Enzo Bianchi
Qual foi a maior renúncia nos meses de “clausura” e de distância exigidas para frear o contágio? Ao conversar com amigos, por telefone ou nas redes sociais, veio à tona desde o início que o maior esforço era o fato de sequer dar a mão àqueles com quem nos encontrávamos, muito menos um abraço.
Ainda nos dias anteriores à “clausura”, essa distância era exigida e, embora de má vontade, sorríamo-nos de longe, levantávamos a voz para nos fazer ouvir, sem nos aproximar. Não foi fácil aprender subitamente a regra da não proximidade.
Na minha convivência-comunidade, também obedecemos a essas normas: sentados à mesa a distância, nada de abraços na liturgia, nada de sinais de atenção e de confidência que pusessem em ação o sentido do tato.
Por reação espontânea, tornamo-nos mais do que nunca digitais para nos comunicar, para não nos sentirmos sozinhos, em uma espécie de bulimia de contatos, embora virtuais. Paradoxal: negação do contato corporal e louca necessidade de estar sempre “em contato”, muito mais do que fazíamos antes (que já não era pouco!).
Eu também verifiquei isso: muitos que eu não ouvia ou via há muito tempo voltaram a me procurar desse modo. Vivemos, portanto, sem contatos físicos, reprimindo a afeição e a empatia que só o encontro pessoal pode dar. E fomos feridos ao saber que os doentes iam ao encontro da morte isolados e privados da possibilidade de contatos físicos, quando mais precisariam disso.
Tudo isso me fez refletir sobre o tato, o sentido mais “antigo”, ativo em cada um de nós desde a condição de feto no útero materno. O rato está sempre em exercício para todos os animais vivos. Todos os dias da nossa vida, até o da morte, quando alguém, ao nos tocar, disser: “Ele não respira mais!”.
O tato é recíproco, acende-se graças ao con-tato. É através do tato que realizamos a relação do corpo com o mundo: o nosso corpo toca e toma algo do mundo que, por sua vez, é tangível. E é o tato que, mais do que os outros sentidos, atesta a experiência certa, segundo a expressão comum: “Tocar para acreditar”.
O tato nos diz em particular onde o outro se situa, perto ou longe, tocado de leve ou apertado, abraçado; é o sentido que mais nos acende de alegria e de prazer nas relações, até a exultação.
Por isso, precisamos não apenas trocar palavras ou olhares, mas também sentir reciprocamente os corpos ao lado, acariciar ou dar um beijo. No exercício do tato, as mãos são a linguagem comum, muito além das palavras. Que arte inefável é a carícia…
Quando – esperamos que em breve – voltarmos a apertar as mãos, a nos abraçar e a nos beijar, tentemos estar cientes desse sentido e da sua qualidade decisiva para a nossa vida. Sem demonizar a comunicação virtual, tão útil neste tempo de pandemia, voltemos a usar as mãos e o corpo para viver a comunicação como obra de arte.
E que o coração acompanhe o tato, para que a epiderme viva e vibre graças à arte consciente do toque, capaz de iluminar os nossos dias.
Enzo Bianchi, monge italiano da Comunidade de Bose, em artigo publicado no jornal “La Repubblica”, em 10 de maio, traduzido por Moisés Sbardelotto, do site www.ihu.unisinos.com.br.