Pe. Ademir Guedes Azevedo
Considero-me um assíduo leitor da obra do filósofo coreano Byung-Chul Han. Em seu mais recente livro, O desaparecimento dos rituais: uma topologia do presente, o autor faz uma análise crítica e fascinante da nossa sociedade atual. Limito-me a comentar o último capítulo, intitulado: Da sedução ao pornô (p. 136-147). Quero ler a vida religiosa atual a partir das provocações que encontrei no texto.
Para Han, o elemento da sedução necessariamente pressupõe a existência de rituais, ou seja, de uma linguagem que inclui o jogo, a dramaturgia, o envolvimento. Traz consigo ainda aquele aspecto de reserva e de privacidade. A sedução não é transparente, pois não almeja desnudar o outro. Pelo contrário, trata-o em sua dimensão de mistério e de fantasia. O que está dizendo o filósofo é que antes da modernidade existia, seja na natureza como no próprio ser humano, o encantamento diante de algo superior. Essa atmosfera sobrenatural utilizava o mito para expressar os acontecimentos da vida. O mito, com seu recurso de fantasia, possibilita ao homem aquele maravilhar-se diante das coisas e do seu próximo. A sedução jamais esgota o desejo de envolver-se com um absoluto. Trata-se de uma arte que está sempre em busca, pois sabe que há um sublime superior que faz parte da vida. O elemento da sedução dirige-se ao outro de modo indireto, pois respeita a sua áurea de mistério, nunca pretendendo esgotá-lo e desnudá-lo.
Já o pornô não é assim. Com o surgimento da linguagem moderna e com a pretensão filosófica que pôs o homem no centro de tudo, a natureza e as coisas perderam a dimensão de encanto. Agora não há mais o véu que escondia o mistério, reina a pretensão incontrolável de produzir sentido a tudo. Esse querer desvelar tudo, expulsa o mistério da existência. À medida que se perde o encanto, a linguagem meramente conceitual manipula a realidade e as coisas, explicando e explorando ao máximo a natureza. O projeto moderno, portanto, torna tudo transparente e rejeita toda e qualquer pretensão de velamento. Justamente isso constitui o elemento pornográfico. “O pornô finalmente sela o fim da sedução. Nele, o outro está completamente liquidado. O desejo pornográfico é narcísico. Nasce no consumo imediato do objeto oferecido e desvelado […]. A perda de qualquer capacidade de ilusão, de aparência, de teatro, de jogo, de espetáculo, este é o triunfo da pornografia.” (HAN, 2021, p. 141-142).
O que têm a ver esses dois elementos com a vida religiosa? A vida religiosa em sua essência é sedutora! Nos termos que estamos usando, a sedução está a serviço do mistério, pois o deseja, mas sem possuí-lo ou liquidá-lo. Pois bem, a vida religiosa se prostra e adora ao transcendente e toma consciência que seu acesso é sempre limitado e indireto. Ela contenta-se com as faíscas divinas e não pode desfazer-se completamente do véu que o cobre.
Toda a história de Israel é uma relação de sedução entre Deus e seu povo. Há várias etapas da revelação divina e, muitas vezes, quando o povo pensa já ter acesso a Deus, Ele o surpreende provocando-o a dar um salto na fé para descobrir outro aspecto divino. O Deus de Israel não se permite manipular diretamente, ele se revela, mas sempre mantêm sua reserva de mistério, o qual é sempre superior às faíscas que experimentamos dele.
Cada família religiosa tem seus rituais e tradições. Eles ajudam a seduzirem o divino com total reverência, pois nos educam para aquilo que é demorado, longo, silencioso. A sedução, portanto, é uma arte e requer paciência e perseverança.
E o elemento pornô faz parte da vida religiosa? Em sua origem não, mas pode tornar-se um intruso (ou já se tornou?), sem que o percebamos. Como ele é o fruto da sociedade moderna, pode ser que já esteja em nós. O pornô é um estilo acelerado, sem rituais e vai direto ao objeto de desejo como mera curiosidade. Ele não tem veneração pelo outro. Se corrompe em momentos efêmeros. O pornô é transparente, não admira o véu que cobre o mistério, pois não há encanto e admiração, apenas afeto rápido e descartável. Quem de nós tem paciência nas relações fraternas? Quantos se demoram no diálogo e se educam para momentos de silêncio? A rapidez e o resultado imediato em nosso ministério talvez sejam os frutos legítimos do elemento pornô que se infiltra na vida religiosa.
Ouso dizer, a partir da leitura da obra de Byung-Chul Han, que a crise que mais traz sofrimento na vida religiosa é aquela da falta de sentido. E ela se origina do esgotamento e cansaço de não sentir-se pleno com o que somos e fazemos. Para Han, contudo, a sedução como arte de espera, construção lenta e progressiva da vida, ensina-nos a estarmos em atitude de busca, pois não podemos manipular e dominar aquilo que é mistério, diferente do pornô que pretende desnudar o outro e possuí-lo momentaneamente, com a terrível pretensão de esgotar o sentido do Absoluto, à medida que pretende ir direto às coisas, sem qualquer forma de sedução.
Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp, é missionário passionista e mestre em Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana. Atualmente reside em Camaragibe – PE, no Seminário para a etapa do Postulantado dos Passionistas.