Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Abril 2020

SEMANA SANTA: DOR E AMOR, MORTE E VIDA

Nos passos  do  Senhor Jesus

 

Introduzindo

             Os dias da Semana Santa são os mais importantes  para a vida da  Igreja  (e a vida do  mundo). O mais belo dos filhos dos homens  deixou-se pregar  no madeiro da cruz para que  todos  ficássemos sabendo quanto o  Senhor nos ama.  Não é possível ignorar este  grito de amor.  “Pai, em tuas mãos eu entrego o  meu espírito”. Através desse  dom  incondicional  entramos todos na esfera do amor.  A morte e  ressurreição do Senhor estão a gritar que valemos muito  aos seus olhos.  A morte de Jesus no alto da cruz está a nos dizer: “Adão, por que te escondes de mim?  Vê quão grande é meu amor por ti!!!  Estou te  procurando!”

Vivemos um momento delicadíssimo da história de nossa aldeia global.  Uma pandemia.   Um vírus alterou  projetos,  fez as bolsas despencarem, reduziu o produto interno  bruto,  provocou  incontáveis cancelamentos de eventos,   criou pavor,  proibiu viagens e deslocamentos  e…. lavação das  mãos,  unidades de tratamento intensivo insuficientes, pessoas morrendo sozinhas,  mortes,  muitas mortes… Habitantes  do planeta,  sentimo-nos  frágeis e humildemente precisando uns dos ouros. Estamos confinados a  nossas casas.  Não podemos circular.  Os idosos temem  mais que os outros.  Os governos tomam providências  (ou não).  Uma sensação de medo paira no ar.  Que não  chegue ao pânico! Há mesmo um estranho silêncio ao qual  não estávamos acostumados, até nos corredores  e refeitórios de nossas comunidades religiosas. Era o clima dos retiros de antanho. Exilados em nossas casas.  Não há celebrações… todos  vivendo em suas casas, entocados… esperando  o fim do  pesadelo para que alegria,  danças e cânticos voltem  o mais rápido  possível. Quando isso acontecerá? Quando poderemos correr pelas ruas e campos? As quaresmeiras floridas,  crianças que continuam nascendo, pássaros, fazendo seus ninhos, estão a nos dizer que a  vida continua.  Mesmo  em quarentena… esperamos dias melhores.

Tempo de cancelamentos e de confinamentos.  Tempo de voltar ao essencial,  de  não nos preocuparmos  com o acessório.  O que conta é o cuidado e a proteção  da vida. Somos todos extremamente frágeis, impotentes diante de forças ocultas e mortíferas. Os poderosos não  são poupados e, preocupados com seus negócios, andam usando máscaras e verificando as trágicas oscilações da  bolsa. Tempo de visita ao coração, de  exame da vida, tempo de simplificação das  coisas,  tempo de solidariedade.

O jornal  “O Globo”,  quinta-feira 19 de março,  no segundo caderno, publicou uma interessante entrevista com  Monja Coen,  líder espiritual zen, diretamente do  Japão.  Questionada a respeito  do que se  pode tirar desse  isolamento em que vivemos, respondeu:  “Aquilo que já sabíamos e  havíamos esquecido:  somos um só corpo,  com todo o planeta.  Não existe nada nem ninguém separado.  Somos  a vida da Terra  em transformação e pertencemos à espécie humana.  Não importa se seus olhos são redondos ou puxados, se a cor da sua pele é clara ou escura, onde você nasceu,  que língua fala.  O coronavírus nos faz lembrar que todos somos humanos.  Isto é importante  para romper as barreiras de discriminações e preconceitos.  Não interessa se homo, hétero ou  transexual: o vírus pega todos. Este é o momento de  nos reunirmos,  nos cuidar com dignidade.  Procurar meios de  minimizar  dor e sofrimento, ajudar mesmo à distância, aqueles que precisam”.

Autores  de textos que falam da reconquista do humano no homem e de espiritualidade em nossos tempos  dissertam sobre a da arte da lentidão.  Nesse tempo de confinamento   poderíamos, quem  sabe,  andar mais calmamente em nosso canto:  “Passamos pelas coisas sem as habitar,  falamos com os outros sem os ouvir,  juntamos informações que nunca chegamos a aprofundar.  Tudo transita num galope ruidoso, veemente e efêmero.  Na verdade,  a velocidade  com que vivemos impede-nos de viver.  Uma alternativa será resgatar a nossa relação  com o tempo.  Por tentativas, por pequenos passos. Ora, isso não acontece sem um abrandamento  interno. Precisamente  porque a pressão de decidir é enorme, necessitamos de uma lentidão  que nos proteja das precipitações  mecânicas,  dos gestos cegamente compulsivos, das palavras repetidas e banais.  Precisamente  porque temos que nos desdobrar e multiplicar, necessitamos  reaprender o aqui e o agora   da presença, reaprender o inteiro, o intacto, o concentrado,o atento e o uno”  (José Tolentino Mendonça,  Libertar o tempo,  Paulinas,  p. 20-21).

Durante a Grande Semana estaremos diante do  Filho amado, no qual  o Pai  colocou  todo seu beneplácito.  Estaremos  diante daquele que se fez ouvinte obediente.  Contemplação, silêncio de nós mesmos,  deixar o interior  se impregnar  das leituras, viver os ritos. E  acolher os movimentos do  Espírito  Santo.  Para onde ele poderá nos levar? 

            Uma dúvida:  será que em algum lugar da terra, nesse tempo de “coronavírus” os povos poderão vivenciar presencialmente as sublimes  liturgias?  Vamos viver em casa nossas celebrações  da maior de todas as semanas.  Os textos   que agora propomos a nossos leitores  são uma  modestíssima ajuda.  Quem sabe uma ou outra de nossas citações coloque um pontinha de esperança nesse tempo  de confinamento e quebrem por pouco que seja  esse mal estar.   Espero.  Nos tragam um alívio.

Frei Almir Guimarães

Domingo de Ramos

Um Rei sentado num jumentinho

 

Um  homem como todos,  um indefeso em poder de todos, assim o descreve o sucinto relato do Evangelho. Vemos  Jesus como uma vítima da intolerância e da  injustiça,  um amotinador  ou,  quando  muito,  um sacrificado pelos seus, por um falaz cálculo político.  Mas isso não bastaria para fazer dele  um salvador. O que resgata sua morte, o que transfigura – é o imenso peso do amor com que faz o dom de sua vida, para libertar-nos da violência e do ódio,  do fanatismo e do medo, do orgulho e da auto-suficiência;  para tornar-nos – como ele- disponíveis para Deus e para os outros, capazes de amar e perdoar, de ter confiança e  reconstruir, de crer no homem ultrapassando as aparências e  as deformações.

Inspirado no Missal  Dominical da Paulus, p. 250


Filipenses 

Jesus Cristo, existindo na condição divina,  não fez do  ser igual a Deus  uma usurpação, mas ele esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual os homens.   Encontrado em aspecto humano, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até à morte de cruz (2, 6-8).


Associando  nossos passos ou passos do  Senhor

Vinde, subamos juntos ao monte das Oliveiras e corramos ao encontro de Cristo que hoje volta de Betânia e se encaminha voluntariamente para aquela venerável e santa Paixão, a fim de realizar o mistério de nossa salvação (…).

O Senhor vem, mas não rodeado de pompa, como se fosse conquistar   a glória.  Ele não  discutirá,  diz a Escritura, nem gritará, e ninguém ouvirá sua voz.  Pelo contrário, será manso e humilde e se apresentará com vestes pobres e aparência modesta (…).

Acompanhemos o  Senhor que corre apressadamente  para sua Paixão e imitemos os que foram ao seu encontro.  Não para estendermos  à sua frente, ramos de oliveira ou de palma, tapetes ou mantos,  mas para nos prostrarmos a seus pés, com humildade e retidão de espirito a fim de recebermos o  Verbo de Deus  que se aproxima, e acolhermos aquele  que luar algum pode conter.

 Santo  André de Creta, Liturgia das Horas  II, p. 366-367

Segunda-feira Santa

A mulher que ungiu os pés de Jesus

 

6 de abril DE 2020
João 12,  1-12

Estamos bem às vésperas da paixão.  Jesus se encontra em casa de  Marta, Maria e Lázaro.  Participa de uma refeição, na verdade  uma refeição de adeus em casa de seus amigos. Há outras pessoas presentes, certamente  alguns dos apóstolos. Maria, segundo o evangelista João, toma  uma libra de perfume de nardo puro lava os pés do Mestre e enxuga-os com os cabelos. A casa ficou cheia do perfume e, provavelmente, no coração dos amigos havia um ar de despedida.

Judas se incomoda.  Segundo o evangelista João, ele se insurge com o desperdício  de dinheiro com a compra do perfume.  Poderia ter sido vendido e o dinheiro dado aos pobres.  Era o homem que tinha a bolsa e zelava pelo seu conteúdo.  João, o evangelista,  diz que   Judas não tinha postura de retidão pois roubava o que se depositava nela.

E  Jesus: “Judas,  deixa que ela  faça o que seu coração sugere.  Age assim em vista de minha sepultura.  Estou na iminência de terminar minha carreira. Não está sendo fácil.  Quando vejo Lázaro penso na minha morte.  Foi duro,  Judas,  muito duro quando  abriram a sepultura desse meu amigo e eu senti o perfume da morte.  Fui amigo desta família e desta mulher que quebrou o frasco de perfume. De alguma forma ela prefigura  a minha morte e a dor de seu coração.  Também  a vocês,  meus apóstolos, dediquei-me de corpo e alma.  Tenho receio que, na hora decisiva  cada um de vocês vá para seu lado.  Judas, esta mulher  escutando as apressadas batidas de meu coração”.

Terça-feira Santa

O coração do Mestre bate acelerado

 

7  de abril de 2020
João  13, 21-38

Estamos no final de ceia de despedida. Já havia sido  realizado o lava-pés.   O coração do Mestre começa a bater mais aceleradamente. O texto de João se reveste de grande dramaticidade.

Uma constatação por parte de Jesus:  “Um de vós me entregará”.  Olhares se cruzam. Braços se remexem.  Canto dos olhos, para cá e para lá.  O traidor estava ali, na sala.

Um discípulo está recostado no lado de Jesus, lado do coração.  Lado que depois seria aberto no alto da cruz. Instado por Pedro,  João coloca a questão:  “Quem é?”  O que receberia o pão molhado das  mãos de Jesus.  E o Mestre chega a Judas.  Era ele.

“Judas faz  logo o que tens a fazer. Não vamos prolongar esse  tempo  de dor…os outros vão pensar que tens compras a fazer… faz logo o que tens a fazer… eu começo a não aguentar”,  assim poderia ter dito  Jesus.

O evangelista João  lembra que quando  Judas saiu já era noite.  Agora era noite  nos corações.   Algumas noites haveriam de se suceder… até chegar aquela noite que  seria devorada pela  luz da vida,  na madrugada da ressurreição.

“Para onde eu vou vós  não podeis ir…”  A trilha da dor e do amor.  Jesus falava de uma saída não geográfica, mas interior, uma saída que ele não podia deixar de trilhar….êxodo, passagem,  páscoa… era  noite…

Quarta-feira Santa

Os acertos finais de Judas Iscariotes

 

8 de abril de 2020
Mateus  26, 14-25

Ficara  acertada a soma de trinta moedas…Judas conclui  seus projetos…Um homem, um mistério… O mistério de  Judas. Melhor não querer escarafunchar…

“Na traição de Judas  vemos o entrelaçamento  dos desígnios de  Deus  e do “livre” agir do homem.  Não se pode negar que Judas agiu livremente;  seu gesto ,porém,  foi prenunciado e não fugiu de modo algum  à  vontade de Jesus.  Foi consumado quando para  Jesus chegou a “hora”.  É perigoso brincar  consigo mesmo.  A liberdade é  um dom, mas seu reto uso é uma conquista,  fruto de correspondência  à graça divina.  Nada é mais arriscado  do que acostumar-se com a graça divina: pode vir a ser irreparável. É possível até acostumar-se com a  Eucaristia.  A Semana Santa é a mais trágica  celebração da liberdade humana em seu mistério mais profundo,no livre e irrevogável não de Judas e no livre e irrevogável  sim de Cristo à  vontade do Pai”  (Missal cotidiano da Paulus,  p.  327).


Uma palavra dos tempos antigos

 Eis que,  em favor do ímpio,  a piedade é flagelada; por um insensato  a sabedoria é escarnecida;  por um mentiroso  a verdade é entregue  à morte;  a justiça é condenada em lugar do culpado;  a misericórdia crucificada em  lugar do cruel;  por um miserável  a sinceridade é saciada de  vinagre;  a mansidão  inebriada de fel; a  inocência acusada  em vez do criminoso; e  a vida morre em lugar do morto.

Eusébio Galicano,  monge, Lecionário Monastico  II, p.  497

Quinta-feira Santa

O Lava-pés

 

9 de abril de 2020
João 13, 1-15

Terminada a ceia,    Jesus  levanta-se,  deixa  sua vida ordinária, depõe o manto e  assume a atitude de servo. Vai adotar simplesmente a postura de um empregado. Amarra uma toalha em torno da cintura.  Coloca o gesto: derrama água, lava os pés, enxuga-os.  Assume interiormente o que realiza.  Não está encenando. Não inventa gestos para impressionar os expectadores.  É toda sua pessoa que se revela nesse gesto. Nesse gesto encontramos a totalidade de seu ser  (…).   “Vim para servir”.

Tal gesto recolocado  hoje  poderia, em princípio,  parecer ultrapassado.  Ele, no entanto,  conserva todo o seu sentido.  Trata-se de um  gesto terra a terra. Poeira grudenta e suja.  Coisa real. O todo é dirigido  não por ideias,  mas a partir da realidade.  Não podemos esquecer  que  humildade e humus têm a  mesma raiz.  O gesto simplesmente diz que nossos  pés  tocam a terra.

Naquela época  esse gesto concreto era, antes de mais nada, um  sinal de  hospitalidade.  Os caminhos cansavam e eram poeirentos,  pediam  água, assim como   ao longo  de uma  caminhada  ou de uma corrida é bom  mergulhar os pés nas águas de um córrego.   Como sinal de hospitalidade, na época,  apresentava-se ao hóspede uma bacia com água  para que ele mesmo lavasse os pés.   Nas famílias mais abastadas  a tarefa era confiada a um empregado ou escravo:  um gesto  humilhante.   Ninguém podia obrigar a  um escravo judeu a realizar o gesto em  questão.

O lava-pés era um gesto  de respeito, de piedade   para com uma pessoa  que se tinha em mente  honrar como pai ou mestre reconhecido como tal.  O gesto  ganha seu significado  numa mescla entre hospitalidade, humildade e respeito.

Jesus se apresenta como aquele que sabe receber bem seus discípulos.  Tem-nos em  conta de hóspedes  a serem acolhidos. Oferece-lhes um pouco de frescor e descanso depois do cansaço do caminho.  Para Jesus o momento é particularmente difícil.  Há ameaças no ar. Rejeição e  traições.  E nesse contexto ele se torna ainda mais e mais servo. Quebra  os costumes e protocolos.  Não é escravo mas assume a condição de escravo.

Ainda mais,  mostra seu respeito pelo homem.  Coloca-se de joelhos diante dele, como um escravo, respeita-o  e o honra como seu  honra  um Mestre.  Jesus respeita o homem.  Assim, através  desse Jesus  que vem do Pai  e volta para o Pai  se pode vislumbrar  o rosto de um Deus que acolhe, coloca-se a serviço e se coloca de joelhos  diante do homem para honrá-lo.

Inspirado em René Aucourt

Laver les pieds, Un geste simbolique et fondateur

Evangile Aujourd’ui,  n. 233,  p.16-21


Corpo e sangue do  Senhor

             Cristo está presente sobre a mesa:  Cristo foi condenado à morte e sacrificado;   Cristo é recebido em seu corpo e sangue.  Ele que, neste dia, deu o pão e o cálice a seus discípulos,  consagra-os também hoje.  Não, na verdade não é  um homem que pode  consagrar o corpo e o sangue de  Cristo postos à mesa,  mas o próprio  Cristo que foi crucificado  por nós…  As palavras são pronunciadas pela boca do sacerdote;  o corpo e o sangue  são consagrados pelo poder e pela graça de Deus.

Santo  Agostinho, Lecionário Monástico II,  p.  562

Sexta-feira da Paixão do Senhor

A cruz do filho do carpinteiro

 

Oração do dia

Olhai  com amor, ó Pai,  esta vossa família, pela qual  nosso  Senhor  Jesus  Cristo livremente se entregou   às  mãos dos inimigos e sofreu o suplício da cruz.  Por nosso  Senhor  Jesus Cristo, vosso  Filho,na unidade do  Espjírito  Santo. Amém

            Ó admirável  filho  do carpinteiro, que levou a cruz os abismos da morte  que tudo devoravam,  também  levou o gênero humano para a morada da vida. E uma vez que o gênero  humano, por causa de uma árvore,  tinha se precipitado no reino das sombras, sobre outra árvore  passou para o reino da vida.  Na mesma árvore em que fora enxertado um  fruto amargo,  foi enxertado depois um fruto doce, para que  reconheçamos o  Senhor a quem criatura humana alguma pode resistir.

Glória a vós  que lançastes a cruz como ponte sobre a morte, para que através dela as almas possam passar da morte para a vida!

Glória a vós  que assumistes um corpo de homem  mortal, para transforma-lo em fonte de vida para todos os mortais!

Vós viveis para sempre!  Aqueles que vos mataram  trataram  vossa  vida  como os agricultores; enterraram-na  como grão de trigo;mas ela ressuscitou e, junto com ela, fez ressurgir uma multidão de seres  humanos.

Vinde, ofereçamos o grande e universal  sacrifício do nosso amor. Entoemos com grande  alegria cânticos e orações  àquele que se ofereceu a Deus no Sacrifício da cruz, para nos enriquecer por meio dela  com a abundância de seus  dons. 

Santo  Efrem, diácono

Liturgia das Horas  II, 663-664


Uma pungente prece

Minha alma tem sede de  Deus, meu Salvador.  Quero abrir meu coração. Quero ver aquele que bebeu o cálice mais amargo do mundo.

Sim,  o mais amargo  porque se  nós devido a nossos corações pecadores e  espíritos  acanhados,  percebemos alguma coisa  de tal amargura  imaginemos como ele, sensível como era, deve ter sofrido com amargor.

Quero beijar seus pés  sangrentos  que sempre andaram atrás de mim até os impasses dos  caminhos que percorri.  Quero ver o lado trespassado daquele  que,  me abriu  seu coração para oferecer-me um lugar.  Quero  ver o madeiro a cruz  no qual esta suspensa a Salvação do mundo  e minha própria salvação.

 Karl  Ranher

Sábado Santo

Hoje  não há liturgia. Não é sábado de aleluia.  Não se celebra a missa.  Não se  administram os sacramentos. É dia de silêncio, de meditação, de interiorização.  Ele, esse Jesus da cruz, desceu à mansão dos mortos.  Esse  sábado  me faz pensar nessa pandemia. Novamente  vamos nos deixar instruir por homilias do tempo dos Padres da Igreja: 

À procura de Adão 

      Que  está acontecendo hoje?  Um grande silêncio  reina sobre a terra. Um grande silêncio e uma grande solidão.  Grande silêncio, porque o rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou  silenciosa, porque  o Deus feito homem adormeceu e acordou  os que dormiam há séculos.    Deus morreu na carne  e despertou a mansão dos mortos.

Vai antes à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar  os que estão mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva cativos, agora libertos do sofrimento.

O Senhor entrou onde eles estavam, levando em suas mãos a arma da cruz  vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro pai o viu, exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração: “O meu  Senhor  está no meio de nós”.  E Cristo respondeu a Adão:  “E  com o teu espírito”. E tomando-o pela mão, disse: “Acorda,  tu que dormes, levanta-te dentre os mortos,  e Cristo te iluminará”  (…). Vê em meu rosto os escarros que por ti recebi, para restituir-te o sopro da vida original. Vê em minha face as bofetadas  que levei para restaurar, conforme à minha imagem, tua beleza corrompida.  Vê em minhas costas as marcas dos açoites que suportei por ti, para retirar de teus ombros  o peso dos pecados.  Vê minhas costas fortemente pregada ao lenho da cruz, por causa de ti, que outra estendeste sem refletir  para a árvore do paraíso. 

De uma antiga homilia no grande Sábado Santo


Como um atleta, ele percorre o seu caminho 

            Aquele que soprara vida em Adão para fazer dele um ser vivente  foi depositado  num túmulo, morto, sem vida. Aquele que condenara o homem a voltar à terra foi contado entre os esquecidos da terra.  As portas de bronze são quebradas, as barras das portas destruídas, as portas eternas se abrem, o guardião da mansão dos mortos se apavora. Aquele que  não tem pecado está entre os mortos. Aquele que desfizera as ligaduras de Lázaro  é envolvido com ataduras para desatar as amarras do homem morto por causa do pecado e enredado em seus laços, a fim de torna-lo livre.  Agora o rei da glória desce à casa do tirano, ele o Forte nos combates sai de um extremo do céu e no outro termina a sua corrida, alegrando-se  como um atleta a percorrer o seu caminho.

 São João Damasceno

 Ladainha de intercessão

Aqui preces  belíssimas, orações com horizonte dilatado, amplas, visando as grandes necessidades dos humanos. No momento em que a Igreja celebra  a morte de seu  Esposo  dirige aos céus súplicas ardorosas. A seguir uma ladainha de intercessão bem no espírito da Semana Santa. Ela é perpassada pelo tema e pelo mistério da noite. Teve como inspiração um texto publicado na Revista  Fêtes et Saisons, fev. 1999, p. 12.

  1. Por tua Igreja  que te aguarda como seu Esposo, na noite deste mundo,

Senhor Jesus , pela noite da tua Paixão, tem piedade.

  1. Por teu povo, o Israel segundo a carne, que ouve a tua Palavra na noite, esperando a aurora de teu Reino,

Senhor Jesus…

  1. Pelas nações pagãs que te procuram durante a noite às apalpadelas,

Senhor Jesus…

  1. Pelos povos  sobre os quais  caíram a  noite das ideologias totalitárias e da opressão da mentira,

Senhor Jesus…

  1. Por nossos irmãos que são perseguidos, por causa do teu Nome e que, à noite, se reúnem para rezar, por aqueles que à noite são arrancados de suas casas pela violência de toda sorte,  por seus perseguidores cegos pelo ódio e que não sabem o que fazem,

Senhor  Jesus...

  1. Por aqueles que não nos amam e que, de nossa parte, não sabemos ama-los, por nossos inimigos e por aqueles que manifestam falta de  bem querer,

Senhor Jesus…

  1. Pelos doentes, por todos os que se encontram em hospitais e que sofrem durante a noite, pelos que agonizam e morrem nesta noite, pessoas cujos olhos não verão mais a luz de um novo dia.

Senhor Jesus…

  1. Pelas pessoas angustiadas que não conseguem dormir, cuja noite é interminável, pelos que são acometidos da tentação do suicídio, cuja noite é  marcada pelo poder do Príncipe das Trevas,

Senhor  Jesus…

  1. Pelas prostitutas cujo amor pode ser comprado na obscuridade da noite, por todos os que são presas do vício e da droga,

Senhor  Jesus…

  1. Pelos ladrões, assassinos e criminosos  que praticam a maldade servindo-se da cumplicidade da noite,

Senhor Jesus…

  1. Por todos os que se encontram em prisões, pelos que são torturados,  pelos que são degradados por outros   no segredo da noite, pelos sentenciados de morte que aguardam a noite de  sua execução,

Senhor Jesus…

  1. Pelos pobres sem abrigo, pelos que solitários perambulam pela noite afora, padecendo com a indiferença dos outros.

Senhor  Jesus…

  1. Por todos aqueles  que, em  sua noite,  te procuram  sem te encontrar, pelos velhos que  vão se extinguindo na noite de sua solidão,

Senhor Jesus…

  1. Pelas crianças que ainda se encontram no seio de sua mãe, por aquelas que não verão o dia devido ao egoísmo dos homens,

Senhor Jesus…

  1. Pelos cegos cuja noite não tem fim, por todos os doentes mentais em sua loucura,

Senhor Jesus…

  1. Pelos que trabalham penosamente durante a noite, pelos que viajam na insegurança da noite,

Senhor Jesus…

  1. Pelos homens e mulheres que se amam, pelos casais que descansam na paz, pelas mulheres que nesta noite dão à luz um filho,

Senhor Jesus…

  1. Pelos moradores desta paróquia, desta cidade, desta diocese que dormem durante esta noite, por nossos  irmãos, nossos parentes e nossos amigos  que tu proteges em seu

Senhor Jesus…

  1. Pelo Santo Padre o Papa Francisco, pelos bispos, sacerdotes, diáconos, religiosos e pela imensidão do povo  cristão,

Senhor Jesus…

  1. Pelos monges e monjas que se levantam durante a noite para a oração  em vista de acelerar a vinda do Reino de Deus,

Senhor Jesus…

  1. Pelos nossos irmãos e irmãos falecidos  para que entrem na Luz de tua Glória,

Senhor Jesus…

  1. E por nós, pecadores,  que ao longo da noite  caminhamos na direção da Luz de teu Dia de tua Glória,

Senhor  Jesus…

Domingo de Páscoa

Ressurreição, Ele vive

Ele ressuscitou  porque conquistou e  resgatou para sempre,  por meio de sua  morte,  o centro mais íntimo do que é a natureza terrena.  Fez isto sem destruí-la,  de tal forma que ele não nos abandonou.  Proclamando como fazemos no  Credo,  que ele subiu aos céus e entrou na morada de Deus,   isto quer dizer que, por um tempo,  ele retira  o aspecto visível de sua humanidade glorificada,  mas sobretudo que não existe mais abismo entre Deus e o mundo.  O Cristo a partir de então  está no mais íntimo de todas as coisas humildes  que compõem a vida na terra, terra que não podemos deixar porque é nossa mãe.

Karl  Ranher


Um reflexão  quase oração

MARIA, A QUEM PROCURAS?

 O nome dela, o nome daquela mulher, era Maria, nome comum  a tantas mulheres.

Tinha se levantado muito cedo e levava perfumes ao túmulo daquele homem que havia transformado   a sua vida.

E ninguém perto do túmulo e o túmulo vazio.

E agora, sozinha, corria de um lado para o outro, quase doida, porque o corpo de seu Amado havia desaparecido.

“Maria, por que procuras entre os mortos, aquele que vive, aquele que é o Vivo?

Ele passou, passou entre nós, no meio de nós, veio viver nossa aventura humana.

Morou em Nazaré, sentou-se à mesa com uns e outros,

comeu tâmaras e damascos,

foi a festas de casamento,

tocou o coração dos pequenos,

marcou para sempre muitas vidas.

Tu sabes tudo isso… porque ele tocou profundamente teu coração.

Maria, por que tu procuras entre os mortos aquele que vive?

Ele não pertence mais ao mundo da morte.

O Pai o arrancou das trevas.

Tu o encontrarás no rosto dos mais desvalidos da terra, na palavra que no seio da Igreja ele continua proclamando.

Haverás de encontra-lo sobre a toalha branca do pão branco e do vinho  rubro e generoso.

Maria, porque choras?  O teu  Mestre  vive e nos convoca para seu seguimento.

Quem quiser seu meu discípulo, renuncie a tudo e siga-me.

“Sim, eu vi o túmulo vazio, o sepulcro abandonado, anjos da cor do sol, dobrando ao chão o lençol…”

Ele ressuscitou Maria!

Por que  então tu choras?