Dom Jean Kockerols, bispo auxiliar de Malinas-Bruxelas, na Bélgica, faz uma reflexão espiritual sobre o tempo da pandemia, indicando sete combates a serem travados.
O artigo foi publicado em Settimana News, 02-12-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto (http://www.ihu.unisinos.br).
Eis o texto.
Vivemos em uma época muito exigente. Estamos sobrecarregados, em todos os sentidos. Sob todos os pontos de vista: familiar, social, sanitário, financeiro, material e também espiritual.
O que significa “escutar a Palavra e pô-la em prática” e, assim, entrar na relação de fraternidade com Cristo, como Jesus nos convida no Evangelho nestes tempos abalados pelo coronavírus? Qual é o combate espiritual a ser travado?
Trata-se de um verdadeiro combate como o de Jesus com o Tentador no deserto e depois na hora da morte. A nossa época está cheia de desafios e de tentações. Eis uma breve lista.
Temos a impressão de descobrir um mundo frágil, muito frágil. Em outros contextos mundiais ou da nossa sociedade, a fragilidade faz parte do cotidiano. Mas nós, acostumados ao conforto, achamos que removemos a fragilidade. Ou a negamos.
A tentação, de fato, é esconder a fragilidade, crer que ela é superficial, facilmente superável. Não. O fiel sabe que o próprio Deus se fez frágil, vulnerável, no seu Filho crucificado. E que precisamos aí a força de Deus pode se manifestar. “É quando sou fraco que sou forte” (2Cor 12,10). O primeiro combate é aceitar as fragilidades. E isso requer humildade.
Isso pode nos levar a crer que é preciso voltar à situação anterior, ao antes. É uma ilusão, pura ilusão. Devemos arquivar os tempos passados sem muita melancolia, sem olhar para trás, caso contrário corremos o risco de nos transformar em estátuas de sal, como a esposa de Ló (Gn 12,26). Devemos aceitar que “estamos não em uma época de mudança, mas em uma mudança de época” (Papa Francisco). Segundo combate: não olhar para trás.
O clima ansiogênico que nos rodeia faz o medo crescer. Ou, melhor, os medos. Medos identificáveis, angústias sutis que se escondem dentro deles. Medos certamente legítimos, mas que nos paralisam. Medos que dão medo. Exatamente aquilo que o Tentador quer, para que façamos aquilo que ele deseja. Como Cristo, é preciso manter, diante de tudo e contra tudo, um espírito aberto e confiante, ancorado na fé. Terceiro combate: não ter medo do medo.
O distanciamento social, necessário no nível da saúde, infelizmente induz a outros distanciamentos. Um distanciamento psicológico que nos afasta do outro, que alimenta o desinteresse. O meu próximo, mesmo longe, deixará de ser próximo? O Papa Francisco, na sua recente encíclica Fratelli tutti, nos lembra que a fraternidade não conhece distâncias físicas. Quarto combate: ficar perto, fazer-se próximo. Com outras modalidades, é claro, mas querer estar perto.
Usamos máscaras para não respirar o vírus. Mas já usamos máscaras há muito tempo. Mais sutis, mais discretas do que estes pequenos tecidos. Máscaras para nos iludirmos de que somos outros. O Tentador adora quando nos mascaramos, quando interpretamos um personagem que não somos nós. Quinto combate: ser você mesmo, permanecer você mesmo. Para além das nossas vontades de nos mascarar.
Os especialistas não concordam entre si. Os governos estão divididos sobre as regras a serem aplicadas, sobre as restrições a serem implementadas. As tensões se tornam palpáveis. O Tentador adora isso! É o diabolos, o divisor. Sexto combate: que o Espírito Santo, que habita em nós, nos conserve na unidade.
Enfim, uma tentação sutil, discreta e insidiosa: abaixar os braços. De que adianta? Pior ainda? Deixar-se levar pela corrente. Eis o sétimo combate: o desencorajamento.
Que esta crise, como indica o termo crisis, seja verdadeiramente, para cada um, um tempo de discernimento. Que as nossas mãos, tão higienizadas pelo álcool em gel, não nos impeçam de sujá-las a serviço dos irmãos. Que o contágio de que fugimos não nos impeça de sermos contagiosos do amor de Deus.
Porque me foi confirmado lá do alto: não existe cristão assintomático.