Natal do Senhor
- Natal do Senhor
- Leituras bíblicas para esta solenidade
- Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus
- Natal: festa do amor
- Natal: quando o Altíssimo abre mão de sua onipotência
- Deus entre nós
- Jesus, recado de Deus
- Caminhos do Evangelho - Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella
Natal do Senhor
E a carne se fez grito
Frei Gustavo Medella
Quando o Verbo se fez carne, a carne se fez grito. Grito do Menino Jesus que, como toda criança, chora quando está com fome, frio, dor ou sono. Grito do adolescente Jesus quando, reencontrado no templo certamente manifestou admiração e susto diante do semblante preocupado de Maria e José. Gritos de Jesus adulto, no início de sua missão, para chamar, com voz firme e retumbante seus primeiros seguidores, os apóstolos: “Vem e segue-me”. Grito enérgico e indignado diante da hipocrisia e da crueldade daqueles que, por orgulho e soberba, oprimiam e humilhavam seus semelhantes em nome da caricatura de deus que lhes convinha: “Hipócritas, sepulcros caiados, raça de víboras etc”. Grito de protesto diante da comercialização exploratória realizada no templo. Gritos surdos e abafados do fiapo de voz que lhe restava quando, covardemente pregado sobre o madeiro da cruz, dialogava com o Pai.
Gritos todos que puderam ser dados porque, em sua generosidade, Deus se fez carne. Gritos que se atualizam e nem sempre são ouvidos por aqueles que se dizem seguidores d’Aquele que veio gritar conosco e por nós. Natal é também a festa do grito, da indignação, do desejo de mudar, da certeza de que, do jeito que está, não se pode continuar. Celebrar a carne que se faz grito significa gritar para o mundo – começando por nosso íntimo mundo interior – que muita coisa tem que ser diferente a fim de que, de fato, vivamos em consonância com os sonhos e os projetos que Deus traz no coração quando decide vir morar conosco. Feliz Natal!
FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.
Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos
Leituras bíblicas para esta solenidade
Primeira Leitura: Isaías 62,11-12
11Eis que o Senhor fez-se ouvir até as extremidades da terra: “Dizei à cidade de Sião: Eis que está chegando o teu salvador, com a recompensa já em suas mãos e o prêmio à sua disposição. 12O povo será chamado Povo santo, os Resgatados do Senhor; e tu terás por nome Desejada, Cidade não abandonada”. – Palavra do Senhor.
Salmo Responsorial: 96(97)
Brilha hoje uma luz sobre nós, / pois nasceu para nós o Senhor.
- Deus é rei! Exulte a terra de alegria, / e as ilhas numerosas rejubilem! / E proclama o céu sua justiça, / todos os povos podem ver a sua glória. – R.
- Uma luz já se levanta para os justos, / e a alegria para os retos corações. / Homens justos, alegrai-vos no Senhor, / celebrai e bendizei seu santo nome! – R.
Segunda Leitura: Tito 3,4-7
Caríssimo, 4manifestou-se a bondade de Deus, nosso salvador, e o seu amor pelos homens: 5ele salvou-nos não por causa dos atos de justiça que tivéssemos praticado, mas por sua misericórdia, quando renascemos e fomos renovados no batismo pelo Espírito Santo, 6que ele derramou abundantemente sobre nós por meio de nosso Salvador, Jesus Cristo. 7Justificados assim pela sua graça, nos tornamos, na esperança, herdeiros da vida eterna. – Palavra do Senhor.
Jesus é a Palavra que revela Deus aos homens
Evangelho: Jo 1,1-18
-* 1 No começo a Palavra já existia: a Palavra estava voltada para Deus, e a Palavra era Deus.
2 No começo ela estava voltada para Deus.
3 Tudo foi feito por meio dela, e, de tudo o que existe, nada foi feito sem ela.
4 Nela estava a vida, e a vida era a luz dos homens.
5 Essa luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram apagá-la.
6 Apareceu um homem enviado por Deus, que se chamava João. 7 Ele veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos acreditassem por meio dele. 8 Ele não era a luz, mas apenas a testemunha da luz. 9 A luz verdadeira, aquela que ilumina todo homem, estava chegando ao mundo.
10 A Palavra estava no mundo, o mundo foi feito por meio dela, mas o mundo não a conheceu.
11 Ela veio para a sua casa, mas os seus não a receberam.
12 Ela, porém, deu o poder de se tornarem filhos de Deus a todos aqueles que a receberam, isto é, àqueles que acreditam no seu nome.
13 Estes não nasceram do sangue, nem do impulso da carne, nem do desejo do homem, mas nasceram de Deus.
14 E a Palavra se fez homem e habitou entre nós. E nós contemplamos a sua glória: glória do Filho único do Pai, cheio de amor e fidelidade.
15 João dava testemunho dele, proclamando: «Este é aquele, a respeito de quem eu falei: aquele homem que vem depois de mim passou na minha frente, porque existia antes de mim.»
16 Porque da sua plenitude todos nós recebemos, e um amor que corresponde ao seu amor.
17 Porque a Lei foi dada por Moisés, mas o amor e a fidelidade vieram através de Jesus Cristo.
18 Ninguém jamais viu a Deus; quem nos revelou Deus foi o Filho único, que está junto ao Pai.
* 1,1-18: O Prólogo de João lembra a introdução do Gênesis (1,1-31; 2,1-4a). No começo, antes da criação, o Filho de Deus já existia em Deus, voltado para o Pai: estava em Deus, como a Expressão de Deus, eterna e invisível. O Filho é a Imagem do Pai, e o Pai se vê totalmente no Filho, ambos num eterno diálogo e mútua comunicação. A Palavra é a Sabedoria de Deus vislumbrada nas maravilhas do mundo e no desenrolar da história, de modo que, em todos os tempos, os homens sempre tiveram e têm algum conhecimento dela. Jesus, Palavra de Deus, é a luz que ilumina a consciência de todo homem. Mas, para onde nos conduziria essa luz? A Bíblia toda afirma que Deus é amor e fidelidade. Levado pelo seu imenso amor e fiel às suas promessas, Deus quis introduzir os homens onde jamais teriam pensado: partilhar a própria vida e felicidade de Deus. E para isso a Palavra se fez homem e veio à sua própria casa, neste seu mundo. A humanidade já não está condenada a caminhar cegamente, guiando-se por pequenas luzes no meio das trevas, por pequenas manifestações de Deus, mas pelo próprio Jesus, Manifestação total de Deus. Com efeito, Jesus Cristo, que é a luz, veio para tornar filhos de Deus todos os homens. Um só é o Filho, porém, todos podem tornar-se bem mais do que filhos adotivos: nasceram de Deus. Deus tinha dado uma lei por meio de Moisés. E todos os judeus achavam que essa lei era o maior presente de Deus. Na realidade, era bem mais o que Deus tinha reservado para todos. Porque Jesus, o Deus Filho, o verdadeiro e total Dom do Pai, é o único que pode falar de Deus Pai, porque comunica o amor e a fidelidade do Deus que dá a vida aos homens.
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral
Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus
Natal do Senhor, Ano A
Oração: “Ó Deus, que admiravelmente criastes o ser humano e mais admiravelmente restabelecestes a sua dignidade, dai-nos participar da divindade do vosso Filho, que se dignou assumir a nossa humanidade”.
Primeira leitura: Is 52,7-10
Os confins da terra contemplaram
a salvação que vem do nosso Deus.
Os reis de Israel e de Judá não conseguiram trazer a salvação ao povo. Em consequência, o reino de Israel foi destruído pelos assírios e boa parte de sua população, levada para o exílio, ao norte da Assíria (772 a.C.). O mesmo aconteceu entre 597 e 585 a.C., com o reino de Judá, cuja população foi levada ao exílio pelo novo dominador, o rei de Babilônia. Os profetas Jeremias, Ezequiel e os autores deuteronomistas interpretam o dramático fim dos reinos de Israel e de Judá, como punição divina pelas infidelidades e crimes cometidos pelos governantes dos dois reinos. Passada uma geração no exílio, os discípulos do profeta Isaías, à luz da fé em Javé, Deus de Israel e de Judá, lêem os novos acontecimentos políticos de seu tempo: O domínio dos babilônios agonizava e um novo domínio surgia, o do Império persa. Estes profetas erguem então sua voz, em meio ao desânimo dos exilados, e levantam a bandeira da esperança. Agora, nosso Deus vai por um fim à dominação de Babilônia. Ciro, rei dos persas, será o instrumento nas mãos de Deus para punir os cruéis babilônios e executar o seu plano de salvação. Deus mesmo vai consolar o seu povo sofredor. Vai trazer seu povo de volta à sua terra e as ruínas de Jerusalém serão reconstruídas. Então, todas as nações saberão que “a salvação vem do nosso Deus”.
Salmo responsorial: Sl 97
Os confins do universo contemplaram
a salvação do nosso Deus.
- Segunda leitura: Hb 1,1-6
Deus falou-nos por meio de seu Filho.
Na revelação cristã, Deus não é um ser solitário. Deus é comunhão de três pessoas: Pai, filho e Espírito santo. Deus é Amor. É Amor que se comunica “dentro de si” mesmo. Deus é Amor que se expande para “fora” de si mesmo, enquanto cria o universo, cria todos os seres vivos de nosso planeta Terra. Cria o ser humano à sua imagem e semelhança, comunica-se com ele e o convida a entrar na comunhão de seu amor. No passado – diz o autor da Carta aos Hebreus – Deus se comunicava com seu povo por meio dos profetas. Por meio deles exortava o povo à fidelidade, à conversão e lhe anunciava a salvação. Agora, Deus se comunica conosco por meio de seu Filho, o herdeiro de todas as coisas, o criador do universo e o esplendor de sua glória. Pelo poder de sua palavra sustenta o universo e nos purifica dos pecados. Como filho de Deus, o cristão deve ser o reflexo de Cristo, que é “o esplendor da glória do Pai, a expressão do seu ser” (v. 3). Em Jesus Cristo cumpre-se a promessa feita a Davi: “Eu serei para ele um pai, e ele será para mim um filho” (2Sm 7,14). O Filho de Deus, ao assumir no seio da Virgem Maria a “carne” humana, tornou-se nosso irmão. O autor de Hebreus afirma isso muito bem: “Por isso, Jesus não se envergonha de chamá-los de irmãos” (2,11). Que maravilha! Deus que nos criou se fez nosso irmão! Vinde, adoremos!
Aclamação ao Evangelho
Despontou o santo dia para nós:
Ó nações, vinde adorar o Senhor Deus,
porque hoje grande luz brilhou na terra!
- Evangelho: Jo 1,1-18
A Palavra se fez carne e habitou entre nós.
Deus é Amor, é comunicação. No passado Deus se comunicava com seu povo pelos profetas. Agora se comunica conosco pelo seu próprio Filho, a Palavra feita carne. A Palavra, no princípio, estava junto de Deus (v. 1-2), era o próprio Deus, que é amor-comunicação. Deus, que é amor-comunicação, se expande para “fora” de si mesmo como criador do universo. Por Jesus, a Palavra feita carne, tudo foi feito (v. 3) e agora são dadas a graça e a verdade (v. 17). Na Palavra estava a vida e a vida era a luz dos homens, luz que brilha em meio às trevas (v. 4-5).
Ela é a Luz que veio a este mundo. Há os que rejeitaram esta Luz (v. 5.9-11). Mas a nós que cremos e a recebemos, nos é dada a plenitude da graça (v. 16), nos é dado o poder de nos tornarmos filhos de Deus (v. 12). Tudo aconteceu porque a Palavra, o Filho de Deus, “se fez carne e habitou entre nós” (v. 14). Louvemos a nosso Deus que assumiu a fragilidade de nossa carne, para fazer em nós a sua morada!
FREI LUDOVICO GARMUS, OFM, é professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.
Natal: festa do amor
Frei Clarêncio Neotti
“Um menino nasceu para nós.” Essa frase do profeta Isaías, dita 700 anos antes do Natal, repercute em toda a liturgia de hoje e vê-se realizada na narração do evangelista Lucas: na noite de Belém, Maria deu à luz um Menino, a quem impôs o nome de Jesus. Não havendo lugar nas hospedarias públicas, recolheu-se a uma gruta e reclinou o filho em uma manjedoura de animais. A gruta lembra mistério. E o que aconteceu hoje, dentro da história, é o imenso mistério do nascimento em carne humana do Filho eterno de Deus. Inefável é aquilo que não se pode descrever com palavras. O mistério do Natal é o mistério inefável por excelência, também porque revestido da ternura de Deus, acalentado por uma mãe-virgem, assistido por um homem, que acredita que para Deus nada é impossível (Lc 1,37).
Esse menino, nascido na pobreza de uma gruta, é o Filho de Deus, da mesma substância do Pai, Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro, como rezamos no Credo. Hoje ele nasceu no tempo. Entrou na história humana. Mas ele existia antes do tempo. O Evangelho de João o expressa com palavras teológicas: “Ele é o Verbo que já existia no princípio, o Verbo que estava com Deus, o Verbo que era Deus. Tudo o que foi criado, foi criado por meio dele” (Jo 1,1-3). E foi esse Verbo eterno de Deus “que se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1,14). Para nosso benefício. As criaturas são fruto do amor de Deus. A plenitude do amor é Jesus, o “primogênito de todas as criaturas” (Cl 1,15). Ele nos foi dado hoje e “de sua plenitude todos nós recebemos graça sobre graça” (Jo 1,16).
Natal: festa do amor! “Deus amou de tal modo o mundo que deu seu Filho unigênito” (Jo 3,16). Foi-nos dado pelo Pai. Ele foi gerado no tempo por Maria para que “todos os que o receberem e nele crerem se tornem filhos de Deus” (Jo 1,12).
Em uma festa do Natal, dizia o papa São João Paulo II: “O nascimento do Filho de Deus é o dom sublime, a maior graça feita à criatura humana que a mente jamais teria podido imaginar. Ao recordarmos neste dia santo o nascimento de Cristo, vivemos, juntamente com esse acontecimento, o mistério da adoção divina do homem, por meio do Cristo, que vem ao mundo cheio de misericórdia e de bondade”.
FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFM, entrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.
Natal: quando o Altíssimo abre mão de sua onipotência
Frei Almir Guimarães
A humildade é a veste de Deus
Isaac, o Sírio (sec. VII)
♦ Há algumas semanas estamos sendo envolvidos pela atmosfera do Natal. Com todo seu vigoroso empenho a sociedade de consumo não consegue extinguir em nós o fascínio da festa do nascimento do Menino. São coisas simples e na sua simplicidade muito grandiosas. Natal tem o gosto das coisas intactas, universo de pureza e de simplicidade. Festa das crianças, dos simples de coração. E são elas, as crianças, que se colocam na pontinha dos pés para ver o rosto do menino no presépio. Seus olhinhos brilham de encantamento.
♦ “Hoje, amados filhos, nasceu o nosso Salvador. Alegremo-nos. Não pode haver tristeza no dia em que nasce a vida; uma vida que dissipando o temor da morte, enche-nos de alegria com a promessa da eternidade” (Leão Magno).
♦ Uma criança: Natal é uma criança frágil, mal e malnascida, necessitando de todos os cuidados, precauções e atenções, sem o que não sobrevive. A criança que chega traz bondade, estende os braços, suplica nossa atenção. “No Natal Jesus vem a nós nos traços ternos da infância para infundir em nós confiança com sua doce inocência, vem para despertar em nós a criança que fomos e que perto dele podemos voltar a ser” (Paulo VI). Para a criança que chega será preciso preparar pão, oferecer carinho, auscultar a novidade que ela traz do Mistério.
♦ “O que constitui a dimensão mais profunda de uma criança, o que não somente faz o seu encanto, mas se revela como sua essência é que ela tem o futuro diante de si. Parte para essa viagem da qual alguns já fizemos metade ou mais da metade. Não existe passado que possa torna-la pessoa pesada e amarrada, nenhuma avenida está fechada. Na medida em que nossos projetos vão sendo realizados nossas metas alcançadas constituem-se em conquistas, posses que ficam amontoadas e quase sempre consistindo em obstruções, implicando no sacrifício daquilo que poderia ter sido” (Jean-Marie le Blond). As crianças precisam de atenção porque Deus se tornou criança.
♦ A mãe do Menino: Maria, mulher igual a todas as mulheres, especialmente semelhante às mães, vivendo alegrias e carregada de preocupações. Olha o Menino. “Que será desse meu filho?” Uma menina mãe com pouca idade. Observa os pastores, admira-se da bela e dura simplicidade do nascimento do Menino. Ela ficará ao lado do filho até o fim.
♦ A festa da luz: Isaías fala de um povo que foi contemplado com uma claridade quase ofuscante. Natal e festa da luz. Esse que vem é a claridade, a estrela pousa sobre a choupana em que nasceu. O menino que é luz abre os olhos para a luz e se torna luz para os cegos de sentido de viver. No natal tudo é luz. Vela no batizado. Luzes feéricas nos templos. Luz, simplesmente luz.
♦ Os pastores: Gente simples, cheirando mal, vindo dos campos de seus rebanhos. Olham, cochicham baixinho, ficam maravilhados e a Mãe do do Menino guarda essas coisas no fundo do coração.
♦ Singeleza e pobreza: A manjedoura é o lugar do misterioso encontro em que a grandeza de Deus se faz miséria humana e onde a miséria humana se une à glória de Deus. Quem poderá compreender de maneira cabal o mistério do Menino de Belém? Sobre ele brilha o ouro da divindade. Em seu semblante lampejos da luz e das cores dos céus. “O Verbo habitou entre nós e vimos a sua glória”. E, no entanto, ele precisa dos braços de uma mãe. Necessita do colo de uma mulher da terra. Deus se esconde como criança pequena, no seio de Maria, identificando-se com ela” (René Dufay).
♦ São Francisco e o Natal: “Mais do que nenhuma outra festividade, Francisco de Assis celebrava com inefável alegria o nascimento do Menino Jesus e chamava festa das festas o dia em que Deus, feito Menino, se amamentava como todos os filhos dos homens. Beijava mentalmente com esfomeada avidez as imagens do Menino que o espírito lhe construía e, dele entranhadamente compadecido, balbuciava palavras de ternura, à maneira das crianças. E o seu nome era para ele como um favo de mel na boca” (2Celano 199).
Textos para oração e reflexão
- Balada da Mãe de Deus (Marie Noël)
Meu Deus, quão frágil dormes agora em meus braços,
meu filho quentinho junto do meu coração que bate, bate, bate.
Adoro em minhas mãos e embalo toda encantada,
a maravilha, ó Deus, que me deste.
Deus meu, eu não poderia ter um filho,
virgem que sou nesse estado de humildade:
que alegria em forma de flor nasceu de mim?
Altíssimo e Belo Senhor,
foste tu me concedeste esta bênção.
Cumulada de tantas graças fiquei a pensar como retribuir-te.
Eu, tão humilde e tão limitada, comecei a sorrir baixinho.
Sim, eu encontrei uma graça para te dar.
Tu não tinhas boca para dirigir-te às pessoas perdidas aqui da terra.
Tua boca com leite, agora voltada para meu peito
esta boca fui eu que te dei.
Mãos não teríeis para curar com teus dedos
esses pobres corpos cansados.
Tua mão, como um botão fechado, róseo,
ó meu Filho, fui eu que te dei!
Não teríeis carne, meu Deus, para romper
o pão naquela ceia teus discípulos.
Tua carne plasmada no frescor juvenil da minha vida,
meu filho fui eu que te dei.
Morte em vista da salvação do mundo, nunca teríeis em vista da salvação do mundo.
Ó, quanta dor naquele momento.
Tua morte de homem, naquela sombria tarde abandonada,
fui eu te dei.
2.Que segredo tem o Natal?
Pergunto-me que segredo tem o Natal?
Há um milagre que acontece dentro de nós,
só pode ser um milagre, pois é como se a vida reascendesse.
Contemplando o presépio percebo
que este é um milagre humaníssimo
que Deus suscita aos nossos olhos.
Ele amou-nos tanto que nos deu seu próprio Filho.
O milagre do Natal se assenta sobre este dom absoluto que nos faz perceber que só somos à medida que nos damos. E que a vida renasce como dádiva, na ponta dos dedos, no olhar, nas palavras.
José Tolentino Mendonça, Um Deus que dança, Paulinas, p. 61
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.
Deus entre nós
José Antonio Pagola
O evangelista João, ao falar-nos da encarnação do Filho de Deus, não nos diz nada de todo esse mundo tão familiar dos pastores, do presépio, dos anjos e do Menino Deus com Maria e José. João nos convida a penetrar nesse mistério a partir de outra profundidade.
Em Deus estava a Palavra, a Força de comunicar-se própria de Deus. Essa Palavra pôs em marcha toda a criação. Nós mesmos somos fruto dessa Palavra misteriosa. Essa Palavra agora se fez carne e habitou entre nós.
Tudo isto continua a parecer-nos muito belo para ser verdade: um Deus feito carne, identificado com nossa fraqueza, respirando nosso alento e sofrendo nossos problemas. Por isso continuamos buscando a Deus nos céus, quando Ele está aqui embaixo, na terra, bem perto de nós.
Uma das grandes contradições dos cristãos é confessar com entusiasmo a encarnação de Deus e esquecer depois que Cristo está no meio de nós. Deus desceu ao mais profundo de nossa existência, e a vida continua parecendo-nos vazia. Deus veio habitar no coração humano e sentimos um vazio interior insuportável. Deus veio reinar entre nós e parece estar totalmente ausente em nossas relações. Deus assumiu nossa carne e continuamos sem saber viver dignamente o carnal.
Também entre nós se cumprem as palavras de João: “Veio aos seus e os seus não o receberam”. Deus busca acolhida em nós, mas nossa cegueira fecha as portas a Deus. E, no entanto, é possível abrir os olhos e contemplar o Filho de Deus “cheio de graça e de verdade”. Quem crê, sempre vê algo. Vê a vida envolta em graça e em verdade. Tem em seus olhos uma luz para descobrir, no fundo da existência, a verdade e a graça desse Deus que plenifica tudo.
Estamos ainda cegos? Vemos só a nós mesmos? Nossa vida reflete só as pequenas preocupações que levamos em nosso coração? Deixemos que nosso coração se sinta penetrado por essa vida de Deus que também hoje quer habitar em nós.
JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.
Jesus, recado de Deus
Pe. Johan Konings
A liturgia da terceira missa de Natal, a missa do dia, nos apresenta como evangelho o Prólogo do Evangelho segundo João. Nas celebrações de meia-noite e da aurora, a liturgia acentua a humildade do Messias: o presépio, os pastores…. Na liturgia do dia, o acento está na sua eterna glória, o brilho da manifestação de Deus. Esse é o paradoxal mistério de Cristo: a Palavra se tornou carne, humanidade frágil, e exatamente nisso “nós contemplanos sua glória” (Jo 1,14).
“Como é belo ver pelas montanhas os passos do mensageiro que anuncia a paz, noticia a felicidade e traz uma mensagem de salvação: Teu Deus reina” – assim soa a 1ª leitura. Quando Deus reina – através do empenho dos humanos, seus “aliados”-, quando ele tem a última palavra, existe saída. Isso valia para os exilados de Judá, para os quais o profeta entoou seu cântico, e vale também para nós. Por isso, o salmo responsorial exorta: “Cantai ao Senhor um canto novo”.
Mas a manifestação de Deus superou de longe aquilo que o profeta divisou. A mensagem, a palavra da parte de Deus, tornou-se carne, existência humana. Jesus é em pessoa o que Deus nos quer comunicar, desde sempre. A Palavra que é Jesus estava em prontidão junto de Deus desde sempre; aquilo que Deus sempre quis dizer, sua Palavra o veio mostrar tornando-se vida humana no meio de nós (Jô 1, 1.14)
Jesus é a comunicação de Deus, é o que Deus significa para nós; e o que não condiz com Jesus contradiz Deus. O que Jesus fala e faz, Deus é quem o fala e o faz. Quando esse filho do carpinteiro convida os pecadores, é Deus que os chama. Quando censura os hipócritas, é Deus que os julga. Quando funda a comunidade fraterna, é Deus que está presente nela. E quando morre por amor fiel até o fim, é Deus que manifesta seu amor fiel e sua plenitude de vida. Tudo o que Jesus nos manifesta é palavra de Deus falada a nós, palavra de amor eterno.
Há quem pergunte o que Jesus faz enquanto homem e enquanto Deus. Tudo o que faz, ele o faz como homem e como Deus, pois faz tudo por amor até o fim, e Deus é amor. Se se devesse escolher o momento em que Jesus se mostrou mais Deus para nós, seria o momento em que ele foi mais humano, frágil e mortal: sua morte na cruz. Pois aí mostrou com maior nitidez o rosto do Deus-amor. A “Palavra de Deus”, crucificada, nos fala: “Deus é amor” (1 Jo 4, 8-16). A festa da Encarnação não é só Natal, mas também Sexta-feira Santa. O presépio é da mesma madeira da Cruz.
À medida que nós formos novos Cristos, também nossa “carne”, nossa vida e história, será uma palavra de Deus para nossos irmãos e irmãs, e mostrará ao mundo o verdadeiro rosto de Deus: um rosto de amor.
PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.
Caminhos do Evangelho - Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella