Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

4º domingo do Tempo Comum

Quarto domingo do Tempo Comum

A violência e o ruído da força do mal

 

Frei Gustavo Medella

“Então o espírito mau sacudiu o homem com violência, deu um grande grito e saiu” (Mc 1,26).

A força do mal é sempre violenta e, com muita frequência, barulhenta e escandalosa. Também se distingue pela falta de compromisso e comprometimento com as pessoas, usando-as enquanto úteis e descartando-as como lixo quando termina seu “prazo de utilidade”. A força do mal se manifesta no egoísmo exacerbado, na sede e no apego ao poder e ao dinheiro e na incapacidade de perceber o outro em suas necessidades e expectativas.

Combatê-la é um exercício exigente que demanda perseverança e inteligência. Começa como tarefa pessoal na qual, lançando mão dos expedientes que Jesus apresenta no Evangelho, o crente faz um sério trabalho de discernimento, buscando vencer em si toda tentação ao egoísmo, à intolerância e à autossuficiência. Este primeiro passo permite que cada pessoa se perceba parte de um todo mais amplo, da comunidade humana, também sujeita às ações malignas presentes em estruturas, comportamentos e escolhas que disseminam dor, sofrimento e morte.

Caminhar à luz do Evangelho e de seus grandes valores (justiça, partilha, generosidade, respeito etc.), permite à comunidade dar passos – às vezes silenciosos e discretos, mas sempre firmes e transformadores – na direção de um mundo capaz de superar a força do mal. Caminhemos, olhos fixos em Jesus.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas para este domingo

Primeira Leitura: Dt 18,15-20

Moisés falou ao povo, dizendo: 15“O Senhor teu Deus fará surgir para ti, da tua nação e do meio de teus irmãos, um profeta como eu: a ele deverás escutar. 16Foi exatamente o que pediste ao Senhor teu Deus, no monte Horeb, quando todo o povo estava reunido, dizendo: ‘Não quero mais escutar a voz do Senhor meu Deus, nem ver este grande fogo, para não acabar morrendo’.

17Então o Senhor me disse: ‘Está bem o que disseram. 18Farei surgir para eles, do meio de seus irmãos, um profeta semelhante a ti. Porei em sua boca as minhas palavras e ele lhes comunicará tudo o que eu lhe mandar. 19Eu mesmo pedirei contas a quem não escutar as minhas palavras que ele pronunciar em meu nome. 20Mas o profeta que tiver a ousadia de dizer em meu nome alguma coisa que não lhe mandei ou se falar em nome de outros deuses, esse profeta deverá morrer’”.


Salmo Responsorial: Sl 94

— Não fecheis o coração, ouvi hoje a voz de Deus!

— Não fecheis o coração, ouvi hoje a voz de Deus!

— Vinde, exultemos de alegria no Senhor,/ aclamemos o Rochedo que nos salva!/ Ao seu encontro caminhemos com louvores,/ e com cantos de alegria o celebremos!

— Vinde, adoremos e prostremo-nos por terra,/ e ajoelhemos ante o Deus que nos criou!/ Porque ele é o nosso Deus, nosso Pastor,/ e nós somos o seu povo e seu rebanho,/ as ovelhas que conduz com sua mão.

— Oxalá ouvísseis hoje a sua voz:/ “Não fecheis os corações como em Meriba,/ como em Massa, no deserto, aquele dia,/ em que outrora vossos pais me provocaram,/ apesar de terem visto as minhas obras”.


Segunda Leitura: 1Cor 7,32-35

Irmãos: 32Eu gostaria que estivésseis livres de preocupações. O homem não casado é solícito pelas coisas do Senhor e procura agradar ao Senhor. 33O casado preocupa-se com as coisas do mundo e procura agradar à sua mulher 34e, assim, está dividido. Do mesmo modo, a mulher não casada e a jovem solteira têm zelo pelas coisas do Senhor e procuram ser santas de corpo e espírito. Mas a que se casou preocupa-se com as coisas do mundo e procura agradar ao seu marido.

35Digo isto para o vosso próprio bem e não para vos armar um laço. O que eu desejo é levar-vos ao que é melhor, permanecendo junto ao Senhor, sem outras preocupações.


Jesus vence a alienação
Evangelho: Mc 1,21-28

* 21 Foram à cidade de Cafarnaum e, no sábado, Jesus entrou na sinagoga e começou a ensinar. 22 As pessoas ficavam admiradas com o seu ensinamento, porque Jesus ensinava como quem tem autoridade e não como os doutores da Lei.

23 Nesse momento, estava na sinagoga um homem possuído por um espírito mau, que começou a gritar: 24 «Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus!» 25 Jesus ameaçou o espírito mau: «Cale-se, e saia dele!» 26 Então o espírito mau sacudiu o homem com violência, deu um grande grito e saiu dele. 27 Todos ficaram muito espantados e perguntavam uns aos outros: «O que é isso? Um ensinamento novo, dado com autoridade… Ele manda até nos espíritos maus e eles obedecem!» 28 E a fama de Jesus logo se espalhou por toda parte, em toda a redondeza da Galiléia.

* 21-28: A ação demoníaca escraviza e aliena o homem, impedindo-o de pensar e de agir por si mesmo (por exemplo: ideologias, propagandas, estruturas, sistemas etc.): outros pensam e agem através dele. O primeiro milagre de Jesus é fazer o homem voltar à consciência e à liberdade. Só assim o homem pode segui-lo. Marcos não diz qual era o ensinamento de Jesus; contudo, mencionando-o junto com uma ação de cura, ele sugere que o ensinamento com autoridade repousa numa prática concreta de libertação: com sua ação Jesus interpreta as Escrituras de modo superior a toda a cultura dos doutores da Lei.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

4º Domingo do Tempo Comum

 Oração: “Concedei-nos, Senhor nosso Deus, adorar-vos de todo o coração, e amar todas as pessoas com verdadeira caridade”.

  1. Primeira leitura: Dt 18,15-20

Farei surgir um profeta

e porei em sua boca as minhas palavras.

Quando Deus se manifestou (teofania) no Monte Sinai, o povo assustado com os trovões e o fogo no alto da montanha, disse que não queria mais ouvir Deus falando-lhes deste jeito. Pediram a Moisés que ele próprio lhes falasse, como intermediário de Deus. E Deus os atendeu. Mas, Moisés morreu no deserto, antes de o povo entrar em Canaã. No texto que acabamos de ouvir, Moisés promete que Deus enviará no futuro um profeta como ele mesmo a quem todos deveriam escutar. A continuidade da missão de intermediário entre Deus e o povo foi exercida pelos profetas, que falaram em seu nome. O judaísmo interpretou este profeta como o futuro Messias. Em Jo 6,14 o povo identifica Jesus com o profeta prometido por Moisés. Na Transfiguração Jesus aparece entre Moisés e o profeta Elias, enquanto uma voz do céu se fazia ouvir: “Este é o meu Filho amado, escutai-o” (Mc 9,2-8).

Salmo responsorial: Sl 94

     Não fecheis o coração, ouvi hoje a voz de Deus!

  1.  Segunda leitura: 1Cor 7,32-35

A jovem solteira se ocupa com as coisas do Senhor, para ser santa.

Como vimos no domingo anterior, Paulo vivia na expectativa da vinda iminente do Senhor (parusia). Por isso, em qualquer situação em que o cristão vivesse, como solteiro, casado, viúvo ou trabalhando, não deveria perder o foco da expectativa da vinda próxima do Senhor. O que importa é viver o amor a Deus e ao próximo em qualquer estado de vida. Hoje Paulo explica que o estado celibatário dá mais liberdade para melhor servir ao Senhor. Não proibiu o casamento, mas pessoalmente escolheu o celibato porque lhe dava mais liberdade de servir ao Senhor.

Aclamação ao Evangelho

            O povo que jazia nas trevas viu brilhar uma luz grandiosa;

            a luz despontou para aqueles que jaziam nas sombras da morte.

  1. Evangelho: Mc 1,21-28

Ensinava como quem tem autoridade.

No evangelho de Marcos, Jesus é apresentado como alguém que tem autoridade. É a autoridade que Deus dá ao Filho do Homem. É uma autoridade que põe fim ao reino de Satanás e instaura o Reino de Deus. Com esta autoridade Jesus perdoa os pecados, cura os enfermos, expulsa os demônios e os vendilhões do Templo. O evangelho que acabamos de ouvir dá mais destaque à autoridade de Jesus para ensinar e seu poder sobre os espíritos maus: “Todos ficavam admirados com seu ensinamento, pois ensinava como quem tem autoridade”. Quando Jesus expulsa o espírito mau de um endemoninhado, o povo exclama: “Que é isto? Um ensinamento novo dado com autoridade: Ele manda até nos espíritos maus, e eles obedecem”. Aqui se destaca o caráter profético da atividade de Jesus. Moisés falava ao povo em nome de Deus e, depois dele, também os profetas (1ª leitura). Jesus é o profeta anunciado por Moisés: “O Senhor teu Deus fará surgir em teu favor do meio dos irmãos um profeta que deverás ouvir” (Dt 18,15). Na transfiguração de Jesus, aparecem Moisés e Elias, os que falavam em nome de Deus. Mas a voz do céu diz: “Este é o meu Filho amado, escutai-o!” (Mc 9,7). Acentua-se também a novidade da doutrina de Jesus em relação à doutrina dos mestres da Lei. O povo devia escutar os que falavam com autoridade divina, como Moisés e os profetas. A cena da Transfiguração nos ensina que, como no passado o povo devia escutar Moisés e os profetas, agora devemos escutar o que Jesus fala, por suas palavras e ações, pois tem autoridade divina.

A novidade do ensinamento de Jesus, que anuncia o Reino de Deus, e sua luta contra os espíritos maus (anti-reino) acompanharão as narrativas do Evangelho de Marcos neste ano B.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Todos reconhecem o Santo de Deus

Frei Clarêncio Neotti

São claros os passos que Marcos dá para introduzir Jesus na grande pregação. Desde o início afirma sua divindade, chamando-o de Filho de Deus, já no primeiro versículo do seu Evangelho. Logo, faz falar dois profetas, isto é, dois homens cheios de Deus, que só podem falar a verdade: Isaías e João Batista. Eles testemunham o envio divino de Jesus (vv. 2-4). Em seguida, o Pai do Céu o confirma com sua própria voz (v. 11). Depois, os anjos servidores (v. 13) e, a seguir, os homens de boa vontade que, a convite seu, resolvem segui-lo (vv. 18.20). No trecho de hoje, os espíritos maus também reconhecem a chegada de Jesus, confessam-no como o ‘Santo de Deus’ (v. 24) e lhe obedecem (vv. 26 e 27). Todos, do alto céu às profundezas do inferno, tomam conhecimento da chegada de Jesus, veem-no presente, reconhecem-no como o Messias, com ‘o poder de Deus’.

O povo dá o primeiro e mais rudimentar passo na fé: admira-se (v. 22) com seu ensinamento e sua autoridade. E será a esse povo que Jesus ensinará as coisas novas (v. 27) do Reino dos Céus. Quem passar da admiração ao amor, do espanto (v. 27) ao seguimento poderá ser discípulo seu e entrar pela porta estreita, que leva ao caminho da vida (Mt 7,14).


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Esses homens e essas mulheres chamados profetas

Frei Almir Guimarães

O profeta não é alguém que diverte. Não observa o voo dos pássaros, não lê nas linhas da mão nem na borra de café. Sua missão não consiste em anunciar o futuro, mas em compreender o presente. Porque para compreender um momento do tempo é indispensável a visão do tempo em sua totalidade. Como para entender uma palavra precisa-se da frase, e para um versículo a Bíblia toda. O profeta ao invés de divertir, dispersando como o prisma, concentra toda luz num foco incandescente, na atualidade do acontecimento. Tudo quanto acontece é pleno de passado e de futuro. O profeta é o diário de Deus.
Jean Sulivan

♦ A primeira leitura de nossa celebração é uma fala de Moisés ao povo dizendo que, atendendo seu pedido, Deus vai lhes dar, em seu lugar, um profeta ao qual o povo deverá ouvir. Conhecemos os profetas do Antigo Testamento. São homens e mulheres escolhidos e ungidos para serem porta-vozes de Deus no meio do povo. Por ocasião da descrição da vocação de Jeremias lemos: “Então o Senhor estendeu a mão e tocou-me a boca. Vê. Dou-te hoje o poder sobre as nações e reinos para arrancar e destruir, para exterminar e demolir, para construir e plantar”(Jr 1,9-10). Sabemos que pelo batismo nós todos sacerdotes, profetas e reis. Portanto, refletir sobre profetas é pensar em nossa vida.

♦ Os profetas não são meros videntes dos acontecimentos que vão se desenrolar. Os profetas de ontem e de hoje são chamados a denunciar o mal e anunciar o bem, destruir e construir, censurar e animar. Jesus foi profeta do Reino. Ninguém como ele falou tanto em nome de Deus. Ele mesmo era a Palavra de Deus. Denunciava a hipocrisia e os formalismos religiosos. Rejeitava a autossuficiência dos filhos de Abraão, anunciava o fim de um determinado mundo, gritava pela urgência da conversão. Os profetas quase nunca agradam. Eles contrariam um certo andar das coisas. Têm consciência de falarem de nome de Deus.

♦ Nós, cristãos, seguidores e discípulos de Jesus, temos a mais firme convicção de que o Senhor pode se servir de nós, primeiramente de nosso testemunho por Jesus e pelas palavras que, se ele quiser, colocar em nossos lábios. Os verdadeiros profetas estão por ai: em nossas casas, nas conduções, nos guichês dos bancos, nas portarias dos prédios, nas cátedras das universidades. Muitos foram profetas eloquentes nos campos de concentração. Ousaria dizer que falam em nome de Deus os que são santos e conservam na maneira de agir, no modo de falar e no jeito de olhar nítidos vestígios de Jesus.

Vejamos algumas de suas características:

⇒ Os profetas dão voz ao silêncio de Deus – Unidos fortemente ao Senhor emprestam-lhe a voz. Nem sempre são agradáveis. Costuma acontecer que hesitem em aceitar o convite e manifestam a Deus que não querem aceitar o convite. Depois aceitam. Condenam a mediocridade, contrariam os interesses dos grandes. Levam as pessoas a reverem suas vidas para seu próprio bem. Recusam o viver por viver e isto exigem de seus ouvintes para que não venham a perder a vida.

⇒ São “buscadores” do Absoluto – Protestam contra todo tipo de idolatria. Fazem com que as pessoas tenham “saudade” de Deus. Convidam-nas a irem ao deserto e lá encontrarem um poço ou o Amado a lhes espera. Revoltam-se quando os fiéis buscam mecanicamente a Deus, sem alma, sem fogo. O grito por Deu partirá do fundo do ser e não do mecânico mexer dos lábios. Deus não carece de palavras e sílabas.

⇒ Homens com os homens – Sofrem com os que sofrem. Falam e bradam em nome dos sem voz. Colocam-se ao lado dos que são jogados de um lado para o outro. Gritam por respeito.

⇒ Vigias e “despertadores” – Os profetas estão sempre fazendo a leitura dos sinais dos tempos. São capazes de perceber para onde o ventos sopram e despertam os que andam dormindo sobre o que já conseguiram. “Sois capazes de rejuvenescer o mundo? Sim ou não? O evangelho é sempre jovem. Vós é que sois velhos” (Georges Bernanos).

Texto para refletir

A função do profeta é primariamente “crítica”. A Igreja, como realidade humana, está sujeita à tentação de se instalar sobre conquistas feitas, ou se conformar em lamentar-se pelos equilíbrios perdidos. A tentação de dar às instituições, às expressões religiosas, o caráter de coisa definitiva e de absoluto, existe em cada passo em seu caminho. É fácil considerar adquirido para sempre o que é apenas um momento da história. A comunidade cristã tem necessidade de denúncia critica, precisamente quando pensa ser já testemunha transparente da comunhão com Deus.

A denúncia profética não é iniciativa da Igreja, mas do Espírito Santo. Os profetas surgem onde menos e quando menos esperamos. O Espírito suscita os profetas também para além dos limites sociológicos da Igreja. Todo homem, toda comunidade pode se tornar profecia.

Não existe só uma profecia dentro da Igreja; a própria comunidade cristã é “profecia” diante de toda a comunidade humana: fonte de crítica contra toda absolutização, ideologia desumanizante ou poder opressor. Denúncia de racismo, exploração econômica, falta de respeito à vida. Tudo isso pressupõe uma comunidade em contínua revisão de sua fidelidade à mensagem para que sua vida não seja alienante contratestemunho (Missal da Paulus, p.887).

Prece

Reina em mim a escuridão,
mas em ti está a luz.
Estou só,
mas tu não me abandonas.
Estou desanimado,
mas em ti esta a ajuda.
Estou intranquilo,
mas em ti está a paz.
A amargura me domina,
mas em ti está a paciência.
Não compreendo teus caminhos,
Mas Tu sabes o caminho para mim.

Dietrich Bonhöffer


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Ensinar como Jesus ensinava

José Antonio Pagola

A maneira de ensinar de Jesus provocou nas pessoas a impressão de que elas estavam diante de algo desconhecido e admirável. Assinala-o o evangelho mais antigo e os investigadores pensam que foi realmente assim. Jesus não ensina como os “escribas” da Lei. Ele o faz com “autoridade”: sua palavra liberta as pessoas de “espíritos malignos”.

Não se deve confundir “autoridade” com “poder”. O evangelista Marcos é preciso em sua linguagem. A palavra de Jesus não provém do poder. Jesus não procura impor sua própria vontade sobre os outros. Não ensina para controlar o comportamento das pessoas. Não utiliza a coação.

Sua palavra não é como a dos escribas da religião judaica. Não está revestida de poder institucional. Sua “autoridade” nasce da força do Espírito. Provém do amor às pessoas. Busca aliviar o sofrimento, curar feridas, promover uma vida mais sadia. Jesus não produz submissão, infantilismo ou passividade. Liberta de medos, infunde confiança em Deus, anima as pessoas a buscar um mundo novo.

A ninguém passa despercebido que estamos vivendo uma grave crise de autoridade. A confiança na palavra institucional está em níveis mínimos. Dentro da Igreja fala-se de uma forte “desvalorização do magistério”. As homilias causam tédio. As palavras estão desgastadas.

Não é o momento de voltar a Jesus e aprender a ensinar como ele o fazia? A palavra da Igreja deve nascer do amor real às pessoas. Precisa ser dita depois de uma atenta escuta do sofrimento existente no mundo, não antes. Deve ser próxima, acolhedora, capaz de acompanhar a vida sofrida do ser humano.

Precisamos de uma palavra mais livre da sedução do poder e mais cheia da força do Espírito. Um ensinamento nascido do respeito e da estima pelas pessoas, que produza esperança e cure feridas. Seria grave que, dentro da Igreja, se escutasse uma “doutrina de escribas” e não a palavra curadora de Jesus, de que tanto precisam as pessoas hoje para viver com esperança.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.


O profeta do reino de Deus

Pe. Johan Konings

Jesus é o profeta do Reino de Deus. Mas que é um profeta? Conforme a 1ª leitura, o profeta é mediador e porta-voz de Deus. Os antigos israelitas, vivendo ao lado dos cananeus, estavam tentados a consultar, como estes, as divindades dos “lugares altos” por aí (que supostamente conheciam bem as necessidades locais). Consultavam os sortilégios, os búzios, os necromantes que evocavam espíritos etc. Não eram muito diferentes de muitos dos nossos contemporâneos.

Diante disso, Moisés lhes lembra que, quando da manifestação de Deus no monte Sinai (Ex 19), eles tiveram tanto medo que Deus precisou estabelecer um intermediário para falar com eles: o primeiro profeta bíblico, ele mesmo. Em vista disso, sempre haveria profetas em Israel para serem mediadores e porta-vozes de Deus, de modo que os israelitas não precisariam mais consultar os deuses de Canaã, nos santuários locais. O profeta é aquele que fala com a autoridade de Deus, que o envia. Muitas vezes, sua palavra é corroborada por Deus por meio de milagres, “sinais”.

No evangelho, Jesus é apresentado como porta-voz de Deus e de seu Reino. Deus mostra que está com ele. Dá-lhe poder de fazer sinais: na sinagoga de Cafarnaum, Jesus expulsa um demônio, e o povo reconhece sua autoridade profética: “Um ensinamento novo, dado com autoridade…” (Mc 1,27). Ora, os sinais milagrosos servem para mostrar a autoridade do profeta, mas não são propriamente sua missão. Servem para mostrar que Deus está com ele, mas sua tarefa não é fazer coisas espantosas. Sua tarefa é ser porta-voz de Deus. Jesus não veio para fazer milagres, e sim, para nos dizer e mostrar que Deus nos ama e espera que participemos ativamente de seu projeto de amor. Por outro lado, os sinais, embora não sejam sua tarefa propriamente, não deixam de revelar um pouco em que consiste o reino que Jesus anuncia. São sinais da bondade de Deus.

Jesus nunca faz sinais danosos para as pessoas (como as pragas do Egito que aconteceram pela mão de Moisés). O primeiro sinal de Jesus, em Mc, é uma expulsão de demônio. A obsessão demoníaco simboliza o mal que toma conta do ser humano sem que este o queira. Libertando o endemoninhado do seu mal, Jesus demonstra que o Reino por ele anunciado não é apenas apelo livre à conversão de cada um, mas luta vitoriosa contra o mal que se apresenta maior que a gente.

O mal que é maior que a gente existe também hoje: a crescente desigualdade social, a má distribuição da terra e de seus produtos, a lenta asfixia do ambiente natural por conta das indústrias e da poluição, a vida insalubre dos que têm de menos e dos que têm demais, a corrupção, o terror, o tráfico de drogas, o crime organizado, o esvaziamento moral e espiritual pelo mau uso dos meios de comunicação… Esses demônios parecem dominar muita gente e fazem muitas vítimas. O sinal profético de Jesus significa a libertação desse mal do mundo, que transcende nossas parcas forças. E sua palavra, proferida com a autoridade de Deus mesmo, nos ensina a realizar essa libertação.

Como Jesus, a Igreja é chamada a apresentar ao mundo a Palavra de Deus e o anúncio de seu Reino. Como confirmação dessa mensagem, deve também demonstrar, em sinais e obras, que o poder de Deus supera o mal: no empenho pela justiça e no alívio do sofrimento, no saneamento da sociedade e na cura do meio ambiente adoentado. Palavra e sinal, eis a missão profética da Igreja hoje.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella