3º Domingo do Advento
- 3º Domingo do Advento
- Leituras bíblicas deste domingo
- Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus
- Darei a cada um segundo suas obras
- Alegria, simplesmente alegria
- Repartir com quem não tem
- Alegria e exigência de mudança
- Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella
3º Domingo do Advento
Ser generoso é voltar às origens
Frei Gustavo Medella
Praticar a generosidade é uma das formas mais efetivas para o ser humano retornar a seu lugar de origem como filho amado de Deus. Um gesto generoso certamente não muda o mundo inteiro, mas transforma o mundo daquele que foi agraciado por tal gesto.
No Evangelho deste 3º Domingo do Advento (Lc 3,10-18), conhecido como o “Domingo da Alegria”, João Batista convida o povo à generosidade e à ousadia de repartir. “Quem tem duas túnicas, ofereça a segunda a quem não tem nenhuma; e quem tiver comida; faça o mesmo”. O apelo do Profeta é mais do que atual. É urgente e concreto. Respondê-lo com alegria é forma privilegiada para o Cristão retornar ao que existe de mais essencial na vocação que abraçou com o Batismo.
Distinguir-se pela generosidade é, sem dúvida, também um modo muito eficiente de evangelizar. O gesto generoso, quando conhecido, não deve necessariamente engrandecer quem o pratica, mas serve de estímulo visível que incentiva outros a agirem da mesma forma. É por esta razão que São Paulo insiste na 2ª Leitura: “Que a vossa bondade seja conhecida de todos os homens!” (Fl 4,5).
FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.
Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos
Leituras bíblicas deste domingo
Primeira Leitura: Sofonias 3,14-18
14Canta de alegria, cidade de Sião; rejubila, povo de Israel! Alegra-te e exulta de todo o coração, cidade de Jerusalém! 15O Senhor revogou a sentença contra ti, afastou teus inimigos. O rei de Israel é o Senhor, ele está no meio de ti, nunca mais temerás o mal. 16Naquele dia se dirá a Jerusalém: “Não temas, Sião; não te deixes levar pelo desânimo! 17O Senhor, teu Deus, está no meio de ti, o valente guerreiro que te salva; ele exultará de alegria por ti, movido por amor; exultará por ti, entre louvores, 18como nos dias de festa”.
Palavra do Senhor.
S Is 12
Exultai, cantando alegres, habitantes de Sião, / porque é grande em vosso meio o Deus santo de Israel!
Eis o Deus, meu salvador, eu confio e nada temo; / o Senhor é minha força, meu louvor e salvação. / Com alegria bebereis no manancial da salvação / e direis naquele dia: “Dai louvores ao Senhor. – R.
Invocai seu santo nome, anunciai suas maravilhas, / entre os povos proclamai que seu nome é o mais sublime. – R.
Louvai, cantando, ao nosso Deus, que fez prodígios e portentos, / publicai em toda a terra suas grandes maravilhas! / Exultai, cantando alegres, habitantes de Sião, / porque é grande em vosso meio o Deus santo de Israel!” – R.
Segunda Leitura: Filipenses 4,4-7
Irmãos, 4alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito, alegrai-vos. 5Que a vossa bondade seja conhecida de todos os homens! O Senhor está próximo! 6Não vos inquieteis com coisa alguma, mas apresentai as vossas necessidades a Deus, em orações e súplicas, acompanhadas de ação de graças. 7E a paz de Deus, que ultrapassa todo o entendimento, guardará os vossos corações e pensamento em Cristo Jesus.
Palavra do Senhor.
Evangelho: Lucas 3,10-18
Naquele tempo, 10as multidões perguntavam a João: “Que devemos fazer?” 11João respondia: “Quem tiver duas túnicas dê uma a quem não tem; e quem tiver comida faça o mesmo!” 12Foram também para o batismo cobradores de impostos e perguntaram a João: “Mestre, que devemos fazer?” 13João respondeu: “Não cobreis mais do que foi estabelecido”. 14Havia também soldados que perguntavam: “E nós, que devemos fazer?” João respondia: “Não tomeis à força dinheiro de ninguém nem façais falsas acusações; ficai satisfeitos com o vosso salário!” 15O povo estava na expectativa e todos se perguntavam no seu íntimo se João não seria o Messias. 16Por isso, João declarou a todos: “Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias. Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo. 17Ele virá com a pá na mão: vai limpar sua eira e recolher o trigo no celeiro; mas a palha, ele a queimará no fogo que não se apaga”. 18E ainda de muitos outros modos João anunciava ao povo a Boa-nova.
Palavra da salvação.
Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus
3º Domingo do Advento
Oração: “Ó Deus de bondade, que vedes vosso povo esperando fervoroso o natal do Senhor, dai chegarmos às alegrias da Salvação e celebrá-las sempre com intenso júbilo na solene liturgia”.
- Primeira leitura: Sf 3,14-18a
O Senhor, teu Deus, exultará por ti, entre louvores.
A primeira leitura é tirada do profeta Sofonias, que profetizou durante o início do reinado de Josias (640-609 a.C.). Durante seu reinado, Judá consegue livrar-se do domínio da Assíria, enfraquecida por problemas internos. O profeta convoca Jerusalém, símbolo do povo, a alegrar-se pela salvação que Deus lhe trouxe, libertando Israel do jugo assírio. Logo no primeiro verso percebe-se o tom alegre, dominante do texto: canta de alegria, rejubila, alegra-te e exulta. O motivo desta alegria é duplo. Por um lado, “o Senhor revogou a sentença contra ti, afastou teus inimigos”. O rei da Assíria deixou de oprimir o povo de Israel; o povo não precisa mais temê-lo. Por outro lado, pode confiar sempre no Senhor, o rei de Israel. Deus não é um rei distante, que domina com exércitos, mas é um rei salvador, que traz segurança porque está presente “no meio de ti” (v. 15.17). Ele não só causa alegria a Jerusalém e a seu povo. O mesmo Senhor se alegra com Jerusalém, como um noivo movido por amor a Israel, sua noiva. E ela lhe responde jubilosa, com cantos de louvor e gratidão.
Salmo responsorial: Is 12
Exultai contando alegres, habitantes de Sião,
porque é grande em vosso meio o Deus Santo de Israel!
- Segunda leitura: Fl 4,4-7
O Senhor está próximo.
Em Filipos, Paulo fundou a primeira comunidade cristã na Europa. Ali, num lugar fora dos muros da cidade, reunia-se em oração um grupo de mulheres de religião judaica (At 16,6-15). Paulo e Silas foram bem acolhidos por essa comunidade, que recebeu com grande alegria o anúncio da boa-nova de Jesus Cristo. Esta mesma alegria torna-se visível na exortação que Paulo dirige aos cristãos de Filipos. É uma alegria que brota da fé na pessoa do Senhor Jesus Cristo. Não foram apenas as palavras dos apóstolos que contagiaram os filipenses, mas, sobretudo, o testemunho de amor e de alegria dado por eles. Por isso, Paulo escreve: “Alegrai-vos sempre no Senhor”! E convida os cristãos a testemunharem o amor e a bondade do Senhor diante de todas as pessoas, porque “o Senhor está próximo” (v. 5). Paulo pensava que a segunda vinda do Senhor era iminente (2Ts 2,2). No entanto, os cristãos não deveriam inquietar-se com isso e, sim, apresentar suas necessidades a Deus nas orações, nas súplicas e na ação de graças.
Quem coloca o foco de sua vida em Deus estará preparado para o encontro com o Senhor que vem.
Aclamação ao Evangelho
O Espírito do Senhor sobre mim fez a sua unção;
enviou-me aos empobrecidos a fazer feliz proclamação.
- Evangelho: Lc 3,10-18
O que devemos fazer?
O 3º Domingo do Advento é conhecido na liturgia como o domingo da alegria (em latim, Gaudete), por causa da proximidade do nascimento de Jesus Cristo. Nesse domingo acende-se a terceira vela da coroa, cor rosa. Duas festas marianas já anteciparam o domingo da alegria do Natal: A festa da Imaculada Conceição de Maria (08 de dezembro) – a mulher que esmaga a cabeça da serpente (Gn 3,15) com seu Filho Jesus, o Salvador – e a festa de Nossa Senhora de Guadalupe (12 de dezembro), vestida como mulher indígena grávida.
Nesse contesto de preparação para o Natal, a liturgia nos apresenta agora a figura de João Batista, o precursor de Jesus na vida pública. Ele aponta a futura vida pública de Jesus e nos conclama no presente: “Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas estradas” (Lc 3,4). Preparar o caminho do Senhor não é apenas vestir-se bem para acolher uma visita importante. Na língua hebraica e aramaica, caminho do Senhor indica a conduta correta que leva a observar os mandamentos de Deus, no relacionamento em família e na sociedade. João anunciava o perdão dos pecados, condicionando-o à conversão das pessoas. Converter-se significa abandonar os caminhos injustos e perversos no relacionamento humano e adotar o caminho da justiça e da solidariedade com os mais pobres. É mudar de vida e adotar uma nova conduta. As pessoas que vinham escutar João Batista e batizar-se por ele, sem dúvida, entendiam sua mensagem. As multidões lhe perguntavam: “Que devemos fazer”? E João apontava o caminho do amor solidário com os pobres: “Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo”! São recomendações válidas para todos nós.
Também grupos que detinham certo poder diante do povo se questionam diante de João. Os cobradores de impostos lhe perguntavam: “Mestre, que devemos fazer”? E João recomendava que não cobrassem mais do que o estabelecido (Zaqueu: Lc 19,1-10). Aos soldados que perguntavam “o que devemos fazer”? João recomendava não usar a força para cobrar propina ou fazer acusações falsas, mas contentar-se com seu salário.
Muitos se perguntavam se João não era o Messias esperado. E João deixava claro que não era o Messias. Ele batizava apenas com água, em sinal do perdão dos pecados. Depois deve viria alguém mais forte do que ele, isto é, Jesus de Nazaré (Lc 3,21-22). Esse, sim, purificará de verdade o povo de todos os pecados: “Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo” (v. 16).
A pergunta dos ouvintes de João “que devemos fazer” e as respostas que lhes dá nos indicam como devemos nos preparar para acolher de coração aberto a Jesus Salvador.
FREI LUDOVICO GARMUS, OFM, é professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.
Darei a cada um segundo suas obras
Frei Clarêncio Neotti
As boas obras são o prato positivo da balança em que o outro prato são os nossos pecados. O Apocalipse põe na boca do Cristo Juiz estas palavras: “Virei em breve e comigo a minha recompensa, para distribuir a cada um segundo suas obras” (Ap 22,12). As classes sociais costumam ter pecados específicos, por isso as boas obras também são específicas. Lucas é o Evangelista da universalidade, isto é, que insiste em que o Messias veio para todos. Todos, no sentido de que nenhum povo, em nenhum tempo, está excluído; todos, no sentido de ele vir para bons e maus, justos e pecadores. Não é por acaso que Lucas cita duas classes sociais desprezadas e tidas como pecadoras, que deviam ser evitadas pelos ‘bons’, embora estivessem presentes na vida de cada dia de toda a sociedade.
A primeira classe é a dos publicanos (cobradores de impostos). Eles cobravam os impostos para romanos e ganhavam sobre a quantidade arrecadada. Eram odiados. Fariseus e saduceus não mantinham com eles nenhuma convivência. A segunda classe é a dos soldados. Eram mercenários, considerados permanentemente impuros pela possibilidade de haverem derramado sangue e de estarem a serviço do poder estrangeiro. No tempo de Jesus, era proibido aos judeus o serviço militar. Por isso, esses soldados que foram escutar João Batista deviam ser pagãos a serviço de Herodes Antipas. A todos, indistintamente, João pregava a chegada do Senhor: “Todos verão a salvação de Deus” (Lc 3,6).
FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFM, entrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.
Alegria, simplesmente alegria
Frei Almir Guimarães
Há uma genuína e transbordante alegria por aquilo que Deus faz acontecer em nós: a revitalização surpreendente e pascal de nossa vida. A alegria não é, no então, um aparato exterior, mas nós mesmos nos tornarmos motivo de alegria uns para com os outros, alegria sentida não apenas na terra, mas que invade os próprios céus.
José Tolentino Mendonça
♦ O terceiro domingo do advento é conhecido como o domingo da alegria. A oração do dia já aborda o tema: “Dai, Senhor, chegarmos às alegrias da salvação e celebra-las sempre com imenso júbilo na solene liturgia”. Sofonias: “Não temas, Sião, não te deixes levar pelo desânimo! O Senhor Deus está no teu meio… ele exultará de alegria por ti”. Paulo aos filipenses lembra e exorta: “Não vos inquieteis com coisa alguma… alegrai-vos sempre no Senhor”.
♦ Verdade que neste domingo encontramo-nos com o rude profeta João Batista. Ele tem palavras quase ásperas a nos dizer. No fundo o que ele intenta e levar-nos à conversão de nosso interior e quando estamos ou estivermos unidos ao Senhor a partir da verdade de nós mesmos viveremos na atmosfera de um alegria que ninguém nos haverá de tirar. Há essa pergunta dos ouvintes do Batista que é nossa no tempo do advento: O que devemos fazer?
◊ Levar uma vida simples, despojada, que se contente com o necessário, vida não ansiosa pelo máximo, pelo usufruir egoistamente.
◊ Interesse uns pelos outros e não indiferença.
◊ Atenção carinhosa pelos mais abandonados dentro de nossa casa, na vizinhança, nos presídios, homens e mulheres retos pendurados nos morros em frágeis barracos e tanta gente que precisa de uma simples atenção.
◊ Trabalhar pela nossa transformação pessoal para termos o mais possível em nosso semblante os traços de Cristo Jesus, sobretudo daquele que sendo tão grande não hesitou em tomar a condição de servo.]
♦ Domingo da alegria. Não é tão fácil abordar o tema da alegria. Há muitas manifestações ruidosas regadas pela bebida e perfumada com o “odor das drogas” que não podem ser consideradas manifestações de verdadeira alegria. Os que ai mergulham estão fugindo da vida. O que fazem é dopar seu medo de viver.
♦ Há uma alegria muito serena que pode tomar conta de nós: não somos obras do acaso, mas objeto do amor do Senhor que nos criou e que nos deu Jesus para ser companheiro de vida. Somos resultado de um plano de amor e esse amor não acaba. Manifestou-se de maneira clara no rosto do Menino das Palhas e ficou evidenciado na cena do alto do Gólgota. Não existe maior amor do que dar a vida pelos seus.
♦ Há essa alegria do abraço do Pai quando batemos à porta de seu coração. Ele não nos expulsa, mas nos estreita junto ao seu peito e faz festa: veste-nos com traje de gala e nos convida para um banquete. Sim, temos já em mãos o convite para o banquete da glória. É apenas questão de tempo. Há uma alegria que vem da certeza que nosso destino último não é a terra do cemitério nem poeira depois da cremação.
♦E há muitas alegrias que aparentemente pequenas são maravilhosamente belas:
◊ O dia do domingo: estar de graça com quem amamos, o almoço festivo, o encontro na missa com pessoas que comungam da mesma fé.
◊ Alegria de cumprir nosso dever com simplicidade, sem “nariz arrebitado”. Alegria dos servos inúteis, mas que fazem o que precisa ser feito.
◊ Alegria da consciência tranquila.
◊ Alegria com uma visita que fazemos ou que recebemos.
◊ Alegria pela coragem de termos abandonado um apego que nos destruía.
◊ Alegria de estar em nossa casa, por mais simples que seja, pés no chão, tomando um copo de leite e olhando os pássaros voar, sem mais…
◊ Alegria de uma vida sem tempos mortos e vazios.
◊ Alegria estampada no semblante da velha senhora que, com seu avental, descasca goiabas para fazer a geleia que seu neto mais velho tanto aprecia.
◊ Alegria do homem que depois de uma longa internação hospitalar volta à casa com direito a vasos floridos e um brinde com champanhe.
♦ Um pensamento de Santa Teresa de Calcutá: “ A alegria é oração, a alegria é fortaleza, a alegria é amor, a alegria é uma rede de amor com a qual podeis chegar às almas. Deus ama a quem dá com alegria. Dá mais, quem dá com alegria. O melhor caminho para mostrar nossa gratidão a Deus e às pessoas é aceitar tudo com alegria. Um coração contente é resultado de um coração que sarde de amor. Não deixeis entrar em vós nada de triste que possa fazer-vos esquecer da alegria do Cristo ressuscitado”.
♦ Vem aí o Natal. Nosso coração, uma vez mais exula de alegria. Os joelhos debilitados serão reconfortados, os cegos passam a enxergar e estéril dá à luz.
Oração
Quando meu pecado me desanimar,
ajuda-me a crer que não deixas nunca
de semear no barro de minha mediocridade.
Quando o sofrimento me deixar sem forças,
ajuda-me a crer que estás semeando em mim
uma secreta fecundidade.
Quando a morte próxima me causar medo,
ajuda-me a crer que o grão que morre
é semente de uma espiga dourada.
Quando a desgraça dos oprimidos me entristecer,
ajuda-me a crer que nosso amor solidário
é semente de justiça e de liberdade.
Quando vir teus seguidores infiéis à sua missão,
ajuda-me a crer que Tu semeias
no coração de nossas contradições.
(Inspirada em Michel Hubaut)
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.
Repartir com quem não tem
José Antonio Pagola
A palavra do Batista tocou o coração das pessoas. Seu apelo à conversão para iniciar uma vida mais fiel a Deus despertou em muitos uma pergunta concreta: o que devemos fazer? É a pergunta que brota em nós quando ouvimos um chamado radical e não sabemos como concretizar nossa resposta.
O Batista não lhes propõe ritos sagrados, nem normas, nem preceitos. A primeira coisa a fazer não é cumprir melhor os deveres religiosos, mas viver de forma mais humana, reavivar algo que já está em nosso coração: o desejo de uma vida mais justa, digna e fraterna.
O mais decisivo é abrir nosso coração a Deus, olhando atentamente para as necessidades dos que sofrem. O Batista resume sua resposta numa fórmula genial por sua simplicidade e verdade: “Quem tiver duas túnicas, reparta-as com quem não tem; e quem tiver comida faça o mesmo”.
O que podemos dizer diante destas palavras nós que habitamos num mundo onde mais de um terço da humanidade vive na miséria, lutando cada dia para sobreviver, enquanto nós continuamos enchendo nossos armários com todo tipo de túnicas e temos nossas geladeiras abarrotadas de alimentos?
E o que podemos dizer dos seguidores de Jesus diante deste apelo tão simples e tão humano? Não devemos começar por abrir os olhos de nosso coração para tomar consciência de que vivemos submetidos a um bem-estar que nos impede de ser mais humanos?
Nós cristãos não nos damos conta de que vivemos “cativos de uma religião burguesa” (Johann Baptist Metz). O cristianismo, tal como nós o praticamos, não tem força para transformar a sociedade do bem-estar. Pelo contrário, é ela que está esvaziando nosso seguimento de Jesus de valores tão genuínos como a solidariedade, a defesa dos pobres, a compaixão ou a justiça.
Por isso, precisamos agradecer o esforço de tantas pessoas que se rebelam contra esse “cativeiro”, comprometendo-se em gestos concretos de solidariedade e cultivando um estilo de vida mais simples, austero e humano. Elas nos recordam o caminho que é preciso seguir.
JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.
Alegria e exigência de mudança
Pe. Johan Konnings, SJ
Nossa sociedade perdeu a dignidade. A injustiça e a violência andam soltas. Sentimos indignação, desejamos o fim do reino do “vale tudo”. Não é “terrorismo moral” dizer às pessoas que devem mudar, tanto na vida pessoal como na social. Mas a exigência de mudança deve ser inspirada pela esperança e pela alegria pelo bem que Deus sempre nos proporciona. A conversão dos indivíduos e da sociedade será o reverso de uma mensagem de alegria e esperança.
Como no domingo passado, também hoje o evangelho apresenta João Batista, o profeta e porta-voz de Deus, que exige nossa conversão para podermos encarar a vinda do Reino de Deus e do Messias (Lc 3,10-18). Para isso, devemos deixar de lado toda injustiça, mesmo aquela que faz parte dos costumes de nossa sociedade, como sejam o ágio, a extorsão, os subsídios ilegais etc. Se fosse hoje, João Batista ensinaria certamente a pagar imposto e taxas sociais … Tudo isso faz parte da conversão para receber, com Jesus, o Reino de Deus.
Tal exortação exigente é, na realidade, parte integrante de uma mensagem de alegria: a mensagem da salvação que vem de Deus. “Deus estará no meio de ti”, anuncia o profeta Sofonias à cidade de Jerusalém (1ª leitura). Por isso, convém alegrar-nos e demonstrarmos nossa alegria na retidão e bondade de nosso proceder (2ª leitura).
No fim do evangelho ouvimos palavras fortes. Aquele que vem, o Messias, vai limpar a eira, vai separar, no terreiro, a palha do trigo. E a palha será queimada … João ainda não conhecia a pedagogia de Jesus. Na linha dos antigos profetas, pretendia converter as pessoas mediante ameaças. Jesus converte com o dom da própria vida. A intenção de João Batista é que preparemos nossa vida para a alegria de ter Deus no meio de nós. A presença de Deus significa bondade, harmonia, paz … Para que a alegria de Deus possa chegar até nós, o profeta exige conversão pessoal e conversão da sociedade. Os exemplos propostos por João Batista são significativos: os que têm reservas estocadas devem repartir com os indigentes; os funcionários do imposto imperial devem deixar de exigir comissão para si; os soldados devem contentar-se com seu soldo e não praticar extorsão contra a população. Não se tratava de comportamentos meramente pessoais. Todos praticavam esses abusos (como ainda hoje), e para não agir assim, era preciso que o mundo fosse outro. Ninguém pode ser virtuoso e piedoso sem modificar também os costumes das pessoas e os procedimentos da sociedade na qual vive. Ser santo sozinho é ilusão.
A alegria da proximidade de Deus nos faz viver de um jeito mais limpo, mais radiante. Mas isso só tem sentido, se tornarmos mais limpo também o mundo em que vivemos, isto é, se tomamos suas estruturas mais de acordo com o evangelho e o Reino. Senão, voltaremos a nos envolver na sujeira, como porco lavado que volta ao lamaçal.
PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.
Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella