30º Domingo do Tempo Comum
- 30º Domingo do Tempo Comum
- Leituras bíblicas deste domingo
- Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus
- Cura: todos precisam, mas é uma questão pessoal
- Mestre, eu quero ver!
- Será que finalmente enxergamos?
- Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella
30º Domingo do Tempo Comum
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José Antonio Pagola
O relato de Marcos não nos descreve apenas a cura de um cego nos arredores de Jericó, É, além disso, uma catequese elaborada com mão de mestre, que nos convida à mudança e nos incita à conversão.
A situação de Bartimeu está descrita com traços muito bem-elaborados. Ele é um homem cego, ao qual falta luz e orientação. Um homem sentado, incapaz de caminhar atrás de Jesus. Um homem à beira do caminho, desencaminhado, fora do caminho seguido pelo Mestre de Nazaré.
O relato nos revelará, no entanto, que neste homem existe ainda uma fé capaz de salvá-lo e pô-lo novamente no verdadeiro caminho. “Recuperou a vista e o seguia pelo caminho”.
Quase sempre existe um momento na vida no qual se torna penoso continuar caminhando. É mais cômodo instalar-nos no conformismo. Assentar-nos naquilo que nos dá segurança e fechar os olhos a todo outro ideal que exija de nós sacrifício e generosidade. Mas então algo morre em nós. Já não vivemos a partir de nosso próprio impulso criador. O que vive em nós é a moda, a comodidade ou o “sistema”. Renunciamos a crescer como pessoas.
Quantos homens e mulheres se instalam assim na mediocridade, renunciando às aspirações mais nobres e generosas que despertam em seu coração! Não caminham. Sua existência fica paralisada. Vivem apegados ao essencial, sem olhos para conhecer aquilo que poderia dar nova luz à sua vida.
É possível alguém reagir quando se instalou na rotina e na indiferença? Pode alguém libertar-se dessa vida “programada” para a comodidade e o bem-estar? Esta é a boa notícia de Jesus: dentro de cada um de nós existe uma fé que pode levar-nos a reagir e colocar-nos novamente no caminho verdadeiro.
O que se deve fazer? Clamar a Deus: concentrar as energias que nos restam para pedir a Deus, do fundo de nosso ser, sua luz e sua graça renovadoras. E depois não fechar os ouvidos a nenhum chamado, por pequeno que seja, que nos convide a transformar nossa vida.
Não temos outra vida de reposição. Agora mesmo estamos sendo chamados a viver, a caminhar, a crescer. O evangelho tem força para fazer-nos viver uma vida mais intensa, verdadeira e jovem. Recordemos as palavras de Georges Bernanos: “Sois capazes de rejuvenescer o mundo, sim ou não? O evangelho é sempre jovem. Vós é que estais velhos”.
JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.
Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos
Leituras bíblicas deste domingo
Primeira Leitura: Jeremias 31,7-9
7 Isto diz o Senhor: “Exultai de alegria por Jacó, aclamai a primeira das nações; tocai, cantai e dizei: ‘Salva, Senhor, teu povo, o resto de Israel’. 8 Eis que eu os trarei do país do Norte e os reunirei desde as extremidades da terra; entre eles há cegos e aleijados, mulheres grávidas e parturientes: são uma grande multidão os que retornam. 9 Eles chegarão entre lágrimas e eu os receberei entre preces; eu os conduzirei por torrentes de água, por um caminho reto onde não tropeçarão, pois tornei-me um pai para Israel, e Efraim é o meu primogênito”.
Palavra do Senhor.
Sl 125(126)
Maravilhas fez conosco o Senhor, / exultemos de alegria!
Quando o Senhor reconduziu nossos cativos, / parecíamos sonhar; / encheu-se de sorriso nossa boca, / nossos lábios, de canções. – R.
Entre os gentios se dizia: “Maravilhas / fez com eles o Senhor!” / Sim, maravilhas fez conosco o Senhor, / exultemos de alegria! – R.
Mudai a nossa sorte, ó Senhor, / como torrentes no deserto. / Os que lançam as sementes entre lágrimas / ceifarão com alegria. – R.
Chorando de tristeza, sairão, / espalhando suas sementes. / Cantando de alegria, voltarão, / carregando os seus feixes! – R.
Segunda Leitura: Hebreus 5,1-6
1 Todo sumo sacerdote é tirado do meio dos homens e instituído em favor dos homens nas coisas que se referem a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados. 2 Sabe ter compaixão dos que estão na ignorância e no erro, porque ele mesmo está cercado de fraqueza. 3 Por isso, deve oferecer sacrifícios tanto pelos pecados do povo quanto pelos seus próprios. 4 Ninguém deve atribuir-se esta honra, senão o que foi chamado por Deus, como Aarão. 5 Deste modo, também Cristo não se atribuiu a si mesmo a honra de ser sumo sacerdote, mas foi aquele que lhe disse: “Tu és o meu Filho, eu hoje te gerei”. 6 Como diz em outra passagem: “Tu és sacerdote para sempre, na ordem de Melquisedeque”.
Palavra do Senhor.
O verdadeiro discípulo
Evangelho: Mc 10, 46-52
* 46 Chegaram a Jericó. Jesus saiu de Jericó, junto com seus discípulos e uma grande multidão. Na beira do caminho havia um cego que se chamava Bartimeu, o filho de Timeu; estava sentado, pedindo esmolas. 47 Quando ouviu dizer que era Jesus Nazareno que estava passando, o cego começou a gritar: «Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!» 48 Muitos o repreenderam e mandaram que ficasse quieto. Mas ele gritava mais ainda: «Filho de Davi, tem piedade de mim!» 49 Então Jesus parou e disse: «Chamem o cego.» Eles chamaram o cego e disseram: «Coragem, levante-se, porque Jesus está chamando você.» 50 O cego largou o manto, deu um pulo e foi até Jesus. 51 Então Jesus lhe perguntou: «O que você quer que eu faça por você?» O cego respondeu: «Mestre, eu quero ver de novo.» 52 Jesus disse: «Pode ir, a sua fé curou você.» No mesmo instante o cego começou a ver de novo e seguia Jesus pelo caminho.
* 46-52: O último milagre de Jesus é uma cura significativa. Ele não abre apenas os olhos do cego, mas também o coração. E o cego curado reconhece Jesus como o Messias (filho de Davi). E, com mais coragem do que Pedro (8,32) e do que o homem rico (10,22), segue a Jesus no caminho para a morte. Desse modo, Bartimeu torna-se o modelo do verdadeiro discípulo.
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral
Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus
30º Domingo do Tempo Comum
Oração: “Deus eterno e todo-poderoso, aumentai em nós a fé, a esperança e a caridade e dai-nos amar o que ordenais para conseguirmos o que prometeis”.
- Primeira leitura: Jr 31,7-9
Os cegos e aleijados, suplicantes, eu os receberei.
O profeta Jeremias era de Anatot, um vilarejo da tribo de Benjamim, perto de Jerusalém, que pertencia ao antigo reino de Israel. Quando sua capital Samaria foi destruída pelos assírios, muitos israelitas foram levados para o exílio, ao norte da Assíria; outros, porém, refugiaram-se no reino de Judá. Cem anos depois, Jeremias foi chamado a ser profeta, quando Josias era rei de Judá. Neste tempo Judá tornou-se um reino independente e reconquistou grande parte do território de Israel até então dominado pelo decadente Império Assírio. À luz desses acontecimentos, em nome de Deus, Jeremias conclama os ouvintes a cantarem um cântico de suplicante alegria: “Salva, Senhor, teu povo, o resto de Israel”. Mas é um resto que põe sua esperança no socorro divino: Entre eles, por um lado, há cegos e aleijados que representam um povo abatido, salvo por Deus; por outro lado, mulheres grávidas e as que já deram à luz, portanto, promessas de uma vida nova para os sobreviventes do reino de Israel, vivendo agora em Judá. É uma verdadeira multidão, chorando de alegria no retorno à sua terra. Ali os espera Deus, pai amoroso de Israel, para abraçá-los como a um filho primogênito.
A liturgia de hoje nos apresenta Cristo como o verdadeiro restaurador de Israel, aquele que traz a salvação para todos. A cura do cego de Jericó revela o amor de Deus para com todos, especialmente os mais pobres e desprotegidos. Bartimeu representa os “cegos e aleijados” de Jeremias, os pobres ameaçados em sua vida (Evangelho).
Salmo responsorial: Sl 125
Maravilhas fez conosco o Senhor, exultemos de alegria.
- Segunda leitura: Hb 5,1-6Tu és sacerdote para sempre,
segundo a ordem de Melquisedec.
Domingo passado, a Carta aos Hebreus falava do sacerdócio de Jesus como superior ao do sumo-sacerdote judaico. Cristo é o sumo-sacerdote, o sumo pontífice por excelência porque faz a ponte entre Deus e a humanidade. O texto de hoje continua o pensamento. Como sumo-sacerdote, Jesus tem compaixão de seu povo e se oferece em sacrifício por todos. Foi o próprio Deus que o escolheu como sumo-sacerdote ao dizer: “Tu és meu Filho, eu hoje te gerei” (Sl 2,7). O Filho de Deus assumiu a nossa humanidade pela encarnação. Fez-se solidário com toda a humanidade em tudo, menos no pecado, por isso é capaz de compadecer-se de nossas fraquezas. Em Jesus de Nazaré é o próprio Filho de Deus que vem até nós, para nos aproximar do Pai e conceder-nos a graça de sua misericórdia.
Aclamação ao Evangelho
Jesus Cristo, Salvador, destruiu o mal e a morte;
fez brilhar, pelo Evangelho, a luz e a vida imperecíveis.
- Evangelho: Mc 10,46-52Mestre, que eu veja!
Acompanhado pelos discípulos e pelos peregrinos da Galileia, Jesus se dirige a Jerusalém para a festa da Páscoa. Chegando a Jericó, quase ao final da viagem, cura outro cego. Durante a viagem Jesus falava aos discípulos e ao povo do Reino de Deus como um serviço de amor. Três vezes anunciou que ele, o Filho do Homem, seria preso em Jerusalém e condenado à morte. Os discípulos, porém, discutiam entre si quem deles seria o maior no reinado de Jesus em Jerusalém (9,36-37). Permaneciam surdos à mensagem de Jesus e precisavam ser curados de sua cegueira.
O evangelho nos conta que Jesus, acompanhado pelos “discípulos e uma grande multidão”, estava saindo de Jericó para a última etapa da viagem a Jerusalém. Os discípulos planejavam aclamá-lo como rei, o Messias filho de Davi. Mas havia um cego, chamado Bartimeu, pedindo esmolas à beira da estrada. Quando ouviu que Jesus estava passando, pôs-se a gritar com insistência: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim”! As pessoas ao seu redor mandaram que se calasse. Para eles o plano de aclamar Jesus como rei era mais importante. Não podia ser interrompido por um pedinte cego. Jesus, porém, escutou os gritos do cego, parou e mandou chamá-lo. Só então o povo solidarizou-se com Bartimeu e disse: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama”! E o cego largou o manto de pedinte e deu um pulo até Jesus. Para testar a fé do cego Jesus perguntou: “O que queres que eu te faça”? O cego respondeu: “Mestre, que eu veja”! Como em outros milagres, Jesus disse: “Vai, a tua fé te curou”. Ao ser curado, Bartimeu experimentou a misericórdia de Deus. Sentiu que Jesus o chamava como seu discípulo e pôs-se a segui-lo pelo caminho. Jesus curou sua cegueira física e abriu-lhe os olhos da fé. Os discípulos, no entanto, continuavam cegos, apesar de todos os ensinamentos recebidos entre as duas curas de cegos (Mc 8,22-26; 10,46-52). Pedro confessou que Jesus era o Cristo, mas continuava cego como seus companheiros. Não entendia Jesus como o Messias, Servo Sofredor. O cego clamou a Jesus, filho de Davi, e viu nele o Messias Salvador misericordioso, capaz de compadecer-se dos sofredores.
FREI LUDOVICO GARMUS, OFM, é professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.
Cura: todos precisam, mas é uma questão pessoal
Frei Clarêncio Neotti
A cidade de Jericó não aparece no Evangelho de hoje por acaso, apenas porque era uma parada obrigatória, uns 37 quilômetros antes de Jerusalém. Jericó está ligada à memória da entrada do povo eleito na Terra Prometida, conduzido por Josué (Js 6,1-21). Josué significa ‘Deus dá salvação’. Olhemos agora para Jesus, que sai de Jericó rumo a Jerusalém. Jesus significa ‘Deus é salvação’. Josué e Jesus têm por missão introduzir o povo na Terra Prometida. Josué conseguiu dar-lhes uma pátria terrena. Jesus assume o comando do povo para dar-lhes uma pátria eterna, a Terra Prometida definitiva. Josué foi vitorioso por meio de batalhas e estratégias inteligentes. Jesus será vitorioso por meio da morte na Cruz, considerada escândalo e loucura por muitos (1Cor 1,23), mas única porta de entrada na Terra Prometida do céu. A subida a Jerusalém é decisiva para Jesus e para a humanidade.
Jericó é a cidade mais baixa (258m abaixo do nível do mar) e a mais velha da terra (há restos de construção de casas que datam de ao menos oito mil anos antes de Cristo). Bem o símbolo da velha humanidade, que jaz nas funduras da miséria. Não miséria material. E nisso Jericó é de novo um belo símbolo, porque, cercada de deserto, é um oásis fértil, que produz de tudo. A humanidade sempre cresceu na ciência e na técnica, enriqueceu muito a obra da criação. Mas, enquanto criatura, sozinha, é cega e sem condições de autossalvar-se. Por isso Jesus vem ao mundo como “luz verdadeira capaz de iluminar toda criatura” (Jo 1,9).
Marcos dá o nome do cego. Pode o cego não ter tido esse nome. Mas ao lhe dar um nome, Marcos insiste em que a salvação, embora para todos, é assunto que toca a cada um e que empenha a vontade e a consciência de cada um. Podem as circunstâncias e os circunstantes querer impedir nossa aproximação de Jesus (v. 48). Cabe a cada um dar o salto e aproximar-se do Senhor para ser salvo.
FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFM, entrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.
Mestre, eu quero ver!
Frei Almir Guimarães
Eis que eu os trarei do país do Norte e os reunirei desde as extremidades da terra; entre eles há cegos e aleijados, mulheres grávidas e parturientes; são uma grande multidão os que retornam (Jr 31, 8).
Um cego, um pobre ser, pés no chão, beirada da roupa enlameada, cabelos desgrenhados, jogado, estressado. Bartimeu ouvira falar da fama de Jesus e agora escuta dizer que esse personagem vai passar. Grita: “Filho de Davi, tem compaixão de mim!”. Estamos no tema dificuldade de enxergar, da cegueira. Cegueira dos olhos do rosto ou da visão interior, da fé? A cura do cego de Jericó é um convite a que todos mudemos nossa vida, enxerguemos melhor o caminho da vida.
“O que queres que eu te faça? Respondeu o cego: Mestre, eu quero ver!”
Muita gente em cena. O cego toma a dianteira. Quer a atenção de Jesus. Não perde tempo. Grita. Os circunstantes pedem que ele se cale, que não incomode. “Filho de Davi, tem compaixão de mim”. “O cego não sabe recitar orações feitas pelos outros. Só sabe gritar e pedir compaixão, porque se sente mal. Este grito humilde e sincero, repetido do fundo do coração, pode ser o começo de uma vida nova. Jesus não passará ao largo” (Pagola, Marcos, p. 218).
Jesus insiste que todos parem. Se há o grito de alguém exprimindo sofrimento é preciso parar, dar atenção, não deixar que a rotina torne insossa nossa vida. Prestar atenção na vida.
O evangelista Marcos, ao relatar-nos a cura de Bartimeu, descreve-a com três traços que caracterizam bem o “homem acabado”. Bartimeu é um homem “cego”, ao qual falta luz e orientação. Está “sentado”, incapaz de dar mais paços. Encontra-se à beira do caminho, desencaminhado, sem trajetória de vida” ( Pagola, Marcos, p.222).
A vida é uma viagem, um caminhar com outros, na tentativa de tirar de nosso interior o melhor que temos lá escondido, enterrado, ainda desconhecido. Somos maravilha e fragilidade. Alcançamos as estrelas e chafurdamo-nos na lama. Somos quase santos de um lado, e de outro, compactuamos com o mal. Precisamos enxergar claro o caminho.
Caminho, caminhar, andar, percorrer sendas e estradas. O cristianismo, em seus primórdios, foi definido como caminho. Os cristãos fazem do jeito de viver de Jesus o caminho de suas vidas. Importante ver o caminho.
O que é ser homem? Ser mulher? Por que essa atração? Para onde nos leva? Os que enxergam sabem que homem e mulher são feitos para um companheirismo delicado, sempre revisto, refeito, reorientado. A maturidade humana e a fé fazem que se enxergue o casamento como lugar de realização, vivência de um amor que liberta, ponto nascedouro da vida de outros filhos de Deus O cego pensa num contrato. Não vê o homem e mulher para além de suas aparências.
Essas mãos, esses pés, essa inteligência… para que? Para seguir as leis do mercado e do consumo? Para agir mecanicamente? Ou talvez o trabalho possa ser clareado com uma luz e nos possa fazer compreender que nos realiza quando colocamos nele amor, espírito de serviço, vontade de fazê-lo e realizá-lo da melhor maneira para que os outros sejam felizes: guiar um ônibus com eficiência e cortesia, cobrir os buracos da calçada para ninguém venha a se machucar, inventar uma nova droga que possa prevenir o câncer. Caminhar com as mãos, os pés, a inteligência ao clarão de uma luz nova.
Esse negativo da vida, essa doença que limita, esses insucessos na condução da vida… tudo o que nos desagrada. É possível enxergar alguma luz no percurso desses caminhos? A fé talvez nos peça que compreendamos que o grão morre para dar fruto… que a vida se esconde na morte…Quem puder compreender que compreenda.
Nós, homens e cristãos desse inicio do século XXI, não estamos enxergando claramente nosso caminho. Precisamos que o Senhor nos mostre caminhos. Respiramos rotina, indiferença, ritos religiosos mais ou menos mecânicos, violência…não sabemos o que vamos dizer aos jovens, nossos casamentos não irradiam uma profunda felicidade, vivemos tédio e entretemo-nos as novas técnicas eletrônicas vendo a banda passar…
“Os valores que Jesus propõe como capazes de levar o ser humano ao máximo desenvolvimento não deixam de ser, à primeira vista, desconcertantes: perdão frente à violência, partilhar em vez de acumular, cooperar em vez de competir, ser austeros e não consumistas, amar sem esperar retorno, dar a vida em vez de girarmos bobamente em torno de nós mesmos” (Pedro José Gómez Serrano). Mal futuro nos espera se os valores da partilha, da compaixão e da ternura não forem capazes de complementar os valores da competência, acumulação e da eficiência.
Precisamos ver claro. Precisamos de luz. Precisamos nos abrir ao Espírito que veio ao mundo em formas de línguas de fogo, portanto de luz.
Quando Jesus chamou de volta o cego este jogou o manto para longe, despiu-se das coisas velhas, deu um salto, ressurgiu das cinzas…
Senhor que eu possa ver!
Oração
Jesus,
vivo duvidando e tu me dizes: confia.
Tenho medo e me dizes: ânimo.
Prefiro estar só e me dizes: segue-me.
Faço meus planos e me dizes: deixa-os.
Agarro-me às minhas coisas e me dizes: desprende-te.
Quero viver e me dizes: dá tua vida.
Quero ser bom e me dizes: não basta.
Quero mandar e me dizes: põe-te a servir.
Desejo compreender e me dizes: crê.
Busco clareza e me falas em parábolas.
Quero poesia e me falas da realidade.
Desejo tranquilidade e me deixas inquieto.
Quero violência e me falas de paz.
Busco tranquilidade e vens trazer fogo à terra.
Quero ser grande e me dizes: sê como uma criança.
Quero esconder-me e me dizes: sê luz.
Quero ser visto e me dizes: reza no oculto.
Não te entendo Jesus.
Tu me desconcertas e me atrais.
Só tu tens palavras de vida eterna.
(Autor anônimo, transcrito em Grupos de Jesus, p. 191-192)
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.
Será que finalmente enxergamos?
Pe. Johan Konings
Nos domingos anteriores acompanhamos Jesus e os apóstolos na caminhada rumo a Jerusalém, que foi, como vimos, uma grande instrução sobre seguir Jesus e assumir a cruz. E vimos também que essa instrução encontrou cabeças duras, impenetráveis … Mc emoldurou toda a secção 8,27-10,45 (da proclamação messiânica de Jesus por Pedro até o 3° anúncio da paixão e a correspondente lição) entre dois milagres simbólicos, duas curas de cego. Na primeira, Mc 8,22-26, o trabalho era duro: Jesus
teve de repetir seu gesto de cura. Já depois da instrução do caminho, em Mc 10,46-52, a cura se dá com maior facilidade, e o homem curado é admitido na companhia
de Jesus para segui-lo até Jerusalém (pois o fato ocorreu em Jericó, início da última etapa da viagem). Mc registra até o nome do cego, Bartimeu, provavelmente conhecido entre os primeiros cristãos.
Mesmo no fim do caminho, os apóstolos não compreenderam, mas um cego chegou a ver com clareza, para seguir Jesus pelo caminho. Compreender Jesus não é uma questão de status na Igreja (aqueles apóstolos que queriam ocupar os primeiros lugares, cf. domingo passado), mas de deixar-se transformar por Jesus. Aliás, no ponto final da caminhada de Jesus, no Gólgota, os apóstolos vão primar pela ausência; só vamos encontrar aí as mulheres que acompanharam Jesus pelo caminho. Portanto, o seguimento radical de Jesus pelo caminho até a cruz não é privilégio do clero …
Que os cegos veem e os coxos saltam e caminham é um sinal do tempo messiânico. A 1ª leitura de hoje o anuncia pela boca do profeta Jeremias. Este imaginou o tempo da salvação como a volta dos israelitas deportados para Jerusalém, com inclusão de cegos e coxos. Assim, o cego de Jericó, que aclama Jesus como “filho de Davi” (= Messias), vai participar da entrada de Jesus em Jerusalém e juntar sua voz à da multidão, que vai saudar Jesus com essa mesma saudação messiânica (Mc 11, 9-10). No dia do Messias, este e os cegos entram juntos na cidade de Deus …
Será que nós nos deixamos abrir os olhos para seguir o Messias na etapa decisiva de sua caminhada? Para isso, precisamos saber que somos cegos: não temos, por nós mesmos, a capacidade de seguir Jesus no seu caminho messiânico, caminho de amor e justiça radicais. Muitas vezes somos tão obcecados pelas miragens do progresso e do consumo que nem suspeitamos de nossa cegueira. Mas o cego de Jericó invoca Cristo, é por ele curado e segue-o no caminho que outros, em condições bem melhores, não quiseram seguir (por exemplo, o homem rico … ). Imagem de nossa sociedade, de nossa cristandade. O povo dos pobres, submerso nas trevas da opressão econômica e da dominação cultural, que lhes impede ter uma visão do que está acontecendo, encontra em Jesus quem lhe abre os olhos, de modo que possa segui-lo, desimpedido e participando com ele, até a cruz que liberta os irmãos e irmãs.
PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.
Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella