Quem somos - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Carta do Ministro geral da Ordem na festa de Santa Clara de Assis

23/11/2011

Fr. José Rodríguez Carballo, ofm

CLARA DE ASSIS
E DE HOJE

UM CORAÇÃO SEDUZIDO
E CONQUISTADO PELO SENHOR

No 750º aniversário
da morte de Santa Clara
e da aprovação de sua Regra

Carta do Ministro geral
da Ordem dos Frades Menores
na festa de Santa Clara de Assis

Roma 2004

Queridas Irmãs Pobres de Santa Clara,
caros Frades Menores,
desejo-vos abundância da saúde
e paz no Senhor (cf. Er 1)

Siglas e abreviações

Ação de graças

Com Santa Clara, “agradeço ao Doador da graça, que vos adornou com tantos títulos de virtude e vos fez brilhar em sinais de tanta perfeição” (cf. 2In 3); e me alegrarei no Senhor e exultarei em Deus meu Salvador” (cf. Hab 3,18) pela “boa fama de vosso santo comportamento e vida” (1In 3).

Dou graças ao Senhor pela fidelidade de tantas Irmãs e Irmãos que, como lâmpada posta sobre o candelabro, ilumina a todos que estão em casa e aos que deles se aproximam. Rendo graças ao Senhor pela generosidade de tantas Irmãs e Irmãos que, do silêncio e da clausura ou no claustro do mundo, se empenham sem cálculo algum na construção do Reino. Agradeço ao Senhor por tantas Irmãs e Irmãos que, embora entre muitas dificuldades, testemunham com alegria a beleza do seguimento de Jesus Cristo pobre e crucificado. Rendo graças Àquele do qual “desce toda dádiva boa e todo dom perfeito” (Tg 1,17) pelas Irmãs e pelos Irmãos que seguem decididamente os caminhos da virtude (cf. Er 3).

Ocasião da carta

Hoje, quando a Igreja faz a memória do trânsito de Irmã Clara, encerramos as festas jubilares que, em comemoração ao 750º aniversário de sua morte e da aprovação de sua Regra, foram celebradas onde estão presentes as Irmãs Pobres e os Frades Menores.

Por esse motivo, vivamente desejo manifestar-vos o amor que tenho dentro (cf. TestC 59) por todas e cada uma de vós, Irmãs Pobres, que estais espalhadas do Oriente ao Ocidente. Com efeito, escrevo-vos movido pelo grande amor que vos tenho, como Irmãs muito amadas em Cristo, que “se fez para nós o Caminho” (TestC 5), e em Francisco, nosso “bem-aventurado pai” (TestC 48). Escrevo-vos, também, levado pela responsabilidade que me vem da promessa de Francisco (FV 2; TestC 29) e da expressa vontade de Clara (cf. TestC 50).

Ao mesmo tempo em que escrevo às Irmãs, escrevo também a vós, meus caros Irmãos. Sendo Clara a mais fiel discípula e seguidora de Francisco, sua herdeira espiritual, sua melhor e mais fiel intérprete, e tendo vivido plenamente a vocação franciscana, a “plantinha de Francisco” é imprescindível também para nós, Frades Menores, para conhecermos Francisco, para relermos e entendermos em toda a sua profundidade a mensagem e a obra do “Poverello”.

Entre vós, Irmãs Pobres de Santa Clara, e nós, Frades Menores, existe uma profunda e indissolúvel comunhão carismática, uma real e bela complementaridade. Por esta razão, a feliz ocasião que nos oferece a celebração do duplo jubileu clariano, não é só motivo de alegria e tempo de graça para aprofundar o conhecimento de Clara para vós, amadas Irmãs, mas o é também para todos nós que temos feito nosso o propósito de Clara de seguir Jesus Cristo pelo caminho que nos traçou o pai Francisco.

As reflexões que seguem, baseadas principalmente nos escritos de Clara e de Francisco, têm como única finalidade recordar-nos a nossa “decisão” (2In 11), para que “em rápida corrida e passo ligeiro” (2In 12), sem deixar-nos envolver “pela amargura e o desânimo” (3In 11), possamos “ir com mais segurança pelo caminho dos mandamentos” (2In 15).

Clara, “plantinha” de Francisco (cf TestC 37)

Com Francisco, o Espírito do Senhor suscitou também Clara. Por isso, como disse João Paulo II, não é possível separar estes “dois fenômenos”, estas “duas legendas”, estes “dois nomes”.

Francisco é para Clara e suas Irmãs o precursor que indica o caminho, “fundador, plantador e auxílio” (TestC 48), solícito em cultivá-las com a palavra e com as obras, como sua plantinha (cf. TestC 49); “coluna e única consolação depois de Deus e o nosso apoio” (TestC 38). É muito significativo que, no Testamento, ao falar da própria vocação, Clara faça constante referência a Francisco.

Por sua vez, Clara é para Francisco conselheira e luz para discernir a vontade do Senhor nos momentos de dúvida (cf. LM 12,2/5) e sempre “uma ajuda semelhante a ele” (Gn 2,20). É também significativo que, nas horas de desânimo e de treva, Francisco retorne a São Damião para procurar, junto a Clara, o consolo de que necessita.

De Francisco, Clara recebe Deus, recebe o afeto e o impulso para lançar-se a viver até o fundo o Evangelho com uma decisão irrevogável (cf. TestC 5). De Clara, Francisco recebe a iluminação do Senhor. Clara é o reflexo de Francisco, no qual se vê como num espelho (PC 3,29). O rosto de Francisco, por sua vez, é iluminado pela pureza e pela pobreza de Clara. Clara amava ternamente a Francisco. Por sua vez, Clara convenceu Francisco, a ponto de tornar-se para ele uma imagem de Maria, por sua radicalidade, por sua confiança incondicionada em Deus, por sua fragilidade cheia de força, por sua lealdade e por sua fidelidade.

Em Clara arde um único desejo: viver o Evangelho sob o exemplo de Francisco. Graças a ele, alimenta-se na mesma sabedoria e respira o mesmo frescor evangélico do Poverello. Tendo descoberto em Francisco um verdadeiro amante e imitador do Filho de Deus (cf. TestC 5), Clara o amou, confiou-se e uniu-se a ele para viver a mesma experiência evangélica. Por isso a Regra é a mesma: “observar o santo Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo” (RB 1,1; RSC 1,3), como igual é a missão: restaurar a Igreja (cf. 2Cel 10/4.204/3).

Desse modo, Clara e Francisco realizaram uma das sínteses mais geniais na história da Igreja: a síntese entre o silêncio que escuta e a palavra que anuncia, entre a solidão que adora na clausura e a presença que anuncia na itinerância. Desde que “o altíssimo Pai celestial” iluminou o coração de Clara (TestC 24) e Francisco mostrou o caminho (TestC 5) a ela e às suas irmãs, e desde que a “pobre dama” lhe prometeu obediência (cf. RSC 1,4-5; 6,1), a única inspiração franciscana articula-se em duas dimensões complementares: a contemplativa, de abertura à palavra, e a ativa, de testemunho da Palavra. São as duas dimensões do amor, que é, ao mesmo tempo, contemplativo e ativo.

E para que esta união, profundamente humana e carismática ao mesmo tempo, cheia de familiaridade e também de respeito, com o tempo não viesse a faltar, consciente de que “um e o mesmo espírito havia tirado deste mundo os irmãos e aquelas senhoras pobrezinhas” (2Cel 204/6), Francisco promete a Clara e às suas Irmãs “ter sempre diligente cuidado e especial solicitude” (FV 2) “por si e por sua Ordem” (TestC 29); Clara, por sua vez, promete, por si mesma e pelas Irmãs, obediência a Francisco e a seus sucessores (cf. RSC 1,4).

Pessoalmente estou convencido de que, se longo é o caminho que percorremos no “terreno”, nem sempre fácil, da fraternidade, muito é ainda o que nos resta percorrer para chegarmos a Fraternidades que possam oferecer à nossa sociedade o singular testemunho de serem “lugares privilegiados de encontro com Deus (CCGG 40) e “lares” nos quais se pode conseguir “a plena maturidade humana, cristã e religiosa” (CCGG 39).

Um dos grandes desafios que temos pela frente é o de passar de uma vida em comum para uma comunhão de vida em fraternidade. Para isso, não é absolutamente suficiente viver sob o mesmo teto. Nem realizar o mesmo trabalho, nem ser bons amigos. Não somos uma comuna, nem uma empresa, nem um simples grupo de amigos. Somos irmãos e irmãs, formamos uma “família unida em Cristo” (ES 25), na qual deveriam existir relações interpessoais verdadeiras e harmônicas, cordiais e fraternas, animadas pela fé no Pai, no qual todos somos filhos, no Espírito, que nos une no respeito à diversidade, e no Filho, no qual somos irmãos. Uma fé que nos leva a amar a todos sem distinção, inclusive aqueles que sofrem e, talvez por isso, fazem sofrer. Uma fé que nos anime a esperar nos outros e na possibilidade de sua conversão e crescimento. Uma fé que nos mova a trabalhar incansavelmente na construção da Fraternidade, mesmo que isso signifique morrer para si mesmo (cf. LG 46).

Francisco é considerado o “irmão universal” e Clara foi definida como “ardor da caridade, doçura da bondade, força da paciência, vínculo de paz e comunhão de familiaridade” (BC 42). Eles realizaram sua tarefa. Soou a hora de realizar a nossa. Em outras palavras, é hora de aplicar-nos a realizar nossa missão, que consiste em ser palavra viva de uma humanidade fraterna e reconciliada e em promover uma “espiritualidade de comunhão” (NMI 42), primeiramente no seio de nossas respectivas Fraternidades (cf. VC 51), para depois estendê-la a nossas Províncias e Federações, a nossas respectivas Ordens, à Família franciscana e a toda a humanidade. “Partilhando o pão da fraternidade” seremos sinal, sobretudo com o testemunho da vida, da nova humanidade reunida ao redor de Jesus Cristo ressuscitado pelo poder do Espírito.

Formar-nos para formar e viver
em fidelidade criativa (cf. VC 37)

Aquilo que partilhamos até agora supõe uma grande ductilidade e disponibilidade para deixar-se formar e transformar a mente e o coração mediante uma séria e sólida caminhada formativa, que “inicia com o chamamento de Deus e a decisão de cada um (cada uma) de seguir com São Francisco (e Santa Clara) as pegadas de Cristo pobre e crucificado (RFF 1), uma caminhada que jamais termina (VC 65).

Tanto para os Frades Menores como para as Irmãs Pobres, a formação deve ser um processo dinâmico de crescimento harmonioso de toda a pessoa (cf. VC 65) que, sob a ação do Espírito Santo, abre seu coração ao Evangelho e se esforça por manter constantemente uma atitude de conversão. Desse modo, daremos passos concretos rumo à “progressiva assimilação dos sentimentos de Cristo até o Pai” (VC 65).

Entre as muitas características que poderíamos indicar para a formação – permanente e inicial – do Frade Menor e da Irmã Pobre, quero destacar as seguintes:

· Deve ser experiencial. Por isso, a formação deve lançar suas raízes na vida da Fraternidade, gerar vida e procurar transformar em obras o que se aprende (cf. Ad 12).

· Deve ter um olhar positivo e, também, propositivo sobre o momento presente. A formação deve assumir os desafios apresentados pelo mundo e pela história, lendo e interpretando, à luz do Evangelho, os sinais dos tempos (cf. Sdp 6) e harmonizando a memória com a profecia para realizar uma caminhada fecunda e criativa, inserida no presente e profeticamente aberta ao futuro.

· Deve ser uma formação de qualidade. A qualidade de nosso futuro depende, sem dúvida alguma, da qualidade de nossa formação. Se quisermos garantir uma certa estabilidade, tanto nos momentos mais difíceis como nos ordinários e quotidianos (cf. VC 65.71), devemos apostar numa formação de qualidade, em condições de fazer enraizar no coração dos Frades e das Irmãs “os valores humanos, espirituais e carismáticos necessários” (RdC 18). Isso, “numa época apressada como a nossa”, necessita de tempo; sobretudo “tempo, perseverança e paciente espera… porque, na realidade, a pessoa se constrói muito lentamente” (RdC 18). Em nosso caso, a formação de qualidade exige, também, privilegiar a experiência de fé, a comunhão de vida em fraternidade e a afetividade.

· Deve ser uma formação personalizada. Dado que o sujeito em formação é o primeiro e principal responsável pela própria formação, e dado que cada pessoa é uma iniciativa irrepetível de Deus, a formação deve ser personalizada, para que cada um assuma responsavelmente a dinâmica do próprio crescimento vocacional. Impõe-se, portanto, um processo formativo personalizado e que ajude a personalizar, atento às peculiaridades de cada pessoa, aceitando e estimulando seu ritmo de crescimento, acompanhando e ajudando cada irmão e irmã a descobrir e a fazer frutificar sempre mais o dom de Deus na própria vida.

Formar é hoje um desafio que devemos assumir na alegria e na esperança de quem se sabe chamado a continuar a missão de Jesus, o único Mestre. Formar-nos, viver em estado de formação permanente ou de conversão, é o grande desafio que nos vem da fidelidade criativa à nossa vocação e missão.

Conclusão

Queridos Irmãos e Irmãs, com simplicidade vos fiz participantes de algumas reflexões sobre os elementos que, numa leitura atenta dos Escritos de Clara e de Francisco, penso serem essenciais ao carisma franciscano e clariano. Não pretendi ser exaustivo nesta exposição, muito menos na enumeração desses elementos. Simplesmente procurei deixar que Clara e Francisco falassem através de seus escritos – razão pela qual há muitas citações – e mostrar de forma evidente que, de fato, trata-se de “duas almas gêmeas”.

Ao término desta carta, fazendo minhas as palavras de Clara à Irmã Inês de Praga, peço-vos, queridos Irmãos e Irmãs, que acolhais “com bondade e devoção” “o que [vos] escrevi pela metade” “olhando nisso ao menos o carinho [fraterno] que me faz arder de caridade todos os dias” por vós, caros Irmãos, e por vós, Irmãs amadas no Senhor (cf. 4In 36-37).

Com Clara, convido-vos a rezar: “Dobro os joelhos diante do Pai de nosso Senhor Jesus Cristo (Ef 3,14), para que, pela intercessão dos méritos de sua Mãe, a gloria Virgem Santa Maria, de nosso bem-aventurado pai Francisco [de nossa amantíssima irmã e mãe Clara] e de todos os santos, o Senhor, que deu o bom começo, dê o crescimento (cf. 1Cor 3,6-7) e também a perseverança até o fim. Amém” (TestC 77-78).

Oração a Santa Clara

Clara, coração transbordante,
acende a alegria.

Clara, louca de amor,
coloca a ternura em seu lugar.

Clara, de nome e de vida,
guia-nos na noite.

Clara, fervor do Espírito,
dissipa nossos temores.

Clara, candeia sobre a mesa,
une-nos em família.

Clara, dos olhos límpidos,
tira o pó de nossas pálpebras.

Clara, mãe e irmã,
Roga por nós.
Roga por estas mãos
que por vezes se equivocam.
Roga por estes olhos
que por vezes se fecham.
Roga por este coração
que não ama como deveria.

Clara, mãe e irmã,
roga pela paz que nos falta,
pela esperança que não temos,
pela alegria que se esvai.

Clara, mãe e irmã,
roga ao Senhor para que nos conceda
o dom da fidelidade
e o dom de novos irmãos e novas irmãs.7).

Roma, na Cúria geral OFM
11 de agosto de 2004

Fr. José Rodríguez Carballo
Ministro geral

Siglas e abreviações

Sagrada Escritura 1Pd Primeira Pedro
2Cor Segunda Coríntios
2Tm Segunda Timóteo
At Atos dos Apóstolos
Ef Efésios
Fl Filipenses
Gl Gálatas
Gn Génesis
Hab Habacuc
Jo João
Mt Mateus
Rm Romanos
Tg Tiago

Escritos de Santa Clara
Ad Admoestações
2Fi Carta aos Fiéis (2ª recensão)
FV Forma de Vida para Santa Clara
LD Louvores ao Deus Altíssimo
Mn Carta a um Ministro
Ord Carta a toda a Ordem
RB Regra Bulada
RnB Regra não Bulada
Test Testamento
TestS Testamento de Sena

Outras siglas
2Cel Segunda Vida de Tomás de Celano
2EP Espelho da Perfeição (maior)
BC Bula de Canonização de Santa Clara
CCGG Constituições gerais OFM
ES Ecclesiae Sanctae
LG Lumen Gentium
LM Legenda Maior de São Boaventura
NMI Novo Millennio Ineunte
PC Processo de Canonização de Santa Clara
RdC Repartir de Cristo
RFF Ratio Formationis Franciscanae
Sdp O Senhor te dê a paz (Documento final do Capítulo geral OFM, 2003)
VC Vida Consagrada
VFC Vida fraterna em Comunidade

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