Frei Tomás nasceu na cidade vestfaliana de Bielefeld, Alemanha, em 31 de outubro de 1892. Seu pai, que era ferreiro, deve ter falecido bastante cedo, chamava-se Hermann; sua mãe, D. Sophia Juennemann. No batismo recebeu o nome de Heinrich Fritz Hermann.
Seus grande talentos, sob muitos aspectos realmente extraordinários, devem ter surgido à tona muito cedo. Pois, após terminar os primeiros anos de estudo básico no sétimo grupo escolar, em vez de seguir na mesma escola, passou para o ginásio, no qual completou oito dos nove anos prescritos. Normalmente teria continuado por mais um ano, para em seguida se matricular em uma universidade. Foi precisamente quando estava no penúltimo ano ginasial que seu espírito inquieto, ansioso por grandes realizações, topou com o mundo franciscano.
Heinrich Borgmeier resolveu deixar o ginásio, vir para o Brasil e fazer-se franciscano. Pelo jeito, tudo se deu com muita rapidez. Sua chegada ao Brasil se deu em 18 de outubro de 1910. A recomendação do vigário, que foi enviada pelo correio, menciona seu grande interesse nas aulas de religião e sua participação nos retiros espirituais organizados para os ginasianos nos anos anteriores. Pela época do natal, já em Rodeio, ao preencher o questionário dos aspirantes, no qual tinha que indicar os motivos do seu passo apressado, diz: “Viver para Deus e trabalhar por Ele”. O acréscimo da palavra “trabalhar” é característico de Frei Tomás, pois foi acima de tudo um homem de produção, de trabalho insano e persistente.
Seguiram-se, então, os anos de formação franciscana: a vestição em 19 de janeiro de 1911, em Rodeio; a profissão simples no mesmo lugar, a 20 de janeiro de 1912. Nos anos de 1912 a 1914 esteve em Curitiba como estudante de Filosofia, e nos anos de 1915 a 1918, os estudos de Teologia, em Petrópolis.
Em 1917, o encontro casual de Frei Tomás com o Dr. Hermann von Jhering, que fora diretor do Museu Paulista, iria determinar o seu futuro. Frei Tomás manifestou seu plano de estudar as formigas da nossa fauna e Dr. Hermann ofereceu sua biblioteca mirmecológica pelo preço de um conto de réis. Frei Tomás disse que os seus superiores dificilmente concordariam com tão elevada despesa. Um ano mais tarde, já em Petrópolis, recebeu um grande caixote com livros: era a tal biblioteca, que havia sido doada por um amigo anônimo do Rio de Janeiro.
O surto de se dedicar às pesquisas científicas devem ter causado uma certa estranheza e perplexidade a seus superiores. Pois a linha de trabalho e com isto também do interesse da Província recém restaurada coincidia principalmente com a pastoral aplicada nas paróquias e grandes conventos. Verdade é que o gelo já tinha sido quebrado por Frei Pedro Sinzig, um invulgar pioneiro cultural, e a própria Editora Vozes, sobretudo pela revista “Vozes de Petrópolis”, já dera um cunho intelectual à casa dos estudos teológicos de Petrópolis.
Em 1917, ainda clérigo, Frei Tomás começou sua atividade publicitária. Durante 10 anos foi colaborador assíduo da revista “Vozes de Petrópolis”, publicando uns 40 artigos sobre física, biologia, vultos de naturalistas, cientistas, músicos e também sobre formigas. Estes ensaios dão prova do gênio polimorfo de Frei Tomás, que por meio desta atividade, logrou para si uma formação igual à universitária. Embora autodidata, alcançou uma cultura científica bem ampla, equilibrada e profunda.
Sua ordenação sacerdotal se deu em Petrópolis a 9 de maio de 1918. Como neo-sacerdote, ele se mostrou muito ativo, causando a melhor das impressões como pregador de retiros e conferencista. Depois de um ano, foi nomeado professor de Sagrada Escritura nos estudos teológicos de Petrópolis. Lecionou exegese bíblica durante cinco anos. Durante este tempo, em 1920, traduziu para o vernáculo a “Imitação de Cristo” de Tomás de Kempis.
Nos primeiros anos da vida sacerdotal, em Petrópolis, Frei Tomás desenvolveu uma atividade espantosa. As aulas e seu preparo, os retiros e as conferências, e a prolífica produção publicitária teriam sido suficiente para preencher seu tempo. Mas desde que recebeu do amigo cientista Prof. Abreu Fialho, um belo microscópio binocular da marca “Zeiss”, a pesquisa dos insetos o absorvia cada vez mais. Em 1920, numa revista alemã, “Zeitschrift fuer Wissenschaft und Kunst”, saiu seu primeiro trabalho verdadeiramente original e científico: “Sobre o comportamento e vida de Odontomachus affinis”, uma formiga típica da Serra do mar.
Como a produção científica aumentasse vertiginosamente (em 1922, 4 trabalhos publicados; em 1923 já subiram para 11), ele sentiu bem cedo o problema de conseguir publicação para seus artigos. No Brasil havia poucas revistas científicas, com raras publicações. Em seu desespero, no intuito de validar suas espécies novas, chegou a publicar descrições de forídeos novos na “Vozes de Petrópolis”, o que certamente não foi uma contribuição apropriada para uma revista de cultura geral.
Profissional no Museu Nacional
Frei Tomás escreveu ao diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, Dr. Artur Neiva, discípulo e colaborador de Osvaldo Cruz, sugerindo que o museu editasse um boletim de periodicidade mais freqüente a fim de abrigar os resultados de pesquisas que necessitavam de publicação imediata para garantir a prioridade. O Dr. Neiva lhe respondeu imediatamente, agradeceu a sugestão, que coincidia com seu próprio ponto de vista, e o convidou para uma visita ao Museu Nacional. Deste encontro, em fins de 1922 ou começo de 1923, nasceu uma amizade muito estreita, e arrancou a Frei Tomás do rol de cientista amador e o catapultou na esfera de cientista profissional.
Desde logo, Dr. Neiva começou a instar junto aos superiores da Ordem pela liberação de Frei Tomás, para que trabalhasse com ele no Museu Nacional. A princípio, em 1923, concordou-se apenas numa colaboração ocasional. A partir de setembro de 1924, o Ministro Provincial Frei Crisólogo Kampmann concordou com a liberação, e, em maio de 1925, Frei Tomás se mudou para o Convento Santo Antônio do Rio e assumiu em dedicação exclusiva o cargo de Adjunto do Museu Nacional.
Instituto Biológico de São Paulo
Na década entre 1920 e 1930 estourou no estado de São Paulo a praga da broca dos cafezais. O Governo do Estado contratou o Dr. Neiva para chefiar a comissão encarregada da campanha de controle da broca. Na ocasião, fundou o Instituto Biológico, criando um centro de pesquisas em benefício da lavoura e da pecuária. Dr. Neiva fez questão de levar consigo a Frei Tomás como assistente do setor de entomologia, e solicitou a licença do provincial Frei Celso Dreiling, que a concedeu com algumas condições. Transferiu-se do Rio para São Paulo em 27 de agosto de 1928. Morava no Convento Santo Antônio do Pari.
A recepção no Instituto biológico foi cordialíssima. Recebeu um laboratório muito bem instalado, e até lhe concederam um auxiliar pessoal, dedicando-se exclusivamente à pesquisa. Logo, começou a fazer escola. Vários moços foram por ele iniciados na carreira entomológica: John Lane, que se tornou autoridade em mosquitos e professor na Faculdade de Higiene da Universidade de São Paulo; Mário Autuori, que deu muito importantes contribuições para a biologia e o controle da formiga saúva.
Fundação da Revista de Entomologia
Em 1931, ainda em São Paulo, Frei Tomás se meteu em outra aventura original que lhe exigiu muita força de vontade e coragem, mas também lhe trouxe adicional prestígio internacional. Tratava-se de publicar os seu manuscritos. As revistas estrangeiras aceitavam somente contribuições pequenas, e as nacionais com problemas de lentidão pelo fluxo das verbas. Frei Tomás fundou sua própria revista, a “Revista de Entomologia”, em 1931 e durou até 1951.
Fundar uma revista científica, de antemão deficitária, foi um ato arrojado, pois Frei Tomás não tinha capital à disposição e foi forçado a vender a metade da coleção de formigas ao Instituto Biológico, para custear as despesas do primeiro volume. Também ofereceu o pagamento de assinaturas baratas, adiantadas e válidas para 10 anos, que o ajudaram a contornar as dificuldades financeiras que apareciam no caminho.
Chefe de Entomologia no Rio de Janeiro
Em 1933, quando Dr. Neiva retornou ao Rio de Janeiro como Diretor Geral das Pesquisas do Ministério da Agricultura, convidou Frei Tomás para ocupar o cargo de chefe da Seção de Entomologia do Instituto de Biologia Vegetal do Jardim Botânico. Com licença de seus superiores, em março mudou-se para o Convento de Santo Antônio do Rio. Ali ele instalou um laboratório particular dentro de casa, em cima do mausoléu, onde continuava suas pesquisas quando voltava do serviço. No Instituto de Biologia Vegetal viveu uma vida cheia de atividade e produção. Novamente logrou uma série de alunos que se tornaram cientistas de renome, entre eles, Dario Mendes, professor e pesquisador da Universidade Rural e Hugo de Souza Lopes, do Instituto Osvaldo Cruz.
Diretor da Editora Vozes
Com o Capítulo Provincial de 1941, Frei Tomás foi eleito Definidor Provincial, e na redistribuição subseqüente dos cargos, foi nomeado Diretor da Editora Vozes. Para atender a um pedido do Cardeal Leme, na fundação de uma revista para o clero a ser lançada pela Vozes, Frei Tomás aceitou o compromisso, demitindo-se do serviço público e renunciou ao direito de aposentadoria. A REB – “Revista Eclesiástica Brasileira”, talvez sua contribuição máxima para a Igreja do Brasil, saiu ainda no mesmo ano, aparecendo regularmente até os dias de hoje, conservando basicamente as mesmas feições que lhe imprimiu o fundador.
Com esta revista, Frei Tomás criou um precioso instrumento de formação e de apoio para o clero do Brasil, e com ela estimulou a atividade publicitária do mesmo, sobretudo dos nossos próprios professores de teologia. Frei Tomás foi o idealizador, fundador e redator assíduo da REB durante os primeiros doze anos de sua existência.
A presença de Frei Tomás marcou uma nova época para a Editora que, de empresa familiar, crescera tanto a ponto de precisar de uma mão firme e de um espírito empreendedor e organizado. Ele era tudo isso. Logo conseguiu o apoio incondicional dos confrades Frei Frederico Vier, vice-diretor; Frei Cândido Schutstal, ecônomo e tesoureiro e Frei Inácio Hinte, responsável pela tipografia.
Com seu “know-how” trazido da vida pública e da pesquisa, e da experiência colhida durante 10 anos de redator e editor da “Revista de Entomologia”, Frei Tomás tinha perfeita consciência do alcance de sua nova missão que assumiu com idéias claras e projetos bem formulados. Soube estreitar laços com a hierarquia da Igreja: Dom Sebastião Leme, Dom Jaime de Barros Câmara e Dom Agnelo Rossi foram seus grandes amigos.
Ressurgimento da paixão pelos insetos
Em 1947, Frei Tomás adquiriu para as Irmãs, uma chácara em Jacarepaguá, subúrbio distante do centro do Rio, com o intuito de a transformar em um lar para senhoras cegas idosas. Em 1948 ou 1949, levou para lá sua coleção e biblioteca e mergulhou outra vez no estudo dos insetos. Descia regularmente de Petrópolis a fim de passar o fim de semana. Aos poucos, o fim de semana reservado para isso já não lhe bastava, e passava só a tarde de domingo e a segunda-feira em Petrópolis, e todo o resto do tempo em Jacarepaguá.
Nesta segunda primavera de sua vida de cientista, quando tinha 56 anos de idade, nascem os grandes trabalhos, as revisões taxonômicas das formigas-correição (1955) e das saúvas (1950, 1959), e sobretudo os inúmeros trabalhos, todos volumosos, sobre os forídeos.
Em fins de 1952, foi liberado pelo Definitório Provincial da direção da Editora Vozes. Passou, então a pertencer ao Convento Santo Antônio do Rio, mas continuava morando no asilo de Jacarepaguá, como capelão das cegas. Convidado pelo Reitor da Universidade Rural do Rio de Janeiro, passou a colaborar nas pesquisas de uma grande obra interrompida do Prof. Costa Lima, sobre os “Insetos do Brasil”. Embora sexagenário, Frei Tomás iniciou uma nova etapa de sua vida, extremamente produtiva, que durou mais de 20 anos. No seu refúgio afastado de Jacarepaguá, e de onde quase não saia, ele encontrou as condições para se dedicar aos grandes projetos de pesquisa, os quais nunca conseguira concretizar por falta de tempo.
Em 1955 veio a lume sua grande obra sobre as formigas-correição, editada em livro pela Vozes, e intitulada: “Die Wanderameisen der Neo-tropischen Region” (As formigas-correição da Região Neotrópica), obra de tanto fôlego e tão bem ilustrada que se tornou o padrão internacional de trabalhos revisionários. Escrita em alemão, abrange 720 páginas impressas mais 87 pranchas com inúmeras figuras, todas da pena do próprio Frei Tomás.
A publicação do majestoso tratado coincidiu com a reorganização da Academia Brasileira de Ciências que, no mesmo ano elegeu Frei Tomás como membro titular. A posse ocorreu em sessão solene no dia 27 de novembro de 1955. Recebeu ainda outras homenagens: A Sociedade Brasileira de Entomologia, da qual ajudara fundar, concedeu-lhe o título estatutário e honorífico de membro honorário. As semelhantes sociedades científicas também o acolheram no rol de seus membros: Sociedad Entomológica de Argentina; The American Entomological Society; The Association of Tropical Biology. Em 1962, foi o primeiro a receber o prêmio Costa Lima, instituído em homenagem ao recém-falecido Pai da Entomologia Brasileira e entregue pela Academia Brasileira de Ciências.
Em 1971, ao editar o 14º e seu último volume da Studia Entomológica, resolveu publicar nesse volume um lista completa de todos os seus artigos e livros científicos, totalizando 243 publicações que ocupam mais de 5000 páginas impressas. Nos anos que se seguiram, Frei Tomás pessoalmente se encarregou de distribuir e confiar todo o seu material de pesquisa e as coleções, de certo modo, liquidando seu patrimônio e encerrando sua carreira científica.
Passou seus últimos anos no Convento Santo Antônio do Rio. Faleceu no dia 11 de maio de 1975.
Frei Walter Kempf, Ofm
Vida Franciscana, nº 50, outubro de 1976, pp. 77-96.