Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

A Vida Religiosa sob a autoridade da Palavra de Deus

07/02/2023

Zaqueu esperando Jesus, Por James Tissot, entre 1886 e 1894 (Wikipedia, domínio público)

Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp.

Neste ano vocacional vou tentar dizer algo sério à VRC a partir de um texto da Escritura. Trata-se da passagem de Zaqueu (cf. Lc 19,1-10), aquele homem rico a quem Jesus disse que gostaria de entrar na casa dele. O relato está dividido em três fases porque foi assim que me descobri no desenrolar do texto. Quero insistir que a VRC é Zaqueu que se deixa conquistar a partir da autoridade que a Palavra de Deus possui.

Fase da alienação: Zaqueu amava unicamente a sua riqueza. Era um alienado porque vivia como se Deus não existisse. Moralmente tornou-se um ladrão, pois vendeu a alma a Roma e traiu Israel, por isso era odiado por muitos e tido por publicano. Enriqueceu às custas do sangue dos próprios conterrâneos. Esta etapa compreende o prazer, para ser mais claro: um certo tipo de prazer nocivo. A VRC se contaminou também com isso. Este prazer deriva da sensação de sentir-se membro de províncias ricas ou até mesmo da sensação de estarmos amparados por grandes estruturas. Por um tempo em nossa história, sobretudo em seus primórdios, os pioneiros tiveram que se virar para sobreviver. Parece que havia uma séria consciência da providência de Deus.

Esta primeira fase da experiência de Zaqueu nos faz pensar nas origens modernas da ideia de prazer. Serve aqui a análise de Tomás Halík, um teólogo tcheco. Ele crê que com a revolução cultural de 1968 as emoções tomaram o lugar da razão. Tudo se torna subjetivo e, por exemplo, numa congregação ou ordem religiosa cada um começa a reivindicar para si o direito que lhe convém, ou seja, o caminho que dá mais prazer. Nenhuma orientação objetiva vale. Todo mundo fala em direito a férias prolongadas, cresce uma grande procrastinação pastoral com dias determinados e períodos curtos de convivência com o povo de Deus. Tudo depende da disposição pessoal e da melhor forma pela qual julga-se ser conveniente ao eu subjetivo e egoísta. Entra em cena o acompanhamento psicológico e as terapias do psiquiatra (certamente são auxílios necessários para viradas decisivas no processo de maturidade, mas o problema é quando isso se torna um hobby e nunca tem um término). Direção espiritual e confissão tornam-se coisas do passado. Aqui, graças a ditadura de nossas emoções, tem lugar o narcisismo que leva a ter sempre uma imagem falsa de si mesmo. Era assim Zaqueu antes de subir a árvore.

No entanto, o excesso de prazer abusa e nos deixa enjoados. As águas do rio do prazer (subjetivismo) desaguam no mar impiedoso do niilismo. A sensação de possuir tudo e ter toda a segurança garantida acaba se tornando um inimigo nosso. Surge o vazio interior e então se começa a segunda fase, aquela das buscas frenéticas.

Fase da busca: Zaqueu, sufocado com o excesso de prazer, sente uma curiosidade para saber quem era aquele homem Jesus, então ele entra no fluxo da multidão para vê-lo, mas faz isso sem a mínima reflexão, vai pelo impulso. Na verdade, ele segue a multidão da multidão, deixa-se levar pela onda. As vezes fazemos coisas sem a mínima vontade e só porque uma maioria propõe ser interessante, acaba-se aderindo a lógica do “politicamente correto”. Na VRC muitos grupos e ideologias assumiram políticas para a promoção das próprias ideias, mesmo que por trás de tudo tenha a melhor das intenções. Mas esse não é o melhor caminho. Por exemplo, abrir casas só para salvar a permanência de alguns, continuar votando em propostas insuportáveis só para não ter que ferir pessoas que idealizaram tais projetos, ter que ficar calado para não perder votos em cargos, dar uma de bonzinho e fazer de conta que tudo está legal, mas no fundo as coisas não são assim, pois as mesmas situações vão se arrastando por anos. Assim é Zaqueu na sua fase de busca que realiza seguindo o fluxo da multidão que passa.

Aprofundemos também um pouco este ponto para entender as consequências que as nossas buscas irrefletidas podem causar-nos. É evidente que um vazio toma de conta de nós, por mais que não queiramos admitir, sentimos carências e uma dor advinda de nossa falta de sentido, muitas vezes gerada da nossa solidão incompreendida. Para compensar, entramos em aplicativos de busca por relacionamentos, tentamos amizades e novas aventuras para sanar nossa sede de sentido, começamos a viajar sem necessidade, inventamos até peregrinações com uma roupagem religiosa para dar a impressão que estamos cumprindo com nossa missão de consagrados, mas é só mais uma das nossas muitas fugas frenéticas e paliativas que tentam amenizar a dor de nosso sofrimento psíquico, visto que não suportamos mais ficarmos a sós conosco mesmo.

Parece que esta é a fase mais dolorosa, visto que rouba toda a personalidade e nos obriga a sermos o que os outros esperam de nós. Tantos influenciados pela onda do momento tiveram que entrar no vício de bebidas, do sexo, da fofoca com a falsa ideia de normalidade. Zaqueu seguia a maioria só por curiosidade, queria experimentar mais uma das aventuras que poderia diminuir o vazio de seu cotidiano, pois era malvisto. Às vezes, a maioria que dá o ritmo da “normalidade” pode decidir coisas que nem sempre são corretas, mesmo que tenham a melhor das intenções. Por isso, corre-se o risco de ser um tipo de droga que serve de anestesia ou fuga dos problemas reais.

Fase da observação ou descoberta da autoridade da Palavra: enfim, Zaqueu vê a Jesus e certamente de longe ele observa o modo como Ele trata as pessoas, sua proximidade e, sobretudo, sua compaixão. Zaqueu está para fazer a descoberta mais feliz e decisiva de sua vida: o olhar de Jesus o salvará. “Desce depressa eu preciso entrar em tua casa”. Como Mateus, cobrador de impostos, que entrou na Sequela de Jesus, agora Zaqueu não sente mais curiosidade nem vive em buscas, naquele momento ele abriu a porta de um quarto mais escuro de sua vida e deixou Jesus entrar. Ele tem um novo hóspede de sua alma. Também Maria dirá que Deus a olhou com uma misericórdia sem igual. Ele sai do fluxo da multidão e se sente capturado por um olhar de resgate. As suas sombras que antes lhe envergonhavam tanto, agora são iluminadas por uma luz beata que toda a sua riqueza jamais poderá oferecer-lhe. Diferente de Adão que se cobria com medo de Deus, agora Zaqueu não esconde mais as suas vergonhas por trás das folhas daquela árvore. Ele simplesmente encontrou uma autoridade (dócil, respeitosa, acolhedora) maior do que a de Roma ou de qualquer outra palavra humana deste mundo, por isso sob a ordem de Jesus, Zaqueu desce depressa para abrir a porta de sua vida a um hóspede que lhe restitui todo o sentido de sua história.

Eu sempre me perguntei se este episódio decisivo da vida de Zaqueu não constitui realmente a natureza da VRC. Parece-me que sim. Os grandes pais da vida religiosa passaram por isso e chegaram a um momento decisivo, ou seja, reconheceram uma autoridade que dilata o horizonte da vida, confere uma liberdade surpreendente para servir e mover a existência onde quer que seja. Esta autoridade muda o rumo da existência e de nossas rotineiras e medíocres escolhas. Faz decidir-se por uma causa que acaba sendo maior e mais importante do que a própria vida. Vamos renovar o nosso “sim” a esta autoridade?


Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp, é missionário passionista e mestre em Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana. Atualmente, faz o doutorado em Teologia Fundamental nesta Universidade.

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