12º Domingo do Tempo Comum
- 12º Domingo do Tempo Comum
- Leituras bíblicas deste domingo
- Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus
- Jesus viaja no barco de nossa vida
- Na hora das tempestades
- Eliminar medos
- Maior que a tempestade: “Quem é este?”
- Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella
12º Domingo do Tempo Comum
Tanta arrogância há de ter um fim!
Frei Gustavo Medella
“Aqui seca a arrogância de tuas ondas” (Jó 38,11). Chega! Basta! Uma hora tem de acabar! A brevíssima leitura do Livro de Jó é um alento de força e esperança para quem se sente oprimido diante de tantas manifestações violentas de força e de poder. Por mais tenebrosas e fortes que pareçam as ondas do mar, elas hão de ter limites.
Na perspectiva cristã, a verdadeira força jamais é violenta. Ao contrário, é suave e perseverante, ao modo de toda uma floresta que germina sem barulho. A árvore cortada, ao contrário, faz um grande espalhafato, sonorizado pelo ronco da motosserra e da quebradeira dos galhos e troncos. Muito barulho!
Se cremos em Cristo, aquele que escolheu colocar-se abaixo de todos por amor, não devemos nos iludir com demonstrações barulhentas de força, com motores furiosos de motos envenenadas, com discursos rasteiros de palavras vazias de razão, mas cheias de ódio e preconceito. Nosso caminho deve ser aquele indicado por Jesus, marcado pela união verdadeira e pela paz restauradora.
E quando o barulho nos assustar? O que podemos fazer? Seguir resistindo, trabalhando pela vida plena, acreditando nas palavras do Senhor, com a certeza de que, por mais ameaçadoras que sejam as ondas contrárias, mais dia menos dia sua arrogância haverá de secar. Nós cremos!
FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.
Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos
Leituras bíblicas deste domingo
Primeira Leitura do Livro de Jó: Jó 38,1.8-11
1O Senhor respondeu a Jó, do meio da tempestade, e disse:
8“Quem fechou o mar com portas, quando ele jorrou com ímpeto do seio materno, 9quando eu lhe dava nuvens por vestes e névoas espessas por faixas; 10quando marquei seus limites e coloquei portas e trancas, 11e disse: ‘Até aqui chegarás, e não além; aqui cessa a arrogância de tuas ondas?’”
– Palavra do Senhor.
Responsório (Sl 106)
— Dai graças ao Senhor, porque ele é bom,/ porque eterna é a sua misericórdia!
— Dai graças ao Senhor, porque ele é bom,/ porque eterna é a sua misericórdia!
— Os que sulcam o alto-mar com seus navios,/ para ir comerciar nas grandes águas,/ testemunharam os prodígios do Senhor/ e as suas maravilhas no alto-mar.
— Ele ordenou, e levantou-se o furacão,/ arremessando grandes ondas para o alto;/ aos céus subiam e desciam aos abismos,/ seus corações desfaleciam de pavor.
— Mas gritaram ao Senhor na aflição,/ e ele os libertou daquela angústia./ Transformou a tempestade em bonança,/ e as ondas do oceano se calaram.
— Alegraram-se ao ver o mar tranquilo,/ e ao porto desejado os conduziu./ Agradeçam ao Senhor por seu amor/ e por suas maravilhas entre os homens!
Segunda Leitura da Carta de São Paulo aos Coríntios: 2Cor 5,14-17
Irmãos: 14O amor de Cristo nos pressiona, pois julgamos que um só morreu por todos, e que, logo, todos morreram.
15De fato, Cristo morreu por todos, para que os vivos não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou.
16Assim, doravante, não conhecemos ninguém conforme a natureza humana. E, se uma vez conhecemos Cristo segundo a carne, agora já não o conhecemos assim.
17Portanto, se alguém está em Cristo, é uma criatura nova. O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo.
– Palavra do Senhor.
Jesus é o Senhor da história
Evangelho: Mc 4,35-41
35 Nesse dia, quando chegou a tarde, Jesus disse a seus discípulos: «Vamos para o outro lado do mar.» 36 Então os discípulos deixaram a multidão e o levaram na barca, onde Jesus já se encontrava. E outras barcas estavam com ele.
37 Começou a soprar um vento muito forte, e as ondas se lançavam dentro da barca, de modo que a barca já estava se enchendo de água. 38 Jesus estava na parte de trás da barca, dormindo com a cabeça num travesseiro. Os discípulos o acordaram e disseram: «Mestre, não te importa que nós morramos?» 39 Então Jesus se levantou e ameaçou o vento e disse ao mar: «Cale-se! Acalme-se!» O vento parou e tudo ficou calmo. 40 Depois Jesus perguntou aos discípulos: «Por que vocês são tão medrosos? Vocês ainda não têm fé?» 41 Os discípulos ficaram muito cheios de medo e diziam uns aos outros: «Quem é esse homem, a quem até o vento e o mar obedecem?»
* 35-41: Jesus atravessa com os discípulos para a terra dos pagãos. O mar agitado é símbolo das nações pagãs que ameaçam destruir a comunidade cristã. Mas Jesus é o Senhor da história e dos povos. O medo dos discípulos é sinal da falta de fé: eles não conseguem ver que a ação de Jesus transforma as situações.
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral
Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus
12º Domingo do Tempo Comum
Oração: “Senhor, nosso Deus, dai-nos por toda a vida a graça de vos amar e temer, pois nunca cessais de conduzir os que firmais no vosso amor”.
- Leitura: Jó 38,1.8-11
Aqui cessa a arrogância de tuas ondas.
O livro de Jó discute, à luz da sabedoria, a teologia do livro do Deuteronômio, baseada na Aliança do Sinai que predominava na época pós-exílica. Segundo esta teologia, Deus pune com sofrimentos quando não obedecemos a Lei e recompensa com bênçãos quando a observamos. A figura de Jó representa uma pessoa que observa a Lei e recebe a recompensa correspondente da parte de Deus: grande família, saúde e vida longa, além de muitas riquezas. De repente, por sugestão do satanás, Jó perde a família (sete filhos e três filhas), todos os bens e até mesmo a saúde. Inicialmente, mesmo coberto de úlceras, Jó se conforma sem reclamar contra Deus: “Se aceitamos de Deus os bens, não deveríamos aceitar também os males”? Mas depois se revolta e chega até a amaldiçoar o dia de seu nascimento.
Recebe, então, a visita de três amigos que tentam consolá-lo. À luz da teologia do Deuteronômio eles tentam explicar a origem do sofrimento de Jó. Segundo eles, Jó está sofrendo porque pecou. Mas Jó se defende, afirma que é inocente e Deus é injusto em puni-lo, pois sempre praticou o bem. Os amigos não conseguem convencê-lo sobre a origem de seu sofrimento e Jó continua revoltado contra Deus. Por fim, apela para o próprio Deus: “Oh, se houvesse quem me ouvisse… Que me responda o Todo-poderoso”! (Jó 31,35). No texto que ouvimos, Deus dá a resposta que Jó pedia: Que somos nós para contestar o Criador? Nele podemos sempre confiar, como diz o salmista: “O que é o ser humano para que dele te ocupes? Tu o fizeste um pouco inferior a um ser divino, tu o coroaste de glória e honra” (Sl 8,5-6). Em meio ao sofrimento, Jó aprende que o Criador se preocupa não só com ele, mas com todos os seres vivos. A leitura não dá uma resposta clara às interrogações sobre o motivo do sofrimento de Jó, mas, no contexto da desgraça, nos aproxima do mistério do Deus vivo e verdadeiro. Jó aprendeu a se relacionar com Deus como um “Tu” pessoal, com quem ele podia conversar e se questionar. Jó aprendeu no sofrimento a se preocupar com os pobres e as injustiças que sofrem.
Salmo responsorial: Sl 106
Dai graças ao Senhor, porque ele é bom,
porque eterna é a sua misericórdia.
- Segunda leitura: 2Cor 5,14-17
Tudo agora é novo.
Pelo batismo formamos um só corpo com Cristo (1Cor 12,12-31; Rm 12,4-5). Cristo morreu por nós. Por isso não devemos viver para nós, mas para Ele, que por nós morreu e ressuscitou. Em Rm 14,8 Paulo reforça este pensamento: “Se vivemos, é para o Senhor que vivemos e se morremos, é para o Senhor que morremos”. É o amor de Cristo que nos impulsiona a vivermos como criatura nova. Porque tudo se torna novo a quem está em Cristo.
Aclamação ao Evangelho: Lc 7,16
Um grande profeta surgiu, surgiu e entre nós se mostrou,
é Deus que seu povo visita, seu povo, meu Deus visitou.
- Evangelho: Mc 4,35-41
Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?
Marcos apresenta Jesus como alguém que tem autoridade para ensinar, tem poder de expulsar demônios, curar as pessoas e perdoar pecados. No evangelho de hoje vemos Jesus acalmando uma tempestade. É que Jesus tem o poder também sobre a natureza. Jesus não faz milagres para provar sua divindade, mas para socorrer as pessoas doentes e necessitadas. Os milagres supõem e exigem a fé das pessoas. Jesus, por exemplo, repreende os discípulos que o acompanham pela falta de fé: “Ainda não tendes fé”? (4,40). Diante de um milagre, alguns reagem com entusiasmo, como o homem de quem Jesus expulsou uma legião de demônios, que insistia em segui-lo (5,18). Outros apenas tocavam com fé a Jesus e ficavam curados (5,34); outros, ainda, reagiam com ironia (5,40) ou incredulidade (6,5-6). Mas precisamos ler também nas entrelinhas de uma narrativa de milagre, para perceber o que ele ensina. Quando sobrevém a tempestade, Jesus, após um dia de intensa atividade, dormia tranquilamente sobre um travesseiro. Na sua humanidade, tinha fé no Pai e nele confiava. Os discípulos, cheios de medo, o acordam e o repreendem: “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas”? Jesus dá uma ordem ao vento e ao mar e acalma a tempestade. Os discípulos, apesar da presença de Jesus, ainda não tinham fé na sua divindade. A repreensão que recebem é um convite a terem fé em Jesus e a fé que Jesus tem no Pai.
Vivemos em tempos de incertezas, a4meaçados pela pelo aquecimento global que nós mesmos provocamos, crises econômicas e políticas, desemprego, violência e agora abalados pela pandemia do Covid-19. Talvez surja o pensamento: Será que Deus se importa com tudo isso? É o momento de renovar nossa fé e clamar a Deus Pai. Ele está conosco no mesmo barco, desde que se fez homem em Jesus de Nazaré.
FREI LUDOVICO GARMUS, OFM, é professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.
Jesus viaja no barco de nossa vida
Frei Clarêncio Neotti
Há duas frases de Jesus na Última Ceia que caem bem neste domingo. Uma: “Sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,5). Apesar de toda a sua experiência com o mar, os Apóstolos estavam apavorados com as ondas revoltas do lago, dentro da noite tempestuosa, símbolo de muitas situações que eles encontrariam na missão. Quando viram que o barco afundava, apelaram para Jesus, que deu ordens ao vento e ao mar e recompôs a bonança. Outra: “Coragem! Eu venci o mundo!” (Jo 16,33). Para os Apóstolos pescadores, Jesus não só acalmou as ondas, mas mostrou que tinha poderes sobre os demônios, porque, no pensamento deles, os demônios moravam no fundo do mar e eram eles que o revolviam. Tanto que, no dia seguinte, quando Jesus libertou um possesso em Gérasa, os demônios (o Evangelista diz que eram mais de dois mil) entraram numa vara de porcos, que se precipitou no mar, porque o mar seria sua morada (Mc 5,9-13).
Jesus adaptou-se pedagogicamente à mentalidade dos Apóstolos e foi, de ensinamento em ensinamento, passando a doutrina nova e corrigindo os conceitos errados. Como na Sinagoga de Cafarnaum, os Apóstolos estavam diante de alguém, maior que profeta, a quem os agentes do mal obedeciam. O Evangelista João chamou de “mundo” o conjunto dos males que afligem a parte espiritual do ser humano. Jesus venceu o mundo, numa vitória em nosso proveito, como venceu a tempestade em proveito dos doze. Por isso pede coragem e ânimo.
A missão dos Apóstolos seria pregar a chegada do Reino de Deus a hebreus e pagãos, um Reino na terra, nesta vida procelosa. Apesar do mal, apesar das borrascas tenebrosas ocasionadas pela presença do mal no mundo, o Reino é possível, porque Jesus está presente. A atenção e a luta serão incessantes, o medo virá. Mas o pensamento de que Jesus “está conosco” (Mt 28,20), no mesmo barco da vida, significa garantia.
FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFM, entrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.
Na hora das tempestades
Frei Almir Guimarães
A coragem não é um saber, mas uma decisão,
não é uma opinião, mas um ato.
Jakélévich
Em Deus se descobre sempre novos mares quando mais se navega.
Fray Luís de León
♦ A cena do evangelho de hoje é singela e ao mesmo tempo dramática. O barco encontra-se em pleno mar. Começa a cair a escuridão da noite. Levanta-se uma tempestade. A água vai enchendo o barco. O grupo de Jesus está em risco. Experimenta medo e angústia. Marcos assinala que Jesus não se sente ameaçado. Sua cabeça repousa sobre um travesseiro. Ele dorme. Quem sabe sonha com as coisas do Reino. Os passageiros atemorizados o acordam. O Mestre lamenta a falta de fé de seus apóstolos. Pede ao vento que cesse. Narrativa simples e comovente. Na vida de cada um, no mundo e na Igreja há tempestades que se levantam. Basta lembrar esta devastadora pandemia que baloiçar o barco da vida e do mundo.
♦ Remaremos a barca de nossa vida com destemor e coragem. Há dentro de nós um dinamismo que nos impele a ir adiante, mesmo que venhamos a enfrentar tempestades violentas. Não podemos nos encolher no canto da barca como se estivéssemos ainda no seio da mãe. Medo, receio, pavor, terror. Há gradações nessa experiências. Pequenos medos e pavores: guerra, eliminações sumárias de pessoas, calunias mortais, anúncios de derrocadas.
♦ O evangelista Marcos relata um fato real ocorrido com Jesus. Tudo leva a crer que, narrando este episódio, queira falar do sentido da coragem na missão dos apóstolos. Seria uma questão de fé na ação de Jesus, mesmo que estivesse dormindo. O Mestre reclama da falta de fé nele no meio das tragédias. Pede coragem e confiança.
♦ Nós cristãos, depois a haver escutado Jesus, sentimo-nos serenos contentes como os apóstolos que prepararam a barca para a travessia. Contentes e com rompantes de coragem. Recordamo-nos dos momentos de confiança, de entrega irrestrita ao Senhor. Rostos ao vento singrado o mar da vida! Quando a vida se torna difícil esquecemos nossos fervores e ardores. Somos possuídos de raiva, desespero e revolta. Chegamos até a esquecer que andamos pregando em nome do Senhor. Pensamos aqui nos períodos de doença, momentos de calúnia, miséria, tragédia. Normalmente aí nos dispomos a rezar. Rezar é falar com Deus, colocar-se com confiança em suas mãos enquanto tomamos a resolução de trabalhar com as nossas. Ele não nos garante acalmar toda tempestade, mas promete vida para além da tempestade. Garante que tocaremos a margem por que ele é o Senhor dos mares e das tempestades.
♦ A fé é vigiar no mar aberto, mais do que ficar parado num porto seguro. Um místico do tempo de Santa Teresa d’Ávila, Luiz de León, dizia: “Em Deus sempre descobrimos mares novos quanto mais se navega”. Mar adentro. Não parar.
♦ “Vicente Madoz publicou um excelente trabalho com o título. Os medos do homem moderno, no qual, com a clarividência e simplicidade de um verdadeiro perito, vai analisando tanto os medos irracionais do homem atual, quanto seus medos concretos da doença, da velhice, da morte, do fracasso e da solidão. A inquietude e do desgosto de não poucas pessoas tem a ver, sem dúvida, com as profundas e rápidas mudanças que estão acontecendo na sociedade. Também têm a ver com o individualismo, a insolidariedade ou o pragmatismo exagerado. Mas é fácil detectar, além disso, uma angústia existencial, às vezes solapada ou disfarçada que está muito ligada às incógnitas da vida e que surge em não poucos diante da doença, da velhice, do fracasso, do desamor e da morte” (Pagola, Mateus, p. 219).
♦ “A nua fé é perseverar, até mesmo na tempestade, certo de que Deus vai no meu barco, que entrelaça a sua respiração com a minha, a sua rota com a minha. Talvez esteja a dormir. Mas se fala é por amor, e se cala é uma vez mais, por amor” (Ermes Ronchi).
♦ Coragem nas coisas do cotidiano. Cada manhã levantar-se, lavar-se, começar tudo de novo, os incômodos dos transportes públicos, a dificuldade da convivência, a monotonia dos relacionamentos. Coragem de cada um ser ele mesmo. Coragem de dizer sua verdade mesmo que possa não seja reconhecida, nem aceita. Coragem de correr o risco de se enganar.
♦ “A fé é uma luta ativa contra o medo. Foi assim para o profeta Jeremias e para os apóstolos de Jesus. A fé exige coragem, Jesus exorta os discípulos a não temerem quem possa persegui-los a quem se oponha ao seu testemunho e à sua pregação. Jesus pede-lhes que realizem um êxodo do medo” (Manicardi).
♦ Temos medo e falta de coragem de, com outros, inventar o novo. Notamos que nossa família marca passos não seria o caso de inventar expedientes novos de encontro, de participação, de deixar cair preconceitos? Em nossa comunidade paroquial que anda meio marasmática não seria o caso de ter a coragem de ocupar os espaços de outra maneira, com debates, grupos que pensem no amanhã dos jovens, que rezem de verdade? Nossa vida consagrada sobrevivendo, por vezes, na simples realização das mesmas coisas e sem brilho não precisaria de pessoas que tivessem a coragem de ir adiante? Esvaziar-se de toda autorreferencialidade.
Reflexão
Não tenhas medo
de olhar para trás,
descobrirás que o amor está a um passo de ti.
Não tenhas medo
de olhar-Me nos olhos ,
Eu acolherei a tua inquietação
e a tua incompleta purificação de luz.
Não tenhas medo
Eu abençoarei tua misericórdia
quando se faz abraço,
a tua piedade quando se faz ternura,
a tua dor quando se faz pão.
Não tenhas medo
a paz existirá para ti também,
porque o Meu coração se recolhe ao lado do teu.
Luigi Verdi
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.
Eliminar medos
José Antonio Pagola
A ninguém causa surpresa que uma pessoa sinta medo diante de um perigo real. A vida é uma aventura não isenta de riscos e ameaças. Por isso, o medo é sadio, nos põe em estado de alerta e nos permite reagir para orientar nossa vida com maior sentido e segurança.
O que resulta estranho é que continue crescendo na sociedade moderna o número de pessoas que vivem com sensação de medo sem motivo aparente. Indivíduos aprisionados pela insegurança, ameaçados por riscos e perigos não formulados, habitados por um medo difuso, difícil de explicar.
Este medo causa dano. Paralisa a pessoa, detém seu crescimento, impede de viver amando. É um medo que anula nossa energia interior, sufoca a criatividade, nos faz viver de maneira rígida, numa atitude de autodefesa. Essa inquietude não resolvida impede de enfrentar a vida pacificamente.
Sem dúvida, a origem deste medo insano pode ser diferente e requer em cada caso uma atenção específica adequada. Mas não é exagerado dizer que, em muitas pessoas, tem muito a ver com uma existência vazia, com uma esmagadora falta de sentido e uma ausência quase total de vida interior.
A exegese atual está destacando, na atuação histórica de Jesus, seu empenho por libertar as pessoas do medo que pode aninhar-se no coração humano. Os evangelhos repetem continuamente suas palavras: “Não tenhais medo dos homens”; “não tenhais medo dos que matam o corpo”; “não se perturbe o vosso coração”; “não sejais covardes”; “não tenhais medo, vós valeis mais do que os pardais”. B. Hanssler chega a dizer que Jesus é “o único fundador religioso que eliminou da religião o elemento do temor”.
A fé cristã não é uma receita psicológica para combater os medos, mas a confiança radical num Deus Pai e a experiência de seu amor incondicional podem oferecer ao ser humano a melhor base espiritual para enfrentar a vida pacificamente. Já o fundador da psicanálise afirmava que “amar e ser amado é o principal remédio contra todas as neuroses”. Por isso nos faz bem escutar as palavras de Jesus a seus discípulos no meio da tempestade: “Por que sois tão covardes? Ainda não tendes fé?”
JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.
Maior que a tempestade: “Quem é este?”
Pe. John Konings
O evangelho coma a história da tempestade acalmada. Imaginemos a cena: a tempestade levantando ondas que cobrem o barco com os discípulos – e Jesus, dormindo… Quando o acordam, Jesus conjura os ventos e o mar, e vem a calmaria. Jesus censura-lhes a falta de fé, e eles perguntam: “Quem é este, a quem o vento e o mar obedecem?” (Mc 4,41). Aos fiéis presentes na celebração a resposta já foi dada na 1ª leitura (Jó 38,1.8-11) e no salmo de meditação que a acompanha (SI 107[106]): quem manda na tempestade e no mar é Deus ou aquele que age com seu poder. Jesus se revela através de seu poder soberano, divino. Por isso, ele pode dormir tranquilo no barco atormentado pelas ondas, como também pode levantar-se para acalmar o mar.
Essa história é muito instrutiva. Em primeiro lugar: a tempestade. Quando tudo está tranquilo em torno de nós, ternos a tendência de confiar em nossas próprias forças, seguros de que “tudo vai dar certo”. E Deus fica sobrando. Mas quando surge uma tempestade, percebemos que nossas forças são pequenas e pouco fidedignas. Então recorremos a Deus, não tanto por amor a ele quanto por amor a nossa pele. Pouco importa. O importante é descobrirmos que nossa vida está nas mãos Dele.
Na tempestade, Deus surge com poder (SI 65[64], 8). Quando de repente nos vemos entregues as contradições da vida e da história, importa lembrarmo-nos daquele a quem o vento e o mar obedecem: não só Deus, mas Jesus de Nazaré, nosso guia. Mas o melhor á nunca o esquecer e tê-lo sempre diante dos olhos. Enquanto não percebemos sua presença e o poder que está nele, temos medo, ainda não temos fé (Mc 4,40).
E que fé é essa? Fé para ter proteção, cura, bem-estar? Claro que a gente espera tudo isso de Deus. Mas isso passa por uma pessoa com nome e sobrenome. Perguntamos: “Quem é este?” Damos crédito a ele, por causa do poder que manifesta. Mas seu gesto major não é um gesto de poder, e sim, de entrega cia própria vida. A fé por causa do poder é apenas um aperitivo para que acreditemos no Crucificado. A tempestade acalmada vem no inicio da caminhada de Jesus; no fim, estão a cruz e a ressurreição.
Assim, nas aflições da vida, procurando segurança em Deus, encontramos Jesus diante de nós, poderoso, sim, mas isso, em última instância, por meio da cruz, por meio de sua doação por amor. Ai, ele revela o poder maior de Deus em sua pessoa. Reconhecendo isso, teremos confiança para enfrentar as tempestades de nossa história.
PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.
Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella