, que também preste atenção às vozes marginais e proféticas e não ignore a importância dos pontos em que surgem discordâncias. O Senhor é a pedra angular que permitirá que a “construção” permaneça de pé e o Espírito, o mestre da harmonia, ajudará a passar da cacofonia para a sinfonia.
40. O percurso leva a uma oração de louvor a Deus e gratidão pela experiência realizada. «Quando vivemos a mística de nos aproximar dos outros com a intenção de procurar o seu bem, ampliamos o nosso interior para receber os mais belos dons do Senhor. Cada vez que nos encontramos com um ser humano no amor, nos colocamos na condição de descobrir algo de novo sobre Deus. Cada vez que os nossos olhos se abrem para reconhecer o outro, ilumina-se mais a nossa fé para reconhecer a Deus» (EG 272). Em síntese, esta é a dádiva recebida por aqueles que se deixam envolver num diálogo no Espírito.
41. Em situações concretas, nunca é possível seguir esse padrão à risca. Em vez disso, ele deve ser sempre adaptado. Às vezes é necessário dar prioridade para que cada um tome a palavra e ouça os outros; noutras circunstâncias, para que se evidenciem os vínculos entre as diferentes perspectivas, em busca do que faz “nossos corações arderem” (cf. Lc 24:32); noutras ainda, para que se busque o consenso e se trabalhe em conjunto para identificar a direção em que o grupo ou a comunidade se sente chamada a seguir pelo Espírito. Mas, além das adaptações concretas apropriadas, a intenção e o dinamismo que unem as três etapas são e permanecem característicos do modo de proceder de uma Igreja sinodal.
42. Tendo em conta a importância do diálogo no Espírito para animar a experiência vivida pela Igreja sinodal, a formação nesse método e, em particular, de facilitadores capazes de acompanhar as comunidades na sua prática, é percebida como uma prioridade em todos os níveis da vida eclesial e para todos os Batizados, começando pelos Ministros ordenados, num espírito de corresponsabilidade e abertura para diferentes vocações eclesiais. A formação para o diálogo no Espírito é a formação para ser uma Igreja sinodal.
B. Comunhão, missão, participação
Três questões prioritárias para a Igreja Sinodal
«Como, num só corpo, temos muitos membros, cada qual com uma função diferente, assim nós, embora muitos, somos em Cristo um só corpo e, cada um de nós, membros uns dos outros» (Rm 12,4-5).
43. Entre os frutos da primeira fase, e em particular das Assembleias continentais, também graças ao modo de proceder que acabámos de delinear, foram identificadas três prioridades que agora são propostas à Assembleia sinodal de outubro de 2023 para discernimento. Trata-se de desafios com os quais toda a Igreja deve se confrontar para dar um passo em frente e crescer no seu próprio ser sinodal a todos os níveis e a partir de uma pluralidade de perspectivas. Precisam ser abordados do ponto de vista da teologia e do direito canônico, bem como do ponto de vista do cuidado pastoral e da espiritualidade. Colocam em causa a maneira como as Dioceses fazem a programação, bem como as escolhas diárias e o estilo de vida de cada membro do Povo de Deus. São questões autenticamente sinodais porque abordá-las requer caminhar juntos como um povo, com todos os seus membros. As três prioridades serão ilustradas em conexão com as três palavras-chave do Sínodo: comunhão, missão e participação. Embora isso seja feito por uma questão de simplicidade e clareza de apresentação, corre-se o risco de apresentar as três palavras-chave como três “pilares” independentes uns dos outros. Em vez disso, na vida da Igreja sinodal, comunhão, missão e participação são articuladas, nutrindo-se e apoiando-se mutuamente. Vão sempre pensadas e apresentadas em chave de integração.
44. A ordem diferente em que os três termos aparecem, com a missão ocupando o lugar central, também está enraizada na consciência dos vínculos que os unem, que se desenvolveu durante a primeira fase. Em particular, comunhão e missão se entrelaçam e se espelham mutuamente, como já ensinava São João Paulo II: «A comunhão e a missão estão profundamente ligadas entre si, compenetram-se e integram-se mutuamente, a ponto de a comunhão representar a fonte e, simultaneamente, o fruto da missão: a comunhão é missionária e a missão é para a comunhão» (CL 32, retomado em EP I,4). Somos convidados a superar uma concepção dualista na qual as relações dentro da comunidade eclesial são o domínio da comunhão, enquanto a missão diz respeito ao movimento ad extra. A primeira fase, em vez disso, destacou como a comunhão é a condição para a credibilidade da proclamação, com base numa visão da XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, sobre Os jovens, a fé e o discernimento vocacional.[7] Ao mesmo tempo, há uma crescente consciência de que a orientação para a missão é o único critério evangelicamente fundado para a organização interna da comunidade cristã, para a distribuição dos papéis e das tarefas e para a gestão de suas instituições e estruturas. É numa relação dupla com a comunhão e a missão que a participação pode ser entendida e, por essa razão, ela só pode ser abordada depois das outras duas. Por um lado, ela lhes dá a expressão concreta: a atenção aos procedimentos, regras, estruturas e instituições permite que a missão seja consolidada ao longo do tempo e liberta a comunhão da mera extemporaneidade emocional. Por outro lado, ela recebe um significado, uma orientação e um dinamismo que lhe permitem escapar do risco de se transformar num frenesi de reivindicações de direitos individuais, que inevitavelmente causam fragmentação em vez de unidade.
45. Para acompanhar a preparação e a estrutura do trabalho da Assembleia, foram preparadas cinco Fichas de trabalho para abordar cada prioridade, que se encontram no final desta seção. Cada uma delas constitui um ponto de entrada para a prioridade em questão que, dessa forma, pode ser abordada a partir de perspectivas diferentes, mas complementares, relacionadas a diferentes aspectos da vida da Igreja que surgiram por meio do trabalho das Assembleias continentais. Em todos os casos, os três parágrafos que se seguem, aos quais correspondem os três grupos de Fichas de trabalho, não devem ser lidos como colunas paralelas e não comunicantes. Pelo contrário, são feixes de luz que iluminam a mesma realidade, ou seja, a vida sinodal da Igreja, a partir de diferentes pontos de vista, entrelaçando-se e invocando-se continuamente uns aos outros, convidando-nos ao crescimento.
B 1. Uma comunhão que irradia: Como podemos ser mais plenamente sinal e instrumento da união com Deus e da unidade do gênero humano?
46. A comunhão não é um encontro sociológico como membros de um grupo de identidade, mas é, acima de tudo, um dom do Deus Trinitário e, ao mesmo tempo, uma tarefa, que nunca se esgota, de construir o “nós” do Povo de Deus. Como as Assembleias continentais experimentaram, a comunhão entrelaça uma dimensão vertical, que Lumen gentium chama de «união com Deus», e uma horizontal, «a unidade de toda a humanidade», num forte dinamismo escatológico: a comunhão é um caminho na qual somos chamados a crescer, «para que todos cheguemos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao Homem perfeito, à medida da estatura da plenitude de Cristo» (Ef 4,13).
47. Recebemos a antecipação deste momento na liturgia, o lugar onde a Igreja no seu caminho terreno experimenta a comunhão, a nutre e a edifica. Se a liturgia de fato «contribui em sumo grau para que os fiéis exprimam na vida e manifestem aos outros o mistério de Cristo e a autêntica natureza da verdadeira Igreja» (SC 2), então é para ela que devemos olhar a fim de entender a vida sinodal da Igreja. Em primeiro lugar, é através da realidade cotidiana da ação litúrgica partilhada e, em particular, da celebração eucarística, que a Igreja experimenta a unidade radical, expressa na mesma oração, mas numa diversidade de línguas e ritos: um ponto fundamental na chave sinodal. Deste ponto de vista, a multiplicidade de ritos na única Igreja Católica é uma autêntica bênção, a ser protegida e promovida, como também foi experimentado durante as liturgias dos Assembleias Continentais.
48. A Assembleia Sinodal não pode ser entendida como representativa e legislativa, em analogia com um organismo parlamentar, com a sua dinâmica de formação de maioria. Em vez disso, somos chamados a entendê-la por analogia com a assembleia litúrgica. A tradição antiga nos diz que um Sínodo é “celebrado”: ele começa com a invocação do Espírito Santo, continua com a profissão de fé e chega a determinações partilhadas para garantir ou restabelecer a comunhão eclesial. Numa assembleia sinodal, Cristo se torna presente e age, transforma a história e os eventos diários e dá o Espírito para guiar a Igreja a encontrar um consenso sobre como caminhar juntos em direção ao Reino e ajudar toda a humanidade a seguir em direção a uma unidade maior. Caminhar juntos, ouvindo a Palavra e nossos irmãos e irmãs, ou seja, buscando a vontade de Deus e o acordo mútuo, leva à ação de graças ao Pai por meio do Filho no único Espírito. Na assembleia sinodal, aqueles que se reúnem em nome de Cristo escutam a sua Palavra, escutam-se uns aos outros, discernem em docilidade ao Espírito, proclamam o que ouviram e o reconhecem como luz para o caminho da Igreja.
49. Nessa perspectiva, a vida sinodal não é uma estratégia para organizar a Igreja, mas a experiência de poder encontrar uma unidade que abraça a diversidade sem apagá-la, porque está fundamentada na união com Deus, na confissão da mesma fé. Esse dinamismo possui uma força impulsionadora que busca continuamente ampliar o âmbito da comunhão, mas que deve contar com as contradições, os limites e as feridas da história.
50. A primeira questão prioritária que emergiu do processo sinodal está enraizada exatamente neste ponto. No concreto da nossa realidade histórica, preservar e promover a comunhão exige assumir a incompletude de ser capaz de viver a unidade na diversidade (cf. 1Cor 12). A história produz divisões, que causam feridas que precisam de ser curadas e exigem que sejam traçados caminhos para a reconciliação. Nesse contexto, em nome do Evangelho, quais laços precisam de ser fortalecidos para superar trincheiras e muros, quais abrigos e proteções precisam de ser construídos, e para proteger a quem? Quais divisões são estéreis? Quando a gradualidade torna possível o caminho para a completa comunhão? Essas parecem ser perguntas teóricas, mas estão enraizadas na vida cotidiana concreta das comunidades cristãs consultadas na primeira fase. De fato, elas dizem respeito à questão de saber se há limites para a nossa disposição de acolher pessoas e grupos, como dialogar com culturas e religiões sem comprometer nossa identidade e nossa determinação de ser a voz daqueles que estão à margem e reafirmar que ninguém deve ser deixado para trás. As cinco Fichas de trabalho referentes a essa prioridade tentam explorar essas questões a partir de cinco perspectivas complementares.
B 2. Corresponsáveis na missão: Como partilhar dons e tarefas ao serviço do Evangelho?
51 «A Igreja peregrina é, por sua natureza, missionária» (AG 2). A missão constitui o horizonte dinâmico a partir do qual devemos pensar sobre a Igreja sinodal, à qual ela confere um impulso em direção àquele “êxtase” «que consiste em sair de ti mesmo para buscares o bem dos outros, até dar a vida» (CV 163, cf. também FT 88). A missão permite que se reviva a experiência de Pentecostes: tendo recebido o Espírito Santo, Pedro com os Onze se levanta e toma a palavra para proclamar Jesus morto e ressuscitado aos que estão em Jerusalém (cf. Atos 2:14-36). A vida sinodal está enraizada no mesmo dinamismo: há muitos testemunhos que descrevem a experiência vivida na primeira fase nestes termos, e ainda mais numerosos são aqueles que vinculam sinodalidade e missão de maneira inseparável.
52. Numa Igreja que se define como sinal e instrumento da união com Deus e da unidade de toda a humanidade (cf. LG 1), o discurso sobre a missão se concentra na transparência do sinal e na eficácia do instrumento, sem os quais qualquer proclamação carece de credibilidade. A missão não é a comercialização de um produto religioso, mas a construção de uma comunidade na qual os relacionamentos são uma manifestação do amor de Deus e, portanto, cuja própria vida se torna uma proclamação. Nos Atos dos apóstolos, o discurso de Pedro é imediatamente seguido por um relato da vida da comunidade primitiva, na qual tudo se tornou uma ocasião de comunhão (cf. 2:42-47): isto lhe conferia capacidade de atração.
53. Nessa linha, a primeira pergunta referente à missão questiona o que os membros da comunidade cristã estão realmente dispostos a ter em comum, partindo da singularidade irredutível de cada membro, em virtude de seu relacionamento direto com Cristo no Batismo e como morada do Espírito. Isso torna preciosa e indispensável a contribuição de cada Batizado. Um dos motivos do sentimento de admiração observado durante a primeira fase está relacionado com esta possibilidade de contribuição: «Posso realmente oferecer algo?» Ao mesmo tempo, cada pessoa é convidada a assumir sua própria incompletude e, portanto, a consciência de que na plenitude da missão todos são necessários. Nesse sentido, a missão também tem uma dimensão constitutivamente sinodal.
54. Por isso, a segunda prioridade identificada por uma Igreja que se descobre missionária e sinodal diz respeito ao modo como é capaz de solicitar a contribuição de todos, cada um com seus dons e funções, valorizando a diversidade dos carismas e integrando a relação entre dons hierárquicos e carismáticos[8]. A perspectiva da missão coloca os carismas e os ministérios no horizonte do que é comum, salvaguardando assim a sua fecundidade, que fica comprometida quando estes se tornam prerrogativas que legitimam lógicas de exclusão. Uma Igreja sinodal missionária tem o dever de se perguntar como pode reconhecer e valorizar a contribuição que cada Batizado pode oferecer à missão, saindo de si mesma e participando junto com outros em algo maior. «Dar um contributo ativo para o bem comum da humanidade» (CA 34) é uma componente inalienável da dignidade da pessoa, também dentro da comunidade cristã. A primeira contribuição que todos podem dar é no sentido de discernir os sinais dos tempos (cf. GS 4), a fim de manter a consciência de nossa missão comum em sintonia com o sopro do Espírito. Todos os pontos de vista têm algo a contribuir para esse discernimento, a começar pelo dos pobres e excluídos: caminhar junto com eles não significa apenas responder e assumir suas necessidades e sofrimentos, mas também aprender com eles. Essa é a maneira de reconhecer a sua igual dignidade, escapando das armadilhas do assistencialismo e antecipando, na medida do possível, a lógica dos novos céus e da nova terra, para os quais estamos caminhando.
55. As Fichas de trabalho vinculadas a essa prioridade tentam concretizar essa questão básica com relação a tópicos como o reconhecimento da variedade de vocações, carismas e ministérios, a promoção da dignidade batismal das mulheres, o papel do Ministério ordenado e, em particular, o ministério do Bispo dentro da Igreja sinodal missionária.
B 3. Participação, responsabilidade e autoridade. Que processos, estruturas e instituições numa Igreja sinodal missionária?
56. «Comunhão e missão correm o risco de permanecer termos meio abstratos, se não se cultiva uma práxis eclesial que se exprima em ações concretas de sinodalidade em cada etapa do caminho e da atividade, promovendo o efetivo envolvimento de todos e cada um»[9]. Essas palavras do Santo Padre nos ajudam a colocar a participação em relação aos outros dois temas. A participação acrescenta uma densidade antropológica ao caráter concreto da dimensão processual: ela expressa a preocupação com o florescimento dos seres humanos, ou seja, a humanização das relações no centro do projeto de comunhão e do compromisso com a missão. Ela salvaguarda a singularidade do rosto de cada um, buscando uma passagem para o “nós” que não absorva o “eu” no anonimato de uma coletividade indistinta. Ela evita cair na abstração dos direitos ou reduzir as pessoas a meros instrumentos para o desempenho da organização. A participação é essencialmente uma expressão de criatividade, uma forma de nutrir as relações de hospitalidade, acolhimento e capacitação que estão no centro da missão e da comunhão.
57. A partir da visão de participação integral apresentada acima, surge a terceira prioridade também abordada nas reuniões da etapa continental: a questão da autoridade, seu significado e o estilo de seu exercício numa Igreja sinodal. Em particular, ela surge como uma forma de poder derivada de modelos mundanos ou está enraizada no serviço? «Não será assim entre vós» (Mt 20,26; cf. Mc 10,43), diz o Senhor, que depois de lavar os pés dos discípulos os admoesta: «Dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu vos fiz, vós façais também» (Jo 13,15). Na sua origem, o termo “autoridade” indica a capacidade de permitir que os outros cresçam e, portanto, é um serviço à singularidade de cada pessoa, apoiando a criatividade em vez de ser uma forma de controle que a bloqueia, e um serviço à criação da liberdade pessoal e não uma amarra que a restringe. Ligada a essa pergunta está uma segunda, carregada da preocupação com a concretização e a continuidade ao longo do tempo: como podemos imbuir as nossas estruturas e instituições com o dinamismo da Igreja sinodal missionária?
58. Desta atenção deriva uma instância adicional, igualmente concreta, que visa justamente sustentar a dinâmica da participação ao longo do tempo. O tema da formação aparece em todos os documentos da primeira fase. Como as Assembleias continentais e, antes delas, os relatórios das igrejas locais enfatizaram repetidamente, as instituições e estruturas por si só não são suficientes para tornar a Igreja sinodal: são necessárias uma cultura e uma espiritualidade sinodais, animadas por um desejo de conversão e sustentadas por uma formação adequada. A necessidade de formação não se limita à atualização do conteúdo, mas tem um âmbito integral, afetando todas as capacidades e disposições da pessoa, inclusive a orientação para a missão, a capacidade de se relacionar e construir comunidades, a disponibilidade para a escuta espiritual e a familiaridade com o discernimento pessoal e comunitário, a paciência, a perseverança e a “parresia”.
59. A formação é o meio indispensável para tornar o modo sinodal de proceder um modelo pastoral para a vida e a ação da Igreja. Precisamos de formação integral, inicial e permanente, para todos os membros do Povo de Deus. Nenhum Batizado se pode sentir alheio a esse compromisso e, portanto, é necessário estruturar propostas adequadas de formação no caminho sinodal dirigidas a todos os Fiéis. Em particular, portanto, quanto mais alguém é chamado a servir a Igreja, mais deve sentir a urgência da formação: Bispos, Presbíteros, Diáconos, Consagradas e Consagrados e todos aqueles que exercem um ministério precisam de formação para renovar os modos de exercer a autoridade e os processos de tomada de decisão em chave sinodal e para aprender a acompanhar o discernimento comunitário e a conversação no Espírito. Os candidatos ao Ministério ordenado precisam de ser treinados num estilo e mentalidade sinodais. A promoção de uma cultura de sinodalidade implica a renovação do atual currículo dos seminários e a formação de formadores e professores de teologia, de modo que haja uma orientação mais clara e decisiva para a formação numa vida de comunhão, missão e participação. A formação para uma espiritualidade sinodal está no centro da renovação da Igreja.
60. Numerosos contributos destacam a necessidade de um esforço semelhante para renovar a linguagem usada pela Igreja: na liturgia, na pregação, na catequese, na arte sacra, bem como em todas as formas de comunicação dirigidas tanto aos Fiéis quanto ao público em geral, inclusive pelos meios de comunicação novos e antigos. Sem rebaixar ou desvalorizar a profundidade do mistério que a Igreja proclama ou a riqueza de sua tradição, a renovação da linguagem deve, em vez disso, ter como objetivo tornar essas riquezas acessíveis e atraentes para os homens e mulheres do nosso tempo, em vez de ser um obstáculo que os mantém à distância. A inspiração do frescor da linguagem do Evangelho, a capacidade de inculturação que a história da Igreja demonstra e as experiências promissoras já em andamento, também no ambiente digital, nos convidam a prosseguir com confiança e resolução numa tarefa de importância crucial para a eficácia da proclamação do Evangelho, que é o objetivo ao qual aspira uma Igreja sinodal missionária.
Roma, 29 de maio de 2023
Memória da Santíssima Virgem, Maria, Mãe da Igreja
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XVI ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA
DO SÍNODO DOS BISPOS
PARA UMA IGREJA SINODAL:
COMUNHÃO, PARTICIPAÇÃO, MISSÃO
FICHAS DE TRABALHO
PARA A ASSEMBLEIA SINODAL
(Primeira Sessão – Outubro 2023)
FICHAS DE TRABALHO
PARA A ASSEMBLEIA SINODAL
Introdução
Se todo o IL «foi concebido como um auxílio prático para a condução da Assembleia sinodal em outubro de 2023 e, portanto, para a sua preparação» (n. 10), isto é particularmente verdadeiro para as Fichas de trabalho aqui apresentadas. Elas foram preparadas para facilitar o discernimento sobre as três «prioridades que emergem do trabalho de todos os continentes» (n. 14), com o objetivo de identificar os passos concretos a que nos sentimos chamados pelo Espírito Santo para crescer como Igreja sinodal. A apresentação das Fichas, a explicação da sua estrutura e as indicações sobre o modo de as utilizar requerem, portanto, antes de mais nada, situá-las na dinâmica dos trabalhos da Assembleia.
A dinâmica da Assembleia
A Assembleia tratará as questões colocadas pelo IL alternando convocações plenárias (Congregationes Generales) e trabalhos de grupo (sessões dos Circuli Minores), como previsto no art. 14 de EC.
Em particular, a Assembleia procederá à abordagem dos diferentes temas, pela ordem em que o IL os propõe. Começará por trabalhar na Seção A, «Por uma Igreja sinodal. Uma experiência integral» (nn. 17-42), com o objetivo de aprofundar as características fundamentais de uma Igreja sinodal, a partir da experiência de caminhada conjunta vivida pelo Povo de Deus nestes dois anos e recolhida nos documentos produzidos na primeira fase graças ao discernimento dos Pastores. A Assembleia é convidada a mover-se numa perspectiva integral, considerando a experiência do Povo de Deus como um todo e com a sua complexidade.
A Assembleia passará então a abordar as três questões prioritários que emergiram da fase de consulta e que são apresentados na Seção B do IL (nn. 43-60). A cada uma delas é dedicada uma das três partes em que se articula a Seção, «em conexão com as três palavras-chave do Sínodo: comunhão, missão e participação» (n. 43), com uma inversão da ordem de aparecimento dos três termos que é explicada no n. 44. Esta articulação corresponde à das Fichas de Trabalho, também elas divididas em três partes, cada uma das quais retoma o título da parte correspondente da Seção B, evidenciando assim o elo que as une:
– «B 1. Uma comunhão que irradia. Como podemos ser mais plenamente sinal e instrumento da união com Deus e da unidade do gênero humano?» (nn. 46-50);
– «B 2. Corresponsáveis na missão. Como partilhar dons e tarefas ao serviço do Evangelho?» (nn. 51-55);
– «B 3. Participação, responsabilidade e autoridade. Que processos, estruturas e instituições numa Igreja sinodal missionária?» (nn. 56-60).
Em particular, cinco Fichas de trabalho correspondem a cada uma das três prioridades: cada uma «constitui um ponto de entrada para a prioridade em questão que, dessa forma, pode ser abordada a partir de perspectivas diferentes, mas complementares, relacionadas a diferentes aspectos da vida da Igreja que surgiram por meio do trabalho das Assembleias continentais» (n. 45).
A organização dos trabalhos em etapas sucessivas não elimina o dinamismo que une as duas Seções: a experiência do Povo de Deus, abordada na perspectiva integral da Secção A, continua a representar o horizonte no qual se situa o tratamento das diversas questões colocadas na Secção B, que se enraízam nessa experiência. O esforço exigido à Assembleia será precisamente o de «manter um equilíbrio dinâmico entre manter uma visão geral […] e a identificação de medidas práticas a serem tomadas» (n. 16): estes últimos dão concretude e profundidade aos primeiros, e recebem em troca uma visão prospectiva e uma coesão contra o risco de dispersão nos pormenores.
Por fim, o último segmento dos trabalhos da Assembleia será dedicado à recolha dos frutos, ou seja, concretamente à elaboração dos caminhos pelos quais continuar a caminhar juntos, prosseguindo a releitura da experiência do Povo de Deus e promovendo os necessários aprofundamentos, sobretudo teológicos e canônicos, em vista da segunda sessão da Assembleia Sinodal de outubro de 2024.
Ao longo de todo o percurso, a Assembleia procederá segundo o método do diálogo no Espírito (cf. nn. 32-42), devidamente adaptado. Assim, manterá uma ligação com o modo de proceder que caracterizou todo o processo sinodal (cf. figura na pág. 26), mas, sobretudo, experimentando-o diretamente, poderá focalizar melhor o modo como pode tornar-se parte da vida ordinária da Igreja e um modo de proceder partilhado para discernir a vontade de Deus.
Como utilizar as Fichas de trabalho
As Fichas de trabalho foram concebidas como uma ferramenta de trabalho para abordar as três questões prioritárias definidas na Seção B durante a Assembleia de Outubro de 2023. Não são, portanto, capítulos de um livro para serem lidos sucessivamente, nem pequenos ensaios sobre um tema. São “para serem trabalhados” e não “para serem lidos”, no sentido em que oferecem um esboço para a oração e a reflexão pessoal em preparação para o intercâmbio em grupo e em plenário. Do mesmo modo, podem ser utilizados para encontros temáticos aprofundados, em estilo sinodal, a todos os níveis da vida da Igreja. Não se destinam a ser tratados em sucessão: cada um deve ser mantido junto com a parte da Seção B do IL a que corresponde, mas pode ser tratado independentemente de todos os outros.
As Fichas de trabalho têm todas a mesma estrutura: começam com uma rápida contextualização da questão expressa pelo título a partir do que surgiu na primeira fase. De seguida, formulam uma questão para discernimento. Por fim, oferecem algumas pistas, que articulam diversas perspectivas (teológica, pastoral, canônica, etc.), dimensões e níveis (paróquia, diocese, etc.), mas sobretudo restituem a concretude dos rostos dos membros do Povo de Deus, dos seus carismas e ministérios, das questões que exprimiram durante a fase de escuta. A riqueza dos estímulos propostos em cada Ficha responde a uma necessidade de fidelidade à riqueza e variedade do que foi recolhido na consulta, sem fazer dela um questionário em que é necessário formular uma resposta a cada pergunta. Alguns estímulos serão particularmente estimulantes em certas regiões do mundo, outros em regiões diferentes. Cada um é convidado a privilegiar aquele ou aqueles sobre os quais sente que a experiência da “sua” Igreja tem maior riqueza para partilhar com os outros: será o seu contributo para o trabalho comum.
Cada ficha centra-se no tema indicado pelo título, tendo em conta o quadro de referência representado pelo IL, cujos conteúdos não são repetidos nem citados explicitamente. No entanto, representam a base do trabalho, juntamente com todos os documentos relativos à fase de consulta: «na preparação para a Assembleia, pede-se aos Membros do Sínodo que tenham em mente os documentos anteriores, em particular o DEC e os Documentos finais das Assembleias continentais, bem como o relatório do Sínodo digital, e que os utilizem como ferramentas para seu próprio discernimento» (n. 9). Não se trata, portanto, de começar do zero, mas de continuar um caminho já iniciado. É por esta razão, e também por evidentes razões de espaço, que as Fichas não oferecem um tratamento sistemático dos diversos temas, nem aprofundam tudo: o fato de o processo sinodal ter destacado alguns pontos como prioritários não significa que outros temas sejam menos importantes. Com base na consulta ao Povo de Deus, as questões propostas nas Fichas representam portas de entrada para abordar concretamente a questão fundamental que impulsiona e orienta todo o processo: «como se realiza hoje, a diferentes níveis (do local ao universal) aquele “caminhar juntos” que permite à Igreja anunciar o Evangelho, em conformidade com a missão que lhe foi confiada; e que passos o Espírito nos convida a dar para crescer como Igreja sinodal?» (DP 2).
Há pontos de contato evidentes, e até sobreposições, entre as Fichas, mesmo em partes diferentes. No entanto, isto não é uma questão de repetição, uma vez que a edição teve em conta o fato de as Cartas terem sido concebidas para serem utilizadas independentemente umas das outras. Além disso, este fato realça a rica rede de interligações entre os temas abordados.
Algumas das questões que emergiram da consulta ao Povo de Deus dizem respeito a assuntos sobre os quais já existe um desenvolvimento magisterial e teológico a referir: para dar apenas dois exemplos, basta pensar na aceitação dos divorciados recasados, um assunto tratado na Exortação Ap. Pós-sinodal Amoris laetitia, ou a inculturação da liturgia, objeto da Instrução Varietates legitimae (1994) da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. O fato de continuarem a surgir questões sobre pontos deste gênero não pode ser descartado apressadamente, mas deve ser objeto de discernimento, e a Assembleia sinodal é um fórum privilegiado para o fazer. Em particular, há que investigar os obstáculos, reais ou aparentes, que impediram os passos indicados e o que é necessário fazer para os eliminar. Por exemplo, se o bloqueio resulta de uma falta geral de informação, será necessário um melhor esforço de comunicação. Se, por outro lado, se deve à dificuldade de captar as implicações dos documentos para situações concretas ou de se reconhecer no que eles propõem, um caminho sinodal de apropriação efetiva dos conteúdos por parte do Povo de Deus poderia ser a resposta adequada. Outro caso seria quando o reaparecimento de uma questão é sinal de uma mudança de realidade ou da necessidade de um “transbordamento” da Graça, que exige voltar a interrogar o Depósito da fé e a Tradição viva da Igreja.
Será difícil que os trabalhos da primeira sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos cheguem à formulação de orientações conclusivas sobre muitos desses temas: por isso, o Santo Padre decidiu que a Assembleia sinodal se realizará em duas sessões. O objetivo da primeira sessão será sobretudo delinear caminhos de aprofundamento a realizar em estilo sinodal, indicando os temas a envolver e as modalidades de colher os benefícios, de modo a permitir que o discernimento se complete na segunda sessão, em outubro de 2024, elaborando as propostas concretas para crescer como Igreja sinodal a apresentar ao Santo Padre.
B 1. Uma comunhão que irradia
Como podemos plenamente sinal e instrumento
de união com Deus e da unidade do género humano?
B 1.1 Como è que o serviço da caridade e o empenho na justiça e no cuidado da casa comum alimentam a comunhão numa Igreja sinodal?
Várias direções são indicadas pelas Assembleias continentais para crescer como Igreja sinodal missionária:
a) Numa Igreja sinodal, os pobres, no sentido original de pessoas que vivem na pobreza e na exclusão social, ocupam um lugar central. São destinatários de cuidados, mas sobretudo são portadores de uma Boa Nova que toda a comunidade deve escutar: deles a Igreja tem, antes de mais nada, algo a aprender (cf. Lc 6,20; EG 198). Uma Igreja sinodal reconhece e valoriza o seu protagonismo.
b) O cuidado da casa comum requer uma ação compartilhada: a solução de muitos problemas, como as alterações climáticas, exige o empenho de toda a família humana. O cuidado da casa comum é já um lugar de intensas experiências de encontro e colaboração com membros de outras Igrejas e Comunidades eclesiais, com crentes de outras religiões e com homens e mulheres de boa vontade. Este empenho exige a capacidade de agir coerentemente a vários níveis: catequese e animação pastoral, promoção de estilos de vida, gestão dos bens da Igreja (patrimoniais e financeiros).
c) Os movimentos migratórios são um sinal do nosso tempo e «os migrantes são um “paradigma” capaz de iluminar o nosso tempo»[10]. A sua presença constitui um apelo a caminhar juntos, sobretudo quando se trata de fiéis católicos. Convida a criar laços com as Igrejas dos países de origem e representa uma oportunidade para experimentar a variedade da Igreja, por exemplo, através da diáspora das Igrejas Católicas Orientais.
d) Uma Igreja sinodal pode desempenhar um papel de testemunho profético num mundo fragmentado e polarizado, especialmente quando os seus membros se comprometem a caminhar juntos com outros cidadãos para a construção do bem comum. Em lugares marcados por profundos conflitos, isto requer a capacidade de ser agentes de reconciliação e artesãos da paz.
e) «Cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de Deus ao serviço da libertação e promoção dos pobres» (EG 187). Isto implica também a disponibilidade para tomar posição a seu favor no debate público, para dar voz às suas causas, para denunciar situações de injustiça e discriminação, sem cumplicidade com os seus responsáveis.
Pergunta para discernimento
Caminhar juntos significa não deixar ninguém para trás e ser capaz de acompanhar os que têm mais dificuldades. Como podemos crescer na nossa capacidade de promover o protagonismo dos últimos na Igreja e na sociedade?
Sugestões para a oração e a reflexão preparatória
1) As obras de justiça e de misericórdia são uma forma de participação na missão de Cristo. Cada Batizado é, portanto, chamado a empenhar-se neste domínio. Como é que esta consciência pode ser despertada, cultivada e reforçada nas comunidades cristãs?
2) As desigualdades que marcam o mundo contemporâneo atravessam também o corpo da Igreja, separando, por exemplo, as Igrejas dos países ricos e pobres, ou as comunidades das zonas mais ricas e mais pobres de um mesmo país. Que instrumentos são necessários para podermos caminhar juntos entre as Igrejas para além destas desigualdades, experimentando uma autêntica circulação de dons?
3) Ao longo do caminho sinodal, que esforços foram feitos para dar espaço à voz dos mais pobres e integrar a sua contribuição? Que experiência as nossas Igrejas adquiriram no apoio ao protagonismo dos pobres? O que é que precisamos de fazer para os envolver cada vez mais na nossa caminhada conjunta, deixando que a sua voz questione a nossa maneira de fazer as coisas quando esta não é suficientemente inclusiva?
4) O acolhimento dos migrantes torna-se uma oportunidade para caminhar juntamente com pessoas de outra cultura, especialmente quando partilhamos a mesma fé? Que espaço têm as comunidades migrantes na pastoral ordinária? Como é que a diáspora das Igrejas Católicas Orientais é valorizada como uma oportunidade para experimentar a unidade na diversidade? Que vínculos se criam entre as Igrejas dos países de partida e as dos países de chegada?
5) A comunidade cristã sabe caminhar juntamente com toda a sociedade na construção do bem comum ou apresenta-se como um sujeito interessado em defender seus próprios interesses partidários? Consegue testemunhar a possibilidade de concórdia para além das polarizações políticas? Que instrumentos se dá para se capacitar para estas tarefas? Trabalhar para o bem comum exige a formação de alianças e coligações: que critérios de discernimento nos damos a este respeito? Como é que a comunidade acompanha os seus membros empenhados na política?
6) Que experiências de caminhar juntos para o cuidado da casa comum tivemos com pessoas, grupos e movimentos que não fazem parte da Igreja Católica? O que é que aprendemos? Em que ponto estamos a construir a coerência entre os diferentes níveis em que o cuidado da casa comum nos obriga a agir?
7) O encontro com os pobres e marginalizados e a possibilidade de caminhar juntamente com eles começa muitas vezes com a disponibilidade para escutar a sua vida. Faz sentido pensar em reconhecer um ministério específico de escuta e acompanhamento para aqueles que assumem este serviço? Como é que uma Igreja sinodal os pode formar e apoiar? Como pensar em reconhecer eclesialmente formas de empenhamento na construção de uma sociedade justa e no cuidado da casa comum que são vividas como resposta a uma vocação autêntica e como uma escolha também profissional?
B 1.2 Como pode uma Igreja sinodal tornar credível a promessa de que «o amor e a verdade se encontrarão» (Sl 85,11)?
A tentativa de compreender o que significa concretamente o acolhimento e o acompanhamento para a comunidade cristã foi um núcleo central das diferentes etapas da primeira fase.
O DEC escolheu a imagem bíblica da tenda que se alarga (cf. Is 54,2) para exprimir o apelo a ser uma comunidade bem enraizada e, portanto, capaz de se abrir. As Assembleias continentais, com base nas suas diferentes sensibilidades, propuseram outras imagens para articular a dimensão do acolhimento que faz parte da missão da Igreja: a Ásia ofereceu a imagem da pessoa que descalça os sapatos para atravessar a soleira da porta, como sinal de humildade para estar preparada para encontrar o outro e Deus; a Oceânia propôs a imagem do barco; a África insistiu na imagem da Igreja como família de Deus, capaz de oferecer pertença e acolhimento a todos os seus membros, em toda a sua variedade.
Por detrás desta diversidade de imagens, podemos encontrar uma unidade de objetivos: por toda a parte, a Igreja procura renovar a sua missão de ser uma comunidade acolhedora e hospitaleira, de encontrar Cristo naqueles que acolhe e de ser sinal da sua presença e anúncio credível da verdade do Evangelho na vida de todos. Trata-se da profunda necessidade de imitar o Mestre e Senhor também na capacidade de viver um aparente paradoxo: «proclamar com coragem o próprio ensinamento autêntico e ao mesmo tempo oferecer um testemunho de inclusão e acolhimento radicais» (DEC 30).
Sobre este ponto, o caminho sinodal foi uma oportunidade para um confronto profundo, com humildade e sinceridade. A surpresa é descobrir que o modo de proceder sinodal permite que as questões que surgem deste confronto sejam colocadas na perspetiva da missão, sem ficarem paralisadas, alimentando a esperança de que o Sínodo seja um catalisador para esta renovação da missão e impulsione a reparação do tecido relacional da Igreja.
A preocupação de ser capaz de uma aceitação autêntica exprime-se numa pluralidade de direções, muito diferentes umas das outras e não coplanares:
a) os Documentos finais das Assembleias continentais mencionam frequentemente aqueles que não se sentem aceites na Igreja, como os divorciados e recasados, as pessoas em casamentos polígamos ou as pessoas LGBTQ+;
b) constatam igualmente que as formas de discriminação racial, tribal, étnica, de classe ou de casta, também presentes no Povo de Deus, levam alguns a sentirem-se menos importantes ou menos bem-vindos no seio da comunidade;
c) existem provas generalizadas de que uma série de barreiras, desde as de ordem prática até aos preconceitos culturais, geram formas de exclusão das pessoas com deficiência e têm de ser ultrapassadas;
d) há também a preocupação de que os pobres, a quem a Boa Nova se dirige em primeiro lugar, estejam muitas vezes à margem das comunidades cristãs (por exemplo, migrantes e refugiados, crianças de rua, sem-teto, vítimas de tráfico humano, etc.);
e) por último, os documentos das Assembleias continentais assinalam que é necessário manter a ligação entre a conversão sinodal e o cuidado das vítimas e das pessoas marginalizadas no seio da Igreja; em particular, colocam grande ênfase na necessidade de aprender a exercer a justiça como forma de acolher aqueles que foram feridos por membros da Igreja, especialmente as vítimas e os sobreviventes de todas as formas de abuso;
f) a escuta das vozes mais frequentemente negligenciadas é indicada como o caminho para crescer no amor e na justiça que o Evangelho testemunha.
Pergunta para o discernimento
Que passos pode dar uma Igreja sinodal para imitar cada vez mais o seu Mestre e Senhor, que caminha com todos com amor incondicional e proclama a plenitude da verdade do Evangelho?
Sugestões para a oração e a reflexão preparatória
1) Qual é a atitude com que encaramos o mundo? Reconhecemos o que há de bom nele e, ao mesmo tempo, comprometemo-nos a denunciar profeticamente tudo o que viola a dignidade das pessoas, das comunidades humanas e da criação?
2) Como podemos fazer soar uma voz profética ao descobrir as causas do mal, sem fragmentar ainda mais as nossas comunidades? Como é que nos podemos tornar uma Igreja que não esconde os conflitos e não tem medo de salvaguardar espaços para a discordância?
3) Como podemos restaurar a proximidade e as relações de cuidado como o núcleo da missão da Igreja, caminhando com as pessoas em vez de falar sobre elas ou para elas?
4) De acordo com a Exortação Apostólica Pós-Sinodal Christus vivit, como podemos caminhar juntos com os jovens? Como é que uma “opção preferencial pelos jovens” pode estar no centro das nossas estratégias pastorais em chave sinodal?
5) Como podemos continuar a tomar medidas concretas para oferecer justiça às vítimas e sobreviventes dos abusos sexuais, espirituais, económicos, de poder e de consciência perpetrados por pessoas que estavam a desempenhar um ministério ou uma missão na Igreja?
6) Como podemos criar espaços em que aqueles que se sentem magoados pela Igreja e não bem-vindos pela comunidade possam sentir-se reconhecidos, acolhidos, não julgados e livres para fazer perguntas? À luz da Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris laetitia, que passos concretos são necessários para chegar às pessoas que se sentem excluídas da Igreja por causa da sua afetividade e sexualidade (por exemplo, divorciados recasados, pessoas em casamentos polígamos, pessoas LGBTQ+, etc.)?
7) Como podemos ser mais abertos e acolhedores em relação aos migrantes e refugiados, às minorias étnicas e culturais, às comunidades indígenas que há muito fazem parte da Igreja, mas que muitas vezes estão à margem? Como podemos testemunhar que a sua presença é um dom?
8) Que barreiras físicas e culturais temos de eliminar para que as pessoas com deficiência possam sentir-se membros de pleno direito da comunidade?
9) Como se pode valorizar a contribuição dos idosos para a vida da comunidade cristã e da sociedade?
B 1.3 Como pode crescer uma relação dinâmica de troca de dons entre Igrejas?
A comunhão a que a Igreja é chamada é uma relação dinâmica de troca de dons, dando testemunho de uma unidade transcendente na diversidade. Um dos dons mais significativos do caminho sinodal até agora é a redescoberta da riqueza da diversidade e da profundidade da nossa interconexão. Essa diversidade e interconexão não ameaçam, mas fornecem o contexto para uma receção mais profunda da nossa unidade de criação, vocação e destino.
O processo sinodal foi vivido de forma apaixonada e viva a nível local da Igreja, sobretudo nas ocasiões de diálogo no Espírito. O DEC procurou evidenciar as diversas formas desta vitalidade, sublinhando ao mesmo tempo a extraordinária convergência de questões e temas que surgiram nos vários contextos. Assim, durante as Assembleias continentais, alguns aspetos da vida da Igreja em contextos muito diferentes foram descobertos como um dom precioso. Ao mesmo tempo, aprofundou-se a relação com a diversidade que marca as várias regiões: diferenças entre Igrejas no mesmo continente, bem como diferenças na expressão da catolicidade devido à presença de comunidades católicas latinas e orientais no mesmo território, muitas vezes como resultado de ondas de migração e da formação de comunidades em diáspora. Na verdade, como observou uma Assembleia continental, experimentamo-nos muito concretamente como “comunidades de comunidades”, notando os dons que assim recebemos e as tensões que podem surgir.
Estes encontros conduziram a observações compartilhadas e mesmo a pedidos explícitos:
a) deseja-se que as diferentes tradições de regiões e Igrejas específicas possam ser ouvidas e participar no diálogo eclesial e teológico frequentemente dominado por vozes latinas/ocidentais. A dignidade dos Batizados é reconhecida como um ponto-chave em muitos contextos; do mesmo modo, para muitos membros das Igrejas Católicas Orientais, em particular, o Mistério pascal celebrado nos Sacramentos da Iniciação Cristã continua a ser o foco da reflexão sobre a identidade dos cristãos e da Igreja sinodal;
b) As Igrejas Católicas Orientais têm uma longa e distinta experiência de sinodalidade, partilhada com as Igrejas Ortodoxas, uma tradição à qual desejam que se preste atenção nos debates e no discernimento deste processo sinodal;
c) do mesmo modo, há realidades específicas e particulares que os cristãos orientais na diáspora enfrentam em novos contextos, juntamente com os seus irmãos e irmãs ortodoxos. É desejável que as Igrejas Católicas Orientais na diáspora possam preservar a sua identidade e ser reconhecidas como mais do que simples comunidades étnicas, ou seja, como Igrejas sui iuris com ricas tradições espirituais, teológicas e litúrgicas que contribuem para a missão da Igreja hoje, num contexto global.
Pergunta para o discernimento
Como é que cada Igreja local, sujeito da missão no contexto em que vive, pode valorizar, promover e integrar o intercâmbio de dons com as outras Igrejas locais, no horizonte da única Igreja Católica? Como é que as Igrejas locais podem ajudar a promover a catolicidade da Igreja numa relação harmoniosa entre unidade e diversidade, preservando a especificidade de cada uma?
Sugestões para a oração e a reflexão preparatória
1) Como tomar consciência de que a Igreja una e católica é já, e desde o início, portadora de uma diversidade rica e multiforme?
2) Com que gestos poderiam as diversas Igrejas locais acolher-se mutuamente para beneficiar de um intercâmbio de dons eclesiais e manifestar a comunhão eclesial na liturgia, na espiritualidade, na pastoral e na reflexão teológica? Em particular, como ativar um intercâmbio entre as experiências e as visões de sinodalidade entre as Igrejas Católicas Orientais e a Igreja Latina?
3) Como poderia a Igreja latina desenvolver uma maior abertura às tradições espirituais, teológicas e litúrgicas das Igrejas Católicas Orientais?
4) Como podem as Igrejas Católicas Orientais na diáspora preservar a sua identidade e ser reconhecidas como mais do que simples comunidades étnicas?
5) Algumas Igrejas vivem em situações muito precárias. Como podem as outras Igrejas assumir o seu sofrimento e prover às suas necessidades, pondo em prática os ensinamentos do Apóstolo Paulo, que pedia às comunidades da Grécia que apoiassem generosamente a de Jerusalém: «a vossa abundância supre as necessidades deles, para que também a abundância deles supra as vossas necessidades. E assim haverá igualdade» (2Cor 8, 14)? Que papel podem desempenhar, neste contexto, as instituições mundiais e as da Santa Sé dedicadas ao serviço da caridade?
6) Como podem os contributos e as experiências das Igrejas locais ser tidos em conta e valorizados na elaboração do Magistério e das normas eclesiásticas a nível universal?
7) Num mundo cada vez mais globalizado e interligado, como desenvolver o tecido de relações entre Igrejas locais da mesma região e também de continentes diferentes? Como é que a crescente mobilidade humana e, por conseguinte, a presença de comunidades migrantes se podem tornar uma oportunidade para construir vínculos entre Igrejas e trocar dons? Como lidar de forma construtiva com as tensões e os mal-entendidos que podem surgir entre fiéis de diferentes culturas e tradições?
8) Como podem as instituições globais da Igreja, a começar pelas que estão sob a alçada da Santa Sé e dos Dicastérios da Cúria Romana, favorecer a circulação dos dons entre as Igrejas?
9) Como tornar ativo e fecundo o intercâmbio de experiências e dons não só entre as diversas Igrejas locais, mas também entre as diversas vocações, carismas e espiritualidades no seio do Povo de Deus: institutos de vida consagrada e sociedades de vida apostólica, associações e movimentos laicais, novas comunidades? Como é possível assegurar a participação das comunidades de vida contemplativa nessa circulação?
B 1.4 Como pode uma Igreja sinodal cumprir melhor a sua missão através de um compromisso ecumênico renovado?
«O caminho da sinodalidade, que a Igreja católica percorre, é e deve ser ecumênico, assim como o caminho ecumênico é sinodal»[11] . A sinodalidade é um desafio comum que diz respeito a todos os crentes em Cristo, tal como o ecumenismo é, antes de mais, um caminho comum (syn-odos) percorrido em conjunto com outros Cristãos. Sinodalidade e ecumenismo são dois caminhos a percorrer em conjunto, com um objetivo comum: um melhor testemunho cristão. Este pode assumir a forma de uma convivência num “ecumenismo da vida” a diferentes níveis, incluindo os casamentos interconfessionais, e também do ato supremo de dar testemunho da fé em Cristo no ecumenismo do martírio.
O compromisso de construir uma Igreja sinodal tem várias implicações ecumênicas:
a) no único Batismo todos os cristãos participam no sensus fidei ou sentido sobrenatural da fé (cf. LG 12), razão pela qual numa Igreja sinodal todos devem ser escutados com atenção;
b) o caminho ecumênico é um intercâmbio de dons, e um dos dons que os católicos podem receber de outros cristãos é precisamente a sua experiência sinodal (cf. EG 246). A redescoberta da sinodalidade como dimensão constitutiva da Igreja é um fruto do diálogo ecuménico, sobretudo com os Ortodoxos;
c) o movimento ecumênico é um laboratório de sinodalidade e, em particular, a metodologia de diálogo e de construção de consensos experimentada a vários níveis no seu seio pode ser uma fonte de inspiração;
d) A sinodalidade faz parte da “reforma contínua” da Igreja, sabendo que é sobretudo através da sua reforma interna, na qual a sinodalidade desempenha um papel essencial, que a Igreja Católica se aproxima dos outros Cristãos (cf. UR 4.6);
e) existe uma relação recíproca entre a ordem sinodal da Igreja Católica e a credibilidade do seu empenho ecumênico;
f) Uma certa sinodalidade entre as Igrejas é experimentada sempre que Cristãos de diferentes tradições se reúnem em nome de Jesus Cristo para a oração, a ação e o testemunho comuns, bem como para consultas regulares e participação nos respetivos processos sinodais.
Todos os Documentos finais das Assembleias continentais sublinham a estreita relação entre sinodalidade e ecumenismo, e alguns dedicam-lhe capítulos inteiros. Com efeito, tanto a sinodalidade como o ecumenismo têm a sua raiz na dignidade batismal de todo o Povo de Deus; convidam a um renovado compromisso com base na visão de uma Igreja sinodal missionária; são processos de escuta e de diálogo e exortam a crescer numa comunhão que não é uniformidade, mas unidade na legítima diversidade; salientam a necessidade de um espírito de corresponsabilidade, uma vez que as nossas decisões e ações a diferentes níveis afetam todos os membros do Corpo de Cristo; são processos espirituais de arrependimento, perdão e reconciliação num diálogo de conversão que pode levar a uma cura da memória.
Pergunta para o discernimento
Como podem a experiência e os frutos do caminho ecumênico favorecer a construção de uma Igreja Católica mais sinodal; como pode a sinodalidade ajudar a Igreja Católica a responder melhor à oração de Jesus: «que todos sejam um só… para que o mundo acredite» (Jo 17, 21)?
Sugestões para a oração e a reflexão preparatória
1) Este Sínodo é uma oportunidade para aprender com outras Igrejas e Comunidades Eclesiais e para «recolher o que o Espírito semeou neles como um dom também para nós» (EG 246). O que podem os católicos (re)aprender da experiência sinodal de outros cristãos e do movimento ecumênico?
2) Como se pode promover a participação ativa de todo o Povo de Deus no movimento ecumênico? Em particular, qual pode ser o contributo da vida consagrada, dos casais e famílias interconfessionais, dos jovens, dos movimentos eclesiais e das comunidades ecumênicas?
3) Em que domínios é necessária uma cura de memória no que diz respeito à relação com outras Igrejas e Comunidades eclesiais? Como é que podemos construir juntos uma “nova memória”?
4) Como melhorar a nossa caminhada em conjunto com os cristãos de todas as tradições? Como é que uma comemoração comum do 1.700º aniversário do Concílio de Niceia (325-2025) poderia constituir uma oportunidade neste sentido?
5) «O ministério episcopal da unidade está profundamente unido à sinodalidade»[12]. Como é que o Bispo, enquanto «princípio visível e fundamento da unidade» (LG 23), é chamado a promover o ecumenismo de forma sinodal na sua Igreja local?
6) Como é que o processo sinodal em curso pode contribuir para «encontrar uma forma de exercício do primado que, sem renunciar de modo algum ao que é essencial da sua missão, se abra a uma situação nova»[13]?
7) Como podem as Igrejas Católicas Orientais ajudar, apoiar e estimular a Igreja Latina no seu compromisso sinodal e ecumênico comum? Como pode a Igreja Latina apoiar e promover a identidade dos fiéis católicos orientais na diáspora?
8) Como pode o lema ecumênico do Papa Francisco «Caminhar – Rezar – Trabalhar juntos»[14] inspirar um compromisso renovado com a unidade dos cristãos de uma forma sinodal?
B 1.5 Como reconhecer e colher a riqueza das culturas e desenvolver o diálogo com as religiões à luz do Evangelho?
Escutar as pessoas exige saber escutar as culturas em que elas estão inseridas, sabendo que cada cultura está em constante evolução. Uma Igreja sinodal precisa de aprender a articular melhor o Evangelho com as culturas e os contextos locais, através do discernimento, partindo da confiança de que o Espírito lhe dá uma tal amplitude que pode acolher qualquer cultura, sem exclusão. Prova disso é o fato de as Igrejas locais se caracterizarem já por uma grande diversidade, o que é uma bênção: nelas coexistem diferentes nacionalidades e etnias, crentes de tradições orientais e ocidentais. No entanto, esta riqueza nem sempre é fácil de viver e pode tornar-se uma fonte de divisões e conflitos.
Além disso, o nosso tempo é marcado pela difusão avassaladora de uma nova cultura, a dos ambientes digitais e dos novos media. Como demonstra a iniciativa do Sínodo digital, a Igreja já está presente aí, sobretudo através da ação de muitos Cristãos, muitos deles jovens. Falta ainda uma consciência plena das potencialidades que este ambiente oferece à evangelização e uma reflexão sobre os desafios que coloca, sobretudo em termos antropológicos.
Dos documentos das Assembleias continentais emergem várias tensões, não para serem esmagadas, mas para serem valorizadas como fontes de dinamismo:
a) na relação entre o Evangelho e as culturas locais, com experiências e posições diferentes. Alguns consideram a adoção de tradições das Igrejas de outras regiões como uma forma de colonialismo. Outros acreditam que o Espírito age em cada cultura, tornando-a capaz de exprimir as verdades da fé cristã. Outros ainda acreditam que os cristãos não podem adotar ou adaptar práticas culturais pré-cristãs;
b) na relação entre o Cristianismo e as outras religiões. A par de experiências frutuosas de diálogo e de compromisso com crentes de outras religiões, surgem também lutas e limitações, sinais de desconfiança, conflitos religiosos e até perseguições, diretas ou indiretas. A Igreja quer construir pontes para a promoção da paz, da reconciliação, da justiça e da liberdade, mas há também situações que exigem de nós uma grande paciência e esperança de que as coisas possam mudar;
c) na relação entre a Igreja, por um lado, e a cultura ocidental e as formas de colonização cultural, por outro. Existem no mundo forças que se opõem à missão da Igreja, a partir de ideologias filosóficas, econômicas e políticas baseadas em pressupostos que se opõem à fé. Nem todos percebem estas tensões da mesma forma, por exemplo no que diz respeito ao fenômeno da secularização, que alguns veem como uma ameaça e outros como uma oportunidade. Por vezes, esta tensão é interpretada de forma redutora como um confronto entre aqueles que desejam a mudança e aqueles que a temem;
d) na relação entre as comunidades indígenas e os modelos ocidentais de ação missionária. Muitos missionários católicos deram provas de grande dedicação e generosidade na partilha da fé, mas em alguns casos a sua ação impediu que as culturas locais oferecessem o seu contributo original para a edificação da Igreja;
e) na relação entre a comunidade cristã e os jovens, muitos dos quais se sentem excluídos pela linguagem adotada nos meios eclesiais, que é incompreensível para eles.
Estas tensões devem ser abordadas em primeiro lugar através do discernimento a nível local, uma vez que não existem receitas preconcebidas. As Assembleias continentais sublinharam as disposições pessoais e comunitárias que podem ser úteis: uma atitude de humildade e de respeito, a capacidade de escutar e de promover um autêntico diálogo no Espírito, a disponibilidade para a mudança, para abraçar a dinâmica pascal da morte e da ressurreição também no que diz respeito às formas concretas que a vida da Igreja assume, a formação para o discernimento cultural, para o confronto das sensibilidades e da espiritualidade, e para o acompanhamento de pessoas de culturas diferentes.
Pergunta para discernimento
Como tornar o anúncio do Evangelho comunicável e percetível nos diferentes contextos e culturas, de modo a favorecer o encontro com Cristo dos homens e mulheres do nosso tempo? Que laços podemos estabelecer com os crentes de outras religiões, desenvolvendo uma cultura do encontro e do diálogo?
Sugestões para a oração e a reflexão preparatória
1) Com que instrumentos as Igrejas locais leem e discernem as culturas em que estão inseridas? Como podem, à luz do Evangelho, respeitar e valorizar as culturas dos diferentes contextos locais? Que oportunidades podem criar para reler, de forma construtiva, os ensinamentos da Igreja à luz das culturas locais?
2) Que espaços estão disponíveis para que as culturas minoritárias e migrantes encontrem expressão nas igrejas locais?
3) Várias dioceses, conferências episcopais, assembleias continentais manifestaram o desejo de poder rearticular a vida comunitária e sobretudo a liturgia de acordo com as culturas locais, num processo de inculturação permanente. Que dinâmica sinodal podemos pôr em prática para responder a este desejo?
4) Como promover a formação para o discernimento cultural? Como promover, educar e reconhecer os carismas e as vocações dos “tradutores”, ou seja, daqueles que ajudam a construir pontes entre as religiões, as culturas e os povos?
5) A que gestos de reconciliação e de paz com as outras religiões nos sentimos chamados? Como enfrentar de forma construtiva os preconceitos, as tensões e os conflitos? Como dar testemunho do Evangelho em países onde a Igreja é minoritária, sem enfraquecer o testemunho de fé, mas também sem expor levianamente os cristãos a ameaças e perseguições?
6) Como tratar de forma franca, profética e construtiva as relações entre a cultura ocidental e as outras culturas, também no seio da Igreja, evitando formas de colonialismo?
7) Para alguns, a sociedade secularizada é uma ameaça a que se deve opor, para outros, um fato a aceitar, para outros ainda, uma fonte de inspiração e uma oportunidade. Como é que as Igrejas podem permanecer em diálogo com o mundo sem se tornarem mundanas?
8) Como criar oportunidades de discernimento nos ambientes digitais? Que formas de colaboração e que estruturas precisamos criar ao serviço da evangelização num ambiente que não tem em conta a dimensão territorial?
B 2. Corresponsáveis na missão
Como podemos partilhar dons e tarefas ao serviço do Evangelho?
B 2.1 Como podemos caminhar juntos para uma consciência comum do sentido e do conteúdo da missão?
É missão da Igreja anunciar o Evangelho e tornar Cristo presente, através do dom do Espírito. Esta tarefa pertence a todos os batizados (cf. EG 120): a sinodalidade é constitutivamente missionária e a própria missão é ação sinodal. Somos continuamente convidados a crescer na nossa resposta a este apelo, renovando em chave sinodal o modo como a Igreja realiza a sua missão. Nas reflexões das Assembleias Continentais, esta missão articula uma multiplicidade de dimensões, a serem harmonizadas e não opostas entre si, na perspetiva integral promovida pela Evangelii nuntiandi e retomada pela Evangelii gaudium. Por exemplo:
a) um apelo sincero à renovação da vida litúrgica da Igreja local como lugar de anúncio através da Palavra e dos Sacramentos, com ênfase na qualidade da pregação e na linguagem da liturgia. Esta última requer um equilíbrio adequado entre a unidade da Igreja, expressa também na unidade do rito, e as legítimas variedades, que uma correta inculturação tem em devida conta[15];
b) é sublinhado o desejo de uma Igreja pobre e próxima dos que sofrem, capaz de evangelizar através do exercício da proximidade e da caridade, seguindo os passos do Senhor, e o testemunho de um empenho que vai até ao martírio: é a vocação “samaritana” da Igreja. São recordadas as situações em que a Igreja causa feridas e aquelas em que as sofre: sem cuidar das pessoas envolvidas, estas situações tornam-se pedras de tropeço para testemunhar o amor de Deus e a verdade do Evangelho;
c) uma chave de oposição profética aos novos e destrutivos colonialismos é a abertura de lugares de serviço gratuito, inspirados na imitação de Cristo, que não veio para ser servido, mas para servir (cf. Mc 10,45). São lugares onde as necessidades humanas básicas podem ser satisfeitas, onde as pessoas se sentem acolhidas e não julgadas, livres para fazer perguntas sobre as razões da nossa esperança (cf. 1Pd 3,15), livres para partir e regressar. Para uma Igreja sinodal, a missão é sempre construir com os outros e não simplesmente para os outros;
d) também no ambiente digital, que a Igreja está a descobrir como uma oportunidade de evangelização, a construção de redes de relações permite aos seus frequentadores, especialmente aos jovens, experimentar novas formas de caminhar juntos. A iniciativa do Sínodo digital chama a atenção da Igreja para a realidade da pessoa humana como um ser que se comunica, mesmo nos circuitos mediáticos que configuram o nosso mundo contemporâneo.
O desejo de crescer no compromisso da missão não é impedido pela consciência dos limites das comunidades cristãs e pelo reconhecimento dos seus fracassos; pelo contrário, o movimento de sair de si mesmo pelo impulso da fé, da esperança e da caridade é um modo de enfrentar essa incompletude. A par da afirmação deste desejo, as Assembleias continentais dão também voz à falta de clareza e de uma compreensão partilhada do sentido, do alcance e do conteúdo da missão da Igreja, ou dos critérios para articular os impulsos de ação em diferentes direções. Daí a exigência de mais formação e de espaços de confronto e de diálogo, em chave sinodal, entre as diferentes perspetivas, espiritualidades e sensibilidades que constituem a riqueza da Igreja.
Pergunta para discernimento
Até que ponto a Igreja está hoje preparada e equipada para a missão de anunciar o Evangelho com convicção, liberdade de espírito e eficácia? Como é que a perspetiva de uma Igreja sinodal transforma a compreensão da missão e permite articular as suas diferentes dimensões? Como é que a experiência de realizar a missão em conjunto enriquece a compreensão da sinodalidade?
Sugestões para a oração e a reflexão preparatória
1) A vida litúrgica da comunidade é a fonte da missão. Como sustentar a sua renovação numa perspetiva sinodal de valorização dos ministérios, carismas e vocações e de oferta de espaços de acolhimento e de relação?
2) Como podem a pregação, a catequese e a pastoral promover uma consciência partilhada do sentido e do conteúdo da missão? E do fato de que ela constitui um apelo concreto e eficaz para cada Batizado?
3) As sínteses das Conferências Episcopais e das Assembleias continentais apelam fortemente a uma “opção preferencial” pelos jovens e pelas famílias, que os reconheça como sujeitos e não como objetos de cuidado pastoral. Como poderia tomar forma esta renovação sinodal missionária da Igreja, também através da implementação das conclusões dos Sínodos 2014-2015 e 2018 ?
4) Para uma grande parte do Povo de Deus, a missão realiza-se «tratando das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus» (LG 31; cf. também AA 2). Como sensibilizar para o fato de que a profissão, o compromisso social e político, o voluntariado são áreas em que se exerce a missão? Como acompanhar e apoiar aqueles que desempenham esta missão em ambientes particularmente hostis e difíceis?
5) A Doutrina Social da Igreja é muitas vezes considerada como um patrimônio de especialistas e teólogos e desligada da vida quotidiana das comunidades. Como se pode favorecer a sua reapropriação pelo Povo de Deus, como recurso para a missão?
6) O ambiente digital molda atualmente a vida da sociedade. Como é que a Igreja pode realizar a sua missão mais eficazmente neste ambiente? Como reconfigurar o anúncio, o acompanhamento e o cuidado neste ambiente? Como reconhecer adequadamente o empenhamento missionário neste ambiente e os percursos de formação adequados para aqueles que o realizam? Como favorecer o protagonismo dos jovens, corresponsáveis pela missão da Igreja neste espaço?
7) Em muitos domínios, a realização da missão exige que colaboremos com uma pluralidade de pessoas e organizações de diferentes inspirações: Fiéis de outras Igrejas e Comunidades eclesiais, crentes de outras religiões, mulheres e homens de boa vontade. O que é que aprendemos ao “caminhar juntos” com eles e como é que nos podemos equipar para o fazer melhor?
B 2.2 O que fazer para que uma Igreja sinodal seja também uma Igreja missionária “toda ministerial”?
Todas as Assembleias continentais se referem aos ministérios na Igreja, muitas vezes em termos muito articulados. O processo sinodal restabelece uma visão positiva dos ministérios, que lê o Ministério ordenado dentro da ministerialidade eclesial mais ampla, sem oposições. Surge também uma certa urgência em discernir os carismas emergentes e as formas adequadas de exercício dos Ministérios batismais (instituídos, extraordinários e de fato) no seio do Povo de Deus, participante da função profética, sacerdotal e real de Cristo. Esta Ficha de trabalho centra-se nestes últimos, enquanto noutras encontra espaço a questão da relação com o Ministério ordenado e as tarefas dos Bispos numa Igreja sinodal. Em particular:
a) Há um claro apelo a superar uma visão que reserva somente aos Ministros ordenados (Bispos, Presbíteros, Diáconos) todas as funções ativas na Igreja, reduzindo a participação dos Batizados a uma colaboração subordinada. Sem diminuir o apreço pelo dom do Sacramento da Ordem, os ministérios são entendidos a partir de uma conceção ministerial de toda a Igreja. Surge uma serena receção do Concílio Vaticano II, com o reconhecimento da dignidade batismal como fundamento da participação de todos na vida da Igreja. A dignidade batismal é prontamente ligada ao Sacerdócio comum como raiz dos Ministérios batismais, e é reafirmada a relação necessária entre o Sacerdócio comum e o Sacerdócio ministerial, que «ordenam-se mutuamente um ao outro, pois um e outro participam, a seu modo, do único sacerdócio de Cristo» (LG 10);
b) Sublinha-se que o lugar mais propício para tornar efetiva a participação de todos no Sacerdócio de Cristo, capaz de valorizar o Ministério ordenado na sua particularidade e, ao mesmo tempo, promover os Ministérios batismais na sua variedade, é a Igreja local, chamada a discernir quais os carismas e ministérios que são úteis para o bem de todos num determinado contexto social, cultural e eclesial. É necessário dar um novo impulso à participação especial dos Leigos na evangelização nos vários âmbitos da vida social, cultural, económica e política, bem como valorizar o contributo dos Consagradas e Consagrados, com os seus diferentes carismas, na vida da Igreja local;
c) a experiência de caminhar juntos na Igreja local permite imaginar novos ministérios ao serviço de uma Igreja sinodal. Muitas vezes, referindo-se ao texto, à visão e à linguagem da LG 10-12, as Assembleias continentais pedem um maior reconhecimento dos Ministérios batismais e a possibilidade de os realizar no registo da subsidiariedade entre os diferentes níveis da Igreja. Nesta linha, muitas destas questões poderiam ser respondidas através de um trabalho sinodal mais aprofundado nas Igrejas locais, onde, com base no princípio da participação diferenciada na tria munera de Cristo, é mais fácil manter clara a complementaridade entre o Sacerdócio comum e o Sacerdócio ministerial, identificando com discernimento os ministérios batismais necessários à comunidade.
d) Uma Igreja “toda ministerial” não é necessariamente uma Igreja “toda de Ministérios instituídos”. Há legitimamente muitos ministérios que brotam da vocação batismal: ministérios espontâneos, alguns ministérios reconhecidos que não são instituídos, e outros que, através da instituição, recebem formação específica, missão e estabilidade. Crescer como Igreja sinodal implica o compromisso de discernir juntos quais os ministérios que devem ser criados ou promovidos à luz dos sinais dos tempos, como resposta ao serviço do mundo.
Pergunta para discernimento
Como poderemos avançar na Igreja para uma corresponsabilidade real e efetiva, em chave missionária, para uma realização mais plena das vocações, carismas e ministérios de todos os Batizados? Como podemos assegurar que uma Igreja mais sinodal seja também uma “Igreja toda ministerial”?
Sugestões para a oração e a reflexão preparatória
1) Como viver a celebração do Batismo, da Confirmação e da Eucaristia de modo a que sejam ocasiões para testemunhar e promover a participação e a corresponsabilidade de todos como participantes ativos na vida e na missão da Igreja? Que caminhos formativos devem ser postos em ação para fomentar na Igreja uma compreensão da ministerialidade que não se reduza ao ministério ordenado?
2) Como discernir numa Igreja local os Ministérios batismais, estabelecidos ou não, necessários para a missão? Que espaços estão disponíveis para a experimentação a nível local? Que valor atribuir a esses Ministérios? Em que condições podem ser assumidos por toda a Igreja?
3) O que é que podemos aprender com outras Igrejas e Comunidades eclesiais relativamente à ministerialidade e aos ministérios?
4) A corresponsabilidade manifesta-se e realiza-se, antes de mais, na participação de todos na missão: como valorizar o contributo específico dos vários carismas e vocações (desde os ligados às capacidades e competências, incluindo profissionais, dos indivíduos, até aos que inspiram os institutos de vida consagrada e as sociedades de vida apostólica, os movimentos, as associações, etc.) ao serviço da harmonia do empenho comunitário e da vida eclesial, sobretudo nas Igrejas locais?
5) Como criar espaços e momentos de efetiva participação em corresponsabilidade na missão dos Fiéis que, por razões diversas, estão à margem da vida comunitária, mas que, segundo a lógica do Evangelho, podem dar um contributo insubstituível (idosos e doentes, pessoas com deficiência, pobres, pessoas sem formação cultural, etc.)?
6) Muitas pessoas experimentam o empenhamento na construção de uma sociedade justa e no cuidado da casa comum como resposta a uma vocação autêntica e como opção de vida, mesmo em detrimento de alternativas profissionais mais remuneradoras. Como pensar em formas de reconhecimento deste compromisso, de modo a tornar claro que não se trata de uma opção pessoal, mas de uma ação que torna tangível a preocupação da Igreja?
B 2.3 Como pode a Igreja do nosso tempo cumprir melhor a sua missão através de um maior reconhecimento e promoção da dignidade batismal das mulheres?
No Batismo, o cristão entra num novo vínculo com Cristo e, n’Ele e por Ele, com todos os Batizados, com todo o gêero humano e com toda a criação. Filhas e filhos do único Pai, ungidos pelo mesmo Espírito, em virtude de partilharem o mesmo vínculo com Cristo, os Batizados são dados uns aos outros como membros de um único corpo, no qual gozam de igual dignidade (cf. Gal 3, 26-28). A fase de escuta reafirmou a consciência desta realidade, indicando que ela deve encontrar uma realização cada vez mais concreta na vida da Igreja também através de relações de mutualidade, reciprocidade e complementaridade entre homens e mulheres:
a) de modo essencialmente unânime, mesmo se as perspetivas de cada continente são diferentes, todas as Assembleias continentais pedem que se preste atenção à experiência, à condição e ao papel das mulheres. Celebram a fé, a participação e o testemunho de tantas mulheres em todo o mundo, leigas e consagradas, como evangelizadoras e, muitas vezes, primeiras formadoras na fé, notando especialmente a sua contribuição para a “margem profética”, em lugares remotos e contextos sociais problemáticos;
b) além disso, as Assembleias continentais apelam a uma reflexão mais profunda sobre a realidade dos fracassos relacionais, que são também fracassos estruturais que afetam a vida das mulheres na Igreja, convidando a um processo de conversão contínua para tentar tornar-se mais plenamente aquilo que já somos no Batismo. As prioridades para a Assembleia sinodal incluem abordar as alegrias e tensões, bem como as oportunidades de conversão e renovação na forma como vivemos as relações entre homens e mulheres na Igreja, também na concretude das relações entre Ministros ordenados, Consagradas e Consagrados, Leigas e Leigos;
c) durante a primeira fase do Sínodo, as questões da participação das mulheres, o seu reconhecimento, a relação de apoio mútuo entre homens e mulheres e a presença de mulheres em posições de responsabilidade e de governo emergiram como elementos cruciais na procura de como viver a missão da Igreja de uma forma mais sinodal. As mulheres que participaram na primeira fase expressaram claramente um desejo: que a sociedade e a Igreja sejam um lugar de crescimento, de participação ativa e de pertença saudável para todas as mulheres. Pedem à Igreja que esteja ao seu lado para acompanhar e promover a realização deste desejo. Numa Igreja que quer ser verdadeiramente sinodal, estas questões devem ser abordadas em conjunto, e devem ser construídas em conjunto respostas concretas para um maior reconhecimento da dignidade batismal das mulheres e para a luta contra todas as formas de discriminação e exclusão de que são vítimas na comunidade eclesial e na sociedade;
d) finalmente, as Assembleias continentais sublinham a pluralidade de experiências, pontos de vista e perspetivas das mulheres e pedem que esta diversidade seja reconhecida nos trabalhos da Assembleia Sinodal, evitando tratar as mulheres como um grupo homogéneo ou como um tema de discussão abstrato ou ideológico.
Pergunta para o discernimento
Que medidas concretas pode a Igreja tomar para renovar e reformar os seus procedimentos, disposições institucionais e estruturas, de modo a permitir um maior reconhecimento e participação das mulheres, incluindo no governo e a todos os estágios dos processos decisórios, incluindo a tomada de decisões, em um espírito de comunhão e com vistas à missão?
Sugestões para a oração e a reflexão preparatória
1) As mulheres desempenham um papel importante na transmissão da fé, nas famílias, nas paróquias, na vida consagrada, nas associações e movimentos, nas instituições laicais, como professoras e catequistas. Como reconhecer, apoiar, acompanhar o seu contributo já considerável? Como valorizá-lo para aprender a ser uma Igreja cada vez mais sinodal?
2) Os carismas das mulheres já estão presentes e atuam na Igreja de hoje. O que é que podemos fazer para os discernir e apoiar e para aprender o que o Espírito nos quer ensinar através deles?
3) Todas as Assembleias continentais apelam a que se aborde a questão da participação das mulheres na governança, na tomada de decisões, na missão e nos ministérios a todos os níveis da Igreja, com o apoio de estruturas apropriadas para que isto não permaneça apenas uma aspiração geral.
a) Como é que as mulheres podem ser incluídas em cada uma destas áreas em maior número e de novas formas?
b) Como é que, na vida consagrada, as mulheres podem estar mais bem representadas nos processos de governança e de tomada de decisões, mais bem protegidas dos abusos e também mais justamente remuneradas pelo seu trabalho?
c) Como podem as mulheres contribuir para a governança, ajudando a promover uma maior responsabilidade e transparência e a reforçar a confiança na Igreja?
d) Como aprofundar a reflexão sobre a contribuição das mulheres na reflexão teológica e no acompanhamento das comunidades? Como dar espaço e reconhecimento a esta contribuição nos processos formais de discernimento a todos os níveis da Igreja?
e) Que novos ministérios poderiam ser criados para proporcionar meios e oportunidades para a participação efetiva das mulheres nos órgãos de discernimento e de decisão? Como aumentar a corresponsabilidade nos processos de tomada de decisão em lugares remotos e em contextos sociais problemáticos, onde as mulheres são frequentemente os principais agentes da pastoral e da evangelização? Os contributos recebidos durante a primeira fase referem que as tensões com os Ministros Ordenados surgem na ausência de dinâmicas de corresponsabilidade e de processos de tomada de decisão partilhados.
4) A maior parte das Assembleias continentais e as sínteses de numerosas Conferências Episcopais pedem que se volte a considerar a questão do acesso das mulheres ao Diaconado. Como se pode encarar esta questão?
5) Como é que os homens e as mulheres podem cooperar melhor no desempenho do ministério pastoral e no exercício de responsabilidades conexas?
B 2.4 Como valorizar o Ministério ordenado, na sua relação com os Ministérios batismais, numa perspetiva missionária?
Os Documentos finais das Assembleias continentais exprimem um forte desejo de que se aborde a reflexão sobre a relação entre os Ministérios ordenados e os Ministérios batismais, sublinhando a dificuldade de o fazer na vida ordinária das comunidades. O processo sinodal oferece uma oportunidade preciosa para, à luz do ensinamento do Concílio Vaticano II, se debruçar sobre a correlação entre a riqueza das vocações, dos carismas e dos ministérios radicados no Batismo, por um lado, e o Ministério ordenado, por outro, visto como um dom e uma tarefa inalienável ao serviço do Povo de Deus. Em particular:
a) na perspetiva traçada pelo Concílio Vaticano II, é reafirmada a necessária relação entre o Sacerdócio comum e o Sacerdócio ministerial. Entre ambos não há oposição ou concorrência, nem espaço para reivindicações: o que se exige é que se reconheça a sua complementaridade;
b) as Assembleias Continentais expressam um claro apreço pelo dom do Sacerdócio ministerial e, ao mesmo tempo, um profundo desejo de sua renovação numa perspetiva sinodal. Assinalam a dificuldade de envolver uma parte dos Presbíteros no processo sinodal e constatam a preocupação generalizada por um exercício do Ministério ordenado não adaptado aos desafios do nosso tempo, distante da vida e das necessidades do povo, muitas vezes confinado apenas à esfera litúrgico-sacramental. Manifestam também a sua preocupação pela solidão em que vivem muitos Presbíteros e sublinham a sua necessidade de cuidados, amizade e apoio;
c) o Concílio Vaticano II ensina que «o ministério eclesiástico, instituído por Deus, é exercido em ordens diversas por aqueles que desde a antiguidade são chamados Bispos, presbíteros e diáconos» (LG 28). Das Assembleias continentais emerge o pedido de que o Ministério ordenado, na diferença de tarefas, seja para todos um testemunho vivo de comunhão e de serviço na lógica da gratuidade evangélica. Expressam também o desejo de que os Bispos, Presbíteros e Diáconos exerçam o seu ministério num estilo sinodal, reconheçam e valorizem os dons e carismas presentes na comunidade, favoreçam e acompanhem os processos de assunção comunitária da missão, garantam decisões em sintonia com o Evangelho e na escuta do Espírito Santo. É também necessária uma renovação dos programas dos seminários, para que sejam mais sinodais e estejam mais em contato com todo o Povo de Deus;
d) em relação a esta conceção do Ministério ordenado ao serviço da vida batismal, sublinha-se que o clericalismo é uma força que isola, separa e enfraquece uma Igreja sã e integralmente ministerial, e indica-se a formação como caminho privilegiado para o superar eficazmente. Sublinha-se também que o clericalismo não é uma prerrogativa apenas dos Ministros ordenados, mas atua de formas diferentes em todas as componentes do Povo de Deus;
e) em muitas regiões, a confiança nos Ministros ordenados, nos titulares de cargos eclesiásticos, nas instituições eclesiais e na Igreja no seu conjunto é minada pelas consequências do «escândalo dos abusos cometidos por membros do clero ou de pessoas que desempenham um cargo eclesial: em primeiro lugar e sobretudo os abusos sobre menores e pessoas vulneráveis, mas também os de outro género (espirituais, sexuais, económicos, de autoridade, de consciência). Trata-se de uma ferida aberta, que continua a infligir dor às vítimas e aos sobreviventes, às suas famílias e comunidades» (DEC 20).
Pergunta para discernimento
Como promover na Igreja uma mentalidade e formas concretas de corresponsabilidade em que a relação entre os Ministérios batismais e o Ministério ordenado seja fecunda? Se a Igreja é toda ministerial, como compreender os dons específicos dos Ministros ordenados no seio do único Povo de Deus numa perspetiva missionária?
Sugestões para a oração e a reflexão preparatória
1) Que relação tem o Ministério dos Presbíteros, consagrados «para pregar o Evangelho, apascentar os fiéis e celebrar o culta divino» (LG 28), com os Ministérios batismais? Que relação tem este tríplice ofício dos Ministros ordenados com a Igreja enquanto Povo profético, sacerdotal e real?
2) Na Igreja local, os Presbíteros «constituem com o seu Bispo um presbitério» (LG 28). Como pode crescer esta unidade entre o Bispo e o seu Presbitério para um serviço mais eficaz ao Povo de Deus confiado aos seus cuidado do Bispo?
3) A Igreja é enriquecida pelo ministério de tantos Presbíteros que pertencem aos institutos de vida consagrada e às sociedades de vida apostólica. Como é que o seu ministério, caraterizado pelo carisma do Instituto a que pertencem, pode promover uma Igreja mais sinodal?
4) Como compreender o ministério do Diácono permanente numa Igreja sinodal missionária?
5) Quais podem ser as diretrizes para uma reforma dos currículos de formação nos seminários e nas escolas de teologia, em sintonia com a figura sinodal da Igreja? Como é que a formação dos Presbíteros os pode colocar em relação mais estreita com os processos pastorais e com a vida da porção do Povo de Deus que são chamados a servir?
6) Que caminhos de formação devem ser postos em ação para favorecer na Igreja uma compreensão da ministerialidade que não se reduza ao Ministério ordenado, mas que ao mesmo tempo o valorize?
7) Como podemos discernir juntos as formas em que o clericalismo de Ministros ordenados e Leigos, impede a plena expressão da vocação dos Ministérios ordenados na Igreja, bem como de outros membros do Povo de Deus? Como podemos encontrar formas de o ultrapassar em conjunto?
8) É possível que, particularmente em lugares onde o número de Ministros ordenados é muito baixo, os leigos possam assumir o papel de líderes comunitários? Que implicações é que isto tem na compreensão do Ministério ordenado?
9) É possível, como propõem alguns continentes, abrir uma reflexão sobre a possibilidade de rever, pelo menos nalgumas áreas, a disciplina sobre o acesso ao Presbiterado dos homens casados?
10) Como é que uma conceção do Ministério ordenado e uma formação dos candidatos mais enraizada na visão da Igreja sinodal missionária podem contribuir para os esforços de prevenção da recorrência de abusos sexuais e outras ordens?
B 2.5 Como renovar e promover o Ministério do Bispo numa perspetiva sinodal missionária?
O ministério do Bispo está enraizado na Escritura e desenvolvido na Tradição em fidelidade à vontade de Cristo. Fiel a esta tradição, o Concílio Vaticano II propôs uma doutrina muito rica sobre os bispos, “sucessores dos Apóstolos, que, com o sucessor de Pedro, vigário de Cristo e cabeça visível de toda a Igreja, governam a casa de Deus vivo” (LG 18). O capítulo da Lumen Gentium sobre a constituição hierárquica da Igreja afirma a sacramentalidade do episcopado e, a partir daí, desenvolve o tema da colegialidade (LG 22-23) e do ministério episcopal como exercício dos três ofícios (tria munera, LG 24-27). O Sínodo dos Bispos foi então instituído como um órgão que permite aos bispos participarem com o Bispo de Roma na solicitude por toda a Igreja. O convite a viver com maior intensidade a dimensão sinodal exige um renovado aprofundamento do ministério episcopal, para o inserir mais solidamente num quadro sinodal. Em particular:
a) o Colégio Episcopal, sujeito, juntamente com o Romano Pontífice que é a sua cabeça e nunca sem ele, «do supremo e pleno poder sobre toda a Igreja» (LG 22), participa no processo sinodal quer quando cada Bispo inicia, orienta e conclui a consulta do Povo de Deus que lhe foi confiada, como também quando os Bispos reunidos exercem juntos o carisma do discernimento, nos Sínodos ou Conselhos de Hierarcas das Igrejas Orientais Católicas e nas Conferências Episcopais, nas Assembleias Continentais e, de forma peculiar, na Assembleia sinodal;
b) aos Bispos, sucessores dos Apóstolos, que receberam «o encargo da comunidade, presidindo em lugar de Deus ao rebanho de que são pastores» (LG 20), o processo sinodal pede-lhes que vivam uma confiança radical na ação do Espírito nas suas comunidades, sem considerar a participação de todos como uma ameaça ao seu ministério de liderança. Pelo contrário, exorta-os a serem um princípio de unidade na sua Igreja, chamando todos (Presbíteros e Diáconos, Consagradas e Consagrados, Fiéis leigas e leigos) a caminharem juntos como Povo de Deus e a promoverem um estilo sinodal de Igreja;
c) a consulta ao Povo de Deus pôs em evidência que o fato de se tornar uma Igreja mais sinodal implica também um maior envolvimento de todos no discernimento, o que exige que se repensem os processos de decisão. Consequentemente, há uma exigência de estruturas de governo adequadas, inspiradas por uma maior transparência e responsabilidade, o que também afeta o modo como o ministério do Bispo é exercido. Isto também dá origem a resistências, receios ou sentimentos de desorientação. Em particular, enquanto alguns apelam a um maior envolvimento de todos os fiéis e, portanto, a um exercício “menos exclusivo” do papel dos bispos, outros expressam dúvidas e temem o risco de uma deriva inspirada nos mecanismos da democracia política;
d) igualmente forte é a consciência de que toda a autoridade na Igreja procede de Cristo e é guiada pelo Espírito Santo. A diversidade dos carismas sem autoridade torna-se anarquia, assim como o rigor da autoridade sem a riqueza dos carismas, dos ministérios e das vocações se torna ditadura. A Igreja é ao mesmo tempo sinodal e hierárquica; por isso o exercício sinodal da autoridade episcopal é conotado como acompanhamento e salvaguarda da unidade. O caminho para realizar a recompreensão do ministério episcopal é a prática da sinodalidade, que compõe na unidade as diferenças de dons, carismas, ministérios e vocações que o Espírito suscita na Igreja;
e) Prosseguir com a renovação do ministério episcopal numa Igreja mais plenamente sinodal requer mudanças culturais e estruturais, muita confiança recíproca e, sobretudo, confiança na orientação do Senhor. Por isso, muitos esperam que a dinâmica do diálogo no Espírito possa entrar na vida quotidiana da Igreja e animar as reuniões, os conselhos, os órgãos de decisão, favorecendo a construção de um sentido de confiança recíproca e a formação de um consenso efetivo;
f) o ministério do Bispo inclui também a pertença ao Colégio episcopal e, consequentemente, o exercício da corresponsabilidade pela Igreja universal. Este exercício insere-se também na perspetiva da Igreja sinodal, «no espírito de uma “sã descentralização” », para «deixar à competência dos Pastores a faculdade de resolver, no exercício da “sua própria tarefa de mestres” e de pastores, as questões que conhecem bem e que não tocam a unidade da doutrina, da disciplina e da comunhão da Igreja, atuando sempre com aquela corresponsabilidade que é fruto e expressão daquele específico mysterium communionis que é a Igreja» (PE II,2; cf. EG 16; DV 7) .
Pergunta para o discernimento
Como entender a vocação e a missão do Bispo numa perspetiva missionária sinodal? Que renovação de visão e formas de exercício concreto do ministério episcopal são necessárias numa Igreja sinodal caraterizada pela corresponsabilidade?
Sugestões para a oração e a reflexão preparatória
1) «os Bispos representam de forma eminente e conspícua o próprio Cristo, mestre, pastor e pontífice» (LG 21). Que relação tem este ministério com o dos Presbíteros, «para pregar o Evangelho, apascentar os fiéis e celebrar o culta divino» (LG 28)? Que relação tem este tríplice ofício dos Ministros ordenados com a Igreja enquanto Povo profético, sacerdotal e real?
2) Como é que o exercício do ministério episcopal solicita a consulta, a colaboração e a participação nos processos de decisão do Povo de Deus?
3) Com que critérios pode um Bispo avaliar-se e ser avaliado no desempenho do seu serviço num estilo sinodal?
4) Em que casos pode um Bispo sentir-se obrigado a tomar uma decisão diferente dos conselhos ponderados oferecidos pelos órgãos consultivos? Qual seria o fundamento dessa obrigação?
5) Qual é a natureza da relação entre o «sentir sobrenatural da fé» (LG 12) e o serviço magisterial do Bispo? Como se pode compreender e articular melhor a relação entre a Igreja sinodal e o ministério do Bispo? Os Bispos devem discernir juntos ou separados dos outros membros do Povo de Deus? Ambas as opções (em conjunto e separadamente) têm lugar numa Igreja sinodal?
6) Como garantir o cuidado e o equilíbrio dos três ofícios (santificar, ensinar, governar) na vida e no ministério do Bispo? Em que medida os atuais modelos de vida e ministério episcopal permitem ao Bispo ser uma pessoa de oração, um mestre da fé e um administrador sábio e eficaz, e manter as três funções em tensão criativa e missionária? Como rever o perfil do Bispo e o processo de discernimento para identificar os candidatos ao Episcopado numa perspetiva sinodal?
7) Como deve evoluir o papel do Bispo de Roma e o exercício do primado numa Igreja sinodal?
B 3. Participação, responsabilidade e autoridade
Que processos, estruturas e instituições numa Igreja sinodal missionária?
B 3.1 Como renovar o serviço da autoridade e o exercício da responsabilidade numa Igreja sinodal missionária?
Uma Igreja constitutivamente sinodal é chamada a articular o direito de todos a participar na vida e na missão da Igreja, em virtude do Batismo, com o serviço da autoridade e o exercício da responsabilidade que, sob diversas formas, é confiado a alguns. O caminho sinodal é uma oportunidade para discernir quais são os caminhos adequados no nosso tempo para realizar esta articulação. A primeira fase permitiu recolher algumas ideias a este respeito:
a) as funções de autoridade, de responsabilidade e de governo – por vezes sinteticamente designadas pelo termo inglês leadership – assumem formas muito diversas na Igreja. A autoridade na vida consagrada, nos movimentos e associações, nas instituições ligadas à Igreja (como universidades, fundações, escolas, etc.) é diferente da que deriva do Sacramento da Ordem, assim como a autoridade espiritual ligada a um carisma é diferente da ligada ao serviço ministerial. As diferenças entre estas formas devem ser salvaguardadas, sem esquecer que todas elas têm em comum o fato de serem um serviço na Igreja;
b) em particular, todos partilham o apelo a conformar-se com o exemplo do Mestre, que disse de si mesmo: «Eu estou no meio de vós como o que serve» (Lc 22,27). «Para os discípulos de Jesus, ontem, hoje e sempre, a única autoridade é a autoridade do serviço»[16] . Estas são as coordenadas fundamentais para crescer no exercício da autoridade e da responsabilidade, em todas as suas formas e a todos os níveis da vida da Igreja. É a perspetiva daquela conversão missionária «destinada a renovar a Igreja segundo a imagem da própria missão de amor de Cristo» (EP I, 2);
c) nesta linha, os documentos da primeira fase exprimem algumas caraterísticas do exercício da autoridade e da responsabilidade numa Igreja sinodal missionária: atitude de serviço e não de poder ou controle, transparência, encorajamento e promoção das pessoas, competência e capacidade de visão, discernimento, inclusão, colaboração e delegação. Acima de tudo, é sublinhada a atitude e a vontade de ouvir. É por isso que se sublinha a necessidade de formação específica nestas competências para aqueles que ocupam posições de responsabilidade e autoridade, bem como a ativação de processos de seleção mais participativos, especialmente para os Bispos;
d) A perspetiva da transparência e da prestação de contas é fundamental para um exercício autenticamente evangélico da autoridade e da responsabilidade. No entanto, também suscita receios e resistências. É por isso que é importante confrontar seriamente, com uma atitude de discernimento, as mais recentes descobertas das ciências da gestão e da liderança. Além disso, o diálogo no Espírito é indicado como uma forma de gerir processos de tomada de decisão e de construção de consensos capazes de gerar confiança e de favorecer um exercício de autoridade adequado a uma Igreja sinodal;
e) As Assembleias continentais assinalam também fenômenos de apropriação do poder e dos processos de decisão por parte de alguns em posições de autoridade e responsabilidade. A estes fenômenos ligam a cultura do clericalismo e as diversas formas de abuso (sexual, econômico, espiritual e de poder), que corroem a credibilidade da Igreja e comprometem a eficácia da sua missão, sobretudo nas culturas onde o respeito pela autoridade é um valor importante.
Pergunta para discernimento
Como podem a autoridade e a responsabilidade ser entendidas e exercidas ao serviço da participação de todo o Povo de Deus? Que renovação da compreensão e das formas de exercício da autoridade, da responsabilidade e do governo é necessária para crescer como Igreja sinodal missionária?
Sugestões para a oração e a reflexão preparatória
1) O ensinamento do Concílio Vaticano II sobre a participação de todos na vida e na missão da Igreja está efetivamente incorporado na consciência e na prática das Igrejas locais, particularmente pelos pastores e por aqueles que exercem funções de responsabilidade? O que é que pode favorecer uma consciência e uma apreciação mais profundas deste fato no cumprimento da missão da Igreja?
2) Na Igreja existem funções de autoridade e de responsabilidade não ligadas ao Sacramento da Ordem, que são exercidas ao serviço da comunhão e da missão nos institutos de vida consagrada e nas sociedades de vida apostólica, nas associações e agregações laicais, nos movimentos eclesiais e nas novas comunidades, etc. Como promover um exercício destas formas de autoridade próprias de uma Igreja sinodal e como viver, nelas, a relação com a autoridade ministerial dos Pastores?
3) Que elementos devem fazer parte da formação em autoridade de todos os líderes da igreja? Como incentivar a formação no método do diálogo no Espírito e a sua aplicação autêntica e incisiva?
4) Quais podem ser as linhas de reforma dos seminários e das casas de formação, para que possam estimular os candidatos ao Ministério ordenado a crescer num estilo de exercício da autoridade próprio de uma Igreja sinodal? Como repensar, a nível nacional, a Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis e os seus documentos de aplicação? Como devem ser reorientados os currículos das escolas de teologia?
5) Que formas de clericalismo persistem na comunidade cristã? Existe ainda uma perceção de distância entre os Fiéis leigos e os Pastores: o que pode ajudar a superá-la? Que formas de exercício da autoridade e da responsabilidade devem ser superadas, por não serem adequadas a uma Igreja constitutivamente sinodal?
6) Em que medida a escassez de Presbíteros em algumas regiões constitui um estímulo para questionar a relação entre o Ministério ordenado, o governo e a assunção de responsabilidades na comunidade cristã?
7) O que é que podemos aprender sobre o exercício da autoridade e da responsabilidade com outras Igrejas e Comunidades eclesiais?
8) Em todas as épocas, o exercício da autoridade e da responsabilidade na Igreja é influenciado pelos modelos de gestão e pelo imaginário de poder que prevalece na sociedade. Como tomar consciência disso e exercer um discernimento evangélico sobre as práticas dominantes de exercício da autoridade, na Igreja e na sociedade?
B 3.2 Como podemos desenvolver práticas de discernimento e processos de tomada de decisão de uma forma autenticamente sinodal, reforçando o papel de liderança do Espírito?
Como Igreja sinodal, somos chamados a discernir juntos os passos a dar para realizar a missão de evangelização, sublinhando o direito de todos a participar na vida e na missão da Igreja e exortando ao contributo insubstituível de cada Batizado. Na base de todo o discernimento está o desejo de fazer a vontade do Senhor e o crescimento na familiaridade com Ele através da oração, da meditação da Palavra e da vida sacramental, que nos permite escolher como Ele escolheria. Sobre o lugar do discernimento numa Igreja sinodal missionária:
a) das Assembleias continentais emerge com força o desejo de processos de decisão mais partilhados, capazes de integrar o contributo de todo o Povo de Deus, mas também a competência de alguns, e de envolver aqueles que, por várias razões, permanecem à margem da vida comunitária, como as mulheres, os jovens, as minorias, os pobres e os excluídos. A este desejo junta-se a insatisfação com formas de exercício da autoridade em que as decisões são tomadas sem consulta;
b) as Assembleias continentais dão voz aos receios de alguns que veem em concorrência as dimensões sinodal e hierárquica, ambas constitutivas da Igreja. No entanto, também estão a surgir sinais do contrário. Um primeiro exemplo é a experiência de que, quando a autoridade toma decisões no âmbito de processos sinodais, a comunidade é mais facilmente capaz de reconhecer a sua legitimidade e de as aceitar. Um segundo exemplo é a consciência crescente de que a falta de intercâmbio com a comunidade enfraquece o papel da autoridade, remetendo-a por vezes para um exercício de afirmação de poder. Um terceiro exemplo é a atribuição de responsabilidades eclesiais a Fiéis leigos, que as exercem de forma construtiva e não opositiva, em regiões onde o número de Ministros ordenados é muito reduzido;
c) a adoção generalizada do método do diálogo no Espírito durante a fase de consulta permitiu que muitos experimentassem alguns dos elementos de um processo de discernimento comunitário e de construção participativa de consensos, sem esconder conflitos ou criar polarizações;
d) aqueles que desempenham tarefas de governo e de responsabilidade são chamados a suscitar, facilitar e acompanhar processos de discernimento comunitário que incluam a escuta do Povo de Deus. Em particular, cabe à autoridade episcopal um serviço fundamental de animação e validação do caráter sinodal destes processos e de confirmação da fidelidade das conclusões ao que emergiu no processo. Em particular, cabe aos Pastores verificar a consonância entre as aspirações das suas comunidades e o «depósito sagrado da palavra de Deus, confiado à Igreja» (DV 10), consonância que permite que essas aspirações sejam consideradas como expressão genuína do sentido de fé do Povo de Deus;
e) A perspetiva do discernimento comunitário interpela a Igreja a todos os níveis e em todas as suas articulações e formas organizativas. Para além das estruturas paroquiais e diocesanas, diz respeito também aos processos de decisão de associações, movimentos e agregações de leigos, onde atravessa mecanismos institucionais que habitualmente implicam o recurso a instrumentos como o voto. Põe em causa a forma como os órgãos de decisão das instituições ligadas à Igreja (escolas, universidades, fundações, hospitais, centros de acolhimento e de ação social, etc.) identificam e formulam orientações de funcionamento. Por fim, interpela os institutos de vida consagrada e as sociedades de vida apostólica em aspetos que se cruzam com as peculiaridades dos seus carismas e do seu direito próprio (cf. DEC 81);
f) a adoção de processos de decisão que utilizem de forma estável o discernimento comunitário requer uma conversão pessoal, comunitária, cultural e institucional, bem como um investimento formativo.
Pergunta para discernimento
Como pensar em processos de decisão mais participativos, que deem espaço à escuta e ao discernimento comunitário, apoiados pela autoridade como serviço de unidade?
Sugestões para a oração e a reflexão preparatória
1) Que espaço ocupa a escuta da Palavra de Deus nos nossos processos de decisão? Como é que podemos dar espaço ao protagonismo do Espírito Santo de forma concreta e não apenas em palavras?
2) Como é que o diálogo no Espírito, que abre o dinamismo do discernimento comunitário, pode contribuir para a renovação dos processos de decisão na Igreja? Como é que pode ser “institucionalizado” e tornar-se uma prática corrente? Que mudanças são necessárias no direito canónico?
3) Como promover o ministério do facilitador dos processos de discernimento comunitário, assegurando que aqueles que o realizam recebam uma formação e um acompanhamento adequados? Como formar Ministros Ordenados para acompanhar os processos de discernimento comunitário?
4) Como promover a participação das mulheres, dos jovens, das minorias e das vozes marginais nos processos de discernimento e de tomada de decisões?
5) Como é que uma articulação mais clara entre a totalidade do processo de tomada de decisão e o momento específico da tomada de decisão nos pode ajudar a identificar melhor qual é a responsabilidade dos diferentes atores em cada fase? Como é que entendemos a relação entre a tomada de decisão e o discernimento em comum?
6) Como é que os consagrados e as consagradas podem e devem participar nos processos de decisão das Igrejas locais? O que podemos aprender da sua experiência e das suas diferentes espiritualidades no que respeita ao discernimento e aos processos de decisão? O que é que podemos aprender com as associações, movimentos e agregações de leigos?
7) Como lidar de forma construtiva com os casos em que a autoridade sente que não pode confirmar as conclusões alcançadas por um processo de discernimento comunitário e toma uma decisão numa direção diferente? Que tipo de restituição deve essa autoridade oferecer àqueles que participaram no processo?
8) O que é que podemos aprender da sociedade e da cultura em termos de gestão dos processos participativos? Que modelos, por outro lado, podem revelar-se um obstáculo à construção de uma Igreja mais sinodal?
9) Que contributo podemos receber da experiência de outras Igrejas e Comunidades eclesiais? E da experiência de outras religiões? Que estímulos das culturas indígenas, minoritárias e oprimidas nos podem ajudar a repensar os nossos processos de decisão? Que conhecimentos nos trazem as experiências que têm lugar no ambiente digital?
B 3.3. Que estruturas podem ser desenvolvidas para consolidar uma Igreja sinodal missionária?
As Assembleias continentais exprimem vivamente o desejo de que o modo de proceder sinodal, experimentado no atual caminho, penetre na vida quotidiana da Igreja a todos os níveis, renovando as estruturas existentes – a começar pelos Conselhos pastorais diocesanos e paroquiais, os Conselhos para os assuntos econômicos, os Sínodos diocesanos ou eparquiais – ou instituindo novas estruturas. Sem diminuir a importância da renovação das relações no seio do Povo de Deus, a intervenção nas estruturas é indispensável para consolidar as mudanças no tempo. Em particular:
a) para que não fique no papel ou seja confiada apenas à boa vontade dos indivíduos, a corresponsabilidade na missão que deriva do Batismo deve concretizar-se em formas estruturadas. Por isso, são necessários quadros institucionais adequados e espaços nos quais se possa praticar regularmente o discernimento comunitário. Não se trata de uma exigência de redistribuição do poder, mas da necessidade de um exercício efetivo da corresponsabilidade que deriva do Batismo. Este confere direitos e deveres a cada pessoa, que devem poder ser exercidos de acordo com os carismas e ministérios de cada um;
b) isto requer que as estruturas e as instituições funcionem com procedimentos adequados: transparentes, orientados para a missão, abertos à participação, capazes de dar espaço às mulheres, aos jovens, às minorias e aos pobres e marginalizados. Isto vale para as instâncias participativas já mencionadas, cujo papel deve ser reafirmado e consolidado, mas também: para os órgãos de decisão das associações, dos movimentos e das novas comunidades; para os órgãos de governo dos institutos de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica (de modo adequado ao carisma particular de cada um deles); para as múltiplas e variadas instituições, muitas vezes também sujeitas ao direito civil, através das quais se realiza a ação missionária e o serviço da comunidade cristã: escolas, hospitais, universidades, meios de comunicação social, centros de acolhimento e de ação social, centros culturais, fundações, etc;
c) a exigência de uma reforma das estruturas e instituições e dos mecanismos de funcionamento no sentido da transparência é particularmente forte nos contextos mais marcados pela crise dos abusos (sexuais, económicos, espirituais, psicológicos, institucionais, de consciência, de poder, de jurisdição). Uma parte do problema reside frequentemente no tratamento inadequado dos casos de abuso, o que põe em causa os mecanismos e procedimentos de funcionamento das estruturas e instituições, bem como a mentalidade das pessoas que nelas trabalham. A perspetiva de transparência e de corresponsabilidade também suscita receios e resistências; é por isso que é necessário aprofundar o diálogo, criando oportunidades de partilha e de confronto a todos os níveis;
d) o método do diálogo no Espírito revela-se particularmente precioso para restabelecer a confiança nos contextos em que, por várias razões, se desenvolveu um clima de desconfiança entre as diversas componentes do Povo de Deus. Um caminho de conversão e de reforma, à escuta da voz do Espírito, requer estruturas e instituições capazes de o acompanhar e apoiar. As Assembleias continentais exprimem com força a convicção de que não bastam apenas as estruturas, mas é necessária também uma mudança de mentalidade; daí a necessidade de um investimento na formação;
e) além disso, parece oportuno intervir também no direito canónico, reequilibrando a relação entre o princípio da autoridade, fortemente afirmado na legislação atual, e o princípio da participação; reforçando a orientação sinodal dos institutos já existentes; criando novos institutos, onde isso parecer necessário para as necessidades da vida da comunidade; supervisionando a aplicação efetiva da legislação.
Pergunta para discernimento
Uma Igreja sinodal precisa de viver a corresponsabilidade e a transparência: como é que esta consciência pode servir de base à reforma das instituições, das estruturas e dos procedimentos, de modo a consolidar a mudança ao longo do tempo?
Sugestões para a oração e a reflexão preparatória
1) Como mudar as estruturas canônicas e os procedimentos pastorais para favorecer a corresponsabilidade e a transparência? As estruturas atuais são suficientes para garantir a participação ou são necessárias novas estruturas?
2) Como pode o direito canônico contribuir para a renovação das estruturas e das instituições? Que mudanças parecem necessárias ou oportunas?
3) Quais são os obstáculos (mentais, teológicos, práticos, organizacionais, financeiros, culturais) que impedem a transformação dos órgãos de participação atualmente previstos no direito canônico em órgãos de discernimento comunitário eficaz? Que reformas são necessárias para que possam apoiar a missão de forma efetiva, criativa e vibrante? Como torná-los mais abertos à presença e à contribuição das mulheres, dos jovens, dos pobres, dos migrantes, dos membros das minorias e daqueles que, por várias razões, se encontram à margem da vida comunitária?
4) Como é que a perspetiva da Igreja sinodal interpela as estruturas e os procedimentos da vida consagrada e as diferentes formas de agregação laical? E o funcionamento das instituições eclesiais?
5) Em que aspetos da vida das instituições é necessária uma maior transparência (relatórios econômicos e financeiros, seleção de candidatos a cargos de responsabilidade, nomeações, etc.)? Com que instrumentos é possível alcançar este objetivo?
6) A perspetiva de transparência e de abertura aos processos conjuntos de consulta e de discernimento suscita igualmente receios. Como é que eles se manifestam? O que receiam as pessoas que manifestam esses receios? Como é que esses receios podem ser abordados e ultrapassados?
7) Em que medida é possível distinguir entre os membros de uma instituição e a própria instituição? As responsabilidades pelo tratamento dos casos de abuso são individuais ou sistémicas? Como é que a perspetiva sinodal pode contribuir para criar uma cultura de prevenção de abusos de todos os tipos?
8) O que podemos aprender com a forma como as instituições públicas e o direito público e civil procuram responder às necessidades de transparência e de responsabilidade da sociedade (separação de poderes, órgãos de controle independentes, obrigações de publicidade de certos procedimentos, limites à duração dos mandatos, etc.)?
9) O que podemos aprender da experiência de outras Igrejas e Comunidades eclesiais sobre o funcionamento das estruturas e instituições num estilo sinodal?
B 3.4 Como configurar instâncias de sinodalidade e colegialidade envolvendo agrupamentos de igrejas locais?
A primeira fase do processo sinodal pôs em evidência o papel das instâncias de sinodalidade e colegialidade que reúnem as várias Igrejas locais: as Estruturas Hierárquicas Orientais e, na Igreja Latina, as Conferências Episcopais (cf. EP I,7). Os Documentos elaborados nas várias etapas sublinham como a consulta do Povo de Deus nas Igrejas locais e as sucessivas etapas de discernimento foram uma verdadeira experiência de escuta do Espírito através da escuta recíproca. Da riqueza desta experiência é possível tirar ensinamentos para a construção de uma Igreja cada vez mais sinodal:
a) o processo sinodal pode tornar-se «um dinamismo de comunhão que inspira todas as decisões eclesiais»[17] , porque envolve verdadeiramente todos os sujeitos – o Povo de Deus, o Colégio episcopal, o Bispo de Roma -, cada um segundo a sua função. O desenrolar ordenado das etapas dissipou o receio de que a consulta ao Povo de Deus conduzisse a um enfraquecimento do ministério dos Pastores. Pelo contrário, a consulta era possível porque era iniciada por cada Bispo, como «princípio e fundamento visível da unidade» (LG 23) na sua Igreja. Posteriormente, nas Estruturas Hierárquicas Orientais e nas Conferências Episcopais, os Pastores realizaram um ato de discernimento colegial sobre os contributos provenientes das Igrejas locais. Assim, o processo sinodal propiciou um verdadeiro exercício da colegialidade episcopal numa Igreja plenamente sinodal;
b) a questão do exercício da sinodalidade e da colegialidade nas instâncias que envolvem grupos de Igrejas locais unidas por tradições espirituais, litúrgicas e disciplinares, por contiguidade geográfica e proximidade cultural, a começar pelas Conferências Episcopais, necessita de uma renovada reflexão teológica e canónica: nelas «a communio Episcoporum exprime-se ao serviço da communio Ecclesiarum fundada na communio Fidelium» (EP I, 7).
c) uma razão para enfrentar esta tarefa surge na Evangelii gaudium: «Não convém que o Papa substitua os episcopados locais no discernimento de todas as problemáticas que sobressaem nos seus territórios. Neste sentido, sinto a necessidade de proceder a uma salutar “descentralização”» (n. 16). Por ocasião do 50.º aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos, o Santo Padre recordou que a sinodalidade se exerce não só a nível das Igrejas locais e a nível da Igreja universal, mas também a nível dos agrupamentos de Igrejas, como as Províncias e as Regiões eclesiásticas, os Conselhos particulares e sobretudo as Conferências Episcopais: «devemos refletir para se realizarem ainda mais, através destes organismos, as instâncias intermédias da colegialidade, talvez integrando e atualizando alguns aspetos do ordenamento eclesiástico antigo»[18].
Pergunta para discernimento
À luz da experiência sinodal até agora realizada, como pode a sinodalidade encontrar uma melhor expressão nas e através das instituições que envolvem grupos de Igrejas locais, como os Sínodos dos Bispos e os Conselhos de Hierarcas das Igrejas Católicas Orientais, as Conferências Episcopais e as Assembleias continentais, de modo a que sejam concebidos «como sujeitos de atribuições concretas, incluindo alguma autêntica autoridade doutrinal» (EG 32) numa perspetiva missionária?
Sugestões para a oração e a reflexão preparatória
1) A dinâmica sinodal da escuta do Espírito através da escuta mútua oferece-se como a forma mais praticável de traduzir a colegialidade episcopal em ação numa Igreja plenamente sinodal. Partindo da experiência do processo sinodal:
a) como é que a escuta do Povo de Deus se pode tornar a forma habitual de tomada de decisões na Igreja a todos os níveis da sua vida?
b) Como realizar a escuta do Povo de Deus nas Igrejas locais? Em particular, como valorizar os organismos de participação, para que sejam “lugares” efetivos de escuta e de discernimento eclesial?
c) Como repensar os processos de decisão a nível dos órgãos episcopais das Igrejas Católicas Orientais e das Conferências Episcopais a partir da escuta do Povo de Deus nas Igrejas locais?
d) Como integrar a instância continental no direito canônico?
2) Sendo a consulta nas Igrejas locais a escuta efetiva do Povo de Deus, o discernimento dos Pastores assume o caráter de um ato colegial que confirma com autoridade o que o Espírito falou à Igreja através do sentido de fé do Povo de Deus:
a) Que grau de autoridade doutrinal pode ser atribuído ao discernimento das Conferências Episcopais? Como é que as Igrejas Católicas Orientais regulam os seus corpos episcopais?
b) Que grau de autoridade doutrinal pode ser atribuído ao discernimento de uma Assembleia continental? Ou dos organismos que reúnem as Conferências Episcopais à escala continental ou internacional?
c) Que papel desempenha o Bispo de Roma nestes processos de agrupamento de Igrejas? Como é que pode ser exercido?
3) Que elementos da antiga ordem eclesiástica devem ser integrados e atualizados para que as Estruturas Hierárquicas Orientais, as Conferências Episcopais e as Assembleias continentais sejam efetivamente instâncias intermédias de sinodalidade e colegialidade?
4) O Concílio Vaticano II afirma que a Igreja inteira e todas as suas partes beneficiam da comunicação mútua dos respetivos dons (cf. LG 13):
a) Que valor podem ter para as outras Igrejas as deliberações de um Concílio plenário, de um Concílio particular, de um Sínodo diocesano?
b) Que ensinamentos podemos retirar da rica experiência sinodal das Igrejas Católicas Orientais?
c) Em que medida a convergência de vários agrupamentos de Igrejas locais (Concílios particulares, Conferências Episcopais, etc.) sobre uma mesma questão compromete o Bispo de Roma a assumi-la para a Igreja universal?
d) Em que modo deve ser exercitado o serviço da unidade confiado ao Bispo de Roma quando as instâncias locais tiverem de assumir orientações entre ela diferentes? Que espaço existe para a diversidade de orientações entre as diversas regiões?
5) O que podemos aprender com a experiência de outras Igrejas e Comunidades eclesiais no que diz respeito aos agrupamentos de Igrejas locais para exercer a colegialidade e a sinodalidade?
B 3.5 Como se pode reforçar a instituição do Sínodo para que seja uma expressão da colegialidade episcopal numa Igreja totalmente sinodal?
Com o Motu Proprio Apostolica sollicitudo (15 de setembro de 1965), São Paulo VI instituiu o Sínodo como «concílio permanente dos Bispos para a Igreja universal». Assim, aceitou o pedido da assembleia conciliar de assegurar a participação dos Bispos na solicitude por toda a Igreja, tendo o cuidado de especificar que «este Sínodo, como qualquer instituição humana, pode ser aperfeiçoado com o passar do tempo». Com a Constituição Apostólica Episcopalis communio (15 de setembro de 2018), o Papa Francisco concretizou este esperado “aperfeiçoamento”, transformando o Sínodo de um acontecimento circunscrito a uma assembleia de Bispos num processo de escuta articulado em etapas (cf. art. 4), no qual toda a Igreja e todos na Igreja – Povo de Deus, Colégio episcopal, Bispo de Roma – são verdadeiramente participantes.
a) O Sínodo 2021-2024 está a demonstrar claramente que o processo sinodal é o contexto mais adequado para o exercício integrado do primado, da colegialidade e da sinodalidade como elementos inalienáveis de uma Igreja em que cada sujeito desempenha a sua função peculiar da melhor forma possível e em sinergia com os outros;
b) compete ao Bispo de Roma convocar a Igreja em Sínodo, convocando uma Assembleia para a Igreja universal, bem como iniciar, acompanhar e concluir o respetivo processo sinodal. Esta prerrogativa pertence-lhe como «perpétuo e visível fundamento da unidade, não só dos Bispos mas também da multidão dos Fiéis» (LG 23);
c) uma vez que «cada um dos Bispos é princípio e fundamento visível da unidade nas suas respetivas igrejas […] das quais e pelas quais existe a Igreja católica, una e única» (LG 23), compete a cada Bispo diocesano iniciar, acompanhar e concluir a consulta do Povo de Deus na sua Igreja. À luz da solicitude que os Bispos têm pela Igreja universal (cf. LG 23), compete-lhes também cooperar nos organismos supradiocesanos onde se exerce a sinodalidade e a colegialidade, desempenhando a função de discernimento eclesial própria do ministério episcopal;
d) embora estes organismos não reúnam todo o Colégio episcopal, o discernimento realizado pelos Pastores através deles assume um caráter colegial, devido à própria finalidade do ato. De fato, as Assembleias dos Bispos, no âmbito do processo sinodal, têm a tarefa de escrutinar os resultados das consultas nas Igrejas locais, nas quais se manifesta o sentido da fé do Povo de Deus. Como poderia um ato não colegial discernir o que o Espírito diz à Igreja através da consulta do Povo de Deus que «não pode enganar-se na fé» (LG 12)?
e) A experiência sinodal até agora realizada mostrou também como é possível desenvolver um efetivo exercício de colegialidade numa Igreja sinodal: embora o discernimento seja um ato que compete em primeiro lugar «àqueles que presidem na Igreja» (LG 12), ganhou em profundidade e adesão aos temas a examinar graças ao contributo dos outros membros do Povo de Deus que participaram nas Assembleias continentais.
Pergunta para discernimento
À luz da relação dinâmica e circular entre a sinodalidade da Igreja, a colegialidade episcopal e o primado petrino, como aperfeiçoar a instituição do Sínodo para que se torne um espaço certo e garantido para o exercício da sinodalidade, assegurando a plena participação de todos – Povo de Deus, Colégio episcopal e Bispo de Roma – no respeito das suas funções específicas? Como avaliar a experiência de extensão participativa a um grupo de “não-bispos” na primeira sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (outubro de 2023)?
Sugestões para a oração e a reflexão preparatória
1) O processo sinodal introduz na Igreja «um dinamismo de comunhão que inspira todas as decisões eclesiais»[19]:
a) Como é que este dinamismo se pode tornar o modo de proceder habitual a todos os níveis da vida da Igreja?
b) Qual é o papel do princípio de autoridade?
c) Como é que muda a compreensão da autoridade na Igreja a diferentes níveis, incluindo a do Bispo de Roma?
2) A primeira fase do caminho sinodal concretiza o movimento do particular para o universal, com a consulta do Povo de Deus nas Igrejas locais e os subsequentes atos de discernimento nas Estruturas Hierárquicas Orientais e nas Conferências Episcopais, primeiro, e nas Assembleias continentais, depois:
a) como garantir que a consulta capte verdadeiramente a manifestação do sentido da fé do Povo de Deus que vive numa determinada Igreja?
b) Como se pode reforçar a «fecunda ligação entre o sensus fidei do Povo de Deus e a função magisterial dos Pastores» (DP 14) nas Estruturas Hierárquicas Orientais, nas Conferências Episcopais e nas Assembleias continentais?
c) Até que ponto é desejável uma presença de membros qualificados do Povo de Deus também nas Assembleias das Conferências Episcopais, bem como nas Assembleias continentais?
d) Que função podem desempenhar os organismos eclesiais permanentes constituídos por mais do que bispos, como a Conferência Eclesial recentemente criada para a Região Amazônica?
3) A segunda fase do caminho sinodal exprime, na Assembleia dos Bispos convocada para Roma, a universalidade da Igreja que escuta o que o Espírito disse ao Povo de Deus:
a) Como é que esta assembleia episcopal se insere no processo sinodal?
b) Como é que se consegue a continuidade com a primeira fase do processo sinodal? A presença de testemunhas qualificadas é suficiente para a garantir?
c) Se as Assembleias das Conferências Episcopais e as Assembleias continentais são atos de discernimento, como se caracteriza este novo ato de discernimento e que valor tem?
4) A terceira fase envolve o movimento de retorno dos resultados da Assembleia sinodal às Igrejas locais e a sua implementação: o que pode ajudar a realizar plenamente a «interioridade mútua» entre as dimensões universal e local da única Igreja?
______________________
[1] Doravante, por uma questão de brevidade e salvo indicação em contrário, as expressões “Assembleia” e “Assembleia Sinodal” referem-se à sessão de outubro de 2023, ao serviço da qual este IL é colocado.
[2] FRANCISCO, Discurso para a comemoração do cinquentenário da instituição do Sínodo dos Bispos, 17 de outubro de 2015 (cf. DP 15).
[3] A expressão «Igreja local» aqui indica o que o Código de Direito Canônico chama de «Igreja particular».
[4] A seção B oferecerá as razões para a inversão da ordem com relação ao subtítulo do Sínodo: cf. infra n. 44
[5] FRANCISCO, Momento de reflexão para o início do percurso sinodal, 9 de outubro de 2021.
[6] Francisco, Discurso por ocasião da comemoração do 50.º aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos, 17 de outubro de 2015.
[7] Por exemplo, o parágrafo n. 128 do Documento Final afirma: «Portanto, não é suficiente ter estruturas, se não forem desenvolvidos relacionamentos autênticos dentro delas; na verdade, é a qualidade desses relacionamentos que evangeliza».
[8] Cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Carta Iuvenescit Ecclesia, 15 de maio de 2016, 13-18.
[9] Francisco, Momento de reflexão para o início do processo sinodal, 9 de outubro de 2021.
[10] XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, Os jovens, a fé e o discernimento vocacional. Documento Final, 27 de outubro de 2018, 25.
[11] Francisco, Discurso a Sua Santidade Mar Awa III Catholicos-Patriarca da Igreja Assíria do Oriente, 19 de novembro de 2022.
[12] Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos, O Bispo e a Unidade dos Cristãos: Vademecum Ecumênico, 5 de junho de 2020, 4.
[13] São João Paulo II, Enc Lett. Ut unum sint, 25 de maio de 1995, 95; texto citado em EG 32 e EC 10.
[14] Francisco, Discurso à Oração Ecumênica, Centro Ecumênico do CMI (Genebra), 21 de junho de 2018.
[15] Cf. Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Instrução Varietates legitimae, 25 de janeiro de 1994.
[16] Francisco, Discurso por ocasião da comemoração do 50.º aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos, 17 de outubro de 2015.
[17] Ibid.
[18] Ibid.
[19] Ibid.
[01015-PO.01] [Texto original: Italiano-Inglês]