Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Solenidade da Ss. Trindade

Solenidade da Santíssima Trindade

Deus-amor-movimento

 

Frei Gustavo Medella

“De que filho você gosta mais?” Certa mãe, ao ouvir tal pergunta, respondeu: Gosto mais daquele que, naquele momento, precisa mais de mim. Ao dar esta sábia resposta, a mãe dedicada não quis se evadir da pergunta, mas demonstrar que o verdadeiro amor é dinamismo e movimento, é disposição e disponibilidade de uma postura comprometida com o outro, buscando socorrê-lo em suas necessidades mais imediatas e concretas.

Na segunda leitura (Rm 8,14-17), São Paulo explica que os(as) batizados(as) recebem da parte de Deus um espírito de filhos adotivos que os ensina a chamar a divindade de “Abba”, que significa “Papai”. E o Mistério da Trindade é, portanto, expressão da dinâmica deste amor em movimento, parecido com o amor manifestado pela mãe apresentada como exemplo no início deste texto.

O Espírito Santo, pelo qual o Pai nos adota como filhos(as) amados(as), ressoa em nosso ser e nos dá a certeza de que todos somos irmãos de Cristo e em Cristo. Desta forma, cabe à nossa humildade, a busca empenhada de entrarmos em sintonia com o ritmo da dança amorosa que a Trindade nos propõe.

Viver uma fé trinitária é assumir um compromisso de amor encarnado, especialmente nas realidades mais dolorosas e difíceis. É empenhar-se em fazer o bem com teimosia, em perdoar com insistência, em servir com gratuidade, tudo isso em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém!


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Textos bíblicos para este domingo

Primeira Leitura: Deuteronômio 4,32-34.39-40

Moisés falou ao povo, dizendo: 32“Interroga os tempos antigos que te precederam, desde o dia em que Deus criou o homem sobre a terra, e investiga de um extremo ao outro dos céus se houve jamais um acontecimento tão grande ou se ouviu algo semelhante. 33Existe, porventura, algum povo que tenha ouvido a voz de Deus falando-lhe do meio do fogo, como tu ouviste, e tenha permanecido vivo? 34Ou terá jamais algum deus vindo escolher para si um povo entre as nações por meio de provações, de sinais e prodígios, por meio de combates, com mão forte e braço estendido, e por meio de grandes terrores, como tudo o que por ti o Senhor vosso Deus fez no Egito, diante de teus próprios olhos? 39Reconhece, pois, hoje, e grava-o em teu coração, que o Senhor é o Deus lá em cima no céu e cá embaixo na terra e que não há outro além dele. 40Guarda suas leis e seus mandamentos que hoje te prescrevo, para que sejas feliz, tu e teus filhos depois de ti, e vivas longos dias sobre a terra que o Senhor teu Deus te vai dar para sempre”.
Palavra do Senhor.


Sl 32(33)
Feliz o povo que o Senhor escolheu por sua herança.
Reta é a Palavra do Senhor, / e tudo o que ele faz merece fé. / Deus ama o direito e a justiça, / transborda em toda a terra a sua graça. – R.
A Palavra do Senhor criou os céus, / e o sopro de seus lábios, as estrelas. / Ele falou e toda a terra foi criada, / ele ordenou e as coisas todas existiram.– R.
Mas o Senhor pousa o olhar sobre os que o temem / e que confiam, esperando em seu amor, / para da morte libertar as suas vidas / e alimentá-los quando é tempo de penúria. – R.
No Senhor nós esperamos confiantes, / porque ele é nosso auxílio e proteção! / Sobre nós venha, Senhor, a vossa graça, / da mesma forma que em vós nós esperamos! – R.


Segunda Leitura: Romanos 8,14-17

Irmãos, 14todos aqueles que se deixam conduzir pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. 15De fato, vós não recebestes um espírito de escravos, para recairdes no medo, mas recebestes um espírito de filhos adotivos, no qual todos nós clamamos: Abá, ó Pai! 16O próprio Espírito se une ao nosso espírito para nos atestar que somos filhos de Deus. 17E, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e coerdeiros de Cristo; se realmente sofremos com ele, é para sermos também glorificados com ele.
Palavra do Senhor.


Jesus é o Senhor da história
Evangelho: Mt 28,16-20

-* 16 Os onze discípulos foram para a Galiléia, ao monte que Jesus lhes tinha indicado. 17 Quando viram Jesus, ajoelharam-se diante dele. Ainda assim, alguns duvidaram. 18 Então Jesus se aproximou, e falou: «Toda a autoridade foi dada a mim no céu e sobre a terra. 19 Portanto, vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, 20 e ensinando-os a observar tudo o que ordenei a vocês. Eis que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo.»

* 16-20: Doravante, Jesus é a única autoridade entre Deus e os homens. Ele dá apenas uma ordem àqueles que o seguem: fazer com que todos os povos se tornem discípulos. Todos são chamados a participar de uma nova comunidade (batismo), que se compromete a viver de acordo com o que Jesus ensinou: praticar a justiça (3,15; 5,20) em favor dos pobres e marginalizados (25,31-46). O Evangelho se encerra com a promessa já feita no início: Jesus está vivo e sempre presente no meio da comunidade, como o Emanuel, o Deus-conosco (1,23).

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

Santíssima Trindade

 Oração: “Ó Deus, nosso Pai, enviando ao mundo a Palavra da verdade e o Espírito santificador, revelastes o vosso inefável mistério. Fazei que, professando a verdadeira fé, reconheçamos a glória da Trindade e adoremos a Unidade onipotente”.

  1. Primeira leitura: Dt 4,32-34.39-40

O Senhor é o Deus lá em cima no céu

e cá embaixo na terra, e não há outro além dele.

O texto que ouvimos é uma meditação sobre a história da relação de Israel com seu Deus e, ao mesmo tempo, uma catequese. O contexto é o do exílio, visto como uma punição devida a infidelidades cometidas. Longe do Templo e da terra prometida, Israel toma consciência de suas ingratidões e percebe melhor a presença de Deus ao longo de sua história. A meditação atribui a Javé, Deus de Israel, a criação do ser humano. O Deus criador é um só: “O Senhor é o único Deus… e não há outro além dele”. Foi este Deus que escolheu Israel dentre as nações como seu povo e com ele fala. Israel recorda como Deus intervém em sua história nos momentos de crise, e o salva. Como resposta a seu amor Deus lhe pede que observem seus mandamentos (cf. Dt 5,6-21), resumem num só: “Amarás o Senhor teu Deus com todo teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças” (6,5). Jesus acrescentará: “E a teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,35-40). Deus nos envolve com seu amor e espera de nós uma resposta de amor.

Salmo responsorial: Sl 32

Feliz o povo que o Senhor escolheu por sua herança.

  1. Segunda leitura: Rm 8,14-17

Recebestes um espírito de filhos,

no qual todos nós clamamos: Abbá, ó Pai!

A sociedade greco-romana era escravagista. Em Roma, com cerca de um milhão de habitantes, mais de um terço da população eram escravos. Paulo escreve à comunidade de Roma, composta de judeus e pagãos convertidos. Pelo batismo, diz ele, os judeus deixam de ser escravos da Lei e os pagãos, de seus ídolos e da cultura escravagista (cf. Carta a Filêmon). Pelo batismo nos tornamos filhos adotivos – linguagem que os romanos entendiam – e somos introduzidos na família de Deus, que é Trindade, Comunhão. Pelo batismo recebemos o Espírito e Deus nos acolhe como filhos e filhas, a exemplo de Jesus. “Tu és meu filho amado” (Mc 1,11). Podemos clamar a Deus: “Abbá” / Papai – como diziam os judeus a seu pai carnal. Sendo filhos adotivos, somos também herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo. Sofrendo com Ele, seremos também glorificados como Ele.

Aclamação ao Evangelho

         Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Divino,

            ao Deus que é, que era e que vem, pelos séculos. Amém.

  1. Evangelho: Mt 28,16-20

Batizai-os e nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.

No Evangelho de Mateus, após a última ceia, Jesus anuncia que todos os discípulos o abandonariam. Pedro, então, jurou que jamais o haveria de abandonar e o mesmo diziam os outros discípulos. Apesar de tudo, Jesus prometeu-lhes que, após sua ressurreição, os precederia na Galileia para reunir-se com eles (26,30-35). A dolorosa morte do Mestre fez a todos esquecer-se da promessa. No primeiro dia da semana duas mulheres vão visitar o túmulo e encontram-no vazio. Um anjo explica que Jesus havia ressuscitado e que elas comunicassem aos discípulos para se dirigirem à Galileia, onde os encontraria. Atendendo à mensagem das mulheres, os discípulos vão para a Galileia até “o monte que Jesus lhes havia indicado”. Em Mateus, o monte é o lugar apropriado para uma revelação divina. No Sermão da Montanha (Mt 5–7) temos a síntese da doutrina de Jesus; na Transfiguração (Mt 17,1-13) o Filho do homem se revela maior que Moisés e Elias. Agora, a missão que Jesus dá aos discípulos também acontece num monte. Na Galileia, Jesus começou o anúncio do Reino dos Céus (4,12-17) e chamou os primeiros discípulos. É também na Galileia que se despede de seus discípulos e lhes confere a missão de irem pelo mundo inteiro, fazendo discípulos seus todos os povos. Isso acontece pelo batismo em nome da Santíssima Trindade. Pelo batismo somos incluídos no mistério do Deus uno e trino e envolvidos em seu amor. Através da catequese somos introduzidos nas práticas do Reino dos Céus ensinadas por Jesus. Este mandato deixado à sua Igreja tem a chancela do poder do Filho de Deus: “Toda a autoridade me foi dada…” A missão recebida pelos apóstolos é acompanhada pela promessa da presença permanente do Deus-conosco (Emanuel), nascido da Virgem Maria (1,23): “Eis que estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo” (28,20).


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

A maior novidade do Novo Testamento

Frei Clarêncio Neotti

A fé cristã é fé num Deus único em três pessoas. O monoteísmo trinitário é a mais profunda das novidades religiosas do Cristianismo e aquela que o distingue tanto da fé hebraica (Deus único) quanto da fé dos pagãos (muitos deuses). Ainda hoje é a sua principal característica diante das outras religiões, e o sinal mais persuasivo da transcendência do Cristianismo. Sozinha, a criatura humana jamais alcançaria o mistério trinitário. Os primeiros cristãos, quanto mais fiéis eram à fé abraâmica e à Lei divina, tanto mais dificuldade tiveram de aceitar a revelação feita por Jesus. Daí se entende também porque os Apóstolos em suas cartas e pregações falaram com tanta segurança e humildade da grande novidade.

Isso transparece também em suas orações, sempre feitas a Deus-Pai, por meio do Cristo, no Espírito Santo. No Ocidente, esse costume se esmaeceu. Tantas vezes vemos orações dirigidas diretamente a Cristo ou ao Espírito Santo. Não que seja errado. Mas não era o costume das primeiras gerações cristãs. O “Credo” tem uma forte estrutura trinitária. A celebração eucarística é trinitária em seu conjunto (o “Cânon”, por exemplo) e em suas partes (como o Glória, o Prefácio, o Sinal da Cruz).


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Altíssimo, Onipotente e bom Senhor

Frei Almir Guimarães

Vós sois nossa esperança, Vós sois nossa fé, Vós sois nossa caridade, Vós sois toda nossa doçura, Vós sois nossa vida eterna: grande e admirável Senhor, Deus onipotente, misericordioso salvador” (São Francisco de Assis)

♦ Ao dirigir-se ao Senhor, Francisco de Assis mostrava desmedida admiração. Não encontrava palavras que fossem capazes de descrever esse Mistério insondável de amor que é a Trindade: altíssimo, onipotente, bom, ternura, paz… Aproximamo-nos sempre de Deus com imenso respeito. Pedimos que ele se digne nos olhar com complacência. Temos certeza do amor dessa Trindade. Não receamos nos lançar em seu abismo de caridade. Festa de Deus, insondável abismo de Deus. Um Deus em Três pessoas.

♦ Por ele nosso coração anseia. Vivemos irrequietos enquanto nele não descansarmos. Deus está para além do que podemos ver, ouvir, alcançar. Chamamo-lo de Tu, numinoso, simplesmente Deus. Pena que a palavra Deus pareça gasta e já não nos fala às entranhas. Altíssimo e Bom Senhor, sempre buscado e nunca alcançado.

♦ Moisés estava diante de um arbusto que ardia e não se consumia. Calor, fogo que cega, queima e aquece. Ele é convidado a tirar as sandálias dos pés porque santa era a terra em que estava pisando.

♦ Isaías tem uma visão no templo. O três vezes santo está num trono elevado, circundado pelos anjos que o adoram. O profeta sente todo o peso de sua indignidade. Tem certeza de seu pecado. Um serafim toma um brasa e queima os lábios do profeta para que possa dizer com candura e limpeza interior: Santo, Santo, Santo.

♦ Elias está desanimado com tanta oposição que lhe é feita. Retira-se do campo de batalha, de sua pregação e de suas exortações. Entra numa caverna. O Senhor não estava na tempestade, nem no fogaréu. Quando sopra uma brisa suave reconhece a passagem do Senhor e com o manto cobre o semblante.

♦ Jesus, expressão humana de Deus, Deus mesmo vivendo entre nós, procura nos levar ao Mistério. Fala de um Pai que é amor, que o envolve, que o cerca. Fala de um envolvimento todo especial dele com Pai. Fala mesmo que ele e o Pai são um. Quem o vê, vê o Pai. Todo poder recebe do Pai. Ele e o Pai não deixarão órfãos os homens, mas enviarão o Paráclito que procede do Pai e do Filho. Fornalha de amor: Pai, Filho e Espírito.

♦ O Pai não é gerado, é eternamente Pai. O Filho, o Verbo, a Palavra também eternamente gerado. Consubstancial ao Pai. Na plenitude dos tempos o Verbo se fez carne e habitou entre nós. O “segundo” da Trindade se revestiu da natureza humana. O amor, o liame, o laço entre o Pai e o Verbo é o Sopro, o Vento, é o Espírito. Como o Verbo, também o Espírito tem uma missão “ad extra”. Belamente esse abismo é expresso na antífona ao Magnificat da Solenidade da Trindade: “Deus Pai não gerado, Deus Filho Unigênito, Deus Espírito Santo, divino Paráclito, ó Santa, indivisa e una Trindade: com todas as fibras da alma e da voz, vos louvamos, cantando, na fé confessando: Glória a vos pelos séculos”.

♦ Estamos mergulhados e envoltos na Trindade: fazemos o sinal da cruz invocando a Trindade, nela somos batizados, nela absolvidos. Todas as orações dirigidas ao céu se dirigem à Trindade. Morremos com a bênção da Trindade.


Texto para reflexão

É necessário crer na Trindade? É possível? Serve para algo? Não é uma construção intelectual desnecessária? Vai mudar algo em nossa fé, se não crermos no Deus trinitário? Há dois séculos o célebre filósofo Immanuel Kant escrevia estas palavras: “Do ponto de vista prático, a doutrina da Trindade é perfeitamente inútil”. Esta afirmação é certamente falsa. A fé na Trindade muda não só nossa visão de Deus, mas também nossa maneira de entender a vida. Confessar a Trindade de Deus é crer que Deus é um mistério de comunhão e de amor. Não um ser fechado e impenetrável, imóvel e indiferente. Sua intimidade misteriosa é só amor e comunicação. Consequência: no fundo último da realidade, dando sentido e existência a tudo, não há senão Amor. Tudo o que existe vem do Amor.

O Pai é amor, a fonte de todo amor. Ele começa o amor. “Só ele começa a amar sem motivos; mais ainda, é ele que desde sempre começou a amar” (Eberhard Junge). O Pai ama desde sempre e para sempre, sem ser obrigado ou motivado de fora. É o “eterno Amante”. Ama e continuará amando sempre. Nunca vai retirar de nós seu amor e fidelidade. Dele só brota amor. Consequência: criados à sua imagem, fomos feitos para amar. Só amando acertamos na vida.

O ser do Filho consiste em receber o amor do Pai. Ele é o “Amado eternamente”, antes da criação do mundo. O Filho é o amor que acolhe, a resposta eterna ao amor do Pai. O mistério de Deus consiste, pois, em dar e também em receber amor. Em Deus, deixar-se amar não é menos que amar. Receber amor é também divino! Consequência: criados à imagem desse Deus fomos feitos não só para amar, mas para sermos amados.

O Espírito Santo é a comunhão do Pai e do Filho. Ele é o Amor eterno entre o Pai Amante e o Filho Amado, aquele que revela que o amor divino não é possessão ciumenta do Pai nem açambarcamento egoísta do Filho. O amor verdadeiro é sempre abertura, dom, comunicação transbordante. Por isso, o amor de Deus não se detém em si mesmo, mas se comunica e se estende até suas criaturas. “O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). Consequência: criados à imagem desse Deus, fomos feitos para amar-nos, sem açambarcar e sem encerrar-nos em amores fictícios e egoístas” (Mateus, Pagola, p.349).

Oração ou reflexão
Rezo à Santíssima Trindade. Rezo a Deus que sendo único, me ensina o sentido Trinitário da existência. Todo amor deve aspirar-se a tornar, pois a inclusão do terceiro é seu critério de verdade. É tão tentador trancar o coração no individualismo ou no conforto de uma relação dual; é tão fácil excluir o terceiro! O terceiro é aquele que escancara a vida a uma lógica pura de gratuidade. Já não sou eu próprio e o meu sentir. Nem é apenas a complementaridade necessária que o segundo me oferece. O terceiro obriga-me a decolar de mim. A fazer do centro, não minhas necessidades e desejos, mas o dom, a dádiva, o amor. Hoje rezo à Santíssima Trindade.

José Tolentino Mendonça, Um Deus que dança, Paulinas, p. 81 


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

O cristão diante de Deus

José Antonio Pagola

Nem sempre se torna fácil para nós, cristãos, relacionar-nos de maneira concreta e viva com o mistério de Deus confessado como Trindade. No entanto, a crise religiosa está nos convidando a cuidar, mais do que nunca, de uma relação pessoal, saudável e gratificante com Deus. Jesus, o Mistério de Deus feito carne no Profeta da Galileia, é o melhor ponto de partida para reavivar uma fé simples.

Como viver diante do Pai? Jesus nos ensina duas atitudes básicas. Em primeiro lugar, uma confiança total. O Pai é bom. Ele nos ama sem fim. Nada lhe importa mais do que o nosso bem. Podemos confiar nele sem medos, receios, cálculos ou estratégias. Viver é confiar no Amor como mistério último de tudo.

Em segundo lugar, uma docilidade incondicional. É bom vivermos atentos à vontade desse Pai, pois Ele só quer uma vida mais digna para todos. Não há uma maneira de viver mais saudável e acertada. Esta é a motivação secreta de quem vive diante do mistério da realidade a partir da fé em um Deus Pai.

O que é viver com o Filho de Deus encarnado? Em primeiro lugar, seguir a Jesus: conhecê-lo, crer nele, sintonizar com Ele, aprender a viver seguindo seus passos. Olhar a vida como Ele a olhava; tratar as pessoas como Ele as tratava; semear sinais de bondade e de liberdade criadora como Ele fazia. Viver fazendo a vida mais humana. Assim vive Deus quando se encarna. Para um cristão não há outro modo de viver mais apaixonante.

Em segundo lugar, colaborar no projeto de Deus que Jesus põe em marcha seguindo a vontade do Pai. Não podemos permanecer passivos. Aos que choram, Deus quer vê-los rindo; aos que têm fome, quer vê-los comendo. Temos que mudar as coisas para que a vida seja vida para todos. Este projeto que Jesus chama “reino de Deus” é o marco, a orientação e o horizonte que nos é proposto a partir do mistério último de Deus para fazer a vida mais humana.

O que é viver animados pelo Espírito Santo? Em primeiro lugar, viver animados pelo amor. É o que se deduz de toda a trajetória de Jesus. O essencial é viver tudo com amor e a partir do amor. Não há nada mais importante. O amor é a força que põe sentido, verdade e esperança em nossa vida. É o amor que nos salva de tantas inércias, erros e misérias.

Por último, quem vive “ungido pelo Espírito de Deus” sente-se enviado de maneira especial para anunciar aos pobres a Boa Notícia. Sua vida tem força libertadora para os encarcerados; dá luz aos que vivem cegos; é um dom para aqueles que se sentem desgraçados.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

A Trindade em nossa vida

Pe. Johan Konings

A festa da SS. Trindade é uma oportunidade para refletir sobre nossa vida de batizados. Fomos batizados “no nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, conforme a missão confiada por Jesus aos Apóstolos (Mt 28,20). Será que isso significa algo para nossa vida, modificou algo em nós? Nossa vida de batizados tem algo a ver com as pessoas da Santíssima Trindade?

No Antigo Testamento, Moisés explicou ao povo que Deus é próximo da gente, não inacessível. Fala com seu povo, acompanha-o. Mais: conta com a amizade de seu povo. Não é um Deus indiferente (1ª leitura). E no Novo Testamento, Paulo aponta a presença da Santíssima Trindade de Deus em nossa vida: o Pai coloca em nós o Espírito que nos torna filhos com o Filho (2ª leitura).

Tudo isso nos faz entender melhor o evangelho de hoje, que narra a missão de batizar em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Quem recebe o batismo entra numa relação específica com cada uma das três pessoas da Trindade. Em relação ao Pai, é filho por adoção (o que, na cultura de Jesus, significava muito: pleno direito ao amor e à herança do Pai). Em relação ao Filho, é irmão (participando da mesma vida, do mesmo projeto). E quanto ao Espírito Santo, é dele que recebe inspiração e impulso para viver a vida divina no mundo.

Convém termos consciência disso em nossa vida de batizados. Certamente, Deus é um só. O que o Pai, o Filho e o Espírito Santo significam em nós é uma só e mesma realidade: a presença da vida divina em nós. Mas essa realidade se realiza em relações diversificadas. Uma comparação talvez ajude a aprender esse mistério: na vida conjugal, mulher e homem são ora parceiros no amor, ora colaboradores no sustento da família ou na educação dos filhos, ora pessoas autônomas (para irem votar ou atenderem a seus negócios) etc.

Assim podemos assumir e cultivar as diversas atitudes que nos relacionam com a Santíssima Trindade em nossa vida. Atitude de filho adotivo do Pai, cuidando de sua obra, de sua solicitude para com a criação e a humanidade. Atitude de irmão de Jesus, na sintonia e solidariedade, na ternura para com outros irmãos – e para com Jesus mesmo! Atitude, finalmente, de quem é impulsionado pelo Espírito Santo (e não pelo espírito do mundo, do lucro, da exploração etc).

A consciência da relação com as três Pessoas divinas torna nossa vida cristã menos abstrata, conferindo-lhe uma configuração mais versátil, mais concreta. Mas essa consciência não surge espontaneamente. É preciso cultivá-la na contemplação das Três Pessoas divinas.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Ícone da Trindade de Roublev (Moscou 1.425)

Gênesis 18, 1-13
Pode parecer estranho falar do Senhor, uma vez que n’Ele há três pessoas. Pode-se também falar d’Ele no plural. A Revelação que Deus fez d’Ele mesmo em três é a base da compreensão deste ícone russo do XV século. É verdadeiramente uma meditação em uma mensagem teológica profunda.

Os três anjos sentados à mesa expressam, ao mesmo tempo, a autoridade e o amor que existem entre Eles. Ao redor da cabeça, as auréolas, as asas e a semelhança das três pessoas, pode-se fazer um círculo que é o símbolo da eternidade, sem princípio e sem fim.

Entre os pés dos dois anjos, um triângulo verde representa a Trindade. Está aberto no exterior para nos convidar a entrar nessa comunhão com as três pessoas. Estes três anjos se assemelham em sua atitude, sua fisionomia, suas asas, sua cabeleira e no cetro que cada um tem na mão. A auréola em torno das cabeças é o símbolo da Santidade. Os anjos partilham intimamente sua unidade. Entretanto, podem-se notar as diferenças.

O anjo à esquerda representa Deus, o Pai de onde vem o poder e a Palavra. Ele se mantém majestoso em sua túnica púrpura dourada, segurando o cetro com as duas mãos, símbolo da dignidade que Ele espera em silêncio. Ele olha com amor seu Filho sentado do outro lado da mesa. Neste  silêncio tão pleno, pode-se quase ouvir o Filho de Deus dizer um “SIM” sagrado à vontade Santa de Deus.

O Filho aceita fazer-se homem e inclina a cabeça. Ele põe sua mão aberta sobre a mesa que, conforme a velha tradição russa significa a terra. A aceitação de fazer-se homem e um “SIM” único do Filho ao mundo, pois tudo foi “criado para Ele e por Ele” (Col 1,16).

Nós podemos nos perguntar se todo engajamento de um homem feito livremente por Deus não é um eco da Palavra do Pai ao mundo. “Quem possui o Filho possui a vida” (I Jo 5,12). O Filho também veste uma túnica verde, símbolo da vida.

O Espírito, o 32º anjo, olha o Pai. O ciclo da vida se fecha com o Espírito. O Espírito escuta o Pai. Ele inclina a cabeça como o Filho e sua atitude de disponibilidade é reforçada. Suas asas estão sobre as do Pai e uma asa aflora com ternura a do Filho. O que Ele escuta do Pai volta ao Filho. É isso que significa sua mão direita e os dedos que abençoam; a mão descansa sobre a mesa ao mesmo nível que a do Filho. Neste mundo, o Filho se oferece em perfeito sacrifício a Deus através do Espírito eterno. (Hebreus, 9,14).

O cálice ao centro desta Santa Comunidade lembra a realidade do sacrifício. O Espírito  Santo é o servidor, o inspirador do diálogo entre o Pai e o Filho, como mostra a estola do diácono no seu vestido. Uma corrente de vida passa pela Santíssima Trindade, o Amor torna-se Palavra e púlpito quando o Filho se faz homem; a história se completa quando o Filho morre na cruz. A árvore ao fundo lembra isso, é o carvalho de Mambré ou mais? É a arvore do jardim do Paraíso contrastando com a árvore da Cruz no Gólgota.

Em Jesus e em sua vida, Deus que era estrangeiro e distante, passou a ser o Deus próximo e presente. Em Jesus, nós podemos ver Deus. Ele procura a terna afeição não à distancia; dá um amor pronto para o sacrifício, dá sentido a tudo quanto existe no mundo, pois Ele está além da compreensão. Ele nos convida a entrar nesse jorro “da Vida Trinitária”.

Mas uma coisa é necessária: O “SIM” vindo do coração, o “SIM” da alegria que se torna Esperança.


Drutmar Cremer, beneditino, * 26/01/1930, em Koblenz (Alemanha) ; † 14/03/2021

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella