Dom Walmor Oliveira de Azevedo
A semeadura do bem é tarefa e missão dos bons. Uma verdade que nos interpela a evitar a omissão e, especialmente, a expressar opiniões e juízos na direção do bem. Tristemente, na contramão desse caminho, espanta o crescente silêncio dos bons, mesmo diante do agigantar-se dos maus. Semear o bem é uma exigente labuta desigual, por se saber que o mal se espalha e contamina com uma impressionante velocidade. Mas, os semeadores do bem, fecundados pela serenidade e paciência para colher os frutos a seu tempo, não devem se desanimar. São exigidos a pautar-se pela sabedoria da perseverança, pela intrépida convicção de que o bem sempre vence o mal.
Compreende-se o sentido do magistral ensinamento de Jesus quando instruía seus discípulos contando-lhes a parábola do semeador que saiu a semear. As circunstâncias diziam respeito à qualidade da semente. Focalizava ainda a condição de terrenos diferentes – pedregosos, cheios de espinhos, sem fundura suficiente – inviabilizando a semeadura que somente torna-se exitosa quando a terra é boa. Jesus uniu a essa explicitação uma advertência com a narração de outra parábola: a do joio e do trigo. Ao falar do Reino de Deus, sublinhou a boa semeadura feita no campo. Mas, conforme a parábola, enquanto todos dormiam, veio o inimigo, semeou joio no meio do trigo. A parábola conta que os operários foram procurar o dono, surpresos, para informar o que havia ocorrido. Perguntaram: Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? De onde veio o joio? O Senhor respondeu serenamente: algum inimigo fez isso. Os operários quiseram arrancar o joio imediatamente, mas foram novamente instruídos com sabedoria e serenidade: arrancando o joio, poder-se-ia, indevidamente, perder o trigo. Em seguida, aconselhou deixar crescer um e outro, para tudo arrancar no momento certo da colheita.
O “joio” no seu tempo devido será arrancado, amarrado para ser queimado. O “trigo”, fruto esperado, o bem, abarrotará os celeiros dos bons. O ensinamento da parábola mostra que se caminha por uma linha muito tênue entre o bem e o mal. Uma linha tão tênue que os néscios e os incautos escorregam para o mal, convencidos de estar do lado do bem. Sobre essa falta de lucidez, o Mestre Jesus já advertia tratar-se de roubo e engano perpetrado pelo maligno, que deixa o coração humano vazio das razões do bem. E o coração vazio torna-se hospedagem de maquinações, tramas e artimanhas que buscam metas, aparentemente plausíveis, mas que na realidade são forças para efetivar a destruição. Não apenas a destruição dos outros, mas, cedo ou tarde, a própria destruição, de seus próximos, de sua história e de seu patrimônio.
O ensino magistral de Jesus clareia os indispensáveis entendimentos a respeito do que sublinha o Papa Francisco no capítulo primeiro da sua Carta Encíclica sobre a Amizade Social, ao tratar das “sombras de um mundo fechado”. As desastrosas consequências provocadas pelo distanciamento da semeadura do bem são evidentes. Dentre os prejuízos está o aprisionamento de populações em um provincianismo imobilizador, não permitindo enxergar horizontes mais largos, comprometendo a capacidade de olhar para o alto de uma montanha e ali divisar um horizonte iluminado para os sonhados dias melhores. Esses dias não virão dos paternalismos de pequenas e lisonjeadoras benesses, perpetuando atrasos e perpetrando irracionalidades “vendidas” como se fossem o caminho de um futuro melhor. Na verdade, essas irracionalidades são o “joio” que tenta se camuflar no meio do “trigo”. A colheita desse “joio” é um espantoso espectro de autofagia demolindo patrimônios, heranças, respeitabilidade de predecessores na história, tudo disfarçado por um falso sentido de desenvolvimento.
Esse provincianismo tem sido fecundado e emoldurado pela tática autodestrutiva de tudo lançar no caos, achando, equivocadamente, que assim é possível alcançar vitória, conquistar posses e riquezas. Mais perigoso ainda é o fato de o ódio ser a lubrificação dessa perversa engrenagem, ensandecendo aqueles que deveriam defender o direito e promover a justiça. Compreende-se a urgência de se investir em um novo humanismo integral, mobilização da Igreja Católica para recompor o sentido da vida e efetivar uma ordem social, política, econômica e cultural capaz de configurar uma sociedade mais justa, solidária e fraterna.
Indispensável é labutar, operariamente, sempre e em todo lugar, na semeadura do bem para dissipar as sombras de um mundo fechado”. Essas sombras, o “joio” lançado no campo do “trigo”, são muitas e precisam ser afrontadas com a iluminação da semeadura do bem. No espectro dessas sombras, atenção especial seja dedicada ao enfrentamento da agressividade. Há uma profusão de formas insólitas de hostilidades, com insultos, impropérios, difamação, afrontas verbais, buscando destruir a imagem do semelhante. Essa agressividade apenas faz crescer a violência que destrói vidas, o meio ambiente, patrimônios e histórias, atrasando a colheita de bons frutos pela semeadura do bem.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo é Arcebispo de Belo Horizonte (MG) e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)