Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Capítulo Under Ten da Ordem dos Frades Menores

Depoimento

Durante os dias 07 a 14 de julho, entre 01 a 03 frades de cada entidade da Ordem dos Frades Menores teve a oportunidade de participar de um Capítulo das Esteiras na comunidade ecumênica de Taizé, no interior da França. O Capítulo era voltado à reunião de frades que tinham entre 01 a 10 anos de profissão dos votos religiosos na Ordem — ou seja, o grupo de frades que recém terminaram sua Formação Inicial e já estão atuando nas frentes evangelizadoras de sua Província, Custódia ou Fundação. Da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil foram enviados Frei Alisson Luiz Zanetti, Frei Douglas Paulo Machado e Frei Rodrigo da Silva Santos.

A primeira impressão sobre a comunidade de Taizé, famosa por seus refrãos meditativos (mantras), é rapidamente de ruptura com a expectativa de silêncio e contemplação. Era uma verdadeira multidão de jovens e adultos participando de diversas atividades voltadas a cada grupo e os frades menores se somando à massa. Os alojamentos e espaços para as refeições eram marcados pela simplicidade e austeridade, seja pelo modo possível de acolher tantas pessoas, seja por uma opção consciente de desapego e ruptura com as comodidades às quais estamos acostumados.

Silêncio e contemplação, entretanto, não eram ausentes na comunidades. Os momentos de oração na Igreja central ou nas imediações onde fazíamos a reflexão bíblica se faziam presentes. O acento da espiritualidade na comunidade de Taizé se dá, além da oportunidade de diálogo e encontro com diversas culturas e modos de profissão de fé, provocar a todos à união de vozes e coração para a oração. Estas eram longas, feitas com calma, com os já referidos mantras que eram entoados por todos nos diversos idiomas, permeados por momentos de meditação e curtos textos bíblicos que não exigiam explicação, apenas escuta e acolhida. Em uma semana pudemos participar das três orações diárias da comunidade, a celebração de adoração da cruz e das luzes. Além destas, a missa diária, celebrada pelos frades do Capítulo acolhia aos jovens e adultos que queriam dela também fazer parte.

As atividades do Capítulo Under Ten se dividiam entre a possível participação das atividades da comunidade de Taizé e as palestras e reflexões feitas pelos assessores do Capítulo. O Secretário Geral da Formação e Estudos, Frei Cesare Vaiani; o Prior de Taizé, Irmão Alois Löser; e o Ministro Geral OFM, Frei Michael Perry tomaram a palavra para falar sobre o diálogo nas Fontes Franciscanas e nos escritos de São Francisco, da espiritualidade do diálogo como anseio da modernidade e proposta na comunidade de Taizé e do diálogo na Ordem, nas fraternidades e a crise vivida por parte dos frades que não se sentem capazes de confiar nos confrades e se sentem isolados e sozinhos para enfrentar suas dificuldades pessoais e de fé.

Houve tempo para partilhas, perguntas e busca de respostas para enfrentar os obstáculos que surgem e impedem que a cultura do diálogo se instaure em nossa vida fraterna e evangelizadora. Ressaltou-se na importância da escuta, do cuidado uns para com os outros, da atenção total e não intermediada e/ou dividida com as redes sociais e outras distrações midiáticas, do reforço de instâncias consagradas de nossa vida religiosa como o Capítulo Local como espaço de partilha e celebração da vida fraterna e não somente como lugar de ajustes e combinações de agenda.

Cada um dos frades participantes levou consigo a responsabilidade de, em suas respectivas entidades, promover em união com o Moderador da Formação Permanente, o Pós-Capítulo Under Ten. A ideia é de transmitir a experiência vivida e as reflexões lá realizadas aos demais confrades pertencentes a este grupo dos jovens frades. De apresentar as propostas que lá surgiram para aprimorar a virtude do diálogo em nossas fraternidades e de promover o estreitamento dos laços entre irmãos. Na nossa Província, o Pós-Capítulo já está agendado para os dias 23 a 26 de setembro, na Fraternidade São Boaventura, em Campo Largo.

Que a Virgem Imaculada abençoe a todos os frades capitulares e os conduza em sua missão de retransmissores da importante mensagem do diálogo aos seus confrades por todo o mundo a Ordem se encontra presente. Que ela interceda por nossa Ordem a Jesus Cristo, seu filho, que ele abençoe a todos nós na fidelidade e perseverança de nossa vocação!

 

Frei Rodrigo da Silva Santos

Capítulo das Esteiras termina com convite para retornar "ao primeiro amor"

O Capítulo das Esteiras dos frades com menos de 10 anos de profissão solene da Ordem dos Frades Menores chegou ao fim em Taizé. A Celebração Eucarística da manhã foi presidida pelo Ministro Geral, Frei Michael Perry, que convidou os capitulares a aceitarem as palavras de Jesus no Evangelho de hoje: “Não temais!”. Uma palavra que, segundo Frei Michael, os encoraja a empreender a viagem de volta às suas fraternidades. “A oração matinal prolongou nossa confiança sem temor na providência do Pai, confiando não apenas nossas necessidades, mas também estendendo nossa intercessão às necessidades do mundo”, escreveu o cronista do dia.

De 7 a 14 de julho, os Frades Menores, com menos de 10 anos de profissão solene (‘Under Ten’), procedentes de todo o mundo, estiveram em Taizé, França, por ocasião do Capítulo das Esteiras para refletir sobre o tema “Frades em diálogo”. Esta celebração foi enriquecida com a participação de 181 frades menores (representando cinco continentes, 15 conferências da Ordem, 86 entidades, 52 nacionalidades), juntamente com o Ministro geral Frei Michael Perry, seu Vigário, Definidores e membros da comissão organizadora. Para dar mais riqueza a essa celebração, a grande comunidade de Taizé acolheu os frades e, ao mesmo tempo, mais de 2.000 pessoas de todos os cantos do mundo.

Desta Província Franciscana da Imaculada Conceição participaram Frei Rodrigo da Silva Santos, Frei Douglas Paulo Machado e Frei Alisson Zanetti. Pelo Brasil, 16 frades estarão no evento representando a Conferência Brasileira dos Frades Menores.

Frei Rodrigo, Frei Alisson, Frei Michael e Frei Douglas

Os frades participaram da última reflexão bíblica da semana neste sábado, 14 de julho, oferecida pelo irmão John, um monge da comunidade, onde refletiram sobre a passagem evangélica do envio missionário dos setenta e dois discípulos (Lc 10: 1-9), que fala da hospitalidade oferecida (e requerida) aos discípulos em uma missão.

“Na celebração de abertura, nos reunimos fora da igreja e entramos em procissão. Desta vez, nos encontramos pela primeira vez na igreja para louvar ao Senhor e ouvir algumas reflexões, mas depois fomos convidados a deixar a igreja para receber o mandato de ir pelo mundo, como nossa Regra nos convida a fazer. Na igreja, ouvimos o irmão Alois, prior em Taizé, que nos agradeceu, recordando dois pontos comuns entre nós e os irmãos de Taizé: a fraternidade  e a simplicidade. O Ministro Provincial da França, Frei Michel Laloux nos convidou a agradecer ao Senhor, encontrando muitas razões, grandes e pequenas, para fazê-lo. O Ministro Geral, Frei Michel lembrou-nos que nestes dias sentimos que não estamos sozinhos em nossa aventura franciscana, mas que somos acompanhados por Deus e por nossos irmãos. Ele nos lembrou de nossa fé em um Deus trinitário que fundou nossa espiritualidade de diálogo como um modo de viver nossa vida enraizada em Deus, aberta ao encontro de Deus e com todos os outros, de cada cultura e origem. Ele concluiu com o texto do Apocalipse que inspirou o último Conselho Plenário, com o convite para retornar ao primeiro amor e ouvir o que o Espírito diz às igrejas”, disse o cronista do Capítulo.

O grupo de frades da Conferência do Brasil

Depois dessas três intervenções, a mensagem final foi lida para todos os frades da Ordem, preparados por uma comissão de delegados. Nela, o tema do diálogo foi muito lembrado, uma tradição na Ordem dos Frades Menores e que neste ano é celebrado com o jubileu dos 800 anos do encontro de São Francisco de Assis com o sultão Al-Malik Al-Kamil. “Os irmãos ‘Under Ten’ de todo o mundo, reunidos aqui, foram testemunhas – e nós cultivamos essa tradição – ouvindo e compartilhando nossas ideias e opiniões em diferentes grupos linguísticos. Depois de saber que o diálogo começa dentro do nosso coração, para começar, precisamos ouvir e aceitar aos outros sem preconceito e sem medo, em meio a essa sociedade que muda muito rapidamente pelo desenvolvimento tecnológico. Ao mesmo tempo, neste processo de abertura, na vida fraterna, os diferentes desafios que temos que enfrentar devem ser enfrentados na diversidade social e cultural, entre as tensões do mundo real e virtual, às lacunas geracionais, e o individualismo … Nós, como Frades Menores, declaramos: Cientes da enorme dificuldade que existe para o diálogo e abertura em nosso mundo, em meio às tentações do ódio, divisão, violência e do desejo de superioridade, somos capazes de aprender, através da nossa experiência aqui em Taizé, e também da rica tradição que têm os frades menores, a cultivar momentos de diálogo concreto, abertura, tolerância e aceitação. Nós podemos ver o outro como uma ameaça à nossa existência, mas como fonte de riqueza. Nós professamos levar e comunicar esta experiência, assumindo valores evangélicos como um modo de vida seguindo as pegadas de San Francisco de Assis”, diz o texto da mensagem final.

No final,  os frades receberam do Ministro Geral uma medalha como lembrança deste capítulo. “Então saímos da igreja em procissão, tendo declarado juntos que queremos servir a Cristo e à Igreja, no modo de São Francisco, e que nós, especialmente, queremos testemunhar a ele, morto e ressuscitado por nós, recebemos a bênção de São Francisco. O canto da Salve Sancte Pater concluiu nossa comemoração”.

A celebração, intensa e significativa, estendeu-se à recriação fraterna, no jardim da comunidade monástica, onde os frades puderam voltar a vivenciar os encontros e intercâmbios com os irmãos (frades e com os da Comunidade de Taizé) com quem se encontraram esta semana. As saudações mútuas também começaram, porque alguns já partiram logo na manhã deste domingo.


5º dia: Partilha em grupos

O dia começou, como sempre, com a Celebração da Eucaristia, presidida pelo Ministro Provincial da França e da Bélgica, Frei Michel Laloux. A palavra do Evangelho nos envia “como cordeiros entre lobos, astutos como serpentes e simples como as pombas”. Estas são as palavras de São Francisco colocadas no início do capítulo 16 da Regra Não Bulada, dedicada “àqueles que vão entre os sarracenos e outros infiéis”: as acolhemos como palavras dirigidas à nossa vida e missão.

Após a oração da manhã na reflexão bíblica, um monge da Comunidade nos convidou a retomar a reflexão dos dias anteriores sobre a hospitalidade de Deus em relação a nós a partir do ícone da Trindade, que é um convite para participar do banquete e no cálice que nos é oferecido. Em seguida, na reflexão pessoal, tivemos o texto do Evangelho de João 19, 16-26, sobre a crucificação de Jesus e a entrega da mãe para o discípulo amado e o discípulo amado à mãe: um novo e muito belo exemplo de hospitalidade.

Depois da reflexão bíblica, houve tempo para meditação pessoal. As condições climáticas favoráveis ​​que nos acompanham nesses dias facilitam a nossa reflexão, porque o olhar pode se estender sobre a paisagem esplêndida que nos rodeia.

A comida nos reúne, como sempre, a cerca de 2.000 outras pessoas presentes em Taizé que, como nós, nos levam a pensar no prato favorito de Esaú: as lentilhas são o prato principal de hoje!

À tarde teve um aspecto diferente ao habitual. Fomos divididos em oito grupos, em cada um dos quais os frades se encontraram com o Definidor Geral de sua própria Conferência. Cada Definidor lembrou aos participantes o projeto deste Capítulo das Esteiras, que já nos deu a oportunidade de viver nas diferentes entidades e pedir a eles que incentivem um pós-capítulo depois de voltarem para casa. A questão dirigida a todos é: quais serão as propostas e os projetos que levaremos às nossas realidades? É impossível dar uma explicação comum a esses encontros apenas diferentes: a característica comum é que se abordam os problemas, desafios, projetos e experiências relacionados às diferentes áreas do mundo em que vivemos.

Após a reunião com um dos Definidores gerais, na segunda parte da tarde, ofereceu-se a oportunidade para uma reunião “informal” com o Ministro Geral Frei Michael Perry. O grupo de frades que se reuniu com ele fez muitas perguntas … e o Ministro da mesma forma perguntou muito, num diálogo aberto e provocativo. O grupo de participantes agradeceu muito a possibilidade de um encontro tão livre e fraterno.

O jantar, como todas as noites, é seguido pela oração da noite. Estamos nos acostumando com o estilo desta oração, e já aprendemos algumas canções e melodias. O dia terminou como começou, confiado às mãos do Senhor.

Texto e fotos do site do Capítulo. Tradução livre.


Palestra do Ministro Geral

A vocação para a Fraternidade: o diálogo na vida de um frade menor

“A existência humana se baseia em três relações fundamentais intimamente ligadas: a relação com Deus, com o próximo e com a terra”. (Papa Francisco, Laudato Si’ nº 66).

Queridos irmãos, é maravilhoso estarmos aqui reunidos em fraternidade, em um lugar onde jovens e velhos, cristãos, seguidores de outras tradições religiosas e não crentes se reúnem para experimentar a fraternidade e a solidariedade humanas, e para escutar o grande relato do inesgotável amor de Deus por toda humanidade e por toda a criação. Os que vêm a Taizé não são simplesmente consumidores passivos de uma espiritualidade de hospitalidade e de aceitação da diferença. Quem vem a Taizé, como cada um de nós, faze-o para compartilhar seu próprio caminho de vida, fé, decepções, perdão, esperança e transformação. Vem em busca de algo, ainda quando este “algo” não é suficientemente claro no momento da chegada, e provavelmente não seja claro no momento da partida. Vir a Taizé significa empreender uma viagem que pode fazer toda a diferença, que pode dar o valor de sair de si mesmo, da zona de conforto, e entrar num espaço sobre o qual teremos pouco poder de controle. Isso não quer dizer que Taizé seja um lugar para um encontro que se torne incontrolável. Digo isso com todo o respeito que merece o irmão Alois, prior, e os irmãos da Comunidade. De qualquer forma, o que a Comunidade Taizé oferece a todos os que vêm, e particularmente a este grupo de frades que compõem a peregrinação Under Ten OFM, e alguns de nós com mais de dez anos de vida religiosa, é uma oportunidade para experimentar o abundante e ilimitado amor misericordioso de Deus.

Por esta razão, desejo expressar publicamente minha gratidão ao irmão Alois e a todos os irmãos da Comunidade pela hospitalidade fraterna que nos oferecem nestes dias. Nossos caminhos, da Comunidade Taizé e da Ordem dos Frades Menores, providencialmente coincidiram em mais de uma ocasião, talvez porque cada um de nós está buscando seguir o chamado de estar abertos ao Espírito de Deus que se comunica com nós de diversos modos, através de diferentes vozes, convidando-nos a compartilhar o sonho de Deus por um mundo que pode ser novo. Talvez isso seja o que viemos fazer aqui, meus queridos frades Under Ten, e os que temos pouco mais de dez anos: permitir que a visão de Deus de um mundo novo se revele através de um sonho. Entretanto, como acontece com todos os sonhos, eles se constroem através do diálogo contínuo com Deus, e entre aqueles que estão dispostos a abrir suas mentes e corações à obra prodigiosa de Deus, que não pode ser contida e restrita em caixas bem organizadas, em nível doutrinal, litúrgico, ou em outras formas. Este encontro de frades Under Ten nos oferece uma nova oportunidade para nos encontrarmos com Deus como Ele desejaria, ou seja, no mistério do encontro com Ele, com os que estão estes dias em Taizé, com os irmãos que fazem parte desta Comunidade e, naturalmente, com os próprios frades da Ordem, que são um presente de Deus para nós.

Quero retomar as palavras do Papa Francisco em sua primeira encíclica, Laudato Sí’: “A existência humana se baseia em três relações fundamentais intimamente ligadas: a relação com Deus, com o próximo e com a terra” (66). O ponto de partida, o método e o objetivo em todos os processos de diálogo é o cultivo de um conjunto de relações interconectadas que, segundo nossa Teologia católica sobre a Trindade, conduzem-nos ao reconhecimento de que somos parte de um vasto tecido de intersecções e fios entrelaçados. Cada fio tem sua particularidade que o faz único; cada um existe separado do outro. E, entretanto, cada um foi criado precisamente para interconectar-se com o outro. Cada um depende do outro, compartilhando uma interdependência comum que, se é tecida com cuidado, permite que cada um retenha sua singularidade, uma singularidade que só pode ser revelada e compreendida completamente quando se conecta com os outros fios. Esta interdependência não anula nem nega a beleza e a individualidade específicas de cada fibra do fio, mas permite que cada um se relacione com o outro de modo que nem o indivíduo nem o todo possam existir sem um e sem o outro. Então, algo que se aproxime à verdade, à harmonia, à solidariedade (nós, franciscanos, falamos de fraternidade), e à comunhão pode chegar a ser percebido, recebido e compartilhado somente através desta interação dinâmica. Duns Scotus chama de hecceidade, ou o que eu chamaria de “singularidade racional”. Deus criou as pessoas livres por amor, desejando receber seu amor em troca. Deus também colocou dentro de cada pessoa a possibilidade ou, melhor ainda, o desejo de reciprocidade, a liberdade de entrar em relação com Deus e os demais. O desejo de Deus é que cada criatura humana ame a Deus o mais completamente possível, e este processo não se detém com a Encarnação. Continuando com o pensamento de Duns Scotus, Deus quis que todos fôssemos co-amados (condilecti) e co-amantes (condiligentes) com Cristo. Aqui podemos falar do diálogo como um processo de conversão; este tipo de conversão está relacionada com a transformação e não se deve ser igualada ao proselitismo, de converter o outro à minha posição. Ao contrário, é uma conversão à convergência, ao autodescobrimento mútuo e à abertura de si mesmo.

Toda existência está relacionada (relacionalidade)

Um dos capítulos mais esclarecedores da Encíclica Laudato Si’ é o quarto, onde nos traça um caminho para ajudar aos seres humanos a redescobrir a interconexão de todos os seres vivos, de toda a criação. Baseando-se na sabedoria da fé apresentada no Catecismo da Igreja Católica, o Papa Francisco nos recorda:

“A interdependência das criaturas é querida por Deus. O sol e a lua, o cedro e a florzinha, a águia e o pardal: o espetáculo das suas incontáveis diversidades e desigualdades significa que nenhuma criatura se basta a si mesma. Elas só existem na dependência umas das outras, para se completarem mutuamente no serviço umas das outras.” (Catecismo da Igreja Católica 340; Laudato Si’ 86).

“As criaturas só existem na dependência umas das outras, para se completarem mutuamente no serviço umas das outras”. Irmãos, minha intenção é falar da interconexão, que creio fazer parte do DNA da existência humana, está presente no DNA de todos os seres vivos em qualquer forma que existam, não é dar asas à minha imaginação. O que pretendo é viajar com vocês até o centro, o lugar onde tudo está conectado em íntima relação. Creio que isto é o que o Papa Francisco está falando para nós na Laudato Si’, uma mensagem que não difere do que São Francisco de Assis recebeu de Deus e transmitiu a seus irmãos e ao mundo através do Cântico das Criaturas. Ao chamar de irmão e irmã o sol e a lua, São Francisco reconhece a dignidade de cada criatura, um reflexo de amor e da beleza que Deus coloca em todos os seres vivos; todos estão chamados a compartilhar a fraternidade que Deus propõe.

Dirijamos agora nossa atenção a uma breve análise sobre a compreensão do diálogo entre São João Paulo II e o Papa Francisco, seu papel na construção de pontes entre povos e com o universo criado, e a centralidade do diálogo como seres humanos, como discípulos de Cristo e como frades menores.

Vivemos numa época de fluxo constante de informação, que conecta nossas realidades pessoais e locais à rede global, através do Facebook, Google, Amazon, WhatsApp, WeChat, Instagram e uma ampla gama de instrumentos presentes no mundo virtual. Todas estas ferramentas promovem possibilidades aparentemente ilimitadas para unir as pessoas e proporcionar oásis virtuais ou eletrônicos para o diálogo. Algumas pessoas estão convencidas de que estes avanços tecnológicos estão ajudando a melhorar a comunicação entre as pessoas, abrindo-nos a novas vias para o diálogo, ultrapassando qualquer forma de fronteiras internacionais, interculturais, subculturais, inter-religiosas e outros limites que nem sequer conhecemos. Alguns, inclusive, sugerem que estas ferramentas tecnológicas, se bem entendidas e empregadas adequadamente, poderiam ajudar a criar uma progressiva interdependência e a possibilidade de que os seres humanos tenham uma visão compartilhada do “bem comum” e a “solidariedade” como um modo de propor uma ideia expandida da identidade humana e social.

 

Esta ideia de um bem comum e um compromisso com uma nova solidariedade entre os povos e as nações tem raízes profundas na Doutrina Social da Igreja (DSI) (http://www.usccb.org/beliefs-and-teachings/what-we-believe/catholic-social-teaching/solidarity.cfm) . O bem comum também implica necessariamente uma convicção compartilhada em nossa origem e destino comuns; tal convicção nos proporciona um instrumento para superar as desigualdades sociais e estabelecer as condições para um tipo de diálogo que ajude a gerar as condições necessárias para o desenvolvimento humano autêntico e de paz duradoura. São João Paulo II acreditava que, na medida em que recuperemos nossa verdadeira identidade como seres sociais conectados por uma vasta rede de interdependência, sustentada e aprofundada através da prática da justiça e da caridade, baseada na solidariedade, a humanidade poderá combater o egoísmo e o pecado, que desviaram e orientaram os sistemas sociais, econômicos e políticos da sociedade, da economia, da política e a cultura até o escandaloso aumento da exclusão e desigualdade. (Sollicitudo Rei Socialis, 30 de dezembro de 1987).

O diálogo exerce um papel essencial na promoção de uma espiritualidade de interconexão e solidariedade. Mas o diálogo é mais do que um simples intercâmbio de ideias e preocupações, mais que a expressão de preocupação e simpatia pelo outro. Em seu discurso dirigido ao Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-Religioso em 1995, São João Paulo II convidava-nos a exercitar um “diálogo de espiritualidade”, uma “vocação universal” que conduza à santidade, que seja um componente vital para ajudar a comunidade de nações a enfrentar cara a cara os desafios mais árduos de nosso tempo. O futuro da vida humana e do planeta está em jogo! A promoção da interdependência e da solidariedade possui a capacidade de promover a transformação social (e espiritual). Interdependência, solidariedade, transformação social: estes são os objetivos do diálogo e para onde todo esforço de diálogo deve dirigir-se (cf. Sollicitud rei socialis, 1986, 17- 38). Talvez foi com este espírito, e em busca da paz para toda a humanidade, que São João Paulo II convidou doze líderes religiosos a reunirem-se em Assis em 27 de outubro de 1986, com a esperança de que estes mesmos líderes religiosos pudessem converter-se em valentes promotores da paz mundial. (cf. https://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/it/speeches/1986/october/documents/hf_jp-ii_spe_19861027_prayer-peace-assisi.html). O diálogo também foi visto por João Paulo II como um instrumento para a proclamação do Evangelho.

Quando o Papa Francisco fala de interdependência, solidariedade e transformação social, une-os sob a bandeira da “fraternidade”, um tema central em seus ensinamentos. Francisco chega ao extremo de falar sobre a “vocação da fraternidade” humana e cristã. Por nossa própria natureza, somos seres sociais que desenvolvem nossas identidades e capacidades não de maneira isolada, mas através da interação, que inclui o transcendental/ espiritual e interpessoal/ relacional. Mas o diálogo não é só sobre o crescimento interior da pessoa; o diálogo implica necessariamente colocar-se a serviço da humanidade e do entorno natural, nossa Casa comum. O diálogo cria condições potenciais para experimentar a fraternidade. A fraternidade cria condições para a promoção da paz, o cuidado dos pobres e excluídos e o cuidado com o meio ambiente. Deste modo, o objetivo do diálogo é a promoção de uma fraternidade baseada em uma ecologia integral e integradora.

Em sua mensagem durante a Jornada Mundial da Paz de 2014, o Papa Francisco chama a atenção sobre o “número cada vez maior de interconexões e comunicações no mundo de hoje”. Isto poderia parecer muito óbvio, a crescente proximidade de todos os lugares do mundo e a crescente interdependência entre povos e nações. Esta crescente interdependência oferece aos seres humanos a possibilidade de descobrir e promover uma visão de bem comum, uma sensação de que todos somos responsáveis de todos os demais. Claramente, isto está no coração dos escritos do Papa Francisco, mas também está no coração de suas viagens e reuniões com líderes de outras comunidades eclesiais cristãs, com judeus, muçulmanos, com outros líderes religiosos e também com os não-crentes. Diante do que o Papa Francisco chama de “globalização da indiferença”, propõe uma alternativa poderosa: a “vocação à fraternidade”.

O Papa Francisco, baseando-se nas ideias teológicas de nosso próprio São Boaventura, nos recorda que Deus vive na “comunhão trinitária” e comunica esta comunhão em todas as criaturas viventes, especialmente nos seres humanos. Isto significa que somos criados à “imagem” desta comunhão. Nossas vidas estão orientadas para a participação no dinamismo trinitário da “relacionalidade”, que se define pela fraternidade e comunhão. Chegamos a ser completamente humanos, completamente vivos, somente quando saímos de nós mesmos para viver em comunhão com Deus, com os demais e com as criaturas. Mas não é isto o que nós, os franciscanos, acreditamos, cremos e compartilhamos com uma mente e coração abertos?

Se o Papa Francisco não faz referência explícita ao Evangelho de João como fonte de inspiração para esta “vocação à fraternidade”, baseada numa relação trinitária, não posso deixar de pensar no “discurso de despedida” do evangelho de João (13, 17), onde Jesus está em constante diálogo com o Pai sobre a natureza de sua vocação, o significado da encarnação, a visão de um final cruel em sua vida e sua missão, e o convite aos discípulos a formar parte deste diálogo, desta dinâmica. Relação que dá fruto, o dom da paz e da salvação do mundo.

Nossa “vocação à fraternidade” requer que aprofundemos nossa capacidade e compromisso em dialogar em todas suas formas possíveis. Para o Papa Francisco, o diálogo é a chave para a conversão moral e espiritual. O diálogo é a chave para reorientar a intenção e a ação humana, e assim unir as pessoas onde possam encontrar o outro, escutar e compartilhar, com muito esforço e graça de Deus, permitir que suas vidas se transformem. O diálogo não é uma questão somente de se reunir e falar. Seu objetivo ou intenção final é a transformação espiritual e humana. Esta transformação toma a forma do que o Papa Francisco chama de “conversão ecológica” (cf. Laudato Si’). O caminho e o instrumento para esta conversão ecológica é feito através de um diálogo baseado na humildade, na mansidão e em “converter-se em tudo para todos” (cf. Evangelii gaudium). Estas palavras fazem eco na prática do diálogo na vida de São Francisco, algo que Frei Cesare Vaiani nos explicou em sua apresentação.

O diálogo também tem lugar fundamental na compreensão da evangelização de Francisco (cf. homilia, 8 de maio de 2014). Na Exortação Evangelii gaudium, o Papa Francisco afirma que nossa vocação é a fraternidade e assegura que esta qualidade fundamental nos ajuda a lutar contra o individualismo egoísta que atualmente domina grande parte da interação social. Abraçar nossa vocação à fraternidade é abraçar a convicção de que cada pessoa, cada criatura, tem uma dignidade e um valor inerentes, que estamos interconectados e somos interdependentes; e que cada pessoa, cada ser vivo, tem algo que dizer, compartilhar, contribuir. O diálogo é o lugar onde se celebra a dignidade e a diversidade e onde se aprofunda nossa própria identidade através de uma exploração da dignidade e da diversidade do “outro”. Entrar em um diálogo com um muçulmano, um judeu, um budista, um hindu, inclusive um não-crente é, em si, um esforço nobre, porque neste caso nos é apresentada a oportunidade de perceber e compartilhar o mundo do outro. Ao mesmo tempo, o encontro nos brinda a oportunidade de abrirmo-nos a um aprofundamento de nossa própria compreensão da vida, da fé e de nosso lugar no universo criado. É nossa experiência de fé que nos leva a perceber a presença de Deus em todas as coisas, uma presença que provoca o compromisso, intercâmbio, ação.

Além das oportunidades que o diálogo nos oferece para obter uma visão do mundo do outro e de nosso próprio mundo, o Papa Francisco sustenta que há outra razão convincente para comprometer-se com uma vocação não somente em vista da fraternidade, mas também do diálogo. A menos que saíamos de nós mesmos ao encontro do outro, o paradigma tecnocrático atual continuará sem cessar, conduzindo a aniquilação da criação e da sociedade humana. Se desejamos ver como seria um mundo assim, um mundo dominado pela tecnologia, onde toda referência ao transcendental, a Deus, e a interação e interdependência humanas, torna-se completamente irrelevante, onde todos se reduzem a algoritmos, convido-os a desfrutar as noites de insônia lendo o livro “Homo Deus”, de Yuval Harari (2016). Isto, claramente, não é o que o Papa Francisco prevê na Laudato Si’. Ele segue sendo otimista de que a humanidade encontrará seu caminho de volta à sua própria vocação de fraternidade; mas isso não virá facilmente, nem sem resistência e sofrimento.

Outra dimensão do diálogo que aparece repetidamente nos escritos do Papa Francisco é a de uma compreensão e apreciação saudável da diversidade. Nenhuma visão única do mundo (religiosa, política, econômica, cultural, etc) oferece todas as respostas a todas as perguntas específicas, concretas e emergentes. O encontro, o diálogo, o discernimento, o debate honesto e a capacidade de aprender uns com os outros são condições prévias para empreender o caminho do diálogo. Foi isso, talvez, que aconteceu na vida de São Francisco em seu encontro com o leproso que, aparentemente, ajudou-o a chegar a um entendimento mais amplo de Deus, da dignidade da pessoa humana e da vocação? Da fraternidade? Ou quando São Francisco se encontrou com a amabilidade, a hospitalidade e o reconhecimento de um ser humano na pessoa do Sultão em Damieta? Ou na vida cotidiana da fraternidade de São Francisco e seus primeiros companheiros, aprendendo uns com os outros, desafiando-se, abraçando a diferença, perdoando-se mutuamente? O Papa Francisco insiste que, respeitando estas vozes alternativas, às vezes contraditórias, inclusive dentro da Igreja e da Ordem, na realidade estamos construindo as bases para cumprir nossa vocação de fraternidade. Mas para cumprir com esta grande vocação, será exigida de nós demonstrações de paciência, autodisciplina e generosidade (cf. Laudato Si’).

Mas como poderíamos cumprir tal atitude proposta pelo Papa Francisco, mais que atitude, uma espiritualidade de diálogo, fraternidade, compromisso com a busca de condições para o bem-estar de cada pessoa humana e para toda a criação, bem-comum? Voltando ao exemplo de São Francisco de Assis, o Papa Francisco percebe que o caminho para a autêntica fraternidade somente pode acontecer se estivermos dispostos a converter-nos em místicos. O tipo de mística proposta pelo Papa Francisco não é a promoção de algum tipo de fugit mundi ou a fuga para algum mundo espiritualizado sem humanidade nem criação. Existem muitas vozes na Igreja e no mundo – e poderia agregar na Ordem – que buscam promover este tipo de espiritualidade, negando-se a olhar profundamente o abismo da exclusão e da destruição que afligem a humanidade e o planeta. A vocação ao diálogo e à fraternidade, segundo o Papa Francisco, somente pode ser verdadeiramente aceita através da adoção de uma atitude contemplativa para a realidade humana e todo o universo criado.

“Falamos aqui duma atitude do coração, que vive tudo com serena atenção, que sabe manter-se plenamente presente diante duma pessoa sem estar a pensar no que virá depois, que se entrega a cada momento como um dom divino que se deve viver em plenitude. Jesus ensinou- -nos esta atitude, quando nos convidava a olhar os lírios do campo e as aves do céu, ou quando, na presença dum homem inquieto, ‘fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele’. (cf. Laudato Sí, 226).

No entanto, para adotar o itinerário do místico, a pessoa deve estar disposta a abraçar a todos os que Deus abraça, especialmente aos pobres, excluídos, aqueles a que são negados os direitos, aqueles que buscam um lugar onde possam viver em paz, livres do medo, da violência, um lugar onde possam dar sua contribuição para o desenvolvimento de suas próprias vidas e a vida dos demais, um lugar onde possam encontrar-se frente a frente com o autor da vida, Deus. A mística entendida a partir desta perspectiva abre caminhos para uma fraternidade autêntica, libertadora e geradora da vida.

Meus queridos confrades, o Papa Francisco nos convida a abrir os olhos de nossos corações e mentes para a grande vocação do diálogo e da fraternidade. Esta vocação não se limita aos cristãos, está aberta à humanidade. Ao mesmo tempo, os crentes têm a responsabilidade especial de abraçar esta vocação. Isto se torna mais evidente no documento histórico de 4 de fevereiro de 2019, “Fraternidade Humana para a Paz Mundial e a Convivência Comum”, assinado conjuntamente pelo Papa Francisco e o imã Ahmed el Tayeb em Abu Dhabi. “O diálogo entre crentes consiste em se encontrar no vasto espaço dos valores espirituais, humanos e sociais comuns, e investir isto na propagação das mais altas virtudes morais que as religiões solicitam”.

Recordemos mutualmente que o diálogo não se trata de convencer ou estrategicamente “ganhar” alguém com minhas ideias, inclusive sob minha perspectiva religiosa. O diálogo não exclui a possibilidade de compartilhar as convicções sobre a fé. O diálogo pode incluir a proclamação, mas só de acordo com nossas Regras e Vida Franciscana (RNB, RB), se reflete uma profunda humildade e um profundo respeito pelas crenças religiosas e as perspectivas mundiais dos demais. O diálogo consiste em descobrir a verdade mais profunda de quem somos, individual e coletivamente, aprendendo de quem viemos e para onde vamos: tudo está conectado com o Criador, com Deus que é uma relação (Trindade). O diálogo consiste em chegar a esta consciência da verdade de que todas as coisas estão interconectadas, todas estão relacionadas, todas estão destinadas a colaborar com o plano de Deus para a paz e a harmonia universal. Por esta razão, o diálogo é vital para a missão evangelizadora da Igreja.

Recordo a todos que Frei Cesare Vaiani compartilhou conosco no início desta semana a natureza e a forma de diálogo que surgem da vida e os escritos de São Francisco de Assis. Deus fala, molda para nós a natureza da identidade social humana e o caminho até o pleno crescimento como seres humanos e espirituais, criados e destinados a participar na “fraternidade de Deus”, a Trindade. Este diálogo é de amor, um amor que se origina em Deus, na Trindade, e se manifesta também em toda criação. Deus põe o mundo em movimento, Deus inicia o diálogo com os seres humanos e com o universo criado, um ato de amor puro. Este diálogo continua através do envio de seu Filho Amado, Jesus, através da Encarnação. E continua também agora, através da ação do Espírito Santo, algo que se reflete na prática da vida, na pregação e nos escritos de São Francisco de Assis, e na prática da vida, na pregação e nos escritos do Papa Francisco.

Irmãos, comecemos…

Capítulo das Esteiras Under Ten
Taizé, França, 14 de julho de 2019.
Frei Michael A. Perry, OFM

Diálogo é transformação espiritual e humana

Taizé  (França) – O novo dia é verdadeiramente uma dádiva de Deus e, por isso, na manhã deste quarto dia do Capítulo das Esteiras dos Frades Under Ten (com menos de 10 anos de profissão solene), demos graças a Deus na Celebração Eucarística presidida pelo Definidor Geral Frei Antonio Scabio, onde celebramos a festa de São Bento, Padroeiro da Europa e fundador do monaquismo ocidental. Fomos especialmente convidados a rezar pela comunidade monástica de Taizé, que nos acolhe nos dias de hoje. A ação de graças eucarística foi então estendida à oração da manhã, na canção da grande assembleia de muitos jovens de diferentes países do mundo.

Em seguida, participamos da reflexão bíblica oferecida pelo irmão John, um monge da comunidade – juntamente com todos os participantes desta semana -, que nos convidou a refletir sobre o Evangelho do lava-pés (Jo 13, 1-15). Voltando ao tema da hospitalidade, ele nos levou a refletir sobre o diálogo entre Jesus e Pedro, destacando as dificuldades que às vezes temos de aceitar gestos de hospitalidade de outros, que muitas vezes não correspondem às nossas expectativas.

A hora em seguida foi dedicada à reflexão, mas também ao intercâmbio pessoal e que nos permitiu desfrutar de um espaço com um clima relaxante.

À tarde, depois da oração e do almoço – como sempre compartilhamos com outras duas mil pessoas -, nos reunimos para ouvir o Ministro Geral Frei Michael Perry. Ele, na verdade, nos ofereceu não apenas uma, mas duas palestras. Na primeira, Frei Michael fez um discurso a partir da declaração do Papa Francisco na Laudato Si’. “A existência humana é baseada em três relações fundamentais estreitamente próximas: a relação com Deus, relação com os outros e com a terra” (nº 66). De acordo com o Papa Francisco, Frei Michael ilustrou o lugar essencial do diálogo na promoção de uma espiritualidade de interconexão e de solidariedade, em resposta à nossa “vocação à fraternidade” que se opõe a “globalização da indiferença” na evangelização e na compreensão do mundo do outro, especialmente quando é diferente de nós.

 

Para ser capaz a tal diálogo, é necessário sermos “místicos”, homens contemplativos que saibam acolher a todos e àqueles a quem Deus acolhe, especialmente os pobres e excluídos. “Diálogo significa ter consciência da verdade de que todas as coisas estão interligadas, todas estão vinculadas, todas estão destinadas  a colaborar no plano de Deus para a paz e harmonia universal. Por esta razão, o diálogo é de vital importância para a missão evangelizadora da Igreja no nosso tempo”, disse. Após esta primeira reflexão, Frei Michael adicionou uma segunda, focada principalmente nas experiências de crise e sofrimento que muitos de nós, até mesmo os Frades Under Ten, vivemos em nossa vida fraterna por falta de diálogo.

O Ministro Geral abordou temas delicados, como a falta de confiança mútua, o medo de ser realmente conhecido pelos irmãos, o sentimento de isolamento em relação à fraternidade, à crise e ao abandono da Ordem. Michael deu algumas indicações para experimentar positivamente o inevitável momento da crise e tornar as situações difíceis frutíferas. Para enfrentar a crise, além da oração, está precisamente o diálogo.  “Nossa ‘vocação para a fraternidade’ exige que aprofundemos nossa capacidade e compromisso de dialogar de todas as formas possíveis. Para o Papa Francisco, o diálogo é a chave para a conversão moral e espiritual. O diálogo é a chave para reorientar a intenção e ação humana, e unir as pessoas que podemos encontrar em um ou outro, ouvir e compartilhar, e, com grande esforço e a graça de Deus, permitir que suas (nossas) vidas se transformem. Diálogo não é apenas uma questão de se reunir e conversar. Sua intenção final é a transformação espiritual e humana. Essa transformação toma a forma do que o Papa Francisco chama de ‘conversão ecológica’ (ver Laudato Si’). E o caminho para – e também o instrumento – esta conversão ecológica é através de um diálogo baseado na humildade, mansidão e o ‘converter-se em tudo para todos’ (cf. Evangelii gaudium). Essas palavras ecoam a prática do diálogo na vida de São Francisco, algo que Frei Cesare (o secretário de Formação) esclareceu em sua apresentação.

A partilha do grupo de hoje mudou um pouco em relação aos últimos dias, e ocorreu entre os frades do mesmo país. Compartilhar a mesma cultura (ou similar) e uma linguagem comum permitiu um bom intercâmbio entre os participantes, e os tópicos oferecidos pelo Ministro Geral ofereceram muitas razões para continuar estudando.

O jantar e depois a oração da noite concluíram nosso dia, do qual agradecemos ao Senhor e também aos irmãos. Como sempre, não só o Senhor, mas também os irmãos; como sempre, não só para os irmãos, mas sobretudo para o Senhor.

 

Urgência de novos passos de reconciliação entre diferentes confissões

O terceiro dia do Capítulo das Esteiras Under Ten começou juntamente com a Celebração Eucarística presidida em espanhol pelo Vigário Geral da Ordem, Frei Julio César Bunader. No Evangelho, ouvimos o chamado e o envio dos doze, que desafia nossa vocação e nossa vida.

A oração da manhã, juntamente com os muitos jovens que rezam conosco em muitas línguas, abre nossos corações ao mundo inteiro e, em particular, às nossas fraternidades e países de origem.

Então, como todas as manhãs, nos reunimos para escutar a reflexão bíblica do irmão John, que nos deu a passagem bíblica de hoje: um texto de Apocalipse (Capítulo 3), ou seja, a carta à igreja de Laodicéia: “Eis que estou à porta e bato”. À luz do tema da hospitalidade, que nos é proposto nesta semana, fomos convidados a abrir a porta e a abrigar o Senhor em nossos lares.

A comida, como todos os dias, caracterizou-se por uma sobriedade mais que franciscana, mas também por uma alegria igualmente franciscana, e vivemos compartilhando com muitos jovens irmãos e irmãs que nos contaminam com sua alegria.

À tarde, nos encontramos para ouvir a reflexão do irmão Alois, superior de Taizé, que abordou nosso tema do diálogo desenvolvendo sua reflexão através de quatro pontos. Em primeiro lugar, ele colocou a importância da oração, especialmente a oração de louvor: através dela permanecemos em contato com a fonte da fé e, portanto, todo compromisso com o diálogo começa a partir dela. Em segundo lugar, importante para o diálogo é a escuta e o acompanhamento daqueles a quem Deus nos confia: a experiência de acolher milhares de jovens em Taizé ensina a importância desta vontade de ouvir. Talvez hoje, na Igreja, esse ministério de escuta não esteja suficientemente desenvolvido? Uma terceira dimensão do diálogo é a do caminho ecumênico em busca da unidade, que caracteriza a fisionomia de Taizé e sua comunidade, formada por monges de diferentes denominações religiosas. “Amar a Cristo, amar a Igreja, amar a unidade é uma coisa”. É urgente adotar novos passos concretos de reconciliação entre as diferentes confissões, tentando aprender a viver as diferenças (que são e podem permanecer) sem divisões.

Finalmente, a última reflexão refere-se ao desafio do diálogo com os crentes de outras religiões. A experiência dos monges de Taizé, especialmente nas suas comunidades que vivem em países onde os muçulmanos predominam, como Bangladesh ou Senegal, consistiu durante muitos anos na simples troca da vida quotidiana, sem procurar diálogos religiosos. Mais recentemente, algumas pequenas iniciativas de intercâmbio espiritual começaram, por exemplo, na oração. O mesmo ícone evangélico desta recepção nos é oferecido pelo próprio Jesus, em seu diálogo com a mulher cananéia (Mt 15,21ss), que diante de sua fé se abre para uma acolhida sem lembranças.

A reflexão nos pequenos grupos, na segunda parte da tarde, permitiu aprofundar nosso tema à luz da contribuição e experiência de vida de muitos irmãos que vivem em diferentes países e culturas: a riqueza de nossa fraternidade internacional se manifesta plenamente nestes momentos de troca, onde a palavra diálogo é declinada em linguagens, modalidades e perspectivas tão diferentes.

Alguns irmãos também propuseram um workshop aos muitos jovens presentes em Taizé: uma forma concreta de dar a conhecer a experiência de Francisco e o seu carisma.

Depois do jantar, a oração da noite reuniu todos nós em louvor ao Senhor pelo dom deste dia e pela fraterna intercessão pelas necessidades do mundo.

Texto e fotos do site do Capítulo. Tradução livre.


"O modelo de diálogo oferecido por Francisco e a primeira fraternidade franciscana"

Hoje também a Eucaristia abriu nosso dia. A celebração  foi presidida pelo Definidor Geral para a África, Frei Nicodème Kibuzehose, que, a partir do milagre evangélico (Mateus 9,32-38), nos convidou a liberarmos o espírito imundo que nos faz surdos e mudos para nossos irmãos.

Nesta manhã, a reflexão bíblica foi proposta por um monge da Comunidade de Taizé, que nos convidou a refletir sobre a parábola do filho pródigo, que na verdade é a proclamação da extraordinária acolhida do pai ao seu filho. O tema da reflexão deste ano, que é a hospitalidade, nos faz descobrir em Deus a fonte de toda acolhida. O tempo para a reflexão pessoal também nos permitiu desfrutar um pouco da magnífica paisagem que nos cerca e abrir nossos corações através da oração franciscana pela beleza da criação: neste dia, nos ajudou o agradável clima, ensolarado mas não tão quente.

Hoje, os monges da comunidade de Taizé convidaram-nos amavelmente para partilhar a comida. Todos nos acolheram de maneira muito fraterna apesar de nosso grande número (também eram cerca de setenta, além de outros espalhados pelo mundo todo). Comer juntos nos permitiu compartilhar fraternalmente com muitos deles; estavam muito interessados ​​em conhecer nosso modo de vida, também estávamos interessados ​​em aprender mais sobre suas experiências. Como sempre, a comida é um grande espaço para um encontro fraterno.

À tarde nos encontramos às 15h15 para ouvir a reflexão de Frei Cesare Vaiani, Secretário Geral de Formação e Estudos, sobre o tema: “O modelo de diálogo oferecido por Francisco e a primeira fraternidade franciscana”. Ele nos convidou a refletir sobre alguns textos curtos de São Francisco, que cada um de nós poderia seguir pessoalmente em uma folha que foi entregue a todos os participantes, e que descreveu algumas características essenciais do diálogo. Nossa reflexão sobre o diálogo, portanto, faz parte de Francisco, que em primeiro lugar nos oferece um modelo de vida, mas também as reflexões agudas que surgem de sua experiência espiritual. (O texto do relatório está disponível neste site).

Frei Cesare fez um depoimento pessoal antes da palestra: “Eestou entusiasmado por falar aqui em Taizé, porque o início da minha vocação aconteceu aqui, no começo dos anos 70, quando tinha 17 anos e vim com outros garotos da minha paróquia de Milão. Aqui conheci um dos frades da pequena fraternidade franciscana de Taizé, nos anos posteriores ao Concílio, e vivi uma experiência bela e interessante. Aquela pequena fraternidade era internacional, ali estava Thaddée Matura, que muitos de vocês conhecem pela fama que tem, havia frades da França, Bélgica, Holanda e havia um frade que eu conhecia, um italiano chamado Francesco. Para ele falei sobre as questões vocacionais que estava experimentando e ele me indicou os frades de Milão, que eu não conhecia. A partir dali comecei minha jornada em nossa Ordem … e aqui estou, mais de 40 anos depois, ainda feliz e grato pela minha vocação franciscana. Portanto, podem entender minha emoção e também meu carinho por este lugar que, para mim, é um lugar de graça”.

Depois da palestra, à tarde, havia também um espaço para reuniões em pequenos grupos divididos por idioma. Cada grupo foi formado por uma dúzia de frades de diferentes países e continentes, que conhecem a mesma língua e, portanto, podem se comunicar melhor. Ontem iniciamos este intercâmbio que nos permitiu conhecer rostos de frades já conhecidos e novos rostos, tecendo conhecimento e compartilhando diferentes experiências. O propósito deste Capítulo, de fato, não é apenas o aprofundamento dos temas abordados nas reuniões, mas também (talvez, sobretudo) o de permitir a troca de experiências pessoais entre jovens frades de todo o mundo. Queremos nos conhecer melhor, nos amar melhor e nos sentirmos parte de uma fraternidade que vai além das fronteiras do nosso país!

O jantar nos levou de volta à rotina da fila compartilhada com tantas outras pessoas para receber a comida, confiando na Providência, que nos colocou diante da face concreta de um dos jovens voluntários. A oração da noite, com uma canção coral, forte e doce, nos acompanhou durante o sono, quando pudemos desfrutar do descanso para mais um dia movimentado e fraterno.

“E foi apenas o segundo dia!”

Texto e fotos do site do Capítulo. Tradução livre.


MAIS IMAGENS

 

Frei Michael abre o Capítulo

O primeiro dia do Capítulo Under Ten da Ordem dos Frades Menores, em Taizé, começou com a Santa Missa, presidida pelo  Ministro Geral, Frei Michael Perry, que, tendo como base a primeira leitura, disse que somos convidados a cultivar nossos sonhos que se ligam ao céu como Jacó. Depois da Missa, nos reunimos com a comunidade de Taizé para rezar junto com mais de 2.000 jovens presentes esta semana. A oração, “no estilo de Taizé”, uniu as nossas vozes num grande coro que nos fez experimentar o respiro da Igreja Unida.

De manhã, nos unimos a outras pessoas, presentes nesta semana, para ouvir a reflexão bíblica apresentada pelo irmão John, monge da comunidade. Esta será a dinâmica de todos os dias, compartilhando a proposta de todos os participantes. O tema deste ano é a hospitalidade, que se conecta muito bem com o tema do nosso capítulo, que é o diálogo. Nos foi entregue o texto bíblico que trata da recepção dos três misteriosos convidados de Abraão.

Após a reflexão pessoal da manhã, oração e almoço, reunimos às 15 horas para a celebração da abertura do nosso Capítulo. Partindo de frente ao arco dos sinos, começamos uma longa procissão até chegarmos à igreja invocando o Espírito Santo. Na igreja, continuou-se a oração ouvindo as palavras de Francisco: “Comecemos, irmãos, a servir ao Senhor, porque até agora pouco ou nada fizemos”. O monge Alois, prior da Comunidade de Taizé, deu-nos uma recepção calorosa, lembrando a velha amizade entre os Frades Menores e Taizé há mais de quarenta anos. Depois, Frei Michel Laloux, Ministro provincial da França-Bélgica, deu-nos as boas-vindas fraternas. Finalmente, o Ministro Geral Frei Michael Perry exortou-nos a abrir-nos durante estes dias para a ação do Espírito Santo, que é o verdadeiro Ministro Geral da Ordem para aprofundar o que significa seguir Jesus. Ele nos lembrou o tema do diálogo, ligado ao centenário do encontro de São Francisco com o sultão. Ele também lembrou as perguntas que, talvez, muitos façam: por que Taizé? Por que essas condições sóbrias? Por que estar com mais de 2.000 pessoas? Como resposta sugeriu confiar à ação do Espírito Santo. Ele concluiu citando a admoestação 27 de São Francisco, convidando-nos a cultivar a virtude, que é a característica de nossa vocação. Nossa oração terminou com alegre louvor ao Senhor e renovando juntos nossa profissão religiosa, que é o convênio de nossa união com Deus e com nossos irmãos e irmãs.

Depois de algum tempo, dedicado a encontros livres e espontâneos entre os irmãos, o dia terminou com um jantar servido pelos voluntários ( para mais de 2.000 jovens famintos) aos irmãos de cada continente.

Nosso primeiro dia concluiu com a bênção ao Senhor com a comovedora oração da noite e com um cântico de fé e esperança Naquele que nos ama.

Texto e fotos do site do Capítulo. Tradução livre.

A Província da Imaculada no Capítulo

Com a presença de 87 entidades da Ordem dos Frades Menores, começa neste domingo, 7 de julho, em Taizé, o Capítulo das Esteiras Under Ten, a grande assembleia mundial que vai reunir os frades que vivem os primeiros anos de profissão solene. Desta Província Franciscana da Imaculada Conceição foram indicados como representantes Frei Rodrigo da Silva Santos, Frei Douglas Paulo Machado e Frei Alisson Zanetti. Pelo Brasil, 16 frades estarão no evento representando a Conferência Brasileira dos Frades Menores.

O domingo, contudo, está reservado para a chegada dos participantes. Já a segunda, 8 de julho, terá uma manhã intensa de oração e reflexão e, às 15 horas, o Ministro Geral, Frei Michael Perry, fará a abertura oficial do Capítulo. Frei Michael falará aos jovens frades na terça e o atual prior, o Irmão Alois, falará na quarta. O atual Secretário Geral da Formação e Estudos, Frei Cesare Vaiani, terá um encontro com os frades na quinta.

O tema “Frades em diálogo” foi escolhido pelo Ministro Geral, Frei Michael Perry, em sua carta de convocação do Capítulo das Esteiras Under Ten, recordando “a necessidade de sermos tecelões de diálogo, construtores de pontes, artesãos da paz, hoje, mais do que nunca, desafios a cada um de nós e à vida de nossas fraternidades”.

Segundo o Ministro Geral, Taizé é um lugar ideal para este encontro, pois há décadas vive e encarna o diálogo ecumênico e a reconciliação entre os povos. “Esta jornada representa um ‘tempo de graça’ caracterizado pela escuta mútua entre os frades Under Ten, provenientes de diversas entidades da Ordem, da partilha da vida com a comunidade do lugar, do encontro com os milhares de jovens que estarão presentes”, escreveu em carta a todos os jovens frades. Antes, foram realizados os Capítulos no Brasil (2001), Terra Santa (2007) e o último no México (2012).

Segundo o Ministro Provincial, Frei César Külkamp, a Ordem Franciscana olha com muito carinho esta faixa de idade dos frades, por considerá-la mais vulnerável aos abandonos e crises vocacionais. “Tendo em vista isso, a Ordem passou a orientar a todas as entidades – províncias, custódias e fundações – que procurassem dar uma atenção maior, a partir da Formação Permanente, a esta etapa”, explicou Frei César, durante o Pré-Capítulo, que envolveu todos os frades dessa faixa etária da Província, em São Paulo, nos dias 24 e 25 de março últimos.

Finalmente, depois do Capítulo em Taizé, entre agosto e dezembro de 2019, em cada entidade se realizará outro evento pós-capitular, semelhante ao celebrado na fase pré-capitular e, portanto, convocado pelos Ministros, Custódios e Presidentes, e organizado pelo frade Moderador para Formação Permanente (na Província é Frei Fidêncio Vanboemmel)  ou por delegado para os Frades Under Ten. Nesta Província, os frades desta faixa etária se encontrarão em Retiro, de 23 a 26 de setembro, em Rondinha.

LOGOTIPO

O Tau simboliza a Ordem dos Frades Menores. No logotipo se pretende mostrar o frade e a fraternidade em geral. Ao evocar a cruz de Cristo, identifica-se com o próprio Cristo.

O Tau é a última letra do alfabeto hebreu. No profeta Ezequiel (9,4) e no Apocalipse (7,2-3) essa letra é apresentada como um sinal de salvação. Devido à semelhança com a cruz, este símbolo foi adotado pelos cristãos como uma lembrança de sua pertença a Cristo. Esse sinal também foi muito querido por São Francisco (FF990).

A Comunidade Taizé

A Comunidade Taizé, fundada há 79 anos, é hoje em todo o mundo um sinal visível do ecumenismo vivido na prática. A “pequena primavera da Igreja”, como chamou o Papa São João XXIII, nasceu no coração de um jovem de 25 anos, filho de um pastor reformado. Filho caçula entre nove irmãos, Roger Loius Schutz-Marsauche nasceu em 12 de maio de 1915, na aldeia de Provence, na Suíça Francesa. Para a família, a música e a acolhida sempre estiveram muito presentes. Foi sua avó materna que lhe deu inspiração para uma vida em comunidade, ao acolher refugiados de guerra em sua casa, no norte da França. “Marcado pelo testemunho de sua vida, quando era ainda muito novo, e seguindo o seu exemplo, encontrei minha própria identidade cristã reconciliando em mim mesmo a fé das minhas origens com o mistério da fé da Igreja Católica, sem romper a comunhão com quem quer que seja”, afirmava Frei Roger no livro Deus só pode amar.

Em 1940, o jovem passa a procurar um local onde pudesse viver juntamente a outros cristãos, formando uma pequena comunidade, sem grandes pretensões de expandi-la, mas apenas de viver plenamente o Evangelho. Ao passar pelo local onde a comunidade se instalou, o jovem sentiu-se tocado pela aldeia, completamente em ruínas devido à Guerra e com cerca de 50 pessoas morando nas redondezas. Na região não havia água corrente nem estradas asfaltadas. Em 29 de agosto de 1940, Roger Schutz compra uma casa na aldeia e instala-se ali.

No início, cuidava do terreno sozinho, onde começou a plantar e tinha uma única vaca. Os refugiados de guerra passavam pelo local e pediam ajuda. Ele acolhia dezenas de pessoas, entre eles muitos judeus. Em 1942, a polícia secreta da Alemanha nazista, Gestapo, ocupou a casa e levou todos os moradores enquanto Roger ajudava um dos moradores a ultrapassar a fronteira para a Suíça. Ele viu-se obrigado a abandonar o local e ficou em Genebra, onde alugou um apartamento com outros três amigos: Max Thurian, Pierre Souvairan e Daniel de Montmollin, os primeiros irmãos da Comunidade Taizé. Destes, apenas Daniel está vivo. Eles seguiam uma primeira regra, escrita pelo fundador. No apartamento, recebiam estudantes, operários e sindicalistas para conversar sobre a comunhão dos bens e as reformas sociais.

Em 1944, o grupo pôde regressar a França e ocupar novamente a casa na aldeia. Com a ajuda da irmã de Ir. Roger, Geneviève, o grupo acolheu muitas crianças órfãs e viviam em comunidade, trabalhando no campo, rezando três vezes ao dia e acolhendo os hóspedes que vinham conhecer aquele estilo de vida.

Na Páscoa de 1949, os primeiros irmãos – que já eram sete – professaram seus primeiros votos. Atualmente, cerca de 100 irmãos compõem a Comunidade. No Brasil, os irmãos estão desde 1966. Durante o Concílio Vaticano II, Dom Hélder Câmara se aproximou do fundador de Taizé e surgiu o convite para virem ao Brasil. Eles passaram por Olinda (PE) e em 1972, em Vitória (ES). Desde 1978, instalaram-se na cidade de Alagoinhas (BA). Lá, o grupo mantém uma casa de encontros e a Fundação do Caminho, uma escola para crianças com necessidades especiais. Durante muitos anos, a Comunidade Taizé no Brasil organizou as Jornadas da Confiança, um encontro promovido em diversas cidades do país.

Taizé e a proximidade com os Papas

Em 1948, os irmãos conseguiram a permissão para utilizar a pequena igreja românica da aldeia de Taizé. O núncio apostólico em Paris era Angelo Roncalli, que viria a ser o Papa São João XXIII. Nascia ali uma estreita relação com a comunidade e o Papa. Em 1962, com Roncalli já eleito Papa, ele convida os irmãos a participarem do Concílio Vaticano II, na condição de observadores. Desde então, anualmente o prior de Taizé é recebido em audiência privada com o Pontífice. Paulo VI, sucessor de João XXIII, também mantinha uma relação estreita com os irmãos. Mas foi o Papa São João Paulo II quem mais demonstrou afeição pela Comunidade Taizé.

Como arcebispo de Cracóvia, Wojtyla foi duas vezes a Taizé, em 1964 e em 1968. Em 1986, o então Papa esteve na Comunidade. Durante a oração comunitária, ele proferiu um discurso, em que dizia: “Passa-se por Taizé como se passa perto de uma fonte. O viajante para, mata a sede e continua o seu caminho. Os irmãos da comunidade, como sabeis, não querem deter-vos. Querem, na oração e no silêncio, permitir-vos que bebais a água viva prometida por Cristo, que conheçais a sua alegria, que reconheçais a sua presença, que respondais ao seu chamamento, e depois que torneis a partir para dar testemunho do seu amor e servir os vossos irmãos nas vossas paróquias, nas vossas cidades e aldeias, nas vossas escolas, nas vossas universidades e em todos os vossos locais de trabalho”.

Além do Papa São João Paulo II, uma amizade que marcou a história da comunidade foi a de Madre Teresa de Calcutá. Ela esteve em Taizé no verão de 1976. Depois, Ir. Roger e alguns irmãos moraram em Calcutá. Ao voltar para a França, o religioso trouxe consigo uma criança muito enferma, a Marie. Ela morou um tempo com os irmãos como uma criança muito feliz. Geneviève, irmã de sangue de Roger, cuidou da menina como uma filha. O religioso era seu padrinho de batismo e afirmava ter por Marie um amor de pai.

Um local de peregrinação

Sem nenhuma pretensão – e até mesmo sem compreender o fenômeno – os irmãos viram a Comunidade tornar-se um local de peregrinação de jovens de todo o mundo. Além da colina, os irmãos já estavam em pequenas fraternidades na Índia, Brasil e Colômbia.

Em 1970, os irmãos dão início ao chamado Concílio dos Jovens, que aconteceu em vários países. Em 1974, 40 mil jovens reuniram-se na colina de Taizé, vindos de todos os continentes. Anualmente, é lançada a “Carta de Taizé”, a ser refletida pelos jovens em todo o mundo.

A cada semana, Taizé recebe centenas de jovens, que se dispõe a viver alguns dias no ritmo da comunidade, através da oração, do estudo bíblico, da realização de tarefas de manutenção do local, como a limpeza dos banheiros e espaços comuns, a cozinha e a fábrica de cerâmicas. No verão, a comunidade chega a receber 6 mil jovens por semana.

O fundador, Irmão Roger, acreditava que os jovens buscavam Taizé pois lá eram ouvidos. “Após a oração, os irmãos encarregam-se de grupos de jovens para ler a Bíblia com eles, comentá-la, debatê-la, ou simplesmente estar disponíveis depois da oração da noite para os escutar. É uma forma de vida monástica que pode surpreender algumas pessoas, mas estas enganam-se: o acolhimento é uma realidade tradicional que, em Taizé, foi adaptada ao nosso tempo , ao nosso hoje e ao nosso amanhã”.

Em 16 de agosto de 2005, o fundador da Comunidade Taizé foi assassinado durante a oração comunitária da noite. Ele chegou a ser atendido por médicos, mas já havia falecido. Os jovens que estavam no local acompanharam o fato consternados. Irmão Alois Loser, que já havia sido designado como substituto de Irmão Roger estava na Alemanha, na cidade de Colônia, na companhia de outros irmãos, para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Ir. Alois seguiu para Taizé e os irmãos continuaram na Alemanha, animando as orações durante a JMJ.

O enterro foi marcado para a semana seguinte, após o término da JMJ. Muitos jovens seguiram de Colônia para Taizé, para acompanhar o funeral. Irmão Roger foi enterrado na pequena igreja romênica assumida pela Comunidade em 1968.

A simplicidade que atrai

A rotina da comunidade é muito simples, e talvez por isso tenha atraído tantos jovens ao longo dos seus quase 80 anos de existência. Uma Eucaristia é celebrada na cripta logo pela manhã, em seguida uma oração comunitária, com salmos, leituras e os conhecidos refrões de Taizé – pequenos trechos bíblicos ou textos que são musicados e repetidos, como um mantra, em diversos idiomas. Além do canto, há um prolongado tempo de silêncio, entre 7 e 10 minutos. Para o fundador, este formato proporciona aos jovens uma profunda experiência espiritual. “O que propõe Taizé é o essencial em algumas palavras. Então, cantam um canto, retomam-no cada um na sua língua, e isso é extremamente pacificante. Há uma doçura que vem através desse canto repetitivo, uma paz interior, e é tão importante. Como os jovens são sabem muitas vezes o que é a oração pessoal, e também não sabem o que é a oração litúrgica, é verdadeiramente bom poder dar-lhes essas realidades essenciais sob esta forma. É-lhes, assim, possível viver uma experiência espiritual profunda”, afirma Ir. Roger.

Todos são convidados a trabalhar nos diversos ofícios da comunidade: limpeza dos espaços comuns, organização da igreja, sacristia, ensaios com o coral, trabalho da loja de livros e artesanato, cozinha geral, entre outros. Ao meio dia é feita outra oração comunitária breve, e no início da noite uma oração mais demorada. Toda sexta-feira é recordada a Paixão de Cristo com a oração da cruz, onde os presentes podem contemplar um ícone do crucificado e depositar a fronte no madeiro da cruz. Aos sábados é celebrada a oração da luz, com velas que recordam a ressurreição de Cristo.

As irmãs de Santo André, as irmãs Ursulinas polacas e as irmãs de São Vicente de Paulo ajudam na acolhida dos jovens. Alguns jovens vivem em Taizé temporariamente, uns por um ano, outros por três, mas a grande maioria permanece cerca de uma semana. Jovens de todos os continentes são convidados a viverem esta experiência de fé e diálogo. Os irmãos também organizam um grande encontro europeu, ao final de cada ano, e estão presentes nas Jornadas Mundiais da Juventude.

Os irmãos sustentam a Comunidade com o seu trabalho, com a renda dos materiais vendidos na loja, por exemplo. Quando um irmão recebe uma herança, o dinheiro é revertido para comunidades carentes. Não há em Taizé uma preocupação com a confissão religiosa professada pelos irmãos e pelos outros jovens. Todos convivem em harmonia, comungando do mesmo espírito de solidariedade, partilha e acolhimento.