Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Ascensão: Por que subiu e não foi embora? (Atos 1,1-11)

28/05/2022

Frei Jacir de Freitas Faria [1]

Celebramos hoje a ascensão de Jesus. Ascensão é o mesmo que elevar. Ascensão é uma palavra não muito comum em português, mas elevador sim. Elevador em italiano é ascensore, e em espanhol, ascensor. Essas duas línguas conservaram a mesma raiz de ascensão. Quando estamos em um elevador, somos levados para cima. E é isso o significado de ascensão, isto é, ato de ascender, de subir. Foi o que aconteceu com Jesus. Na verdade, ele foi sem ajuda de um ‘elevador’, à diferença de Maria que, segundo a tradição dos evangelhos apócrifos, foi levada para o céu por Jesus e os seus anjos. Portanto, o que ocorreu com ela foi assunção, diferente da ascensão de Jesus.

A ascensão passou a ser celebrada na Igreja a partir do século IV, no quadragésimo dia após a ressurreição de Jesus. Tendo cumprido a sua missão na terra, Jesus voltou para a casa do Pai.  O poder de Jesus é transferido aos discípulos, os quais devem se colocar de pé e sair mundo afora, anunciando a sua ressurreição em movimento de ascensão, de subida, de saída de Jerusalém, conforme At 1,1-11 e Lc 24,46-53.

Ascensão de Jesus, de Singleton Copley (1775, Wikipédia, domínio público)

Jesus voltou para a casa do Pai, a morada eterna, onde todos nós esperamos estar, após nossa morte. Ficamos privados de sua presença física e somos chamados a eternizá-Lo na vida da Igreja, a primitiva de Jerusalém e hoje. A ascensão nos torna participantes da Divindade. O humano Jesus de Nazaré leva consigo a natureza humana para a glória de Deus. Jesus subiu porque desceu na nossa humanidade.

O sentido último da obra lucana, composta de Atos dos Apóstolos e o Evangelho, é mostrar que Jesus não foi embora. O evangelho de Lucas não termina, mas continua com a ação da comunidade de Jerusalém. Na introdução, em At 1,1-4, Lucas se propõe a escrever uma narração ordenada dos fatos que se cumpriram entre eles. Ele a dedica a Teófilo – nome grego que significa o amigo de Deus. No fim do Evangelho, Jesus promete o Espírito Santo e convoca os seus seguidores a permanecerem em Jerusalém para a realização das promessas (Lc 24,49). O evangelho começa com Jesus sendo apresentado no templo, onde tudo começou, e termina com os apóstolos também no templo, depois da ascensão (Lc 24,50-53), para recomeçar, coisa que é relatada na abertura de Atos dos Apóstolos.

Em At 1,6 os discípulos perguntam a Jesus: “É agora que vais restabelecer o Reino de Israel?”. Jesus responde, dizendo que eles não devem se preocupar com a data, pois essa compete ao Pai (At 1,7). O Espírito Santo continuará a realização das promessas (1,8a) no testemunho dos apóstolos. Jesus não foi embora, mas continua vivo entre e dentro de cada apóstolo que testemunha o ressuscitado, ontem e hoje. Nascem, como resultado da ação do Espírito Santo, as “Igrejas” de Jerusalém, isto é, vários núcleos do seguimento de Jesus, embora Lucas tenha, em Atos, idealizado e privilegiado a comunidade de Jerusalém, para onde os discípulos voltaram. Voltar para Jerusalém (At 1,12) significa voltar para o lugar sagrado do judaísmo, para o lugar da missão, da salvação e do sonho de uma nova Jerusalém, pois a Jerusalém cidade já tinha sido destruída pelos romanos.

A comunidade de Jerusalém é judaica de origem e, por isso, fiel observante da Torá (lei, conduta, caminho, modo de vida baseada no Decálogo; ela celebra a Eucaristia como memória do martírio redentor e profético de Jesus (At 2,42-46); partilha os bens (At 2,44-45), como expressão de uma espiritualidade comprometida com a justiça; está em conflito com as autoridades locais (At 3,114,22); está centrada e unida em torno aos doze apóstolos (At 2,42; 4,23-31); tem conflitos (At 5, 1-11); opera prodígios e milagres (At 3,1-10).    

Nessas características encontramos o rosto, às vezes, idealizado da comunidade de Jerusalém. Esse modo de viver a fé na comunidade de Jerusalém foi o jeito que os primeiros cristãos encontraram para exprimir a utopia do Reino de Deus anunciado e vivido por Jesus na sua integralidade e com a sua ascensão.  A ascensão de Jesus no monte das Oliveiras teria sido a sua glorificação e a certeza da sua presença definitiva na comunidade de Jerusalém de forma histórica (presente), escatológica (futuro) e pneumática (plena do Espírito Santo). Tendo Jerusalém como referência e origem da comunidade judaico-cristã, os discípulos devem partir em missão até os confins do mundo, anunciando que Jesus ressuscitou e não morreu. Este foi o grande segredo do cristianismo; caso contrário, teria se perdido, como tantas religiões do mundo antigo.

A ascensão é um movimento de ação transformadora do mundo a partir de nossa fé em Jesus ressuscitado e na ação libertadora da Igreja. Viver a ascensão significa não ficar olhando para o alto, esperando Jesus partir, mas colocar-se a caminho, no anúncio do reino, na evangelização. Ascensão não é a festa da despedida de Jesus, mas de sua presença no meio de nós, o que nos convoca a sair da “sacristia” das Igrejas e ir em missão para as periferias da sociedade faminta e sedenta da Boa-Nova do Evangelho.

Será que a nossa Igreja está em movimento de ascensão? Ou estamos no fundo do poço, divididos e sem esperança? Jesus subiu para não ir embora. Jesus subiu porque desceu. Nossa ascensão, nosso movimento de subida, só será possível quando descermos ao mais profundo de nossa condição humana e a transformamos a partir do amor, do cuidado, do serviço e da justiça social. Será que não estamos descendo ladeira abaixo atrás de falsos pastores revestidos de uma fé que nos aliena? Coragem! Retomemos o caminho de volta para a Jerusalém de hoje! Acolhamos o pedido do Papa Francisco de rever o nosso modo de ser Igreja, participando do processo de revisão em vista do Sínodo de 2023.


[1]Doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH). Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Exegese Bíblica. É membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de dez livros e coautor de quinze. Youtube: Frei Jacir Bíblia e Apocrifos. https://www.youtube.com/channel/UCwbSE97jnR6jQwHRigX1KlQ

Download WordPress Themes
Download Nulled WordPress Themes
Download Nulled WordPress Themes
Download WordPress Themes Free
udemy paid course free download
download redmi firmware
Download Nulled WordPress Themes
udemy paid course free download