Quaresma, tempo de conversão

- Quaresma, tempo de conversão
- Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma 2025
- As linhas-força da Quaresma
- A observância Quaresmal
- Campanha da Fraternidade, uma ajuda à Quaresma
- Quaresma e Campanha da Fraternidade: Um peregrinar de Esperança para um novo céu e nova terra
- Quarta-feira de Cinzas – Ressuscitar das Cinzas
- Liturgia para a Quarta-feira de Cinzas
- Temas e Lemas de todas as CFs
Quaresma, tempo de conversão
Ter-se-á sempre em vista que a Quaresma constituía preparação para o Tríduo Pascal da Paixão-Morte, Sepultura e Ressurreição do Senhor Jesus, celebrado de quinta-feira à noite até o domingo da Ressurreição.
A Quarta-feira de Cinzas abre este tempo de conversão e de penitência, fazendo a proposta da observância quaresmal da oração, do jejum e da esmola.
Seguem todos os anos os dois domingos com temática fixa, variando apenas conforme os Evangelistas do ano. No 1º Domingo da Quaresma: As tentações de Jesus no deserto; 2º Domingo: a transfiguração do Senhor.
Jesus é o modelo da vida de penitência dos cristãos. O Jesus que jejua, o Jesus que se dedica à oração, deve ser visto à luz do Cristo transfigurado. Toda a caminhada da conversão dos cristãos só tem sentido à luz da ressurreição pregustada no Tabor.
A partir do 3º Domingo temos uma diversificação, conforme os ciclos do Ano A, B e C.
O Ano A apresenta a temática batismal. O Batismo será revivido no Tríduo pascal e especialmente na Vigília.
Se isso é verdade todos os anos, vem tematizado no Ano A. Utilizam-se os Evangelhos de São João. No 3º Domingo: o poço da samaritana; no 4º Domingo: o cego de nascença junto à piscina de Siloé. No 5º Domingo: a ressurreição de Lázaro. As leituras do Antigo Testamento, em harmonia com os evangelhos, apresentam os grandes lances da história da salvação. As leituras do Apóstolo realçam também a temática batismal.
No Ano B, de Marcos, sobressai o mistério da renovação da pessoa humana em Cristo e por Cristo, através da penitência. Seguindo o Cristo no mistério da cruz, o cristão participará de sua ressurreição. Os evangelhos são novamente de João: a restauração do Templo (o corpo de Cristo), Jo 21,13-25; o Cristo exaltado na cruz para a salvação do mundo, Jo 3,14-21; o grão de trigo que precisa morrer para produzir fruto, Jo 12, 20-33. As leituras apresentam tópicos da aliança de Deus com seu povo.
O Ano C, de Lucas, é perpassado pelo tema da necessidade da penitência e da misericórdia de Deus para com a humanidade em Cristo Jesus. A necessidade da conversão (Lc 13,1-9) no 3º Domingo; o filho pródigo (Lc 15,1-3.11-32) no 4º Domingo e a mulher adúltera (Jo 8,1-11) no 5º Domingo. As leituras apresentam experiências pascais do Povo de Deus na história da salvação.
Tudo isso pode acontecer cada ano com o Povo de Deus, a Igreja, no Tríduo Pascal. As condições são a conversão, a renovação da aliança batismal em Cristo Jesus.
Texto de “Viver o Ano Litúrgico – Reflexões para os domingos e solenidades”, de Frei Alberto Beckhauser, Editora Vozes.
Imagem no alto: Foto: Adriana Rabelo Rodrigues
Arte: Jovenal Pereira
Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma 2025
Caminhemos juntos na esperança
Queridos irmãos e irmãs!
Com o sinal penitencial das cinzas sobre as nossas cabeças, iniciamos na fé e na esperança a peregrinação anual da Santa Quaresma. A Igreja, mãe e mestra, convida-nos a preparar os nossos corações e a abrir-nos à graça de Deus para podermos celebrar com grande alegria o triunfo pascal de Cristo, o Senhor, sobre o pecado e a morte, como exclamava São Paulo: «A morte foi tragada pela vitória. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?» (1Cor 15, 54-55). Realmente, Jesus Cristo, morto e ressuscitado, é o centro da nossa fé e a garantia da nossa esperança na grande promessa do Pai, já realizada n’Ele, Seu Filho amado: a vida eterna (cf. Jo 10, 28; 17, 3) .
Nesta Quaresma, enriquecida pela graça do Ano Jubilar, gostaria de oferecer algumas reflexões sobre o que significa caminhar juntos na esperança e evidenciar os apelos à conversão que a misericórdia de Deus dirige a todos nós, enquanto indivíduos e comunidades.
Antes de tudo, caminhar. O lema do Jubileu – “Peregrinos de Esperança” – traz à mente a longa travessia do povo de Israel em direção à Terra Prometida, narrada no livro do Êxodo: a difícil passagem da escravidão para a liberdade, desejada e guiada pelo Senhor, que ama o seu povo e sempre lhe é fiel. E não podemos recordar o êxodo bíblico sem pensar em tantos irmãos e irmãs que, hoje, fogem de situações de miséria e violência e vão à procura de uma vida melhor para si e para seus entes queridos. Aqui, surge um primeiro apelo à conversão, porque todos nós somos peregrinos na vida, mas cada um pode perguntar-se: como me deixo interpelar por esta condição? Estou realmente a caminho ou estou paralisado, estático, com medo e sem esperança, acomodado na minha zona de conforto? Busco caminhos de libertação das situações de pecado e falta de dignidade? Seria um bom exercício quaresmal confrontar-nos com a realidade concreta de algum migrante ou peregrino e deixar que ela nos interpele, a fim de descobrir o que Deus pede de nós para sermos melhores viajantes rumo à casa do Pai. Esse é um bom “exame” para o viandante.
Em segundo lugar, façamos esta viagem juntos. Caminhar juntos, ser sinodal, é esta a vocação da Igreja . Os cristãos são chamados a percorrer o caminho em conjunto, jamais como viajantes solitários. O Espírito Santo impele-nos a sair de nós mesmos para ir ao encontro de Deus e dos nossos irmãos, e nunca a fechar-nos em nós mesmos . Caminhar juntos significa ser tecelões de unidade, partindo da nossa dignidade comum de filhos de Deus (cf. Gl 3, 26-28); significa caminhar lado a lado, sem pisar ou subjugar o outro, sem alimentar invejas ou hipocrisias, sem deixar que ninguém fique para trás ou se sinta excluído. Sigamos na mesma direção, rumo a uma única meta, ouvindo-nos uns aos outros com amor e paciência.
Nesta Quaresma, Deus pede-nos que verifiquemos se nas nossas vidas e famílias, nos locais onde trabalhamos, nas comunidades paroquiais ou religiosas, somos capazes de caminhar com os outros, de ouvir, de vencer a tentação de nos entrincheirarmos na nossa autorreferencialidade e de olharmos apenas para as nossas próprias necessidades. Perguntemo-nos diante do Senhor se somos capazes de trabalhar juntos ao serviço do Reino de Deus, como bispos, sacerdotes, pessoas consagradas e leigos; se, com gestos concretos, temos uma atitude acolhedora em relação àqueles que se aproximam de nós e a quantos se encontram distantes; se fazemos com que as pessoas se sintam parte da comunidade ou se as mantemos à margem . Este é o segundo apelo: a conversão à sinodalidade.
Em terceiro lugar, façamos este caminho juntos na esperança de uma promessa. A esperança que não engana (cf. Rm 5, 5), mensagem central do Jubileu , seja para nós o horizonte do caminho quaresmal rumo à vitória pascal. Como o Papa Bento XVI nos ensinou na Encíclica Spe salvi, «o ser humano necessita do amor incondicionado. Precisa daquela certeza que o faz exclamar: “Nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8, 38-39)» . Jesus, nosso amor e nossa esperança, ressuscitou e, vivo, reina glorioso. A morte foi transformada em vitória e aqui reside a fé e a grande esperança dos cristãos: na ressurreição de Cristo!
Eis o terceiro apelo à conversão: o da esperança, da confiança em Deus e na sua grande promessa, a vida eterna. Devemos perguntar-nos: estou convicto de que Deus me perdoa os pecados? Ou comporto-me como se me pudesse salvar sozinho? Aspiro à salvação e peço a ajuda de Deus para a receber? Vivo concretamente a esperança que me ajuda a ler os acontecimentos da história e me impele a um compromisso com a justiça, a fraternidade, o cuidado da casa comum, garantindo que ninguém seja deixado para trás?
Irmãs e irmãos, graças ao amor de Deus em Jesus Cristo, somos conservados na esperança que não engana (cf. Rm 5, 5). A esperança é “a âncora da alma”, inabalável e segura . Nela, a Igreja reza para que «todos os homens sejam salvos» (1Tm 2, 4) e ela própria anseia estar na glória do céu, unida a Cristo, seu esposo. Santa Teresa de Jesus expressou isso da seguinte forma: «Espera, espera, que não sabes quando virá o dia nem a hora. Vela com cuidado, que tudo passa com brevidade, embora o teu desejo faça o certo duvidoso e longo o tempo breve» (Exclamações, XV, 3) .
Que a Virgem Maria, Mãe da Esperança, interceda por nós e nos acompanhe no caminho quaresmal.
Roma, São João de Latrão, na Memória dos Santos mártires Paulo Miki e companheiros, 6 de fevereiro de 2025.
FRANCISCO
As linhas-força da Quaresma
A Quaresma recebe toda a sua força de inspiração da Vigília pascal, desdobrada no Tríduo Pascal da Paixão-Morte, Sepultura e Ressurreição de Jesus Cristo.
Trata-se da preparação para a Festa da Páscoa do Cristo total, isto é, de Jesus Cristo e dos cristãos. Esta vida nova em Cristo é que chamamos de mistério pascal.
A páscoa-fato, celebrada pela Igreja, movimenta-se em três níveis: a páscoa-fonte, a Paixão-Morte, Sepultura e Ressurreição de Jesus Cristo; a páscoa participada pelos cristãos, acontecida no batismo; e a renovação da páscoa dos cristãos em Cristo no hoje pela renovação de vida, na conversão ou penitência e no compromisso renovado.
Tudo isso torna-se sacramental na páscoa-rito, na celebração da Vigília maior, desdobrada no Tríduo Pascal.
Compreendemos que a celebração da Páscoa é essencialmente uma festa batismal. Dela brotam duas linhas-força:
A primeira: A dimensão batismal. Nesta dimensão podemos realçar dois aspectos. A Páscoa é a festa da celebração do batismo daqueles e daquelas que se prepararam durante a Quaresma. Hoje, esta realidade está tornando-se sempre mais presente.
Os catecúmenos caminharam com a Igreja; a comunidade tornou-se catecúmena com os que se preparam para o batismo.
A Igreja gera novos filhos na fé. Mas enquanto ela se toma catecúmena, os cristãos se preparam para renovar os compromissos do próprio batismo. Assim, estamos na segunda linha-força da Quaresma: a penitência ou a prática da conversão para viver o batismo ou para renovar as promessas do batismo.
Os cristãos já batizados têm consciência de que ainda não estão na plenitude do ideal cristão, que é o próprio Cristo Jesus. Todo cristão, mesmo batizado, sabe que o processo de sua conversão não chegou ao fim. Ele é um caminhante, consciente do já presente do ainda não. Embora justificado e santificado pelo batismo e pela fé, encontra-se ainda a caminho. Além disso, ele tem consciência de que muitas vezes se torna infiel à aliança batismal, à morte libertadora de Jesus Cristo, afastando-se ou negando totalmente sua vocação e missão de batizado. Ou, então, torna-se infiel aos compromissos batismais, não correspondendo devidamente à proposta do amor de Deus em Jesus Cristo. Daí o sentido da penitência quaresmal para todos. Será preparação para retomar os compromissos do batismo ou para fortificá-los. Esta experiência de reconciliação oferecida pela misericórdia de Deus em Cristo Jesus constitui, por sua vez, outra experiência pascal celebrada sacramentalmente na Páscoa.
Texto de “Viver o Ano Litúrgico – Reflexões para os domingos e solenidades”, de Frei Alberto Beckhauser, Editora Vozes.
A observância Quaresmal
Poderíamos falar também de exercícios da Quaresma ou exercícios de conversão. Trata-se de três exercícios de culto a Deus, já conhecidos no Antigo Testamento e abordados por Jesus no Evangelho de São Mateus (6,1-18): a oração, o jejum e a esmola.
Jesus não condenou estas práticas de culto. Quis, sim, purificá-las da hipocrisia. Muito cedo, a Igreja acolheu esses exercícios como prática de conversão, sobretudo na Quaresma. São Leão Magno, o grande papa do século V, mostra como essas três práticas atingem de modo profundo os três principais relacionamentos do homem:
com Deus, pela oração; com a natureza criada, pelo jejum e com o próximo, pela esmola. Por isso, esse evangelho é proclamado na Quarta-feira de Cinzas, abertura da Quaresma, como um verdadeiro programa de exercício de conversão para os cristãos.
Na virtude da fé, o homem volta-se diretamente a Deus pela oração. Louva-o e o adora. Reconhece-o como Criador, Senhor e Pai e a si mesmo como criatura e filho. Realiza-se uma conversão, pois pela oração o homem se situa no seu lugar, na sua vocação em relação a Deus.
E temos mais: quando, na Quaresma, a Igreja intensifica a oração, ela celebra o Cristo orante em profunda comunhão com o Pai.
Na virtude da esperança, o homem já participa do Bem Supremo que é Deus. Então, os bens deste mundo não o escravizam.
Faz uso deles para o bem próprio e do próximo e neles degusta o Bem, que é Deus. Mas muitas vezes acaba escravizando-se aos bens materiais. Aparece, então, o sentido do jejum religioso. Jejuar significa abster-se de alimento, tomar uma atitude de respeito e de liberdade diante das coisas, fazer espaço para os outros e para Deus, confiar na providência de Deus. Por este gesto, que é um rito, a Igreja comemora o Cristo, Senhor da criação e a vocação do homem como senhor da criação. Constitui um ato de conversão a Deus através das coisas. Importa, então, viver em atitude de jejum. De quantas coisas podemos jejuar!
Na virtude da caridade, o homem é chamado a ser profeta, revelando Deus, que é amor e apontando para ele. E chamado a viver como irmão. Num gesto ou rito de generosidade, a esmola, ele celebra sua capacidade de doar, de amar, de partilhar, segundo Deus. Celebra a generosidade do Deus Criador e do Deus Salvador. É o sentido mais profundo da esmola: dar de graça, dar sem querer retribuição, dar em solidariedade, partilhar com o próximo. Importa, então, viver em atitude de esmola: ser esmola, ser generoso, ser dom para o próximo, partilhar com os irmãos os seus bens, a exemplo do Deus Criador e de Jesus Cristo, dando sua vida por todos.
Texto de “Viver o Ano Litúrgico – Reflexões para os domingos e solenidades”, de Frei Alberto Beckhauser, Editora Vozes.
Campanha da Fraternidade, uma ajuda à Quaresma
A Campanha da Fraternidade (CF), que se realiza na Igreja do Brasil durante a Quaresma desde 1964, pretende ser uma ajuda para vivê-la mais intensamente.
Para tanto, ela deve preencher algumas suposições. A primeira e mais importante: ela deseja ser um momento forte de evangelização. Isso traz consigo algumas conseqüências. A CF situa-se mais no campo do anúncio da Palavra de Deus, ou seja, da evangelização e da catequese prolongada na Escola da fé, concretizada nos encontros, círculos de estudos, grupos de reflexão etc. Portanto, não em primeiro lugar na Liturgia, pois a dimensão celebrativa supõe comunidades evangelizadas e catequizadas. Devemos reconhecer que a Liturgia também tem uma dimensão evangelizadora. Se esta ação evangelizadora e catequética for intensa, repercutirá decisivamente na Liturgia quaresmal.
A CF deve respeitar as grandes linhas-força da Quaresma. Estas linhas-força são, sobretudo, a observância quaresmal da oração, do jejum e da esmola no seu sentido mais profundo, e a temática que se expressa na Palavra de Deus nos Anos A, B e C da Quaresma.
Fundamentalmente, a renovação das promessas batismais, no Ano A, a participação no mistério pascal de Cristo pela conversão, no Ano B, e a necessidade da conversão e penitência para participar da misericórdia de Deus, no Ano C. Isso, sem perder de vista a Palavra de Deus do 1° e 2° domingos, respectivamente, as tentações de Jesus e sua transfiguração.
Nesta perspectiva, a Campanha da Fraternidade, com seu tema e lema, poderá servir de pano de fundo da pregação homilética. Ela poderá inspirar o Ato penitencia], sem transformá-lo em “Celebração penitencial”. Algumas preces poderão brotar da ação concreta desenvolvida pela CF, sem se esquecerem as grandes lições da Igreja e do mundo, bem como a dinâmica quaresmal.
Cada ano, a Igreja no Brasil está oferecendo cantos para a Missa. É discutível se todas as partes deveriam ser sobre o tema da Campanha. Em todo caso, faz-se um sincero esforço para que esses respeitem a temática da Quaresma e das leituras bíblicas de Domingo.
Desta forma, a CF leva a Igreja no Brasil a fazer uma experiência na vivência da fraternidade. Esta experiência de fraternidade transforma-se em celebração no Tríduo Pascal, numa linguagem menos cósmica do que no hemisfério norte e mais histórica, bem dentro da caminhada libertadora promovida pela Igreja.
Texto de “Viver o Ano Litúrgico – Reflexões para os domingos e solenidades”, de Frei Alberto Beckhauser, Editora Vozes.
Quaresma e Campanha da Fraternidade: Um peregrinar de Esperança para um novo céu e nova terra
A Quaresma é um tempo forte da vida de toda a Igreja no qual todos somos convidados a empreender um caminho penitencial de 46 dias, assinalado pelo espírito da oração, do jejum e da esmola (caridade fraterna). É um tempo “favorável” para todos, como se anuncia na Quarta-Feira de Cinzas, pois está em jogo a história salvífica de toda a humanidade e, por conseguinte, da inteira criação. Neste caminho quaresmal necessitamos estar atentos à Palavra de Deus que nos remete para a história da salvação narrada no Antigo Testamento, como ressalta a pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo no seu caminho pascal (Paixão, Morte e Ressureição). Logo, é a Palavra de Deus meditada e contemplada na oração que nos transforma mediante sadias atitudes penitenciais, simbolizados no jejum e, consequentemente, nos inspira e motiva a obras concretas de misericórdia, compaixão e caridade simbolizados na esmola.
Neste itinerário quaresmal, em comunhão com toda a Igreja no Caminho de Esperança, o Conselho Episcopal Pastoral da CNBB escolheu uma belíssima temática para a Campanha de Fraternidade deste ano de 2025: Fraternidade e Ecologia Integral com seu lema: “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn1,31). Qual a motivação deste tema?
A primeira motivação vem da própria Igreja que, neste ano, celebra o Jubileu Ordinário de 2025. Mediante a Bula Spes non confundit (A esperança não decepciona), o Papa Francisco nos alerta à necessidade de estarmos atentos ao risco do imediatismo imposto pelo mundo digital (‘aqui e agora’) para novamente abrir o coração à admiração da vida, da alternância das estações, das flores e frutos no seu respectivo tempo, como os olhos da alma de São Francisco de Assis ao compor, há exatamente 800 anos, o Cântico das Criaturas (cf. Bula n. 4). Que os sinais de esperança, a começar pela paz, passem pela transmissão dos valores da vida, concretizem os sonhos dos jovens, se voltem às pessoas privadas de liberdade, aliviem o sofrimento das enfermas e seus cuidadores, fortaleça a esperança da pátria aos migrantes, refugiados e exilados, alivie a solidão dos idosos e, que cessem as ondas do empobrecimento para que a Mãe Terra possa acolher a todos com o mesmo respeito e dignidade, pois ela é a verdadeira “mãe que nos sustenta e governa” (cf. Bula n. 7-15).
A esta motivação do Ano Santo, também fazemos memória dos 10 anos de publicação da Carta Encíclica Laudato Si’ e, mais recentemente, da Exortação Apostólica Laudate Deum. Se Quaresma é tempo de conversão e penitência, a provocação do tema da Campanha da Fraternidade de 2025 deseja ajudar-nos a sair de um possível intimismo espiritual e narcisista para conduzir-nos pela Palavra de Deus a uma verdadeira conversão ecológica integral, onde todos somos convocados a dar nossa contribuição à crise social e ecológica e, vivificados no Espírito do Criador, renovar a face da terra, a nossa Casa Comum, onde tudo está interligado. Os fenômenos e desastres climáticos, o risco da sustentabilidade da própria Criação, a morte da biodiversidade, a alta produção de dejetos poluidores que criminosamente são lançados na água, na terra e no ar, devem alertar-nos a um exame de consciência e fazer de coração sincero nosso “mea-culpa”.
Se nós, criaturas humanas, fomos colocados pelo Criador a um estado de excelência no mundo criado, nem sempre nos posicionamos como filhos e filhas, principalmente quando nos “deleitamos nos vícios e pecados”. Francisco de Assis, o cantador impar do Deus-Criador que se revela em todas as criaturas, nos convida a estarmos mais atentos, isto é, a prestar atenção à nossa grandeza, mas também às nossas fragilidades. Por isso, com a sua sabedoria e grandeza de alma, nos admoesta: “Todas as criaturas que há sob o céu, à sua maneira, servem, reconhecem e obedecem ao seu Criador melhor do que tu” (cf. Admoestações V,2). A maior glória da criatura humana não está no ensimesmamento, na autorreferencialidade, mas quando somos capazes de “gloriar-nos em nossas fraquezas e em carregar cada dia a santa cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Adm V,8).
As biografias de São Francisco de Assis, especialmente a Compilação de Assis, narram que o Pobre de Deus, depois de ter carregado a cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo e ter chagado com ela ao ápice da perfeição do Evangelho, retorna a Assis. Na sua terra natal ele é recolhido numa choupana ao lado da Igreja de São Damião, onde se encontrava Clara de Assis e suas Irmãs. Ali, em meio à miséria e pobreza da choupana, sofre no corpo a dor suplicada no Monte Alverne, associada à dor que aflige a sua alma. Em uma noite, em meio às dores e desconfortos, da quase cegueira e ferimentos das chagas, faz a experiência do perdão e da reconciliação. Nasce ali, neste chão da conversão inicial (“Vai, Francisco, e restaura a minha Igreja”), o Cântico das Criaturas, fruto de um coração amadurecido no amor, na dor e no vigor do Evangelho.
E o biógrafo da Compilação de Assis deixou-nos a herança de uma preciosa pérola quaresmal para a nossa meditação, oração e conversão espiritual e ecológica. Relata que Francisco, em meio à dor do corpo e da alegria na alma por sentir-se confortado pelo Senhor, compõe o novo “Louvor do Senhor pelas suas criaturas de que nos servimos a cada dia, sem as quais não podemos viver e nas quais o gênero humano muito ofende o Criador e doador de todos os bens” (CA 83,21-22).
Conversão é colocar-nos como irmão/irmã ao lado de todas as criaturas para com eles servir, reconhecer e obedecer ao seu Criador e, com Francisco, convidar toda a criação para o hino da Ressurreição de um novo céu e de uma nova terra: “Nações todas, batei palmas, aclamai a Deus com gritos de exultação… Alegram-se os céus, e exulte a terra, comovam-se os mares e tudo o que eles encerram, regozijar-se-ão os campos e tudo o que neles existe. Cantai-lhe um cântico novo, canta ao Senhor a terra inteira” (Ofício da Paixão, VII). Sim, “louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas”.
Frei Fidêncio Vanboemmel
Quarta-feira de Cinzas – Ressuscitar das Cinzas
Quarenta dias antes da Páscoa, a Igreja abre solenemente o tempo de penitência, chamado Quaresma, em preparação para a celebração da Páscoa. É a Quarta-feira de Cinzas, entre nós bastante prejudicada pelo carnaval.
Neste dia, após a Liturgia da Palavra, em que se proclama o trecho do Evangelho em que Cristo recomenda a oração, o jejum e a esmola como exercícios de conversão (cf. Mt 6,1-18), realiza-se o rito da imposição das cinzas. Elas são sinal de penitência, no sentido de conversão. A conversão consiste, sobretudo, no reconhecimento de nossa condição de criaturas limitadas, mortais e pecadoras. No gesto de imposição das cinzas sobre a cabeça das pessoas, o sacerdote ou o ministro diz: “Convertei-vos e crede no Evangelho”. A conversão consiste em crer no Evangelho. Crer é aderir a ele, viver segundo os ensinamentos do Senhor Jesus. Pode-se usar também a fórmula tradicional: “Lembra-te que és pó e ao pó hás de voltar”. Numa das orações de bênção das cinzas se diz: “Reconhecendo que somos pó e que ao pó voltaremos, consigamos, pela observância da Quaresma, obter o perdão dos pecados e viver uma vida nova, à semelhança do Cristo ressuscitado”.
A origem das cinzas usadas tem seu significado. Elas são preparadas pela queima de palmas usadas na procissão de Ramos do ano anterior. Lembram, portanto, o Cristo vitorioso sobre a morte. A palma é símbolo de vitória e de triunfo. Assim, se os cristãos aceitam reconhecer sua condição de criaturas mortais, e transformar-se em pó, ou seja, passar pela experiência da morte, a exemplo de Cristo, pela renúncia de si mesmos, participarão também da vida que ressurge das cinzas.
Aqui vale a pena lembrar uma lenda egípcia. Fênix era uma ave fabulosa que durava muitos séculos e, queimada, renascia das próprias cinzas. Foi fácil perceber que ela é símbolo da ressurreição de Cristo e dos que aceitam viver na atitude de Cristo.
Certamente não é fácil aceitar ser cinza. Contudo, a fé em Jesus Cristo ressuscitado faz com que a vida renasça das cinzas. Jesus Cristo faz brotar a vida, onde o ser humano reconhece sua condição de criatura necessitada da ação de Deus. É entrar na atitude pascal.
Esta páscoa se vive na conversão, através dos exercícios da oração, do jejum e da esmola.
A imposição das cinzas não constitui um mero rito a ser repetido a cada ano. É celebração da vocação do ser humano, chamado à imortalidade feliz, contanto que realize o mistério pascal de morte e vida em sua vida fraterna.
Texto de “Viver o Ano Litúrgico – Reflexões para os domingos e solenidades”, de Frei Alberto Beckhauser, Editora Vozes.
Liturgia para a Quarta-feira de Cinzas
Acesse neste link o Especial de Quarta-feira de Cinzas
Temas e Lemas de todas as CFs