Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Os votos de um ano novo abençoado precisam estar vinculados ao compromisso de ser mensageiro da paz. E para bem assumir essa tarefa, é preciso cuidar da própria interioridade, pois o coração humano é construtor da paz, com reflexos nas dinâmicas familiares, institucionais e sociais. Por isso mesmo, na abertura de um ciclo novo, no início do ano civil, deve-se cuidar do tecido interior, muitas vezes contaminado pela indiferença, ódio e insensibilidade, que destroem o sonho da paz. Esse sonho não se realiza pela influência das cores das roupas, nem por barulhos, fogos de artifícios, excessos de comida e bebida. É a interioridade de cada pessoa que tem força para impulsionar o nascimento de um tempo esperado por muitos.
Convém, pois, emoldurar a festa da chegada do novo ano com o silêncio da oração, eivado por especial gratidão pelo dom da vida, dedicando particular reverência aos que já partiram. O novo ano necessita, particularmente, do compromisso, de todos, com a (re)construção da sociedade, desfigurada por vergonhosas desigualdades sociais, pela fome que sacrifica tantas pessoas. Compreende-se, pois, que o grande projeto da construção da paz é muito mais do que simplesmente buscar por quietude, ou quietudes – não raramente sustentadas pelas comodidades e garantias alcançadas de modo egoísta. Ao invés disso, urge a consciência individual e comunitária dos que buscam ser mensageiros da paz.
Tornar-se mensageiro da paz deve ser projeto de vida pessoal, sustentando articulações sociais e políticas para que a sociedade alcance rumos novos, a partir de escolhas acertadas em 2022. Para recuperar o que foi perdido, recompor aquilo que foi destruído, com consequências agravadas pela pandemia, por inabilidades governamentais e pelo inadequado exercício da cidadania é preciso inteligência, com o aprendizado de lições muitas vezes decorrentes do sofrimento. Pode-se, deste modo, reconhecer, na exemplaridade dos gestos solidários, uma alavanca para o desenvolvimento integral. Um propósito que demanda investimento na interioridade humana. Nesse sentido, a fé cristã indica práticas muito pertinentes, ensinando: o coração não pode ser hospedagem de sentimentos que abrem portas para fracassos e até mesmo para ilusórios progressos – aqueles que são incontestavelmente frutos de prejuízos e perversidades.
Os mensageiros da paz estão desafiados a rever propósitos e a reconfigurar lógicas para promover a justiça e a igualdade social, essenciais à paz. Uma tarefa que demanda a coragem profética de redimensionar privilégios para corrigir os descompassos de uma sociedade altamente excludente e garantir o respeito à vida de todos. Um quadro de propósitos, pequenos e grandes, precisa ser configurado como compromisso cidadão e cristão, na singularidade da vida de cada pessoa, especialmente ouvindo os clamores dos pobres. Um exercício oportuno para a passagem de ano, que pode efetivar correções, escolhas mais adequadas e o amadurecimento pessoal, com desdobramentos para a vida social.
Na lista de propósitos para o novo ano, inclua-se, de modo inegociável, o compromisso de trabalhar pelo diálogo, convocação do Papa Francisco, na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1º de janeiro de 2022. O Papa Francisco cita o profeta Isaías, quando exalta os formosos pés do mensageiro que anuncia a paz, manifestando consolação e alívio para um povo extenuado pelas violências e abusos, exposto à infâmia e à morte. É indispensável e inadiável investir em diálogos construtivos, mesmo entremeados pela desolação dos confrontos entre nações. Promover diálogos entre segmentos sociais e políticos, superando manipulações interesseiras que prejudicam principalmente os pobres e o bem comum para satisfazer interesses egoístas de um modelo econômico na contramão da partilha solidária.
Urge-se a habilidade para edificar mais frentes de diálogo, que não pode ser confundido com “conversa fiada” ou repetições demagógicas, comprovação da esterilidade de discursos. A indicação do Papa Francisco é preciosa ao lembrar que, em cada época, a paz é conjuntamente dádiva do Alto e fruto de uma dedicação partilhada por todos aqueles que constroem a sociedade: instituições e particularmente cidadãos, que podem edificar um mundo mais pacífico a partir do seu próprio coração e de suas famílias, com incidências no campo social, ambiental, nas relações entre povos e estados. Nesta passagem de ano, seja, pois, especialmente acolhida esta convocação: a partir da sincera escuta dos clamores dos pobres, todos procurem se tornar mensageiros da paz.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo é Arcebispo de Belo Horizonte (MG) e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).