Frei Jacir de Freitas Faria, OFM[1]
Páscoa, como parece simples e quase banal falar de Páscoa em nossos dias! Basta ofertar um ovo de Páscoa e agradecer ao coelhinho que o trouxe para mim. Você me diria que não tenho razão, pois com esses símbolos celebramos a vida que nasce do ovo e se multiplica velozmente nos coelhos. Verdade! Você tem razão. Precisamos de símbolos para viver, suportar a vida na sua dureza, na sua dor sem fim. Os símbolos nos ligam ao mundo imaginário dos sonhos.
Páscoa é também isso e muito mais. Os judeus celebram a Páscoa relembrando a saída da escravidão do Egito. Nós a celebramos recordando a passagem de Jesus para junto do Pai. Os judeus comem o cordeiro. Para nós, cristãos, o cordeiro é Jesus imolado para nos salvar.
A morte está presente nessas duas experiências pascais. O medo dos judeus de perderem os seus primogênitos para o anjo da morte fez com eles marcassem suas casas com o sangue da morte de um cordeiro, de modo que o anjo da morte pudesse pular as casas marcadas. Isso se explica pelo fato de que Páscoa, Pessach, em hebraico, em sua formar verbal piel é também pular ou mancar.
A dor da morte do cordeiro, um animal de grande doçura, cordialidade e próximo da família judaica que o sacrifica na véspera do Jantar (Séder) de Pessach, é quase um despedir-se daqueles que ele aprendeu a gostar. Ele morre chorando. A dor da morte de Jesus na cruz o levou a soltar um grande grito, mas também a dizer: “Tudo está consumado!” (Jo 19,30). Há uma diferença entre a morte do cordeiro e a de Jesus. Morto na cruz e abandonado pelos seus amigos, Jesus não foi abandonado por Deus que, na sua passagem, o levou de volta para a sua casa, a casa do Pai, de onde viera.
Casa do Pai, de Deus, em contraste com a casa dos judeus e casa de nossa vida. Ela tem nome, Egito de nossa vida. Egito em hebraico, Mizraim, lugar da prisão, onde passamos a vida sofrendo, procurando amar e ser amado. Egito nunca mais!
Assim fez Jesus, que passou a vida na casa de sua família e de seus amigos. Trabalhou com eles. Conheceu a limitação de um Pedro traidor, a quem ele disse, te amo assim mesmo. Aceitou Judas, o ladrão, no seu seleto grupo de amigos. Não por menos, amigo, amado e pastor, o mestre, são correlatos em hebraico.
O grande segredo da Páscoa de Jesus foi de viver com sabedoria a dor de viver para fazer a Páscoa. Olha que interessante, na véspera de sua morte, ele exigiu que celebrassem com ele a festa da Páscoa, a sua Páscoa, a sua passagem. Muitas vezes antes, ele já havia preparado os seus amigos para a dor que eles sentiriam com a sua morte. Eles sofreriam porque aprenderam a amá-lo, assim como Jesus os amou. Jesus sabia que quem ama sofre. Ninguém vive sem sofrer. Ao nascer, já sofremos para deixar o útero, a casca do ovo que nos protegia. E aí vem o choro de alegria e de tristeza de ter que viver.
A nossa vida é um caminhar para superar a limitação de ser humano para nos tornarmos um ser divino. Páscoa é a passagem, volta para Deus, assim como fez Jesus.
No viver com todos esses simbolismos nos unimos com o Eterno. E para nós fica uma certeza: Jesus prometeu que continuaria conosco, que voltaria, que nos deixaria o Espírito Santo, de modo que, assim Ele estaria, definitivamente, unido a nós na dor e no amor. Isso é Páscoa!
Da dor da morte, renasce a vida eterna. Da casa do Pai, Ele nos protege, cuida e nos orienta. Na casa de nossa vida, Ele estará para sempre. Ele está com Covid 19.
Não existe Páscoa sem morte! Pascoa é experimentar Deus na vida, mas também na dor e na solidão da ausência. Feliz Pascoa para você! Compartilhe essa mensagem de fé, nesse tempo de tanta da dor e esperança.
[1] Doutor em Teologia Bíblica pela FAJE-BH. Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de exegese bíblica. Membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de dez livros e coautor de quatorze. Inscreva-se no nosso canal no You Tube: Frei Jacir Bíblia e Apócrifos ou https://www.youtube.com/c/FreiJacirdeFreitasFariaB%C3%ADbliaAp%C3%B3crifos