Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

O Paráclito e o amor que une vidas em tempos de pandemia a partir de Jo 14,15-21

14/05/2020

                                                                                                                                                          Imagem ilustrativa (fonte: Pexels)

Frei Jacir de Freitas Faria[1]

 A passagem de Jo 14,15-21 é a continuidade dos versículos anteriores do capítulo quatorze do evangelho de João, os quais nos mostram Jesus fazendo um discurso de despedida dos seus apóstolos e afirmando que na casa do seu Pai há muitas moradas, e que ele é o caminho, a verdade e a vida.

Em Jo 14,15-21, Jesus acrescenta três outros elementos: o mandamento do amor, a garantia de que os apóstolos não ficariam órfãos e que o Pai enviaria o Espírito Santo Paráclito. Qual o sentido dessas palavras de Jesus? Como atualizar essas palavras de Jesus no contexto atual? Ressalto, primeiro, que Jo 14,15-21 começa e termina falando de mandamento. Literariamente, estamos diante de uma inclusão, isto é, a mesma coisa dita no início e no fim de um texto, fazendo o papel de um envelope, um invólucro, que guarda algo importante dentro dele. E aí vem outra pergunta: Por que Jesus uniu mandamento ao amor? Ele disse: Se me amais, observai o meu mandamento” (v. 15).

Comecemos pela última pergunta. Permita-me explicar a questão a partir da origem do substantivo mandamento. No latim, língua que deu origem ao nosso português, mandamento vem de mandatum (cargo ou encargo), mas também do verbo mandare, composto de manu (mãos) + dare (dar). Isso quer dizer que mandamento é dar com as mãos, entregar em mão. Dar com as mãos é oferecer algo. E é isso mesmo. A mão está sempre além do nosso corpo para dar e afagar, cumprimentar. E como estamos sentido falta desse gesto tão caro para nós neste tempo de pandemia. Estamos sendo forçados a nos privar do abraço, do dar as mãos, uma das coisas mais sublime na condição humana.

Isso é tão marcante que na cerimônia religiosa do matrimônio, quando o celebrante pede aos noivos que se deem as mãos, é que ocorre o ato sublime do amor: “Eu te recebo como meu (minha) esposo (a) e te prometo amar-te, respeitar-te por todos os dias de nossas vidas.” Lindas palavras. E é isso mesmo: mãos foram feitas para dar amor. Por isso, Jesus disse: “Quem me ama, será amado pelo meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele” (v. 21).

Jesus é a extensão do amor do Pai, assim como o filho é a extensão do amor da mãe. Um outro detalhe, o mês de maio é considerado também o mês da mãe, de Maria, das noivas e das flores. Flores, sinal de amor ofertado pelas mãos que carregam sempre o perfume da flor, isto é, o amor que deve ser levado para outras mãos.

Dar as mãos é um pacto, uma aliança, um mandamento. Por isso, Jesus, na sua despedida, dá aos discípulos e a nós, outra certeza: “Não vos deixarei órfãos” (v.18). A orfandade é algo terrível. O órfão é alguém sem base, sem alicerce. Perder pai e mãe na infância é o exemplo clássico para se falar de uma criança órfã. Ela terá a vida marcada por esse fato. Os adultos também se sentem órfãos quando os pais falecem. Há também, no entanto, os órfãos de relações que se partiram durante a vida. Quem não consegue se reestruturar, viverá eternamente amargurado.

Para garantir aos apóstolos que a sua morte não seria o fim, Jesus lhes promete que o Pai lhes enviaria o Espírito Santo Paráclito (vv.16.26). Estamos diante de uma palavra não muito comum aos nossos ouvidos: Paráclito. Permita-me também explicar a sua origem. Paráclito é um substantivo grego, composto por pará + kletos – aquele que chama para junto. Kaleo é chamar, e pará é junto. Assim, Jesus quer dizer: meu Pai deixará ao lado de você seu Espírito que é da Verdade, Santo e seu Defensor diante das dificuldades da vida. Note que o texto fala de outro Paráclito, outro defensor, pois o primeiro Paráclito é Jesus mesmo (v.16.26).

Interessante, que é isso que fazemos quando estamos em dificuldades e precisamos de alguém que nos ajude: chamamos um defensor, que fale por nós e nos defenda. É o caso do nosso advogado de defesa. Advogado quem é em latim, tem o mesmo significado de Paráclito, isto é: ad + vocatus – o que chama e está ao nosso lado. Paráclito é o Espírito da verdade! É o que também esperamos de todos os advogados, serem um defensor da verdade. Eu me lembro que quando fui ordenado presbítero em Divinópolis, nome que significa a Cidade do Divino, o bispo ordenante, Dom Querino, me disse: “aqui na cidade do Divino evoco o Espírito Santo Paráclito. Ele será seu defensor por toda a vida.

Outro elemento que não posso deixar de ressaltar em Jo 14,12-21 é que Jesus nos orienta a pedir em oração: “tudo que pedirdes em meu nome, eu o farei” (v.14). E com isso, posso concluir que o discurso de Jesus no capítulo 14 é de despedida, mas isso não é ponto principal da narrativa, mas a vida dos discípulos que ficariam sem Ele, que não estaria morto, mas vivo neles.

Muitos poderiam dizer que a solução, então, estaria na volta de Jesus, sua Parusia final. E como isso já deu pano para manga na história do cristianismo, de forma positiva e negativa. A questão não é a volta de Jesus, mas a sua presença permanente no meio de nós por meio do amor que estende a mão; no dom do Espírito Paráclito, na oração eficaz e na paz. Jesus, o primeiro Paráclito e o Espírito Santo também Paráclito nunca nos abandonará.

Para terminar, gostaria de frisar a importância de viver tudo isso em nossos dias. A pandemia do Coronavírus está deixando o mundo mais empobrecido, com famintos por todos os cantos da terra. Os economistas preveem uma quebradeira total, uma recessão jamais vista em nível mundial. Por isso, o evangelho que refletimos nos convoca a repartir, estender suas mãos aos que nada têm, aos que perderam com a pandemia, a ser um defensor, um paráclito na vida do outro. Em outras palavras: solidariedade para reconstruir a nossa vida no planeta terra. Coragem! Mãos estendidas para repartir.


[1] Doutor em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje). Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico (Roma). Reitor e professor no Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA/BH) www.bibliaeapocrifos.com.br

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