Segundo domingo do Advento
- 2º Domingo do Advento
- Leituras bíblicas para este domingo
- Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus
- Deus toma a iniciativa da salvação
- Tempo das preparações
- Como abrir caminhos para Deus em nossa vida?
- Deus se volta para nós, voltemos para Ele!
- Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella
2º Domingo do Advento
“Vamos tomar um solzinho?”
Frei Gustavo Medella
“Consolai o meu povo, consolai-o! — diz o vosso Deus (Is 40,1). O verbo “consolar” vem do latim e significa aliviar, animar. Sei que etimologicamente vou estar cometendo uma “heresia”, mas enxergo neste vocábulo a ação alguém que convida uma outra pessoa para “tomar sol”: “Vamos tomar um solzinho?”. Explico: seria uma iniciativa de quem se sente tão aquecido e iluminado pelo Astro-rei que decide dividir esta experiência com outros. Dispõe a dividir o “sol com” aquele que esteja precisando desta luz e deste calor, escolhe CON-SOLAR.
João Batista, além de precursor, é consolador. Anima seu povo a contemplar a beleza e o esplendor do “Sol Nascente” que viria visitar a humanidade: Jesus Cristo. João não toma para si indevidamente o que não lhe compete. Faz questão de deixar bem claro que apenas estava anunciando a vinda d’Aquele que era o esperado. Queria que o maior número possível de pessoas partilhasse com ele daquela experiência consoladora concretizada na Encarnação do Verbo.
Ao acendermos a segunda vela da Coroa do Advento, possamos sentir mais forte a luz e o calor do Grande Sol que logo vem nos visitar.
FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.
Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos
Leituras bíblicas para este domingo
Primeira Leitura: Is 40,1-5.9-11
1“Consolai o meu povo, consolai-o! — diz o vosso Deus. 2Falai ao coração de Jerusalém e dizei em alta voz que sua servidão acabou e a expiação de suas culpas foi cumprida; ela recebeu das mãos do Senhor o dobro por todos os seus pecados”. 3Grita uma voz: “Preparai no deserto o caminho do Senhor, aplainai na solidão a estrada de nosso Deus. 4Nivelem-se todos os vales, rebaixem-se todos os montes e colinas; endireite-se o que é torto e alisem-se as asperezas: 5a glória do Senhor então se manifestará, e todos os homens verão juntamente o que a boca do Senhor falou.
9Sobe a um alto monte, tu, que trazes a boa-nova a Sião; levanta com força a tua voz, tu, que trazes a boa-nova a Jerusalém, ergue a voz, não temas; dize às cidades de Judá: ‘Eis o vosso Deus, 10eis que o Senhor Deus vem com poder, seu braço tudo domina: eis, com ele, sua conquista, eis à sua frente a vitória. 11Como um pastor, ele apascenta o rebanho, reúne, com a força dos braços, os cordeiros e carrega-os ao colo; ele mesmo tange as ovelhas-mães’”.
Salmo Responsorial: Sl 84
— Mostrai-nos, ó Senhor, vossa bondade,/ e a vossa salvação nos concedei!
— Mostrai-nos, ó Senhor, vossa bondade,/ e a vossa salvação nos concedei!
— Quero ouvir o que o Senhor irá falar:/ é a paz que ele vai anunciar;/ a paz para o seu povo e seus amigos,/ para os que voltam ao Senhor seu coração./ Está perto a salvação dos que o temem,/ e a glória habitará em nossa terra.
— A verdade e o amor se encontrarão,/ a justiça e a paz se abraçarão;/ da terra brotará a fidelidade, e a justiça olhará dos altos céus.
— O Senhor nos dará tudo o que é bom,/ e a nossa terra nos dará suas colheitas;/ a justiça andará na sua frente/ e a salvação há de seguir os passos seus.
Segunda Leitura: 2Pd 3,8-14
8Uma coisa vós não podeis desconhecer, caríssimos: para o Senhor, um dia é como mil anos e mil anos como um dia. 9O Senhor não tarda a cumprir sua promessa, como pensam alguns, achando que demora. Ele está usando de paciência para convosco. Pois não deseja que alguém se perca. Ao contrário, quer que todos venham a converter-se.
10O dia do Senhor chegará como um ladrão, e então os céus acabarão com barulho espantoso; os elementos, devorados pelas chamas, se dissolverão, e a terra será consumida com tudo o que nela se fez. 11Se desse modo tudo se vai desintegrar, qual não deve ser o vosso empenho numa vida santa e piedosa, 12enquanto esperais com anseio a vinda do Dia de Deus, quando os céus em chama se vão derreter, e os elementos, consumidos pelo fogo, se fundirão?
13O que nós esperamos, de acordo com a sua promessa, são novos céus e uma nova terra, onde habitará a justiça. 14Caríssimos, vivendo nessa esperança, esforçai-vos para que ele vos encontre numa vida pura e sem mancha e em paz.
O anúncio da chegada do Messias
Evangelho: Mc 1, 1-8
1* Começo da Boa Notícia de Jesus, o Messias, o Filho de Deus. – 2* Está escrito no livro do profeta Isaías: «Eis que eu envio o meu mensageiro na tua frente, para preparar o teu caminho. 3 Esta é a voz daquele que grita no deserto: Preparem o caminho do Senhor, endireitem suas estradas!» 4 E foi assim que João Batista apareceu no deserto, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados. 5 Toda a região da Judéia e todos os moradores de Jerusalém iam ao encontro de João. Confessavam os seus pecados, e João os batizava no rio Jordão.
6 João se vestia com uma pele de camelo, usava um cinto de couro e comia gafanhotos e mel silvestre. 7 E pregava: «Depois de mim, vai chegar alguém mais forte do que eu. E eu não sou digno sequer de me abaixar para desamarrar as suas sandálias. 8 Eu batizei vocês com água, mas ele batizará vocês com o Espírito Santo.»
* 1,1: Todo o Evangelho de Marcos é o começo da Boa Notícia que Deus dirige aos homens. Ela continua, em todos os tempos e lugares através daqueles que seguem a Jesus.
* 2-8: A pregação de João Batista é grande advertência. Ele anuncia a vinda do Messias, que vai provocar uma grande transformação. É preciso estar preparado, purificando-se e mudando o modo de ver a vida e de vivê-la.
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral
Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus
2º Domingo do Advento, ano B
Oração: “Ó Deus todo-poderoso e cheio de misericórdia, nós vos pedimos que nenhuma atividade terrena nos impeça de correr ao encontro do vosso Filho, mas, instruídos pela vossa sabedoria, participemos da plenitude de sua vida”.
- Primeira leitura: Is 40,1-5.9-11
Preparai o caminho do Senhor.
Com a leitura que hoje ouvimos começa o chamado “Livro da Consolação”, isto é, a 2ª parte do Profeta Isaías (Is 40–55). Um discípulo de Isaías fala agora em Babilônia, pelo final do exílio (587–538 a.C.). Os profetas anteriores (Am, Os, Is, Jr e Ez) denunciavam o pecado e anunciavam o castigo. Agora a palavra de ordem é: “consolai o meu povo… porque recebeu… em dobro por todos os seus pecados” (Is 40,1-2). A palavra é dirigida aos que estavam no exílio e para os habitantes de Jerusalém destruída. Deus parecia ter esquecido Jerusalém em ruínas: “Mas Sião reclama: ‘O Senhor me abandonou, meu Deus me esqueceu” (Is 49,14).
Nesse contexto, em Babilônia levanta-se uma voz profética e grita aos exilados: “Preparai no deserto o caminho do Senhor”, um caminho reto e plano para que Deus possa reconduzir seu povo a Jerusalém. “Ele vem com poder”, não com o poder de um general à frente de seu exército, mas com o domínio suave de um pastor sobre seu rebanho. Ele reunirá as ovelhas dispersas, por culpa de maus pastores (cf. Ez 34,1-24). Como pastor, o Senhor cuidará de suas ovelhas com carinho maternal; levará ao colo os cordeirinhos, conduzindo mansamente as ovelhas mães, promessas de vida. O profeta deve anunciar a boa-nova também em Sião. Jerusalém precisa estar preparada para receber festivamente as ovelhas conduzidas pelo próprio Deus-Pastor: “Eis o vosso Deus”. O Deus-Pastor é boa-nova, o evangelho que esperamos. No Advento esperamos com alegria o nascimento do Filho de Deus. Como estamos nos preparando? Que montes ou colinas devemos rebaixar e quais vales precisamos nivelar?
Salmo responsorial: Sl 84
Mostrai-nos, ó Senhor, vossa bondade,
e a vossa salvação nos concedei!
- Segunda leitura: 2Pd 3,8-14
O que nós esperamos,
são novos céus e uma nova terra.
Um discípulo do apóstolo Pedro adverte os cristãos de seu tempo, e a nós, sobre o foco principal em nossa vida, que é o encontro com o Senhor que vem. O tema é, portanto, a 2ª vinda do Senhor. Ela ainda não aconteceu porque o Senhor é paciente e está dando um tempo para nossa conversão. Na parábola do domingo passado vimos que o patrão se ausentou, sem marcar a data do retorno, deu tarefas a cada empregado e mandou o porteiro vigiar. A palavra “vigiar” é agora trocada pelas palavras “converter-se”, “esperar” com ansiedade, “para que ele nos encontre numa vida pura, sem mancha e em paz”. Esse é o caminho que devemos preparar entre a primeira e a segunda vinda do Senhor.
Aclamação ao Evangelho
Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas.
Toda a carne há de ver a salvação de nosso Deus.
- Evangelho: Mc 1,1-8
Endireitai as estradas do Senhor.
O tema do evangelho deste domingo está voltado para a primeira vinda do Senhor, mais precisamente, para a atividade de João Batista. “Endireitai as estradas do Senhor” (1ª leitura) é o lema de um discípulo do profeta Isaías, em Babilônia, que agora João retoma. Não se trata de endireitar uma estrada física, mas de entrar no caminho sinalizado pelo ”batismo de conversão para o perdão dos pecados”, para que “nada nos impeça de correr ao encontro do Filho de Deus” (oração). Aquele pastor prometido pelo profeta está próximo: “Depois de mim virá alguém mais forte do que eu… Ele vos batizará com o Espírito Santo”; ele é o pastor que reúne seu rebanho, carrega os cordeirinhos em seus braços e tange as ovelhas (1ª leitura). O caminho para correr ao encontro do Salvador que vem, é o caminho da conversão e do perdão dos pecados. Então, sim, Ele nos mostrará a sua bondade e nos concederá a sua salvação (Salmo responsorial).
FREI LUDOVICO GARMUS, OFM, é professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.
Deus toma a iniciativa da salvação
Frei Clarêncio Neotti
Não é por acaso que Marcos põe a palavra ‘início’ (ou ‘princípio’ ou ‘começo’) como primeira palavra. É a mesma palavra que abre o livro do Gênesis, ou seja, a criação do mundo. Agora vem o Novo Testamento, uma recriação do mundo. O princípio de todo o Novo Testamento é Jesus Cristo, Filho de Deus. Ao longo do Evangelho, Marcos anunciará que Jesus não só está no princípio, mas é também o centro da nova Família de Deus e permanecerá para sempre com ela. Mesmo depois da Ascensão, estará no meio da comunidade, vivo e atuante. Três vezes o Apocalipse põe na boca de Jesus: “Eu sou o primeiro e o último, sou o princípio e o fim” (Ap 1,8; 21,6; 22,13).
Ainda na primeira frase Marcos indica a finalidade de sua obra com palavras que expressam todo o conteúdo. ‘Evangelho’ é uma palavra composta, grega, que significa ‘boa-nova’, ‘boa notícia’. ‘Jesus’, nome hebraico, significa ‘Deus salva’. ‘Cristo’, outra palavra grega, significa ‘ungido para ser rei’. ‘Filho de Deus’ é a verdade central do Evangelho, que é, portanto, a boa-nova que Jesus trouxe à humanidade e as boas-novas sobre a pessoa e os ensinamentos do Filho de Deus, Salvador e Rei.
Para Marcos, é Deus que toma a iniciativa da salvação. Ele que manda o Filho. Ele que manda o mensageiro para anunciar a chegada do Messias. Mas de imediato vem a ação humana. Nós devemos voltar o nosso coração e a nossa mente para ele, isto é, converter-nos, fazer coincidir os caminhos de Deus com os nossos caminhos.
FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFM, entrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.
Tempo das preparações
Frei Almir Guimarães
A vida nunca está pronta. Há que recomeçar sempre de novo. A cada período nascemos de uma outra maneira. Saímos do seio da vida, crescemos, vivemos, sofremos, sonhamos, amamos. Um pedaço de nós vai ficando para trás. E andamos… escolhemos estradas… percorremos caminhos. Estamos no caminho do Advento que nos leva até o Mistério da encarnação do Verbo. Esse Jesus que sempre buscamos se diz Caminho. E as leituras deste domingo nos falam do caminho e de estradas que nos levam ao Mistério.
Isaías pede que seja preparado um caminho para o Senhor no deserto. As penas terminaram. A mão do Senhor deixou de pesar. Sua glória vai manifestar-se. “Que todo vale seja entulhado e que toda colina ou montanha seja abaixada”. Ele vem, o Senhor, vem como um Pastor. Vem apascentar e reunir. Carregar os cordeiros nas dobras de seu manto. Conduzir lentamente as ovelhas que amamentam. O profeta nos pede para preparar uma estrada para o Senhor. Deserto de silêncio de nossos gritos. Deserto despojamento de nossa autossuficiência.
Ao longo do tempo da vida vamos mudando. Quando éramos crianças esperávamos o Natal com uma alegria incontida: os presentes, o presépio, as rabanadas. Depois, quem sabe, tenhamos vivido um Natal mais íntimo. Nesse período gostávamos de preparar coisas para os pobres, discretamente. A vida, no entanto, foi nos fazendo duros por dentro. A gente se acostuma a tudo. Até ao inaudito do Deus belo e grande que nasce num presépio e choraminga como todo pequerrucho. Nada de extraordinário. Um Natal banal. Presente para o namorado e afilhada. Ceia aqui ou ali. Tudo igual. Sempre o mesmo.
No meio-dia da vida experimentamos coisas diferentes. Temos sede de plenitude. Temos urgência de deixar tombar o que foi acrescentado ao nosso eu mais profundo para enfeitar-nos. Deus vem, vem no Menino das Palhas e no Jesus andarilho, provocante, provocador, vivo. Não podemos parar na candura do presépio. Meu coração precisa buscá-lo. Há uma urgência de conversão. Apareceu um homem no deserto chamado João, o Batista, o “batizador”. “Preparai os caminhos do Senhor, endireitai suas veredas”. Rude, áspero, profeta esse João queria preparar os caminhos para aquele que devia vir. As pessoas entravam no Jordão. Arrependimento. Desejo, sede de purificação. Mais tarde viria alguém que batizaria no Espírito, na água do Espírito. Tudo isso tem a ver com advento.
Tempo de Advento, tempo de reorientação do melhor que existe em nós para o Oriente, o Sol.
Converter = deixar o Ocidente, onde morre o astro luminoso e buscar o Nascente.
A conversão de que fala Jesus não é algo forçado; é uma mudança que vai crescendo em nós na medida em que tomamos consciência de que Deus é alguém que deseja que aprendamos a fazer nossa vida, mais humana e mais feliz. Conversão não é algo triste. É limpar nossa mente de interesses e egoísmos que minimizam. Libertar o coração de angústias e preocupações. Libertar- nos de objetos de que não precisamos mais e viver para a pessoas que precisam de nós. Alguém começa a entrar num processo de conversão quando descobre que o importante não é se perguntar como posso ganhar mais dinheiro, mas como posso ser mais humano, como posso chegar a ser eu mesmo.
Na medida em que vamos avançando em idade e ganhando sabedoria compreendemos que no tempo do Advento há esse pedido de nos desvencilharmo-nos de nós mesmos e viver o mais humanamente. Para nós vivenciar o Advento é viver em clima de mudança do coração.
Karl Ranher
Vamos, não questiones, não duvides. Ó meu coração, tu já escolheste alegria do Advento. Mesmo lutando contra tuas próprias incertezas: “É o advento de nosso grande Deus!”. No instante em que dizes isto na fé e no amor torna-se o ponto que integra teu passado e teu futuro: teu passado colocado sob o signo da salvação, um futuro que será eterno e sem limite. Porque o que entra agora em teu coração, é Alguém: o Advento em pessoa, o Acontecimento do futuro sem fim; é próprio Senhor que veio no seio de nossa carne para resgatá-la.
Uma prece
Aqueles que te amam,
Senhor, nada têm a temer,
coloca teu amor em nossos corações
para que vivamos na paz.
Por Jesus, o Cristo, nosso Senhor. Amém.
FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.
Como abrir caminhos para Deus em nossa vida?
José Antonio Pagola
São numerosas as pessoas que já não conseguem crer em Deus. Não é que o rejeitem. É que não sabem que caminho seguir para encontrar-se com ele. E, no entanto, Deus não está longe. Oculto no próprio interior da vida, Deus segue nossos passos, muitas vezes errados ou desesperados, com amor respeitoso e discreto. Como perceber sua presença? Marcos nos recorda o grito do profeta em pleno deserto: “Preparai o caminho para o Senhor, aplainai suas veredas”. Onde e como abrir caminhos para Deus em nossa vida? Não devemos pensar em vias esplêndidas, amplas e desimpedidas, por onde chegue um Deus espetacular. O teólogo catalão J.M. Rovira nos lembrou que Deus se aproxima de nós buscando a fresta que o homem mantém aberta ao verdadeiro, ao bom, ao belo, ao humano. É a estes resquícios da vida que devemos prestar atenção para abrir caminhos para Deus.
Para alguns, a vida transformou-se num labirinto. Ocupados em mil coisas, movem-se e agitam-se sem cessar, mas não sabem de onde vêm nem para onde vão. Abre-se neles uma fresta para Deus quando se detêm para encontrar-se com o melhor de si mesmos.
Há os que vivem uma vida sem sentido, chata e insignificante, na qual a única coisa importante é estar entretido. Estes só poderão vislumbrar Deus se começarem a prestar atenção ao mistério que pulsa no fundo da vida.
Outros vivem submersos na “espuma das aparências”. Só se preocupam com sua imagem, com o aparente e externo. Encontrar-se-ão mais perto de Deus se buscarem com simplicidade a verdade. Os que vivem fragmentados em mil pedaços pelo ruído, pela retórica, pelas ambições ou pela pressa darão passos em direção a Deus se se esforçarem por encontrar um fio condutor que humanize sua vida.
Muitos irão se encontrando com Deus se souberem passar de uma atitude defensiva diante dele a uma postura de acolhida, do tom arrogante à oração humilde, do medo ao amor, da autocondenação à acolhida de seu perdão. E todos nós daremos mais lugar a Deus em nossa vida se o buscarmos com coração simples.
JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.
Deus se volta para nós, voltemos para Ele!
Pe. Johan Konings
A Boa Notícia começa com um grande chamado à conversão (Mc 1,1-15; cf. Mt 3,1-17; Lc 3,1-22). Em que sentido a conversão é “boa notícia”? Conversão, na Bíblia, significa volta (como se faz uma conversão com o carro na estrada). Na 1ª leitura ressoa um magnífico texto do Segundo Isaías. O rei Ciro, depois de conquistar Babilônia, mandou os judeus que aí viviam exilados de volta para Jerusalém (em 538 a.C). O profeta imagina Deus reconduzindo essa gente a Sião. Precede-lhe um mensageiro que proclama: “Preparai no deserto uma estrada” (Is 40,3) – como para a entrada gloriosa (a “parusia”) do Grande Rei. Mas é um rei diferente, cheio de ternura: “Como um pastor, ele conduz seu rebanho; seu braço reúne os cordeiros, ele os carrega no colo, toca com cuidado as ovelhas prenhes”(v. 11). Essa era a boa notícia que Jerusalém, qual mensageira, devia anunciar ao mundo (v.9).
Conversão não é coisa trágica. Deus já voltou seu coração para nós; resta-nos voltar o nosso para ele. Ao proclamar o batismo de conversão (evangelho), João Batista pressentia a proximidade de uma “entrada gloriosa” de Deus. Como símbolo da “volta” usava a água do rio Jordão, que lembrava a travessia do povo de Israel pelo Mar Vermelho e pelo rio Jordão, rumo à terra prometida. Reforçava sua mensagem repetindo o texto de Is 40,3: “Preparai uma estrada…”. Vestia-se com um rude manto feito de pêlos de camelo e alimentava-se com a comida do deserto – mel silvestre e gafanhotos -, como o profeta Elias, o grande profeta da conversão, cuja volta se esperava (cf. Ml 3,1.23-24 e Eclo 48,10). Mas João ainda não é aquele que deve vir, apenas prepara a chegada deste, o “mais forte”, que virá “batizar com o Espírito Santo” (cf. a efusão do Espírito de Deus no tempo do Fim: Jl 3,1-2; Ez 36,27 etc).
Devemos sempre viver à espera dessa “entrada gloriosa” de Deus. Jesus veio e inaugurou o reinado de Deus, mas deixou a nós a tarefa de materializá-lo na História. Entretanto, Deus já coroou com a glória a vida dele e a obra que ele realizou: reunir as ovelhas como o pastor descrito por Isaías.
No tempo dos primeiros cristãos, muitos imaginavam que Jesus ia voltar em breve com a glória do céu, para arrematar essa obra iniciada. Depois de alguns decênios, porém, começaram a se cansar e a viver sem a perspectiva da chegada de Deus, caindo nos mesmos abusos que vemos hoje em torno de nós. Por isso foi necessário que a voz da Igreja lembrasse a voz dos profetas: Deus pode tardar, mas não desiste de seu projeto. Mil anos são para ele como um dia (2Pd 3,8), mas seu sonho, “um novo céu, uma nova terra, onde habitará a justiça”, fica de pé (2ª leitura).
Não vivamos como os que não têm esperança. Não desprezemos o fato de Deus estar voltado para nós. Voltemos sempre a ele.
PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.
Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella