Nosso retiro do mês de agosto de 2014 se faz em torno da figura de Clara, a mulher cheia de fogo, aquela que se apaixonou pelo Cristo pobre e viveu a vida toda esses esponsais no espaço exíguo de São Damião. Ainda hoje chega até nós o perfume dessa vida apaixonada pelo Cristo esposo. Basta entrar na Igreja de São Damião, fechar os olhos e esquecer que já se passaram mais de oitocentos anos.
a) Ao Espírito, suplicando pela paz
(acolhendo a presença do Senhor)
Faze de nós, Pai, imagens tuas,
sedentos de justiça
e artífices da paz.
Pai de todas as misericórdias,
envia-nos o teu Espírito,
o advogado dos pobres,
o consolador dos humilha dos,
a brisa suave
que reconcilia o irmão com o irmão.
Que por sua inspiração,
cheia de força e de doçura para eliminar toda violência,
venhamos a ser infinitamente criativos,
apoiados na rocha da fé,
dispostos a todas as paciências da esperança,
uma vez rompidas todas as falsas manifestações de amor.
Amém.
b) A Santa Clara
Clara,
mulher cheia de claridade,
irmã de Francisco de Assis,
intercede por teus devotos
que querem ser puros e transparentes.
Teu nome e teu ser
exalam o perfume das coisas inteiras
e o frescor do que é novo ou renovado.
Clareia os caminhos tortuosos
dos que se embrenham na noite
do próprio egoísmo
e nas trevas do isolamento.
Clara,
irmã de Francisco,
coloca em nossos corações
a paixão pela simplicidade,
a sede pela pobreza,
o desejo da contemplação.
Santa Clara,
ilumina os passos daqueles que
buscam a Claridade!
Oseias 2, 16-18. 21-22
O Senhor leva a esposa ao deserto
Assim fala o Senhor: “Eu mesmo a seduzirei, conduzirei ao deserto e lhe falarei ao coração. Lá eu lhe restituirei suas vinhas, e o vale de Acor será uma porta de esperança. Lá ela (a esposa) responderá como nos dias da juventude, como no dia em que saiu do Egito. Naquele dia – oráculo do Senhor – tu me chamarás meu marido e já não me chamarás meu Baal (ídolo) (…) Eu te desposarei para sempre, eu te desposarei na justiça e no direito, no amor e na ternura. Eu te desposarei na fidelidade e conhecerás o Senhor”.
Outro texto: João 15, 4-10
Reflexões
⇒ O crescimento espiritual de uma pessoa depende, em boa parte, de um adensamento de seus relacionamentos com o Senhor e do cultivo de um amor ao próximo. Os que são responsáveis por orientar outros no caminho da vida interior sabem perfeitamente que precisam conhecer experimentalmente a Deus e, ao mesmo tempo, ter tino e tato de perscrutar, com o auxílio do Espírito, o coração dos que lhes foram confiados. Deverá ter clareza a respeito dos princípios teológicos do crescimento na vida espiritual. Para acompanhar os outros a crescerem será conveniente fazer o levantamento de suas potencialidades e possibilidades. E, em resumo, abrir os caminhos para que o Espírito possa agir.
⇒ Uma das dificuldades que experimenta uma pessoa que está à frente de outras na tarefa formativa é a da aquisição de uma habilidade teológica e psicológica para que possa ser feita uma leitura autêntica dos dinâmicos relacionamentos entre Deus e o homem. O Senhor já está em ação nas pessoas. Clara é verdadeira guia espiritual para a vida franciscana. Seus escritos revelam uma compreensão profunda da espiritualidade franciscana, dos grandes tema da espiritualidade monástica, assim como revelam uma aguçada compreensão da condição humana.
⇒ Clara não é uma substituta de Francisco que foi para ela pai e guia espiritual. Ela mesma faz questão de se autodefinir como plantinha do seráfico Pai. Clara tem títulos que a fazem mestra de espiritualidade franciscana. Em razão de seu relacionamento todo particular com São Francisco e da qualidade de seu conhecimento a respeito do “mistério” do Poverello e de sua visão mística da realidade humana e do mundo espiritual, fruto de muitos anos de vida contemplativa e de orientadora das irmãs pobres de São Damião e pelo fato de ser mulher, Clara, mais do que qualquer outra pessoa, é o complemento mais significativo e mais essencial de São Francisco e, desta forma, uma autêntica guia espiritual para vida franciscana. Na teia rica da espiritualidade seráfica, Clara nos leva à contemplação e nos convida a que a entremos no âmbito do relacionamento conjugal com Cristo.
⇒ Nos seus escritos transparece o tema do desejo de união com o Cristo esposo. A doutrina espiritual de Clara brota de sua experiência mística, experiência cristocêntrica e mariana. Mais do que teológico-conceitual seu cristocentrismo é, antes de tudo, afetivo e experiencial. Insiste na necessidade Absoluta de se procurar a comunhão de vida com o Cristo esposo, pobre e humilde, caminho para união com o Pai. Corolário deste tema basilar é o desejo do céu (união plena com Deus) para além dos atrativos deste mundo.
⇒ O tema do desejo da união com Cristo é dos mais importantes e singulares em Clara. A essência da vida para as irmãs pobres de São Damião é antes de tudo amar uma pessoa, Jesus Cristo, e assim responder ao seu amor. Trata-se de dar-se a Cristo. Nada querer que não seja Cristo Jesus (Legenda 13). Sua espiritualidade é ele: o Filho de Deus que por nós se fez caminho (Testamento 5). A pedra angular de todo o edifício religioso, de toda a vida espiritual de Clara e de suas irmãs, consiste em estarem ligadas por um afeto pessoal a Cristo Jesus com amor ardoroso e apaixonado. Por causa de Cristo, em vista de Cristo, perto de Cristo se realizam todas as suas experiências e se constrói o edifício da vida espiritual das irmãs.
⇒ Suas cartas a Inês de Praga estão repletas de expressões que, a princípio, poderiam ser simples observações de afetividade feminina. Em parte, assim, podem ser interpretadas. Elas são também ser um sinal da natureza afetiva da espiritualidade franciscana. Trata-se da linguagem do amor intenso e do desejo de união com o esposo divino que havia se apossado tanto do coração de Clara como do de Inês. O mesmo já havia acontecido com Francisco: “Quem seria capaz de narrar a caridade fervorosa que ardia em Francisco, o amigo do esposo? Parecia, de fato, todo absorto, como um carvão ardente, na chama do amor divino. Ao ouvir falar do amor do Senhor, subitamente se excitava, se comovia, se inflamava, como se com a palheta da voz exterior se tocassem as cordas mais íntimas do coração” (Legenda Maior IX, 1-2).
⇒ Servindo-se da imagem esponsal Clara define implicitamente a vida franciscana como caminho permanente de busca do Senhor, a única coisa necessária (2ª. Carta a Inês, 1), o tesouro incomparável (3ª. Carta), ligando-se a ele e a ele se unindo em contemplativo abraço para experimentar misticamente sua presença, para segui-lo e imitá-lo e conformar a vida e o pensamento a ele que a nós se entregou totalmente(2ª.Carta, 15).
⇒ Com as mesmas palavras usadas por Francisco na Regra, Clara sublinha a prioridade absoluta que deve ser dada ao desejo de união com Cristo, união que se realiza na alma pelo Espírito Santo: “lembrem-se, que acima de tudo devem desejar ter o Espírito do Senhor e sua santa operação (Regra de Clara X,9).
⇒ Assim, a linguagem do desejo ardente da união com Cristo aparece, antes de tudo e primordialmente nas Cartas a Inês: “…ficai firme no santo serviço do Pobre crucificado, ao qual vos dedicaste com amor ardente (1ª. Carta 13). Mais claramente ainda: “Achei bom suplicar a vossa excelência e santidade, na medida do possível, com humildes preces, nas entranhas de Cristo, que vos deixeis fortalecer em seu santo serviço, crescendo de bem para melhor, de virtude em virtude, para que aquele que servis com todo o desejo do coração se digne dar-vos os desejados prêmios (1ª Carta 31-32).
⇒ Quando se reflete sobre o amor esponsal de Clara pelo Cristo necessário ter em mente os dizeres da 4ª. Carta onde Clara mostra ter familiaridade com o Cântico dos Cânticos: “Tomara que você se inflame cada vez mais no ardor dessa caridade, ó rainha do Rei celeste! Além disso, contemplando suas indizíveis delícias, riquezas e honras perpétuas, proclame, suspirando com tamanho desejo do coração e tanto amor: Arrasta-me atrás de ti! Corramos no odor de teus bálsamos (Ct 1,3), ó esposo celeste! Vou correr sem desfalecer, até me introduzires na tua adega (Ct 2,4), até que a tua esquerda esteja sobre a minha cabeça, sua direita me abrace (Ct 2,6) toda feliz e me dês o beijo mais feliz de tua boca (Ct 1,1)” ( 4ª. carta 27-32)
a) Dou graças ao Senhor por todas as vezes que, exatamente junto a um mosteiro, desde frade jovem, pude fazer a experiência de “cura” recolocando em ordem harmoniosa os valores evangélicos de minha vocação e missão, graças à ajuda das Irmãs Clarissas. Muitas vezes pedi hospitalidade em seus mosteiros para dar novo tom espiritual à minha vida. Obrigado a todas vós, irmãs clarissas por esta função terapêutica tão importante para a caminhada vocacional de uma pessoa consagrada ( + Fr. Giacomo Bini, OFM).
b) Da carta de uma Clarissa aos frades – “Se a Ordem e o mundo de hoje quiserem superar o “impasse” em que se encontram eu, Clarissa, não vejo outro caminho senão este: centrar-se na oração. Será preciso reavivar aquela oração pessoal com Deus, aquele encontro pessoal que Francisco alimentou durante toda s sua vida, encontro que se reveste de fé, esperança e amor. Uma relação de pessoa a pessoa, de amigo a Amado, do “verme inútil” ao dulcíssimo Deus. Vocês sabem muito bem que sem encontro pessoal não poderão encontrar o próximo. Este “diálogo” com Deus é tão urgente que, sem ele, não será possível entregar-se ao serviço dos irmãos. Em que consiste o apostolado que vocês realizam? Ou será que já desistiram de amar os homens e lavar-lhes os pés? Creio que o apostolado consiste em transmitir ao próximo, numa relação pessoal, o dom que Deus nos dá também numa relação pessoal. Estou convencida que a salvação da Ordem e a renovação do mundo consiste na humilde volta aos inícios da oração. Esta precisa tornar-se novamente fome de Deus, diálogo constante com o Ser que se ama. Então, como que automaticamente, todas as coisas vão sendo colocadas em seus devidos lugares. Vocês sabem que o Espírito de Deus não está em repouso e é esse Espírito que renova a face da terra. Urge começar novamente a rezar, individual e comunitariamente. Urge consagrar à oração muitas horas durante o dia. Sei que isso exigira de vocês um grande esforço. Mas vocês não querem atingir o essencial? Já sei. Vão me dizer que a fé está enfraquecida. Estou persuadida que este é um grande problema. Vocês perderam o senso da presença de Deus e de sua atuação. Mas é preciso rezar novamente. No início será difícil. Que vocês simplesmente se apresentem diante de Deus como quem traz a própria miséria, seu vazio e seu fracasso na qualidade de menor. Não creio que a vitória sobre as dificuldades atuais possam ser superadas sem que vocês criem espaços de silêncio e de solidão. Solidão não quer dizer separar-se dos homens, mas criar condições para o encontro com Deus. Vocês sabem perfeitamente que o “fazer coisas” pelos outros se esvazia completamente se Deus não estiver com vocês. É por isso, que muitas vezes, a ação pastoral de frades e homens cristãos é estéril. Muitos dos problemas pastorais que vocês dizem encontrar aparecerão como falsos desde o momento em que vocês, novamente, estiverem imersos no amor do Senhor
Inspirado em Scrito col cuore – Chiara Augusta Lainait, OD=SC, in Vita Minorum 14, 1972, p. 472
• O que chama sua atenção neste texto?
• Como concretamente se realiza essa união do coração com o esposo que é Cristo?
• Quais as características de uma espiritualidade esponsal?
• Qual é a preocupação de Chiara Augusta Lainati no texto dirigido aos frades, transcrito acima?
Em louvor de Santa Clara
Clara, minha irmã Clara,
mostra-me onde está
o tesouro do campo de tua vida:
como é belo o sol que brilha em teu jardim!
Tenho vontade que me tomes pela mãe e me leves!
Este é meu desejo!
Clara, minha irmã Clara,
faze com que eu aprenda a andar
com o ritmo de teus passos:
tu és tão feliz e tua alma dança de alegria.
Tenho um único desejo:
que minha alma dance diante de Deus a dança da alegria!
Clara, minha irmã Clara,
lava-me na corrente de tua vida;
tão pura é nossa irmã água que corre que só tenho um desejo,
isto é, aproximar-me da fonte de tua vida.
Clara, minha irmã Clara,
guarda-me no segredo de teu rosto;
teu semblante e teu olhar
quando estás em oração são tão luminosos
que só tenho um desejo: sentar-me à tua luz.
Clara, minha irmã Clara,
leva-me ao teu Amado pobre e crucificado:
tão alegre é teu coração diante do Evangelho
que só tenho um desejo:
ter um coração parecido com o teu.