2º Domingo da Páscoa
- Segundo Domingo da Páscoa
- Leituras bíblicas deste domingo
- Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus
- A fé vai além dos sentidos
- Ele passa por portas fechadas
- Abrir as portas
- A comunidade que nasceu da Páscoa
- Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella
Segundo Domingo da Páscoa
A humanidade sonhada por Jesus
Frei Gustavo Medella
A Leitura do Livro dos Atos dos Apóstolos deste segundo Domingo da Páscoa, em seus poucos versículos (At 4,32-35), traz os pilares de uma sociedade dos sonhos de Deus. Certamente foi por esta proposta de humanidade que Jesus derramou o seu sangue. Um mundo sem fome, sem guerra e sem injustiça.
O primeiro pilar apresentado é o da unidade: “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma”. Na diversidade de culturas, costumes e origens, os adeptos da proposta de Jesus encontram um modo de viver e de se respeitar no qual ninguém anula a sua identidade, mas a potencializa numa direção construtiva capaz de promover a vida e o respeito. As diferenças não são obstáculos para a convivência, mas representam uma oportunidade de aprendizado coletivo, onde todos se respeitam simplesmente (e é o que basta!) pelo fato de serem filhas e filhos amados de Deus.
O segundo pilar é o da partilha: “Ninguém considerava como próprias as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum”. Havia, entre a comunidade, a consciência de que os bens existem para atender as pessoas, e não o contrário. A sede pela acumulação não encontrava espaço naqueles corações que haviam descoberto um tesouro muito mais valioso, este sim pelo qual valia a pena doar a vida. Apesar das contradições e dos desafios, conseguiram chegar à conclusão de que o “ser” é infinitamente mais importante do que o “ter”.
O terceiro, o testemunho: “Com grandes sinais de poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus”. Poucos tiveram a graça de um encontro presencial com Jesus Cristo em vida ou como o Ressuscitado. No entanto, inúmeros puderam – e ainda podem – ouvir e ver os testemunhos em torno da vida e dos ensinamentos do Filho de Deus. Hoje, cada cristão é chamado a ser testemunha prática de tudo que Jesus pregou e fez.
O quarto pilar é o cuidado: “Entre eles ninguém passava necessidade”. Em tempos difíceis como os atuais, a atenção por aqueles que passam necessidade deve ser redobrada. No mundo sonhado por um Deus que se faz Pão, jamais caberá um ser humano faminto. Que as esperanças deste mundo melhor estevam sempre povoando o horizonte daqueles que escolheram caminhar segundo o seguimento de Jesus Cristo.
FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.
Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos
Leituras bíblicas deste domingo
Primeira Leitura: At 4,32-35
32A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava como próprias as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum. 33Com grandes sinais de poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus. E os fiéis eram estimados por todos.
34Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas, vendiam-nas, levavam o dinheiro, 35e o colocavam aos pés dos apóstolos. Depois, era distribuído conforme a necessidade de cada um.
– Palavra do Senhor.
– Graças a Deus.
Salmo Responsorial (Sl 117)
— Dai graças ao Senhor, porque ele é bom; “eterna é a sua misericórdia!”
— Dai graças ao Senhor, porque ele é bom; “eterna é a sua misericórdia!”
— A casa de Israel agora o diga:/ “Eterna é a sua misericórdia!”/ A casa de Aarão agora o diga:/ “Eterna é a sua misericórdia!”/ Os que temem o Senhor agora o digam:/ “Eterna é a sua misericórdia!”
— A mão direita do Senhor fez maravilhas,/ a mão direita do Senhor me levantou,/ a mão direita do Senhor fez maravilhas!
— Não morrerei, mas ao contrário, viverei/ para cantar as grandes obras do Senhor!/ O Senhor severamente me provou,/ mas não me abandonou às mãos da morte.
— A pedra que os pedreiros rejeitaram/ tornou-se agora a pedra angular./ Pelo Senhor é que foi feito tudo isso:/ que maravilhas ele fez a nossos olhos!/ Este é o dia que o Senhor fez para nós,/ alegremo-nos e nele exultemos!
Segunda Leitura: 1Jo 5,1-6
Caríssimos: 1Todo o que crê que Jesus é o Cristo, nasceu de Deus, e quem ama aquele que gerou alguém, amará também aquele que dele nasceu.
2Podemos saber que amamos os filhos de Deus, quando amamos a Deus e guardamos os seus mandamentos. 3Pois isto é amar a Deus: observar os seus mandamentos. E os seus mandamentos não são pesados, 4pois todo o que nasceu de Deus vence o mundo. E esta é a vitória que venceu o mundo: a nossa fé.
5Quem é o vencedor do mundo, senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus? 6Este é o que veio pela água e pelo sangue: Jesus Cristo. (Não veio somente com a água, mas com a água e o sangue.) E o Espírito é que dá testemunho, porque o Espírito é a Verdade.
– Palavra do Senhor.
– Graças a Deus.
Jesus ressuscitado está vivo na comunidade
Evangelho: Jo 20, 19-31
* 19 Era o primeiro dia da semana. Ao anoitecer desse dia, estando fechadas as portas do lugar onde se achavam os discípulos por medo das autoridades dos judeus, Jesus entrou. Ficou no meio deles e disse: «A paz esteja com vocês.» 20 Dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos ficaram contentes por ver o Senhor.
21 Jesus disse de novo para eles: «A paz esteja com vocês. Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês.» 22 Tendo falado isso, Jesus soprou sobre eles, dizendo: «Recebam o Espírito Santo. 23 Os pecados daqueles que vocês perdoarem, serão perdoados. Os pecados daqueles que vocês não perdoarem, não serão perdoados.»
A comunidade é testemunha de Jesus ressuscitado – * 24 Tomé, chamado Gêmeo, que era um dos Doze, não estava com eles quando Jesus veio. 25 Os outros discípulos disseram para ele: «Nós vimos o Senhor.» Tomé disse: «Se eu não vir a marca dos pregos nas mãos de Jesus, se eu não colocar o meu dedo na marca dos pregos, e se eu não colocar a minha mão no lado dele, eu não acreditarei.»
26 Uma semana depois, os discípulos estavam reunidos de novo. Dessa vez, Tomé estava com eles. Estando fechadas as portas, Jesus entrou. Ficou no meio deles e disse: «A paz esteja com vocês.» 27 Depois disse a Tomé: «Estenda aqui o seu dedo e veja as minhas mãos. Estenda a sua mão e toque o meu lado. Não seja incrédulo, mas tenha fé.» 28 Tomé respondeu a Jesus: «Meu Senhor e meu Deus!» 29 Jesus disse: «Você acreditou porque viu? Felizes os que acreditaram sem ter visto.»
Para que João escreveu este evangelho? – * 30 Jesus realizou diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. 31 Estes sinais foram escritos para que vocês acreditem que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. E para que, acreditando, vocês tenham a vida em seu nome.
* 19-23: O medo impede o anúncio e o testemunho. Jesus liberta do medo, mostrando que o amor doado até à morte é sinal de vitória e alegria. Depois, convoca seus seguidores para a missão no meio do mundo, infunde neles o Espírito da vida nova e mostra-lhes o objetivo da missão: continuar a atividade dele, provocando o julgamento. De fato, a aceitação ou recusa do amor de Deus, trazido por Jesus, é o critério de discernimento que leva o homem a tomar consciência da sentença que cada um atrai para si próprio: sentença de libertação ou de condenação.
* 24-29: Tomé simboliza aqueles que não acreditam no testemunho da comunidade e exigem uma experiência particular para acreditar. Jesus, porém, se revela a Tomé dentro da comunidade. Todas as gerações do futuro acreditarão em Jesus vivo e ressuscitado através do testemunho da comunidade cristã.
* 30-31: O autor conclui o relato da vida de Jesus, chamando a atenção para o conteúdo e a finalidade do seu evangelho, que contém apenas alguns dos muitos sinais realizados por Jesus. E estes aqui foram narrados para despertar o compromisso da fé que leva a experimentar a vida trazida por Jesus.
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral
Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus
2º Domingo da Páscoa
Oração: “Ó Deus de eterna misericórdia, que reacendeis a fé do vosso povo na renovação da festa pascal, aumentai a graça que nos destes. E fazei que compreendamos melhor o batismo que nos lavou, o espírito que nos deu nova vida, e o sangue que nos redimiu”.
- Primeira leitura: At 2,32-35
Um só coração e uma só alma.
Nos Atos dos Apóstolos, Lucas dirige-se de modo especial aos cristãos de origem pagã, que viviam fora da Palestina, depois do ano 80. Jerusalém já tinha sido destruída no ano 70, mas para Lucas a comunidade que ali vivia depois de Pentecostes continuava sendo um modelo para os cristãos da segunda geração. Era uma comunidade movida pela fé no Cristo ressuscitado e animada pelo Espírito Santo, sobre ela derramado. Viviam em comunhão fraterna, eram ouvintes assíduos no ensinamento dos apóstolos, nas “reuniões em comum, no partir do pão e nas orações” e na partilha dos bens com os mais pobres, esperando que Cristo voltasse logo (At 2,42-45). Para viver esta partilha de bens com os necessitados, havia os que vendiam até suas propriedades e depositavam o valor aos pés dos apóstolos. Luca cita o exemplo de Barnabé, que será o futuro companheiro de Paulo nas viagens missionárias. Chega a exagerar, dizendo que “não havia necessitados entre eles”. Sabemos, porém, que havia muitos pobres em Jerusalém; para socorrê-los foram então escolhidos sete diáconos, para melhor atender os cristãos de língua grega (6,1-7). Mais tarde, por ocasião de uma grande seca, a comunidade de Antioquia enviou auxílio à de Jerusalém (11,27-30) e Paulo fez coletas para socorrer os pobres da Igreja-mãe (2Cor 8–9). Com isso Lucas quer dizer que os primeiros cristãos colocavam o amor fraterno em primeiro lugar e não os bens deste mundo. Por causa disso os apresenta como modelo. Quem se coloca no “caminho” da vida cristã transforma a sua vida, para viver em comunidade a vida fraterna e o Reino de Deus sonhado por Jesus.
Salmo responsorial
Dai graças ao Senhor, porque ele é bom;
eterna é a sua misericórdia.r
- Segunda leitura: 1Jo 5,1-6
Todo aquele que nasceu de Deus vence o mundo.
O cristão é convidado a viver a comunhão de amor com Deus e com os irmãos. O critério para saber se estamos em comunhão com Deus é o amor vivido com os irmãos (4,19-21). No texto que ouvimos, o autor da Carta afirma que o amor vivido com Deus e com os irmãos é um dom do próprio Deus. Amamos a Deus porque, pelo batismo, nascemos de Deus. Este amor nasce da fé em Jesus, o Messias e Filho de Deus (cf. Jo 20,30-31). A fé nos torna filhos de Deus e nos leva a observar os seus mandamentos, especialmente, o mandamento do amor (cf. Jo 13,14-15.34-35).
Aclamação ao Evangelho
Aleluia, Aleluia, Aleluia!
Acreditaste, Tomé, porque me viste.
Felizes os que creram sem ter visto.
- Evangelho: Jo 20,19-31
Oito dias depois, Jesus entrou.
O Evangelho que acabamos de ouvir fala de duas aparições do Ressuscitado, no “primeiro dia da semana”. Foi a partir deste dia que começou a fé em Cristo ressuscitado. Desde então, a vida pública de Jesus, seus ensinamentos aos discípulos e os “sinais” (milagres) em favor dos doentes, pobres e pecadores ganharam um novo sentido. As manifestações do Ressuscitado acontecem quando os discípulos estão reunidos. Por isso, este dia passou a ser chamado “dia do Senhor”, dies Domini, ou Domingo, dia preferido para as celebrações eucarísticas em que se comemora a ressurreição do Senhor Jesus (cf. At 20,7-12; 1Cor 16,2; Ap 1,10). A presença de Jesus ressuscitado “invade” a reunião dos discípulos, ainda com medo dos judeus, e lhes comunica a paz. Jesus, de certa forma, reconcilia-se com os discípulos que o abandonaram e lhes perdoa a infidelidade. A paz comunicada por Jesus é fruto do perdão divino, que reconcilia a pessoa consigo mesma, com o próximo e com Deus. Concede-lhes o Espírito santo e o poder de perdoar os pecados em nome de Jesus. Jesus não restringe este poder aos dirigentes da Igreja. Concede-o a cada cristão, conforme o pedimos: “Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos aos que nos têm ofendido…” Um dos principais dons que Deus nos concede é o perdão de nossos pecados. A comunidade pós-pascal é uma comunidade reconciliada com Deus e com os irmãos. É uma comunidade onde reina o amor e a paz, fruto da fé no Ressuscitado a ser comunicada aos outros. Por isso Jesus os envia em missão: “Recebei o Espírito Santo” (…). “A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados…”.
Tomé, porém, não estava presente na primeira manifestação do Ressuscitado e permanecia incrédulo aos que lhe diziam: “Vimos o Senhor”! Só acreditarei, dizia Tomé, se puder tocar as chagas de suas mãos, dos pés e do lado. Oito dias depois, de novo, Jesus se põe no meio dos discípulos reunidos, comunica-lhes a paz, e convida Tomé tocar suas chagas. Tomé reconhece a Jesus e o adora: “Meu Senhor e meu Deus!” Jesus o repreende: “Acreditaste porque me viste?” Assim, Tomé começou a fazer parte das testemunhas privilegiadas da ressurreição do Senhor; são testemunhas porque puderam ver e tocar o Ressuscitado, e comer com ele.
Mas João, no final do 1º século, escreve para cristãos que não conheceram a Jesus histórico, nem ouviram as testemunhas privilegiadas da ressurreição, que já tinham morrido. Mesmo assim creram. A estes cristãos, e a nós, Jesus diz: “Bem aventurados os que creram sem terem visto”. Felizes somos também nós, que cremos em Cristo Ressuscitado, sem tê-lo visto.
FREI LUDOVICO GARMUS, OFM, é professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.
A fé vai além dos sentidos
Frei Clarêncio Neotti
O Evangelho conta dois episódios com oito dias de diferença. Eles estão muito ligados entre si. Não pela pessoa de Tomé, mas por aquilo que ele representa. Somos extremamente sensoriais. Cremos naquilo que um dos nossos sentidos capta, ou naquilo que a inteligência pode enquadrar dentro das gavetas do conhecimento. Por isso temos grandes dificuldades na fé que, nos pontos essenciais, ultrapassa qualquer sentido ou qualquer compreensão.
Esse problema também devia existir nas primeiras comunidades cristãs. Ora, o Cristo que estivera entre os discípulos, comendo e caminhando com eles, ensinando-os e sustentando-os sempre com sua presença, é o mesmo que está no meio da comunidade “até o fim dos tempos” (Mt 28,20). É o mesmo, mas não mais perceptível pelos sentidos. A frase de Jesus: “Felizes os que não veem e creem” (v. 29) se refere a todos os que, sem negar valor aos sentidos e ao entendimento, vão além e aceitam o campo da fé. Pedro dirá: “Sem vê-lo, o amais; sem vê-lo, nele tendes fé. Isso será para vós uma fonte de alegria” (lPd 1,8).
Com alegria e causando alegria, a comunidade cristã ama o Senhor ressuscitado; crê e sabe que ele está presente, ainda que os olhos não o vejam e as mãos não o toquem. A dúvida e a incredulidade de Tomé são símbolos da dúvida e incredulidade que tantas vezes acompanham nossa mente. Mas a confissão de Tomé é também símbolo da profissão de fé de cada cristão. Todo o Evangelho foi escrito para que cada um de nós chegue à mesma conclusão de Tomé e viva essa fé em Cristo, nosso Deus e Senhor.
FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFM, entrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.
Ele passa por portas fechadas
Frei Almir Guimarães
O amor é uma força, a única capaz de sobreviver à morte e de abrir as portas com suas mãos traspassadas.
Tomás Halik
♦ Somos seres humanos. Vivemos essa trajetória existencial de etapa em etapa, de sol a sol, de lua a lua, num tempo quando o tempo nos deixar sair de casa e no tempo de epidemia que nos obriga a ficarmos fechados e isolados. O espírito não pode ser algemado. Sorte que ainda podemos ouvir o canto dos passarinhos e ver o esplendor do manacá da serra. Outros, muitos outros caminham ao nosso lado. Iguais a nós. Vemo-los sendo vacinados no Reino Unido, na Índia ou em Manaus. Seres humanos que somos, cristãos não poucos. Seguimos Cristo, vivemos de Cristo, vivemos em Cristo.
♦ “Por que procurar entre os mortos aquele que vive?” Tempo da páscoa, da passagem, da vitória da vida. O menino das palhas, o mestre andarilho, aquele que foi eliminado da terra por uma morte violenta, cuja morte foi vencida. Não se encontra entre os mortos aquele que vive. Vive de outra maneira. Vive de modo todo particular onde há o verdadeiro bem-querer. Não existe maior bem querer, maior amor do que dar a vida pelos seus. Maria Madalena nos agarra pelas mãos e nos faz ouvir sua voz: “Maria”. Os discípulos de Emaús pedem que entremos na pousada para que nossos olhos se abram e digamos: “É o Senhor!”
♦ O evangelho deste domingo nos faz reviver a primeira semana cristã. O evangelista relata a aparição do Ressuscitado aos discípulos na noite da ressurreição e também uma semana depois. Desde então, ininterruptamente os discípulos continuam a reunir-se para reviver aquela mesma Páscoa, aquele mesmo encontro, primeiro dia da semana. Esse encontro foi de tal monta que suplantou a centralidade do sábado e fez do domingo o dia dos cristãos como afirmaram os mártires do século primeiro: “Não podemos viver sem o domingo”.
♦ Os discípulos de Jesus passaram a ter essa verdadeira “mania” do estar juntos, das comunidades. Procuravam ter uma só alma e um só coração para celebrar uma ausência-presença. Não eram proprietários de nada e de ninguém. Igual ao Mestre pobre pendurado no madeiro. O dinheiro era colocado aos pés dos apóstolos. Eram unânimes na oração. Sonhamos hoje com pequenas comunidades cujos membros tenham capacidade de juntos ouvir a Palavra, de viverem na presença e na força do Ressuscitado que está entre nós.
♦ Na noite do primeiro dia da semana, Jesus aparece no meio dos discípulos, com as portas fechadas. Nova maneira de presença. Os discípulos se transformam em apóstolos e são enviados. Jesus sopra sobre eles. O sopro do Espírito. Paz, reconciliação, perdão dos pecados arrumação do interior de cada um. Ir… eram enviados como o Pai enviara o Filho. Discípulos, repito, que se transformam em enviados. Perdoar é exercer a misericórdia no interior do coração do ser humano. Este é do domingo da misericórdia.
♦ Tomé, não estava presente no primeiro encontro. Ouve o relato dos outros. Para acreditar… queria ver e tocar. Jesus tinha esse costume de tocar: os olhos dos cegos e o ouvido dos surdos. O tempo dos sinais visíveis terminaram e chegara o tempo da fé. Do crer sem ver. Do crer e dizer “Meu Senhor e meu Deus”.
♦ Ele vive. Uma série de pessoas, tocadas pelo Espirito e tendo “sinais”, “aparições” do Senhor, creram. De geração em geração, a força do Espírito foi possibilitando que as pessoas continuassem se reunindo na sua presença. Não basta apenas uma fé sociológica, mas dom que recebem aqueles que buscam o Mistério e sem presunções. Não podemos tocá-lo, nem vê-lo. Fomos alcançados pelo testemunho dos que foram objeto de suas manifestações. Tornamo-nos pobres por dentro e ele invadiu nosso interior arrancando ato de fé. “Meu Senhor e meu Deus”.
♦ “Para mim não existe outro caminho, não existe outra porta senão aquela que é aberta por uma mão ferida e um coração traspassado. Não posso clamar “meu Senhor e meu Deus”, sem ver a ferida que alcança o coração. Se credere (crer) provier de cor dare, então preciso confessar que meu coração e minha fé só podem pertencer aos Deus capaz de mostrar suas feridas (Tomás Halik, Toque as feridas, Vozes p. 13).
Oração
Senhor Jesus,
Tu e o vivo.
Teu corpo glorioso é o corpo humano glorificado.
Quando ouvimos, na celebração da Eucaristia,
“isto é meu corpo” “este é o cálice do meu sangue derramado por vós”
temos vontade de gritar como Tomé: “Meu Senhor e meu Deus”.
Tua vida de ressuscitado penetrando em nossa vida.
Somos convidados a ir pelo mundo e dizer que tu vives.
Por vezes te encontramos no sorriso leve da mulher pobre
que sorri para nós enquanto faz a faxina na praça.
A vitória da vida sobre a morte começa no domingo de Páscoa
em seu itinerário histórico:
a comunhão espanta a solidão,
o amor elimina as distância,
a fraternidade queima a indiferença
A semente da ressureição foi lançada e começa a geminar.
De domingo em domingo somos convidados a fazer
crescer em nós e no mundo a Páscoa da Ressurreição.
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.
Abrir as portas
José Antonio Pagola
O Evangelho de João descreve com traços obscuros a situação da comunidade cristã quando em seu centro falta Cristo ressuscitado. Sem sua presença viva, a Igreja se converte num grupo de homens e mulheres que vivem “numa casa com as portas fechadas, por medo dos judeus”.
Com as “portas fechadas” não se pode ouvir o que acontece lá fora. Não é possível captar a ação do Espírito no mundo. Não se abrem espaços de encontro e diálogo com ninguém. Apaga-se a confiança no ser humano e crescem os receios e preconceitos. Mas uma Igreja sem capacidade de dialogar é uma tragédia, pois os seguidores de Jesus são chamados a atualizar o eterno diálogo de Deus com o ser humano.
O “medo” pode paralisar a evangelização e bloquear nossas melhores energias. O medo nos leva a rejeitar e condenar. Com medo não é possível amar o mundo. Mas, se não o amamos, não o olhamos como Deus o olha. E, se não o olhamos com os olhos de Deus, como comunicaremos a Boa Notícia?
Se vivemos com as portas fechadas, quem deixará o redil para buscar as ovelhas perdidas? Quem se atreverá a tocar algum leproso excluído? Quem se sentará à mesa com pecadores ou prostitutas? Quem se aproximará dos esquecidos pela religião? Os que querem buscar o Deus de Jesus nos encontrarão com as portas fechadas.
Nossa primeira tarefa é deixar entrar o Ressuscitado através de tantas barreiras que levantamos para defender-nos do medo. Que Jesus ocupe o centro de nossas igrejas, grupos e comunidades. Que só Ele seja fonte de vida, de alegria e de paz. Que ninguém ocupe seu lugar, que ninguém se aproprie de sua mensagem. Que ninguém imponha um modo diferente do seu.
Já não temos mais o poder de outros tempos. Sentimos a hostilidade e a rejeição em nosso entorno. Somos frágeis. Mais do que nunca, precisamos abrir-nos ao sopro do Ressuscitado para acolher seu Espírito Santo.
JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.
A comunidade que nasceu da Páscoa
Pe. Johan Konings
Este domingo pascal acentua o dom do Espírito pelo Cristo Ressuscitado. O evangelho narra com Jesus, na própria tarde da Páscoa, apareceu aos discípulos no cenáculo, dando-lhes o Espírito Santo; e como, no domingo seguinte, Jesus mostrou seu lado aberto a Tomé, testemunha da primeira hora, mas proclamando felizes, doravante, os que acreditarem sem ter visto (v. 29)
Queremos deter-nos no tema do dom do Espírito e a vida da comunidade. O dom do Espírito serve em primeiro lugar para perdoar o pecado (v. 22-23). Pois os discípulos continuam a obra que Jesus iniciou: na primeira apresentação por João Batista, Jesus fora chamado “o cordeiro que tira o pecado do mundo” (Jô 1,29). A reconciliação com Deus e entre os irmãos é condição necessária para que seja possível a comunidade que Jesus deseja.
Na 1ª leitura vemos como essa comunidade funciona. Continuando a reunir-se, depois da morte e ressurreição de Jesus, e animada por seu Espírito, procurava viver em unidade perfeita: um só coração e uma só alma. Colocavam seus bens em comum, ninguém considerava seu o que possuía, e assim não havia carência no meio deles. Comunhão dos bens materiais mas também dos bens intelectuais, afetivos, espirituais. O que chamamos de “fraternidade” era realidade entre eles. Não era uma mera agremiação piedosa. Era uma união de vida.
Comunidade cristã é união de vida dos que seguem aquele que deu a vida por nós, Jesus Cristo. Ele nada guardou para si. Nós também, não devemos guardar para nós nada dos bens que nos foram dados – tanto materiais como intelectuais, morais etc. Somos administradores, não proprietários, e isso é uma razão a mais para sermos muito responsáveis naquilo que fazemos: não nos pertence. Pertence a Deus e é destinado aos nossos irmãos e irmãs. Assim como Cristo deu sua própria vida em sinal do amor de Deus, assim também nós devemos dar a vida pelos irmãos (1Jo 3,16). Dar a vida, vivendo ou morrendo…morrendo de uma morte que em Cristo se transforma em vida.
Essa vida de comunhão, é obra do Espírito de Cristo, que é o sopro de Deus que ressuscitou Jesus dentre os mortos. Podemos também dizer que o Espírito de Deus faz ressuscitar em nós a vida que Jesus viveu. Foi isso que experimentaram os primeiros cristãos, e é isso que a Igreja sempre terá de vivenciar. Não o egoísmo de uma instituição fechada sobre si mesma e de cristãos só de nome, mas uma comunhão de irmãos e irmãs, que contagia o mundo. Essa é a nossa fé, que vence o mundo (2ª leitura). A vida de Jesus ressuscita em nós. Paulo diz: “Não sou eu quem vivo, mas Cristo que vive em mim”(Gl 2,20). João escreve seu evangelho para que estejamos firmes na fé em Jesus e nessa fé tenhamos a vida. Mas não se trata de uma vida qualquer. Trata-se da vida que Jesus nos mostrou. Por isso João descreveu os gestos de Jesus, seus sinais que falavam de Deus (Jo 20, 30-31). Seja nossa vida, nossa comunidade, tal sinal: Nisto todos conhecerão que sois discípulos meus: que vos ameis uns aos outros”(Jo 13,35).
PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.
Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella