Quem somos - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Frei José Zanchet

* 27.10.1935 † 25.06.2017

Frei José Zanchet faleceu na manhã do dia 25 de junho, às 7h55, no Convento São Francisco (SP), enquanto tomava banho, ajudado pelo enfermeiro João. Ele vinha se tratando de um câncer no cérebro desde setembro de 2015. Sempre disposto e bem humorado, Frei José, embora em tratamento, ajudava muito no atendimento do Convento, sobretudo nas confissões. Fazia poucos dias, tinha terminado 10 sessões de radioterapia.
Frei José foi velado no Convento São Francisco, e no dia 26, às 9h00, foi celebrada a Missa de Exéquias, seguido do sepultamento no mausoléu dos frades no Cemitério do Santíssimo Sacramento.

Frei José, o missionário franciscano

Aos 81 anos, Frei José é a história viva da Missão Franciscana em Angola. Componente do primeiro grupo enviado pela Província da Imaculada ao país africano, viveu em Malange e Kibala, em sua primeira passagem pela missão, que durou cinco anos (entre 1990 e 1995) e depois, em sua segunda experiência na missão (desde dezembro de 2013 até 2015), quando foi transferido da Fraternidade São Francisco Solano, de Curitibanos, SC.

Com quase 60 anos de vida religiosa, Frei José tem como marcas a disposição missionária (esteve no Chile, no Sertão da Bahia, no Mato Grosso e em Angola) e aptidão para atividades práticas, ligadas à eletricidade, pequenos reparos, etc.).

Gaúcho de Três Arroios, RS, animou-se em partir para terras angolanas depois que participou de um encontro realizado para os interessados em conhecer um pouco mais da proposta de presença da Província em Angola, realizado entre 22 e 24 de junho de 1990, no Convento São Francisco, em São Paulo. Na época Frei José trabalhava em uma paróquia de Dourados, MS, e relata que a partir daquele encontro em São Paulo se sentiu chamado a seguir para a África: “Eu cheguei na Paróquia em Dourados e logo me sentei para escrever uma carta ao Provincialado, dizendo que estava pronto para partir. Uns quinze dias depois, Frei Estêvão Ottenbreit (Ministro Provincial da época) me telefonou perguntando se eu estava disposto mesmo, e eu respondi: ‘Claro, mande-me’”, conta Frei José, mostrando que desde o início estava inteiramente à disposição para integrar este projeto missionário.

Dados pessoais, formação e atividades

Nascimento: 27.10.1935 (81 anos de idade) .
Natural de Três Arroios, RS.
Vestição: 21.12.1955 – Rodeio
Primeira Profissão: 22.12.1956 (60 anos de Vida Franciscana)
Profissão Solene: 22.12.1959
Ordenação Presbiteral: 15.12.1961 (55 anos de Sacerdócio)
1957 – 1958 – Curitiba – estudos de Filosofia;
1959 – 1962 – Petrópolis – estudos de Teologia;
1963 – Rio de Janeiro – curso de Pastoral;
06.12.1963 – Rio de Janeiro – Nossa Senhora da Paz – procurador vocacional
10.05.1967 – Chile / Carahue – missionário
14.03.1970 – São Lourenço
11.02.1972 – Chile / Carahue – missionário, vigário paroquial
03.03.1975 – São Paulo – Vila Clementino – vigário paroquial
26.12.1975 – Chile / Carahue – vigário paroquial
04.12.1979 – Luzerna – vigário paroquial em Joaçaba
12.12.1981 – Chopinzinho – vigário paroquial em Mangueirinha
25.11.1983 – Rio Brilhante, MS – vigário paroquial
21.01.1986 – Dourados, MS – vigário da casa e vigário paroquial
24.09.1990 – Angola – missionário
05.12.1995 – vigário paroquial e vigário da casa
29.11.1997 – Barra, BA – a serviço da Diocese, em Ipupiara, BA
10.11.1999 – Ituporanga – vigário paroquial
16.05.2001 – Chopinzinho – vigário paroquial
07.11.2003 – Balneário Camboriú – vigário da casa e vigário paroquial
20.12.2006 – Bauru – vigário paroquial
19.12.2007 – Blumenau – vigário paroquial
29.01.2009 – Duque de Caxias – Imbariê – vigário paroquial
17.12.2009 – Chopinzinho – vigário paroquial
12.12.2012 – Curitibanos – vigário paroquial
12.12.2013 – Viana – Angola – vigário paroquial
set/2015 – São Paulo – São Francisco – tratamento de saúde(RJ

Diante da resposta positiva de Frei José, foram realizados os encaminhamentos necessários. A celebração de envio ocorreu no dia 16 de setembro de 1990, no Seminário Santo Antônio, em Agudos, e o embarque dos missionários, entre eles Frei José, foi no dia 24 de setembro do mesmo ano, sendo que no dia seguinte já estavam em Luanda e, depois, Malange, lugar onde ficariam instalados.

Angola estava em guerra civil e Frei José conta que as dificuldades deste conflito já puderam ser sentidas na chegada. “Quando desembarcamos em Malange, a primeira coisa que vimos do avião foram sete ou oito soldados com as metralhadoras apontadas. Descemos e tivemos que fazer novamente todos os papéis – mesmo já tendo passado por todos os trâmites em Luanda – como se estivéssemos chegando a um país estrangeiro. Como não havia nenhuma mesa para nos apoiarmos, pedi ao Frei Plínio Gande, outro missionário do primeiro grupo, para me ‘emprestar’ as costas e, assim, preenchemos os papéis um nas costas do outro”, recorda.

Por conta das dificuldades de comunicação, a comunidade da Missão em Malange também não tinha informações precisas sobre a hora de chegada dos missionários, mas mesmo assim dentro das possibilidades, fomos muito bem recebidos.”
“A recepção foi muito carinhosa. Mais ou menos uma hora e meia de cantos e homenagens, até que seguimos para casa, já pelas 16h do dia 25 de setembro, para almoçar e descansar um pouco da viagem.

O primeiro trabalho dos frades em Malange foi a visita às comunidades da missão, que eram cerca de 135, muitas delas de acesso muito difícil. Frei José Zanchet destaca e menciona a importância da figura dos catequistas para a sobrevivência em Angola. De acordo com o frade, nas aldeias, que recebiam a visita esporádica de missionários, eram estes homens que mantinham acesa entre o povo a chama da fé. Os catequistas organizavam os trabalhos pastorais e também conduziam as celebrações de domingo. Com frequência se entusiasmavam e as celebrações ficavam longas, fato do qual Frei José se recorda com certo humor.

Frei José e os outros dois missionários permaneceram em Malange até o fim de agosto de 1992, quando foram transferidos para a cidade de Kibala, na Província do Kwanza Sul, a convite do então bispo da Diocese de Sumbe, Dom Zacarias. Eles ocuparam as instalações dos Padres Espiritanos, que haviam deixado a área por conta da guerra.

O início da Missão em Kibala foi no dia 31 de agosto de 1992. Os trabalhos principais eram a assistência às Irmãs Clarissas, que na época moravam naquela cidade, e o acompanhamento das aldeias. As dificuldades eram muitas, principalmente por conta da guerra. Num momento de grande tensão, Frei José relata que os frades chegaram a ver a morte de perto: “O mais triste foi quando invadiram nossa casa e nos levaram presos para o Centro de Kibala. Praticamente íamos ser fuzilados. Entraram em nossa casa, perguntaram quem eu era e logo me deram um bofetão no rosto que quebrou meus óculos. Fui me defender com o cotovelo e levei outro tapa”, conta Frei José, segundo o qual, naquele dia, os frades só não foram mortos porque um dos chefes da Unita os reconheceu.

Esta ofensiva contra os frades ocorreu por dois motivos: o primeiro porque naquela ocasião Kibala estava sob o domínio da Unita e alguns helicópteros do governo pousaram no terreno da missão, o que levou os dominadores da cidade a imaginarem que os frades estivessem dando apoio às tropas rivais. E a outra motivação foi o fato de os frades abrigarem alguns meninos e jovens, pois, a partir dos 11 anos, eles eram pegos à força para trabalhar pelos combatentes.
Conseguir comida também era uma verdadeira aventura. O pouco que obtínhamos de alimentos era através de Frei Plínio Gande da Silva que, a partir da troca de peças de roupa, cartelas de remédio ou outros artigos que levava até a praça (espécie de mercado informal a céu aberto), conseguia algo para se comer.

Outra grande dificuldade era para se comunicar. Os frades em Kibala ficaram mais de um ano sem nenhuma comunicação com os demais confrades. A única maneira que tinham para se informar era um pequeno radinho improvisado que funcionava movido a energia gerada por uma roda de bicicleta. “Nós improvisamos um gerador com uma bicicleta que colocamos de cabeça para baixo. Enchemos o pneu com pedaços de pano velho e ali girávamos para ter energia para o radinho e assim conseguíamos ficar minimamente informados.

Frei José retornou de Kibala para o Brasil em 1995. Em 1998, depois de Frei Valdir Nunes Ribeiro sofrer um atentado, os frades se retiraram de lá, retornando àquela localidade em 2008, bem depois do fim da guerra. Perguntado sobre o que o levou a querer retornar à missão às vésperas de completar 80 anos, Frei José apontou dois motivos: o carinho que ele adquiriu pela missão na primeira vez em que lá esteve e também a curiosidade sobre como estaria o país depois do fim da guerra. Frei José dizia que se sentia feliz nesta nova etapa na missão, mas retornou devido ao câncer diagnosticado na cabeça, que o levou a uma cirurgia delicada.

R.I.P.

Depoimentos


Há dois anos, estávamos em Luanda, preparando-nos para a grande celebração dos 25 anos da Missão. Ele estava todo faceiro, mas já dava sinais de que havia algo errado, como também fomos alertados pelas irmãs. A gente percebia que quando andava precisava se segurar na mureta. Mas tem uma cena que gostaria de partilhar. Frei José estava sentado na cadeira e ao seu lado o acompanhava um cãozinho preto, que o pessoal chamava de “cachorrinho malandro”, mas tinha o nome de Rex (foto acima). Esse cãozinho não se desgrudava de Frei José. Olhava triste para ele. Frei José ameaçava levantar, ele também levantava; Frei José dava um passo, ele também, como que pressentindo que algo estava errado com o “seu amigo”. De fato, isso foi numa quinta-feira. Os freis o levaram ao hospital e foi constatado um tumor no cérebro. No domingo, quando estávamos celebrando a grande festa dos 25 anos da presença missionária em Angola, Frei José nos mandou um bilhetinho do hospital. “Eu gostaria muito de estar presente, mas eu sei que vocês estão todos presentes comigo também”. A partir daí ele retornou a São Paulo e começou o seu longo tratamento. Essas cenas simples são características desse homem de Deus, desse homem inquieto. Inquieto no bom sentido. Quantas vezes ele não me disse: “Frei, já estou quase com saúde e já pode pensar num lugar para onde me mandar”, desejando e pensando em um novo desafio. Eu creio que ele não morreria feliz se não pudesse retornar a Angola depois de ter passado por anos difíceis durante a guerra civil. O grande desejo foi retornar aos lugares onde ele viveu na primeira vez. Assim era esse homem inquieto, missionário e sempre disposto. Que Deus o tenha na sua glória!

Frei Fidêncio Vanboemmel


Frei José estava muito bem preparado para este dia. Lúcido, principalmente no último mês, ele se mostrava sempre muito sereno e não deixava de brincar. Ontem, no almoço, ele estranhou que nós, frades, estávamos quietos. Assim foi até os últimos momentos. São Francisco diz que quando um frade morre, depois do enterro, a sua fraternidade pode se reunir para festejar, porque um deles já está no céu. Hoje, um irmão muito querido está lá com Deus!

Frei Mário Tagliari


Frei José foi aqui, em casa, um testemunho de oração. Não muitas vezes, chegando ou partindo das viagens, encontrava ele na capela rezando seu Terço. Outro fato que destaco de Frei José é um espírito de trabalho incansável. Mas um trabalho que, como pedia São Francisco, era mantido com oração e devoção. Quando eu estava aqui em casa e ajudava nas confissões, ele sempre aparecia se oferecendo para ajudar. Se deixasse, ele tomava para si todas as confissões e missas. Na enfermidade, Frei José trouxe um espírito de união maior para a nossa fraternidade. Só tenho a agradecer a esse incansável missionário que nos últimos dias, na cama, continuou nos dando um verdadeiro testemunho de doação, de alguém que não se entregou. Frei José, obrigado pelo seu testemunho e que Deus o acolha!

Frei Diego Atalino de Melo


Diz o filósofo Michel de Montaigne: “Se fosse um escritor, anotaria as mortes que mais me impressionaram e as comentaria, pois quem ensinasse os homens a morrer os ensinaria a viver” (Ensaio número XX). E eu percebo que esta ideia é um tanto ousada e verdadeira, quando a realidade da morte se apresenta para nós muito próxima, pela passagem de pessoas que amamos. Por isso, quero prestar minha homenagem ao confrade que hoje faleceu, colocando um pouquinho de como foi a minha convivência com ele. Creio que a vida dele me ensina a morrer, pois seu exemplo ensina a viver.
Existem pessoas que não precisam de muito tempo para conquistar o nosso coração. Um olhar, uma palavra, um gesto e a gente percebe que daquele ser humano emana algo de grandioso e maravilhoso. Um convívio pequeno com Frei José Zanchet, mesmo entre as atividades e os trabalhos com a juventude me faziam experimentar o que é ser jovem, mesmo com os cabelos brancos. Eu encontrava a juventude nas nossas fraternidades e paróquias, e em casa encontrava um jovem com “setenta e tantos anos”. Um homem teimoso pelo seu desejo de servir. Um homem enfraquecido pela doença mas forte no testemunho de vida franciscana.
Mesmo muito debilitado, insistia em trabalhar, confessar, acolher. As pernas para o alto no confessionário não eram um grande problema para ele. Um pedido de desculpas por estar assim por causa da doença e continuava a sua missão. Uma troca de olhares ali, um sorriso aqui. Às vezes eu puxava aquele canto “José, feliz esposo…” para provocar o seu nome e ele continuava com voz imponente e forte, não se importando com as minhas bobagens. Eu pensava nos lugares que aquela voz ecoou no anúncio do Evangelho e da vida franciscana nas suas intensas atividades como missionário. Eu sou o mais novo na fraternidade do Largo São Francisco, mas ele, sem dúvida, era um banho de juventude em mim.
O calor de sua simpatia, simplicidade e teimosia em servir me queima para ser frade menor. Frei José, com sua vida e com seu testemunho, e hoje, com sua passagem, está me ensinando mais uma vez a viver. Não foi preciso muito tempo de convivência para eu me encantar por esse cara. Mas tenho certeza que seu bom exemplo será um brilho em toda a minha vida. A sua caminhada franciscana comigo nesse tempinho desde o começo do ano, por si só, foi uma excelente animação vocacional. O testemunho de vida de uns, somado com a certeza da morte, faz outros viverem mais intensamente! Que Deus conforte os familiares dele e a nossa fraternidade.

Frei Gabriel Dellandrea

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