Abril 2020
- SEMANA SANTA: DOR E AMOR, MORTE E VIDA
- Domingo de Ramos
- Segunda-feira Santa
- Terça-feira Santa
- Quarta-feira Santa
- Quinta-feira Santa
- Sexta-feira da Paixão do Senhor
- Sábado Santo
- Domingo de Páscoa
SEMANA SANTA: DOR E AMOR, MORTE E VIDA
Nos passos do Senhor Jesus
Introduzindo
Os dias da Semana Santa são os mais importantes para a vida da Igreja (e a vida do mundo). O mais belo dos filhos dos homens deixou-se pregar no madeiro da cruz para que todos ficássemos sabendo quanto o Senhor nos ama. Não é possível ignorar este grito de amor. “Pai, em tuas mãos eu entrego o meu espírito”. Através desse dom incondicional entramos todos na esfera do amor. A morte e ressurreição do Senhor estão a gritar que valemos muito aos seus olhos. A morte de Jesus no alto da cruz está a nos dizer: “Adão, por que te escondes de mim? Vê quão grande é meu amor por ti!!! Estou te procurando!”
Vivemos um momento delicadíssimo da história de nossa aldeia global. Uma pandemia. Um vírus alterou projetos, fez as bolsas despencarem, reduziu o produto interno bruto, provocou incontáveis cancelamentos de eventos, criou pavor, proibiu viagens e deslocamentos e…. lavação das mãos, unidades de tratamento intensivo insuficientes, pessoas morrendo sozinhas, mortes, muitas mortes… Habitantes do planeta, sentimo-nos frágeis e humildemente precisando uns dos ouros. Estamos confinados a nossas casas. Não podemos circular. Os idosos temem mais que os outros. Os governos tomam providências (ou não). Uma sensação de medo paira no ar. Que não chegue ao pânico! Há mesmo um estranho silêncio ao qual não estávamos acostumados, até nos corredores e refeitórios de nossas comunidades religiosas. Era o clima dos retiros de antanho. Exilados em nossas casas. Não há celebrações… todos vivendo em suas casas, entocados… esperando o fim do pesadelo para que alegria, danças e cânticos voltem o mais rápido possível. Quando isso acontecerá? Quando poderemos correr pelas ruas e campos? As quaresmeiras floridas, crianças que continuam nascendo, pássaros, fazendo seus ninhos, estão a nos dizer que a vida continua. Mesmo em quarentena… esperamos dias melhores.
Tempo de cancelamentos e de confinamentos. Tempo de voltar ao essencial, de não nos preocuparmos com o acessório. O que conta é o cuidado e a proteção da vida. Somos todos extremamente frágeis, impotentes diante de forças ocultas e mortíferas. Os poderosos não são poupados e, preocupados com seus negócios, andam usando máscaras e verificando as trágicas oscilações da bolsa. Tempo de visita ao coração, de exame da vida, tempo de simplificação das coisas, tempo de solidariedade.
O jornal “O Globo”, quinta-feira 19 de março, no segundo caderno, publicou uma interessante entrevista com Monja Coen, líder espiritual zen, diretamente do Japão. Questionada a respeito do que se pode tirar desse isolamento em que vivemos, respondeu: “Aquilo que já sabíamos e havíamos esquecido: somos um só corpo, com todo o planeta. Não existe nada nem ninguém separado. Somos a vida da Terra em transformação e pertencemos à espécie humana. Não importa se seus olhos são redondos ou puxados, se a cor da sua pele é clara ou escura, onde você nasceu, que língua fala. O coronavírus nos faz lembrar que todos somos humanos. Isto é importante para romper as barreiras de discriminações e preconceitos. Não interessa se homo, hétero ou transexual: o vírus pega todos. Este é o momento de nos reunirmos, nos cuidar com dignidade. Procurar meios de minimizar dor e sofrimento, ajudar mesmo à distância, aqueles que precisam”.
Autores de textos que falam da reconquista do humano no homem e de espiritualidade em nossos tempos dissertam sobre a da arte da lentidão. Nesse tempo de confinamento poderíamos, quem sabe, andar mais calmamente em nosso canto: “Passamos pelas coisas sem as habitar, falamos com os outros sem os ouvir, juntamos informações que nunca chegamos a aprofundar. Tudo transita num galope ruidoso, veemente e efêmero. Na verdade, a velocidade com que vivemos impede-nos de viver. Uma alternativa será resgatar a nossa relação com o tempo. Por tentativas, por pequenos passos. Ora, isso não acontece sem um abrandamento interno. Precisamente porque a pressão de decidir é enorme, necessitamos de uma lentidão que nos proteja das precipitações mecânicas, dos gestos cegamente compulsivos, das palavras repetidas e banais. Precisamente porque temos que nos desdobrar e multiplicar, necessitamos reaprender o aqui e o agora da presença, reaprender o inteiro, o intacto, o concentrado,o atento e o uno” (José Tolentino Mendonça, Libertar o tempo, Paulinas, p. 20-21).
Durante a Grande Semana estaremos diante do Filho amado, no qual o Pai colocou todo seu beneplácito. Estaremos diante daquele que se fez ouvinte obediente. Contemplação, silêncio de nós mesmos, deixar o interior se impregnar das leituras, viver os ritos. E acolher os movimentos do Espírito Santo. Para onde ele poderá nos levar?
Uma dúvida: será que em algum lugar da terra, nesse tempo de “coronavírus” os povos poderão vivenciar presencialmente as sublimes liturgias? Vamos viver em casa nossas celebrações da maior de todas as semanas. Os textos que agora propomos a nossos leitores são uma modestíssima ajuda. Quem sabe uma ou outra de nossas citações coloque um pontinha de esperança nesse tempo de confinamento e quebrem por pouco que seja esse mal estar. Espero. Nos tragam um alívio.
Frei Almir Guimarães
Domingo de Ramos
Um Rei sentado num jumentinho
Um homem como todos, um indefeso em poder de todos, assim o descreve o sucinto relato do Evangelho. Vemos Jesus como uma vítima da intolerância e da injustiça, um amotinador ou, quando muito, um sacrificado pelos seus, por um falaz cálculo político. Mas isso não bastaria para fazer dele um salvador. O que resgata sua morte, o que transfigura – é o imenso peso do amor com que faz o dom de sua vida, para libertar-nos da violência e do ódio, do fanatismo e do medo, do orgulho e da auto-suficiência; para tornar-nos – como ele- disponíveis para Deus e para os outros, capazes de amar e perdoar, de ter confiança e reconstruir, de crer no homem ultrapassando as aparências e as deformações.
Inspirado no Missal Dominical da Paulus, p. 250
Filipenses
Jesus Cristo, existindo na condição divina, não fez do ser igual a Deus uma usurpação, mas ele esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual os homens. Encontrado em aspecto humano, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até à morte de cruz (2, 6-8).
Associando nossos passos ou passos do Senhor
Vinde, subamos juntos ao monte das Oliveiras e corramos ao encontro de Cristo que hoje volta de Betânia e se encaminha voluntariamente para aquela venerável e santa Paixão, a fim de realizar o mistério de nossa salvação (…).
O Senhor vem, mas não rodeado de pompa, como se fosse conquistar a glória. Ele não discutirá, diz a Escritura, nem gritará, e ninguém ouvirá sua voz. Pelo contrário, será manso e humilde e se apresentará com vestes pobres e aparência modesta (…).
Acompanhemos o Senhor que corre apressadamente para sua Paixão e imitemos os que foram ao seu encontro. Não para estendermos à sua frente, ramos de oliveira ou de palma, tapetes ou mantos, mas para nos prostrarmos a seus pés, com humildade e retidão de espirito a fim de recebermos o Verbo de Deus que se aproxima, e acolhermos aquele que luar algum pode conter.
Santo André de Creta, Liturgia das Horas II, p. 366-367
Segunda-feira Santa
A mulher que ungiu os pés de Jesus
6 de abril DE 2020
João 12, 1-12
Estamos bem às vésperas da paixão. Jesus se encontra em casa de Marta, Maria e Lázaro. Participa de uma refeição, na verdade uma refeição de adeus em casa de seus amigos. Há outras pessoas presentes, certamente alguns dos apóstolos. Maria, segundo o evangelista João, toma uma libra de perfume de nardo puro lava os pés do Mestre e enxuga-os com os cabelos. A casa ficou cheia do perfume e, provavelmente, no coração dos amigos havia um ar de despedida.
Judas se incomoda. Segundo o evangelista João, ele se insurge com o desperdício de dinheiro com a compra do perfume. Poderia ter sido vendido e o dinheiro dado aos pobres. Era o homem que tinha a bolsa e zelava pelo seu conteúdo. João, o evangelista, diz que Judas não tinha postura de retidão pois roubava o que se depositava nela.
E Jesus: “Judas, deixa que ela faça o que seu coração sugere. Age assim em vista de minha sepultura. Estou na iminência de terminar minha carreira. Não está sendo fácil. Quando vejo Lázaro penso na minha morte. Foi duro, Judas, muito duro quando abriram a sepultura desse meu amigo e eu senti o perfume da morte. Fui amigo desta família e desta mulher que quebrou o frasco de perfume. De alguma forma ela prefigura a minha morte e a dor de seu coração. Também a vocês, meus apóstolos, dediquei-me de corpo e alma. Tenho receio que, na hora decisiva cada um de vocês vá para seu lado. Judas, esta mulher escutando as apressadas batidas de meu coração”.
Terça-feira Santa
O coração do Mestre bate acelerado
7 de abril de 2020
João 13, 21-38
Estamos no final de ceia de despedida. Já havia sido realizado o lava-pés. O coração do Mestre começa a bater mais aceleradamente. O texto de João se reveste de grande dramaticidade.
Uma constatação por parte de Jesus: “Um de vós me entregará”. Olhares se cruzam. Braços se remexem. Canto dos olhos, para cá e para lá. O traidor estava ali, na sala.
Um discípulo está recostado no lado de Jesus, lado do coração. Lado que depois seria aberto no alto da cruz. Instado por Pedro, João coloca a questão: “Quem é?” O que receberia o pão molhado das mãos de Jesus. E o Mestre chega a Judas. Era ele.
“Judas faz logo o que tens a fazer. Não vamos prolongar esse tempo de dor…os outros vão pensar que tens compras a fazer… faz logo o que tens a fazer… eu começo a não aguentar”, assim poderia ter dito Jesus.
O evangelista João lembra que quando Judas saiu já era noite. Agora era noite nos corações. Algumas noites haveriam de se suceder… até chegar aquela noite que seria devorada pela luz da vida, na madrugada da ressurreição.
“Para onde eu vou vós não podeis ir…” A trilha da dor e do amor. Jesus falava de uma saída não geográfica, mas interior, uma saída que ele não podia deixar de trilhar….êxodo, passagem, páscoa… era noite…
Quarta-feira Santa
Os acertos finais de Judas Iscariotes
8 de abril de 2020
Mateus 26, 14-25
Ficara acertada a soma de trinta moedas…Judas conclui seus projetos…Um homem, um mistério… O mistério de Judas. Melhor não querer escarafunchar…
“Na traição de Judas vemos o entrelaçamento dos desígnios de Deus e do “livre” agir do homem. Não se pode negar que Judas agiu livremente; seu gesto ,porém, foi prenunciado e não fugiu de modo algum à vontade de Jesus. Foi consumado quando para Jesus chegou a “hora”. É perigoso brincar consigo mesmo. A liberdade é um dom, mas seu reto uso é uma conquista, fruto de correspondência à graça divina. Nada é mais arriscado do que acostumar-se com a graça divina: pode vir a ser irreparável. É possível até acostumar-se com a Eucaristia. A Semana Santa é a mais trágica celebração da liberdade humana em seu mistério mais profundo,no livre e irrevogável não de Judas e no livre e irrevogável sim de Cristo à vontade do Pai” (Missal cotidiano da Paulus, p. 327).
Uma palavra dos tempos antigos
Eis que, em favor do ímpio, a piedade é flagelada; por um insensato a sabedoria é escarnecida; por um mentiroso a verdade é entregue à morte; a justiça é condenada em lugar do culpado; a misericórdia crucificada em lugar do cruel; por um miserável a sinceridade é saciada de vinagre; a mansidão inebriada de fel; a inocência acusada em vez do criminoso; e a vida morre em lugar do morto.
Eusébio Galicano, monge, Lecionário Monastico II, p. 497
Quinta-feira Santa
O Lava-pés
9 de abril de 2020
João 13, 1-15
Terminada a ceia, Jesus levanta-se, deixa sua vida ordinária, depõe o manto e assume a atitude de servo. Vai adotar simplesmente a postura de um empregado. Amarra uma toalha em torno da cintura. Coloca o gesto: derrama água, lava os pés, enxuga-os. Assume interiormente o que realiza. Não está encenando. Não inventa gestos para impressionar os expectadores. É toda sua pessoa que se revela nesse gesto. Nesse gesto encontramos a totalidade de seu ser (…). “Vim para servir”.
Tal gesto recolocado hoje poderia, em princípio, parecer ultrapassado. Ele, no entanto, conserva todo o seu sentido. Trata-se de um gesto terra a terra. Poeira grudenta e suja. Coisa real. O todo é dirigido não por ideias, mas a partir da realidade. Não podemos esquecer que humildade e humus têm a mesma raiz. O gesto simplesmente diz que nossos pés tocam a terra.
Naquela época esse gesto concreto era, antes de mais nada, um sinal de hospitalidade. Os caminhos cansavam e eram poeirentos, pediam água, assim como ao longo de uma caminhada ou de uma corrida é bom mergulhar os pés nas águas de um córrego. Como sinal de hospitalidade, na época, apresentava-se ao hóspede uma bacia com água para que ele mesmo lavasse os pés. Nas famílias mais abastadas a tarefa era confiada a um empregado ou escravo: um gesto humilhante. Ninguém podia obrigar a um escravo judeu a realizar o gesto em questão.
O lava-pés era um gesto de respeito, de piedade para com uma pessoa que se tinha em mente honrar como pai ou mestre reconhecido como tal. O gesto ganha seu significado numa mescla entre hospitalidade, humildade e respeito.
Jesus se apresenta como aquele que sabe receber bem seus discípulos. Tem-nos em conta de hóspedes a serem acolhidos. Oferece-lhes um pouco de frescor e descanso depois do cansaço do caminho. Para Jesus o momento é particularmente difícil. Há ameaças no ar. Rejeição e traições. E nesse contexto ele se torna ainda mais e mais servo. Quebra os costumes e protocolos. Não é escravo mas assume a condição de escravo.
Ainda mais, mostra seu respeito pelo homem. Coloca-se de joelhos diante dele, como um escravo, respeita-o e o honra como seu honra um Mestre. Jesus respeita o homem. Assim, através desse Jesus que vem do Pai e volta para o Pai se pode vislumbrar o rosto de um Deus que acolhe, coloca-se a serviço e se coloca de joelhos diante do homem para honrá-lo.
Inspirado em René Aucourt
Laver les pieds, Un geste simbolique et fondateur
Evangile Aujourd’ui, n. 233, p.16-21
Corpo e sangue do Senhor
Cristo está presente sobre a mesa: Cristo foi condenado à morte e sacrificado; Cristo é recebido em seu corpo e sangue. Ele que, neste dia, deu o pão e o cálice a seus discípulos, consagra-os também hoje. Não, na verdade não é um homem que pode consagrar o corpo e o sangue de Cristo postos à mesa, mas o próprio Cristo que foi crucificado por nós… As palavras são pronunciadas pela boca do sacerdote; o corpo e o sangue são consagrados pelo poder e pela graça de Deus.
Santo Agostinho, Lecionário Monástico II, p. 562
Sexta-feira da Paixão do Senhor
A cruz do filho do carpinteiro
Oração do dia
Olhai com amor, ó Pai, esta vossa família, pela qual nosso Senhor Jesus Cristo livremente se entregou às mãos dos inimigos e sofreu o suplício da cruz. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,na unidade do Espjírito Santo. Amém
Ó admirável filho do carpinteiro, que levou a cruz os abismos da morte que tudo devoravam, também levou o gênero humano para a morada da vida. E uma vez que o gênero humano, por causa de uma árvore, tinha se precipitado no reino das sombras, sobre outra árvore passou para o reino da vida. Na mesma árvore em que fora enxertado um fruto amargo, foi enxertado depois um fruto doce, para que reconheçamos o Senhor a quem criatura humana alguma pode resistir.
Glória a vós que lançastes a cruz como ponte sobre a morte, para que através dela as almas possam passar da morte para a vida!
Glória a vós que assumistes um corpo de homem mortal, para transforma-lo em fonte de vida para todos os mortais!
Vós viveis para sempre! Aqueles que vos mataram trataram vossa vida como os agricultores; enterraram-na como grão de trigo;mas ela ressuscitou e, junto com ela, fez ressurgir uma multidão de seres humanos.
Vinde, ofereçamos o grande e universal sacrifício do nosso amor. Entoemos com grande alegria cânticos e orações àquele que se ofereceu a Deus no Sacrifício da cruz, para nos enriquecer por meio dela com a abundância de seus dons.
Santo Efrem, diácono
Liturgia das Horas II, 663-664
Uma pungente prece
Minha alma tem sede de Deus, meu Salvador. Quero abrir meu coração. Quero ver aquele que bebeu o cálice mais amargo do mundo.
Sim, o mais amargo porque se nós devido a nossos corações pecadores e espíritos acanhados, percebemos alguma coisa de tal amargura imaginemos como ele, sensível como era, deve ter sofrido com amargor.
Quero beijar seus pés sangrentos que sempre andaram atrás de mim até os impasses dos caminhos que percorri. Quero ver o lado trespassado daquele que, me abriu seu coração para oferecer-me um lugar. Quero ver o madeiro a cruz no qual esta suspensa a Salvação do mundo e minha própria salvação.
Karl Ranher
Sábado Santo
Hoje não há liturgia. Não é sábado de aleluia. Não se celebra a missa. Não se administram os sacramentos. É dia de silêncio, de meditação, de interiorização. Ele, esse Jesus da cruz, desceu à mansão dos mortos. Esse sábado me faz pensar nessa pandemia. Novamente vamos nos deixar instruir por homilias do tempo dos Padres da Igreja:
À procura de Adão
Que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a terra. Um grande silêncio e uma grande solidão. Grande silêncio, porque o rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam há séculos. Deus morreu na carne e despertou a mansão dos mortos.
Vai antes à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva cativos, agora libertos do sofrimento.
O Senhor entrou onde eles estavam, levando em suas mãos a arma da cruz vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro pai o viu, exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração: “O meu Senhor está no meio de nós”. E Cristo respondeu a Adão: “E com o teu espírito”. E tomando-o pela mão, disse: “Acorda, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará” (…). Vê em meu rosto os escarros que por ti recebi, para restituir-te o sopro da vida original. Vê em minha face as bofetadas que levei para restaurar, conforme à minha imagem, tua beleza corrompida. Vê em minhas costas as marcas dos açoites que suportei por ti, para retirar de teus ombros o peso dos pecados. Vê minhas costas fortemente pregada ao lenho da cruz, por causa de ti, que outra estendeste sem refletir para a árvore do paraíso.
De uma antiga homilia no grande Sábado Santo
Como um atleta, ele percorre o seu caminho
Aquele que soprara vida em Adão para fazer dele um ser vivente foi depositado num túmulo, morto, sem vida. Aquele que condenara o homem a voltar à terra foi contado entre os esquecidos da terra. As portas de bronze são quebradas, as barras das portas destruídas, as portas eternas se abrem, o guardião da mansão dos mortos se apavora. Aquele que não tem pecado está entre os mortos. Aquele que desfizera as ligaduras de Lázaro é envolvido com ataduras para desatar as amarras do homem morto por causa do pecado e enredado em seus laços, a fim de torna-lo livre. Agora o rei da glória desce à casa do tirano, ele o Forte nos combates sai de um extremo do céu e no outro termina a sua corrida, alegrando-se como um atleta a percorrer o seu caminho.
São João Damasceno
Ladainha de intercessão
Aqui preces belíssimas, orações com horizonte dilatado, amplas, visando as grandes necessidades dos humanos. No momento em que a Igreja celebra a morte de seu Esposo dirige aos céus súplicas ardorosas. A seguir uma ladainha de intercessão bem no espírito da Semana Santa. Ela é perpassada pelo tema e pelo mistério da noite. Teve como inspiração um texto publicado na Revista Fêtes et Saisons, fev. 1999, p. 12.
- Por tua Igreja que te aguarda como seu Esposo, na noite deste mundo,
Senhor Jesus , pela noite da tua Paixão, tem piedade.
- Por teu povo, o Israel segundo a carne, que ouve a tua Palavra na noite, esperando a aurora de teu Reino,
Senhor Jesus…
- Pelas nações pagãs que te procuram durante a noite às apalpadelas,
Senhor Jesus…
- Pelos povos sobre os quais caíram a noite das ideologias totalitárias e da opressão da mentira,
Senhor Jesus…
- Por nossos irmãos que são perseguidos, por causa do teu Nome e que, à noite, se reúnem para rezar, por aqueles que à noite são arrancados de suas casas pela violência de toda sorte, por seus perseguidores cegos pelo ódio e que não sabem o que fazem,
Senhor Jesus...
- Por aqueles que não nos amam e que, de nossa parte, não sabemos ama-los, por nossos inimigos e por aqueles que manifestam falta de bem querer,
Senhor Jesus…
- Pelos doentes, por todos os que se encontram em hospitais e que sofrem durante a noite, pelos que agonizam e morrem nesta noite, pessoas cujos olhos não verão mais a luz de um novo dia.
Senhor Jesus…
- Pelas pessoas angustiadas que não conseguem dormir, cuja noite é interminável, pelos que são acometidos da tentação do suicídio, cuja noite é marcada pelo poder do Príncipe das Trevas,
Senhor Jesus…
- Pelas prostitutas cujo amor pode ser comprado na obscuridade da noite, por todos os que são presas do vício e da droga,
Senhor Jesus…
- Pelos ladrões, assassinos e criminosos que praticam a maldade servindo-se da cumplicidade da noite,
Senhor Jesus…
- Por todos os que se encontram em prisões, pelos que são torturados, pelos que são degradados por outros no segredo da noite, pelos sentenciados de morte que aguardam a noite de sua execução,
Senhor Jesus…
- Pelos pobres sem abrigo, pelos que solitários perambulam pela noite afora, padecendo com a indiferença dos outros.
Senhor Jesus…
- Por todos aqueles que, em sua noite, te procuram sem te encontrar, pelos velhos que vão se extinguindo na noite de sua solidão,
Senhor Jesus…
- Pelas crianças que ainda se encontram no seio de sua mãe, por aquelas que não verão o dia devido ao egoísmo dos homens,
Senhor Jesus…
- Pelos cegos cuja noite não tem fim, por todos os doentes mentais em sua loucura,
Senhor Jesus…
- Pelos que trabalham penosamente durante a noite, pelos que viajam na insegurança da noite,
Senhor Jesus…
- Pelos homens e mulheres que se amam, pelos casais que descansam na paz, pelas mulheres que nesta noite dão à luz um filho,
Senhor Jesus…
- Pelos moradores desta paróquia, desta cidade, desta diocese que dormem durante esta noite, por nossos irmãos, nossos parentes e nossos amigos que tu proteges em seu
Senhor Jesus…
- Pelo Santo Padre o Papa Francisco, pelos bispos, sacerdotes, diáconos, religiosos e pela imensidão do povo cristão,
Senhor Jesus…
- Pelos monges e monjas que se levantam durante a noite para a oração em vista de acelerar a vinda do Reino de Deus,
Senhor Jesus…
- Pelos nossos irmãos e irmãos falecidos para que entrem na Luz de tua Glória,
Senhor Jesus…
- E por nós, pecadores, que ao longo da noite caminhamos na direção da Luz de teu Dia de tua Glória,
Senhor Jesus…
Domingo de Páscoa
Ressurreição, Ele vive
Ele ressuscitou porque conquistou e resgatou para sempre, por meio de sua morte, o centro mais íntimo do que é a natureza terrena. Fez isto sem destruí-la, de tal forma que ele não nos abandonou. Proclamando como fazemos no Credo, que ele subiu aos céus e entrou na morada de Deus, isto quer dizer que, por um tempo, ele retira o aspecto visível de sua humanidade glorificada, mas sobretudo que não existe mais abismo entre Deus e o mundo. O Cristo a partir de então está no mais íntimo de todas as coisas humildes que compõem a vida na terra, terra que não podemos deixar porque é nossa mãe.
Karl Ranher
Um reflexão quase oração
MARIA, A QUEM PROCURAS?
O nome dela, o nome daquela mulher, era Maria, nome comum a tantas mulheres.
Tinha se levantado muito cedo e levava perfumes ao túmulo daquele homem que havia transformado a sua vida.
E ninguém perto do túmulo e o túmulo vazio.
E agora, sozinha, corria de um lado para o outro, quase doida, porque o corpo de seu Amado havia desaparecido.
“Maria, por que procuras entre os mortos, aquele que vive, aquele que é o Vivo?
Ele passou, passou entre nós, no meio de nós, veio viver nossa aventura humana.
Morou em Nazaré, sentou-se à mesa com uns e outros,
comeu tâmaras e damascos,
foi a festas de casamento,
tocou o coração dos pequenos,
marcou para sempre muitas vidas.
Tu sabes tudo isso… porque ele tocou profundamente teu coração.
Maria, por que tu procuras entre os mortos aquele que vive?
Ele não pertence mais ao mundo da morte.
O Pai o arrancou das trevas.
Tu o encontrarás no rosto dos mais desvalidos da terra, na palavra que no seio da Igreja ele continua proclamando.
Haverás de encontra-lo sobre a toalha branca do pão branco e do vinho rubro e generoso.
Maria, porque choras? O teu Mestre vive e nos convoca para seu seguimento.
Quem quiser seu meu discípulo, renuncie a tudo e siga-me.
“Sim, eu vi o túmulo vazio, o sepulcro abandonado, anjos da cor do sol, dobrando ao chão o lençol…”
Ele ressuscitou Maria!
Por que então tu choras?