Dom Walmor Oliveira de Azevedo
O cristão, fiel à sua identidade, obediente aos ensinamentos de Jesus, tem a missão de estar no mundo para promover, de maneira cidadã, a fraternidade e a amizade social. Jesus, na maestria da formação de seus discípulos, compartilha recomendações e faz indicações preciosas. Forte e interpelante é a lembrança de sua palavra, quando disse: “Como o Pai me amou assim também eu vos amei”. Dessa forma, recomendou a cada discípulo permanecer neste amor, convocando ao ato mais nobre e supremo da vida cristã, mandamento maior: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. A força desta “carta magna” requer do discípulo de Jesus a consciência de sua tarefa missionária insubstituível – ser promotor da fraternidade e da amizade social. A compreensão de que essa responsabilidade é irrenunciável deve repercutir, como incômodo terapêutico, no coração de cada um, com força de conversão.
Viver na contramão da fraternidade e da amizade social provoca impagáveis passivos, que se revelam nas estatísticas sobre a violência, a exclusão social, os preconceitos e as discriminações que ferem mortalmente a dignidade humana. O prejuízo incide também nos parâmetros do desenvolvimento humano integral, com consequências deletérias na cultura. Descompassos ameaçam a vida e minam as condições para se alcançar mais justiça e paz. Por isso, é ainda mais necessário o olhar genuinamente cristão, que possui uma luz intrínseca: a luz da fé, que capacita o ser humano a enxergar para além das aparências. Os que verdadeiramente são discípulos de Jesus não recorrem à usura, nem se deixam dominar pelo apego ou por lógicas que favoreçam a corrupção. Os cristãos devem se opor à hegemonia de interesses exploratórios que depredam o meio ambiente e os direitos, com injustificável indiferença em relação ao mais pobres.
Espera-se sempre dos cristãos atitudes coerentes com a sua dignidade e identidade, enraizadas nos valores do Evangelho. Por isso, são vergonhosas as lógicas perversas e excludentes de uma sociedade de maioria cristã. Os discípulos de Jesus, em diálogo e intercâmbio com cidadãos de outras confissões religiosas também depositárias de relevantes contribuições humanísticas, precisam reagir. O momento atual está urgindo uma atuação mais lúcida, incidente e transformadora dos cristãos. Isto significa investir em ações individuais e sociais mais fortes e produtivas, à luz de uma compreensão inspirada no diálogo e na amizade social.
Muitos comprometimentos são fruto da relativização do diálogo, que não raramente é substituído até por barganhas políticas. Em vez de dialogar, investe-se equivocadamente no preconceito ou em outras formas de exclusão, valendo-se de frágeis justificativas – falta de afinidade ou divergência nas escolhas. Mas, sem diálogo social – fenômeno mais amplo e importante que a simples tergiversação político-partidária – não se tecerá a nova cultura que é imprescindível para reconstruir o País. O diálogo deve ser sempre a alternativa possível entre a indiferença egoísta e o protesto violento. O Papa Francisco lembra, na Carta Encíclica Fratelli Tutti, que São Francisco de Assis propõe a adoção de um estilo de vida com “sabor do Evangelho”, convidando cada pessoa a perceber que todos são irmãos e irmãs uns dos outros. Nesta perspectiva, é preciso reconhecer que um país cresce quando as suas diversas riquezas dialogam de modo construtivo.
Diálogo é mais que troca de opiniões – principalmente quando se pensa nos juízos formados a partir de informações não confiáveis. Há uma grande urgência na superação de tudo que possa impedir a sociedade de dialogar. O ponto de partida é a derrubada de preconceitos e do fechamento às novas ideias. Assim, é possível superar entendimentos limitados para alcançar a verdade. Também é importante o cuidado com a linguagem midiaticamente produzida. Não se pode investir no acirramento do ódio, caminho adotado por muitas campanhas políticas. Os debatedores na sociedade não podem correr o risco de constituir quartéis de manipuladores nos segmentos da política, da religião, da economia e da mídia, em defesa de interesses econômicos e ideológicos cartoriais.
A ausência do diálogo é a evidência do desinteresse dos cidadãos pelo bem comum, prevalecendo a pequenez de se buscar apenas vantagens individuais. O Papa Francisco, na Carta Encíclica Fratelli Tutti, inspira o coração humano a reagir quando diz: “Os heróis do futuro serão aqueles que souberem quebrar esta lógica doentia e, ultrapassando as conveniências pessoais e partidárias, decidam sustentar respeitosamente uma palavra densa de verdade”. O compromisso com a verdade é princípio inegociável da autenticidade cristã. E o cristianismo ensina, com a sua doutrina, posturas que fermentam o diálogo social, cultivando a capacidade de se respeitar o ponto de vista do outro. Essa capacidade é que torna factível, em uma sociedade pluralista, o diálogo que ultrapassa um mero consenso ocasional. A hora requer a qualificação do debate público, da capacidade para dialogar, demandando de todos os cidadãos – exigência sobretudo para os cristãos – dedicação na promoção da fraternidade e da amizade social.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo é Arcebispo de Belo Horizonte (MG) e presidente da CNBB.