Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Ascensão do Senhor

Solenidade da Ascensão do Senhor

Ascensão: vitória da proximidade

 

Frei Gustavo Medella

Divino e humano, Jesus Cristo não abandona o Pai quando vem ao encontro da humanidade na Encarnação e, muito menos, deixa seus discípulos órfãos quando retorna para junto do Pai na Ascensão. Permanece presente, próximo e unido aos seus. Tanto na Encarnação quanto na Ascensão, o Senhor se vale do Ministério dos Anjos – seus mensageiros diretos – para oferecer orientações preciosas: Gabriel anuncia à jovem Maria a graça da maternidade divina, o coro dos anjos canta “Glórias” junto à Gruta de Belém e, imediatamente após a partida de Jesus por entre as nuvens, mais uma vez a voz angélica convida os discípulos a partirem missão esperançados pela certeza da volta definitiva do Cristo.

Crer nesta presença de Cristo significa entregar a Ele sem reservas o próprio coração. Percebê-lo atuante e presente na vida demanda uma certa paz de espírito alcançada com um trabalho constante da alma, afinal, na água turva e agitada não aparece o rosto de quem a olha, conforme revela Santo Antônio em seu Sermão da Ascensão do Senhor. Manter o coração sereno, especialmente em tempos de aflição, não é um desafio qualquer, mas um verdadeiro ato de coragem e confiança em Deus.

Mesmo com a alma apertada pelo medo e pelo sofrimento, cada cristão é chamado a partir pelos quatro cantos do mundo, lugares que dizem respeito muito mais às experiências do que à geografia. Estar em todas as direções representa a disposição em abraçar o outro com generosidade em cada uma de suas situações existenciais, do nascimento à morte, da prosperidade à adversidade. É desta maneira que Cristo age com os seus e é assim que ele os orienta a agir.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas para este domingo

Primeira Leitura:
Atos 1,1-11
1No meu primeiro livro, ó Teófilo, já tratei de tudo o que Jesus fez e ensinou, desde o começo 2até o dia em que foi levado para o céu, depois de ter dado instruções, pelo Espírito Santo, aos apóstolos que tinha escolhido. 3Foi a eles que Jesus se mostrou vivo depois da sua paixão, com numerosas provas. Durante quarenta dias, apareceu-lhes falando do Reino de Deus. 4Durante uma refeição, deu-lhes esta ordem: “Não vos afasteis de Jerusalém, mas esperai a realização da promessa do Pai, da qual vós me ouvistes falar: 5‘João batizou com água; vós, porém, sereis batizados com o Espírito Santo dentro de poucos dias’”. 6Então os que estavam reunidos perguntaram a Jesus: “Senhor, é agora que vais restaurar o reino em Israel?” 7Jesus respondeu: “Não vos cabe saber os tempos e os momentos que o Pai determinou com a sua própria autoridade. 8Mas recebereis o poder do Espírito Santo, que descerá sobre vós para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria e até os confins da terra”. 9Depois de dizer isso, Jesus foi levado ao céu à vista deles. Uma nuvem o encobriu, de forma que seus olhos não podiam mais vê-lo. 10Os apóstolos continuavam olhando para o céu, enquanto Jesus subia. Apareceram então dois homens vestidos de branco, 11que lhes disseram: “Homens da Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Esse Jesus, que vos foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu”.
Palavra do Senhor.


Sl46(47)
Por entre aclamações Deus se elevou, / o Senhor subiu ao toque da trombeta!
Povos todos do universo, batei palmas, / gritai a Deus aclamações de alegria! / Porque sublime é o Senhor, o Deus altíssimo, / o soberano que domina toda a terra. – R.
Por entre aclamações Deus se elevou, / o Senhor subiu ao toque da trombeta. / Salmodiai ao nosso Deus ao som da harpa, / salmodiai, ao som da harpa, ao nosso rei! – R.
Porque Deus é o grande rei de toda a terra, / ao som da harpa acompanhai os seus louvores! / Deus reina sobre todas as nações, / está sentado no seu trono glorioso. – R.


Segunda Leitura:
Efésios 1,17-23
Irmãos, 17o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai a quem pertence a glória, vos dê um espírito de sabedoria que vo-lo revele e faça verdadeiramente conhecer. 18Que ele abra o vosso coração à sua luz, para que saibais qual a esperança que o seu chamamento vos dá, qual a riqueza da glória que está na vossa herança com os santos 19e que imenso poder ele exerceu em favor de nós que cremos, de acordo com a sua ação e força onipotente. 20Ele manifestou sua força em Cristo, quando o ressuscitou dos mortos e o fez sentar-se à sua direita nos céus, 21bem acima de toda autoridade, poder, potência, soberania ou qualquer título que se possa nomear não somente neste mundo, mas ainda no mundo futuro. 22Sim, ele pôs tudo sob os seus pés e fez dele, que está acima de tudo, a cabeça da Igreja, 23que é o seu corpo, a plenitude daquele que possui a plenitude universal.
Palavra do Senhor.


“Quem acreditar e for batizado, será salvo”
Evangelho: Mc16,15-20

15 Então Jesus disse-lhes: «Vão pelo mundo inteiro e anunciem a Boa Notícia para toda a humanidade. 16 Quem acreditar e for batizado, será salvo. Quem não acreditar, será condenado. 17 Os sinais que acompanharão aqueles que acreditarem são estes: expulsarão demônios em meu nome, falarão novas línguas; 18 se pegarem cobras ou beberem algum veneno, não sofrerão nenhum mal; quando colocarem as mãos sobre os doentes, estes ficarão curados.» 19 Depois de falar com os discípulos, o Senhor Jesus foi levado ao céu, e sentou-se à direita de Deus. 20 Os discípulos então saíram e pregaram por toda parte. O Senhor os ajudava e, por meio dos sinais que os acompanhavam, provava que o ensinamento deles era verdadeiro.

* 9-20: Este trecho difere muito do livro até aqui; por isso é considerado obra de outro autor. Os cristãos da primeira geração provavelmente quiseram completar o livro de Marcos com um resumo das aparições de Jesus e uma apresentação global da missão da Igreja. Parece que se inspiraram no último capítulo de Mateus (28,18-20), em Lucas (24,10-53), em João (20,11-23) e no início do livro dos Atos dos Apóstolos (1,4-14). Embora seja acréscimo de retalhos tomados de outros escritos do Novo Testamento, o trecho conserva o pensamento de Marcos, isto é: os discípulos devem continuar a ação de Jesus.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

Domingo da Ascensão

 Oração: “Ó Deus todo-poderoso, a ascensão do vosso Filho já é nossa vitória. Fazei-nos exultar de alegria e fervorosa ação de graças, pois, como membros de seu corpo, somos chamados na esperança a participar da sua glória”.

  1. Leitura: At 1,1-11

Foi levado ao céu e sentou-se à direita de Deus.

Lucas escreveu dois livros: o Evangelho e os Atos dos Apóstolos. Nestes livros ele divide a história da salvação em três tempos: a) o tempo da promessa é o Antigo Testamento até o final da atividade de João Batista; b) o tempo da realização da promessa, que é a vida pública de Jesus, desde o batismo de João Batista, quando Jesus é ungido pelo Espírito Santo, até sua Ascensão ao céu; c) o tempo da Igreja, que se inicia com o dom do Espírito Santo em Pentecostes. No trecho da Palavra de Deus que hoje escutamos Lucas lembra o seu primeiro livro no qual mostrou “tudo o que Jesus começou a fazer e a ensinar”. Isto é, desde o batismo de Jesus até o dia em que “foi elevado ao alto”. Mas esta frase também sugere que, no segundo livro, os Atos dos Apóstolos, vai falar daquilo que a Igreja, movida pela força do Espírito Santo, continuou a “fazer e ensinar”.

O tempo da Igreja é inaugurado pelo próprio Jesus Ressuscitado, que durante quarenta dias instrui os apóstolos sobre as “coisas referentes ao Reino de Deus”. Entre elas, Jesus recomenda que não se afastem de Jerusalém, até receberem o Espírito Santo. Alguns ainda lhe perguntavam: “Senhor, é agora que vais restabelecer o reino de Israel”? Em vez do reino de Israel, Jesus lhes traça o programa do anúncio do Reino de Deus (missão), depois de receberem o Espírito Santo: “Sereis minhas testemunhas em Jerusalém, Judeia e Samaria, até os confins da terra”. Enquanto os apóstolos estão fitando os céus para onde Jesus se afastava, dois anjos lhes aparecem e dizem: “Por que ficais aqui parados, olhando para o céu”? É um chamado de volta à realidade do dia-a-dia. Jesus vai voltar um dia, sim, mas agora é o momento de cumprir a ordem de executar a missão delineada pelo Mestre: Com a força do Espírito Santo, eles devem ser testemunhas do Ressuscitado, em Jerusalém, na Judeia e Samaria, até os confins da terra.

O Papa Francisco nos pede para não ficarmos apenas parados, esperando a vinda do Senhor no fim dos tempos, mas desafia-nos a sermos uma Igreja em saída.

Salmo responsorial: Sl 46

            Por entre aclamações Deus se elevou,

            o Senhor subiu ao toque da trombeta.

  1. Segunda leitura: Ef 1,17-23

E o fez sentar-se à sua direita nos céus.

O Apóstolo nos convida a abrirmos o coração, para sabermos qual a esperança que o chamado divino nos dá, qual a riqueza de nossa herança com os santos e que imenso poder Deus exerce naqueles que nele creem. A força do Espírito Santo, derramado em nosso coração, é que nos envia em missão. O Espírito Santo é a força de Cristo, que o Pai “ressuscitou dos mortos e o fez sentar-se à sua direita nos céus”. O triunfo de Cristo, a Cabeça, é também o triunfo dos fiéis, que são “membros do seu corpo” (Oração).

  1. Evangelho: Mc 16,15-20

Foi levado ao céu e sentou-se à direita de Deus.

Nos manuscritos mais antigos, o Evangelho atribuído a Marcos termina em 16,8: Na manhã do primeiro dia da semana, as mulheres visitam o túmulo e encontram-no aberto. Um anjo lhes explica que Jesus não estava mais ali, porque havia ressuscitado. O anjo, então, lhes ordena que avisem aos discípulos e a Pedro sobre o ocorrido e que eles devem ir à Galileia, onde verão o Ressuscitado. Mas elas fogem apavoradas sem dizer nada a ninguém. Este era o final original de Marcos, como consta nos códices manuscritos mais antigos. A síntese dos relatos sobre as aparições do Ressuscitado (v. 9-14), o relato da missão dada aos apóstolos e a ascensão de Jesus ao céu (v. 15-20), hoje proclamado, são tardios. Foram acrescentados mais tarde (II séc.), valendo-se das narrativas de outros evangelhos, sobretudo, de João e Lucas, até mesmo dos Atos dos Apóstolos.

O autor deste acréscimo lembra a aparição de Jesus a Maria Madalena, mas os discípulos não lhe dão crédito. O mesmo acontece quando os discípulos de Emaús lhes contam que tinham visto Jesus ressuscitado. A insistência na incredulidade dos discípulos é uma advertência a nós que somos convidados a crer nas testemunhas da ressurreição, sem que tenhamos visto pessoalmente o Senhor (cf. Jo 20,25.29). Como em Mt 20,16-20, Jesus repreende a incredulidade dos onze; mesmo assim, os envia em missão: “Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura”. Aponta como caminho da salvação a fé em Jesus Cristo e o batismo, e confere aos apóstolos o poder de fazer milagres. Por fim, lembra a ascensão de Jesus ao céu e como os discípulos cumpriram sua missão, com a assistência do Senhor, que confirmava a Palavra anunciada com milagres. O autor não fala diretamente do Espírito Santo, mas supõe sua ação permanente na missão da Igreja. A ascensão de Jesus ao céu marca o fim de sua missão aqui na terra e o começo da missão de seus discípulos (cf. Elias e Eliseu: 2Rs 2,9-18). Os anjos perguntavam aos apóstolos: “Por que ficais aqui, parados, olhando o céu”? Sejamos uma Igreja em saída, nos pede o Papa Francisco.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

O ponto mais alto da história humana

Frei Clarêncio Neotti

Há uma expressão que merece uma explicação: ‘Sentado à direita de Deus’. A Igreja pôs a mesma expressão no Credo. Ela origina-se do salmo 110, que é um hino ao Messias triunfante: “Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos como escabelo de teus pés”. Esse texto é lembrado por Jesus ao apresentar-se no templo como Messias (Mc 12,36). Na hora da condenação, quando o Sumo Sacerdote lhe perguntou se era “o Cristo, o Filho de Deus bendito”, Jesus confirmou e acrescentou: “E me vereis sentado à direita do poder de Deus” (Mc 14,62).

Deus não tem direita nem esquerda. A expressão significa que ao Cristo glorioso é dado todo o poder no céu e na terra. Um poder divino, igual ao do Pai. Um poder em comunhão com o poder do Pai. Esse é o ponto mais alto da história humana, porque o Cristo ali está também como homem. Por isso mesmo, a partir desse momento, para ele “convergem todas as aspirações da História e da Civilização … e ele é a plenitude de todos os desejos da criatura humana” (Gaudium et Spes, 45). A glorificação de Jesus, portanto, tem muito a ver com o nosso destino humano, cujo marco final, hoje, Jesus plantou na eternidade do céu.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

O Senhor da glória

Frei Almir Guimarães

O ornato do corpo é a cabeça. A beleza das festas é a solenidade hodierna. Com efeito, estamos celebrando a ascensão de Jesus Cristo segundo a carne, que é a última de todas as festas do Senhor. Ela faz resplandecer de modo admirável a beleza da graça divina como se lhe impusesse um termo.
Santo Epifânio, bispo

Não era possível que a natureza humana de Jesus permanecesse entre nós eternamente. Não dá para entender um Jesus atravessando portas com mais de dois mil anos. Deus belo e grande resolveu, nos seus imperscrutáveis desígnios, aparecer entre nós, viver nossa vida, chorar nossas lágrimas, cantar nossos hinos, morrer nossa morte e nos arrastar para um horizonte insuspeitado num movimento de vida, vida em plenitude, vida que brotou da morte amorosa de Jesus no alto da cruz e do dinamismo de um mundo novo que nascia na manhã de Páscoa. Ressoa sempre aos nossos ouvidos a palavra: “Vós morrestes, e vossa vida está escondida em Cristo Jesus” (Cl 3, 3). Vida nova, vida do Ressuscitado, que vive junto do Pai.’

Depois de algumas manifestações o Ressuscitado desapareceu. Ele continuaria junto dos seus no regime do sacramento, do sinal, no encontro dos que sinceramente se reúnem em seu nome, no grito rouco do doente e do pobre, no sinal do pão e do vinho. Sobretudo pelo Espirito que fez derramar em nós. Estará conosco até o fim dos tempos.

Com o desaparecimento de Jesus os discípulos tiveram a certeza de que ele voltara ao Pai. Como representar essa “subida”? Os céus dos céus, além do sétimo céu, para os judeus, era a morada de Deus. Assim a ascensão é belamente representada por esta viagem para as alturas. Onde está Deus, ai está na natureza humana de Jesus ressuscitada. Um pedaço de nós no oceano de Deus.

Não cessa a comunhão dos apóstolos com Jesus. Ele continua no meio deles. Cabe aos discípulos irem pelo mundo afora e, de várias formas, anunciar o mundo novo. Ele, o Ressuscitado, os precederia.

Segundo os Atos a nuvem, a nuvem de Deus encobriu Jesus e os apóstolos não podiam mais vê-lo. Os apóstolos tomaram consciência de que o Ressuscitado os havia precedido em seu trabalho de anunciadores e portadores de um mundo novo. Nada de ficarem olhando estatelados para o céu. Não dá para ficar olhando para o céu. Os apóstolos sentem-se revestidos de um poder. Paulo mais tarde dirá: “Ai de mim se não evangelizar!”. A ascensão do Senhor marca uma virada: os discípulos não acompanham o Mestre. Ele é que os acompanha.

“Foi porque ele quis se fazer próximo de nós que nos deixou, levando consigo aquilo que é nosso; pelo fato de ter sido elevado na cruz da morte e à direita do Pai que ele se tornou próximo de nós e que nele tudo se tornou próximo. É por meio de Espírito que ele se torna próximo de nós, porque é precisamente o Espirito do qual foi ungido que se tornou Messias”.

Deus, com a ascensão de Jesus levou para o seio da Trindade aquilo que é nosso, nosso ser humano.


Texto seleto

Ascensão: tudo se enche de alegria.

A maior das festas é aquela diante da qual todo discurso nada mais é do que um simples balbucio. Na verdade, hoje, na festa da ascensão jorra uma torrente de delícias e tudo se enche de alegria. Hoje, Cristo abre a porta do céu refulgente de luz. Vinde e contemplai esse cocheiro que, de modo maravilhoso, atravessa os espaços celestes. Ninguém, nem mesmo Elias, jamais subiu ao céu, mas somente aquele que lá desceu, o Filho unigênito de Deus. Ele mesmo afirma claramente: “Ninguém subiu ao céu senão aquele que desceu do céu: o Filho do Homem que está no céu” (cf. Jo 3, 13). Na verdade, esse Bom Pastor, que havia deixado nas montanhas celestes as noventa e nove ovelhas, isto é, os anjos, para procurar a ovelha que se havia perdido, tendo-a encontrado, colocou-a misericordiosamente sobre os ombros e a reconduziu ao aprisco celeste. Ofereceu-a então ao Pai do céu, dizendo: “Pai, encontrei a ovelha perdida que a serpente havia induzido ao erro. Tendo-a visto, coberta pela lama de uma vida de pecado, estendendo minha mão divina, imediatamente a levantei e, impelido por uma profunda compaixão, lavei-a no rio Jordão, perfumando-a depois com a unção do Espirito Santo. Agora, ressuscitado, venho à tua presença para oferecer à tua divindade este dom digno de ti: a ovelha reencontrada”.

Homilia atribuída a Santo Epifânio, bispo
Lecionário Monástico III, p. 546


SAUDADES DO CÉU

Senhor Jesus,
hoje deixaste essa terra dos homens.
Vieste nos tocar e tocar nosso coração
e agora estás novamente no mistério do Pai.
Vieste comer às nossas mesas,
chorar conosco nossas lágrimas,
sonhar os nossos sonhos.

Tu és o Menino das Palhas,
o Verbo de Deus feito homem,
tu és aquele que vives para sempre.

Na glória estás agora,
com teu corpo e nosso corpo,
com teu coração e nosso coração,
com tua vida e nossa vida.

Nosso destino não termina na morte,
mas a glória onde está agora a natureza humana
que assumiste.
Estás na glória, mas também estás perto de nós..
Caminhas ao nosso lado como no tempo de Emaús,
falas pela Escritura como na sinagoga de Nazaré, alimenta-nos com teu corpo como naquela ceia da despedida.

Dá-nos, Senhor Jesus, saudades da glória,
saudades do céu, saudade desse destino que nos cobrirá
com a nuvem de glória que revestiu
teu corpo na hora da despedida.


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Confiar no Evangelho

José Antonio Pagola

A Igreja já tem vinte séculos. Para trás ficam dois mil anos de fidelidade e também de não poucas infidelidades. O futuro parece sombrio. Fala-se de sinais de decadência em seu seio: cansaço, envelhecimento, falta de audácia, resignação. Cresce o desejo de algo novo e diferente, mas também a impotência para produzir uma verdadeira renovação.

O evangelista Mateus termina seu escrito colocando nos lábios de Jesus uma promessa destinada a alimentar para sempre a fé de seus seguidores: “Eu estarei convosco todos os dias até o fim do mundo”. Jesus continuará vivo no meio do mundo. Seu movimento não se extinguirá. Sempre haverá crentes que atualizem sua vida e sua mensagem. Marcos nos diz que, depois da Ascensão de Jesus, os apóstolos “saíram a pregar por toda parte, e o Senhor cooperava com eles”.

Esta fé nos leva a confiar também hoje na Igreja: com atrasos e resistências talvez, com erros e debilidades, ela sempre continuará procurando ser fiel ao evangelho. Leva-nos também a confiar no mundo e no ser humano: por caminhos nem sempre claros nem fáceis, o reino de Deus continuará crescendo.

Hoje existe mais fome e violência no mundo, mas existe também mais consciência para torná-lo mais humano. Existem muitos que não creem em nenhuma religião, mas creem numa vida mais justa e digna para todos, que é, em suma, o grande desejo de Deus.

Esta confiança pode dar um tom diferente à nossa maneira de olhar o mundo e o futuro da Igreja. Pode ajudar-nos a viver com paciência e paz, sem cair no fatalismo e sem desesperar do evangelho.

Precisamos sanear nossas vidas eliminando aquilo que nos esvazia de esperança. Quando nos deixamos dominar pelo desencanto, pelo pessimismo ou pela resignação, nos incapacitamos para transformar a vida e renovar a Igreja. O filósofo alemão (radicado nos Estados Unidos) Herbert Marcuse dizia que “só merecem a esperança aqueles que caminham”. Eu diria que só conhecem a esperança cristã aqueles que caminham seguindo os passos de Jesus. São eles os que “podem proclamar o evangelho a toda a criação”.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

“O Senhor cooperava com eles”

Pe. Johan Konings

Depois da ressurreição, Jesus deixou sua missão terrena e subiu aos céus, confiando sua missão aos seus. E “o Senhor cooperava com eles” (evangelho). Depois da Páscoa, tudo mudou. Antes, Jesus era o profeta rejeitado; depois, ele apareceu entrando na glória do Pai – que assim mostrou aos discípulos que Jesus teve razão naquilo que ensinou e realizou. Antes, Jesus chamava os discípulos para serem seus colaboradores; depois, ele é quem “coopera com eles”, pois agora sua obra está nas mãos deles.

O Ressuscitado mandou os discípulos anunciar a Boa Nova e lhes prometeu forças extraordinárias para cumprirem sua missão. Quem se empenha corpo e alma pela causa de Deus faz maravilhas, enquanto o acomodado não consegue nada. Movidos pelo amor ao Senhor, os apóstolos se jogaram na pregação, e coisas inimagináveis aconteceram. Ficamos maravilhados ao ler de que foram capazes um José de Anchieta, uma Madre Teresa de Calcutá… A festa da Ascensão nos ensina a fazer de Jesus realmente o Senhor de nossa vida e a arriscar tudo para levar sua missão adiante – realizando o que parecia impossível. Pois ele coopera.

Coopera de modo extraordinário. Não que o extraordinário em si seja uma prova da divindade. No tempo de Moisés havia os feiticeiros do Egito e no tempo dos apóstolos, os taumaturgos judeus e pagãos. O extraordinário, de per si, é ambíguo, alimenta o sensacionalismo, o “Fantástico” na televisão etc. Ora, na pregação, o extraordinário tem valor de sinal quando mostra que o Espírito do Ressuscitado impulsiona o mensageiro, quando faz reconhecer Jesus como o Senhor e como aquele que coopera com aqueles que estão a seu serviço – como aquele que tem força para mudar o mundo, quando os seus se empenham por isso.

Mas esse poder não serve para glória própria. Serve para o amor, para o projeto pelo qual Jesus deu a vida. Jesus não veio para conquistar o poder, mas para servir e dar a vida pela humanidade. Veio para manifestar o amor de Deus. Se manifesta o poder de Jesus-Senhor, a evangelização deve, antes de tudo, demonstrar o amor de Jesus-Servo. O extraordinário, na evangelização, serve para manifestar que o amor de Deus, tornado visível em Jesus, tem a última palavra.

Atualizando, poderíamos considerar coisas que são, nesse sentido, extraordinárias: a transformação das estruturas de nossa sociedade, enferrujada em seu egoísmo; a vitória da justiça sobre a corrupção; a vitória da solidariedade e da dignidade humana sobre as muitas formas de vício e degeneração…

Há grupos religiosos que exibem mais “milagres” do que nós, católicos. Será que por isso devemos apostar mais nas coisas sensacionais? O extraordinário é um sinal, não a causa mesma que está em jogo. É bom ter sinais, mas o mais importante é que a causa seja apresentada na sua integridade. E essa causa é o amor de Cristo que nos impulsiona. Extraordinário mesmo é o que, nas circunstâncias mais contrárias, fala desse amor. Aí, “Ele” aparece cooperando conosco.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella