Celebrar o mistério da Imaculada no silêncio, no louvor e nas feridas do mundo
Caríssimas Irmãs Concepcionistas,
o Senhor vos dê a Paz!
Dirijo-me novamente a vós na solenidade da Santa Madre Beatriz da Silva, depois de ter tido o dom de poder visitar algumas das vos- sas comunidades no mundo, conhecendo-vos tão de perto.
A celebração dos 800 anos dos Estigmas de São Francisco é uma ocasião preciosa para ler três pontos que considero importantes para a vossa vida contemplativa, que olha para Maria como forma.
1.Celebrar o mistério da Imaculada no silêncio e na oração
As fontes hagiográficas dizem-nos que Francisco de Assis, depois de um período intenso e num momento de “grande tentação”, retirou-se para o Alverne para uma quaresma de jejum e oração, segundo o seu costume. É precisamente neste contexto de silêncio e de oração que o Poverello recebe uma visita misteriosa. No Alverne, o profundo desejo do Poverello de seguir Cristo e de se conformar totalmente a Ele, realiza-se no encontro com o Crucificado que imprime no seu coração e no seu corpo os sinais do amor. São Boaventura resume assim a experiência de Francisco: «O verdadeiro amor de Cristo transformou o amante na própria imagem do Amado»1.
O silêncio envolveu a vida de Santa Beatriz com as suas irmãs, aquele mesmo de Maria, a Santíssima, por isso aberta à escuta e à oração.
Maria é a “cheia de graça”, cheia da beleza e santidade de Deus desde o primeiro momento da sua concepção, moldada como «a Virgem na escuta, que acolhe com fé a palavra de Deus»2.
Celebrai o mistério da Imaculada através da escuta, que amadurece num itinerário de oração, alimentado pelo estudo e pela leitura orante da Palavra de Deus contida na Sagrada Escritura. Este é o ponto decisivo para amadurecer uma vida de silêncio e oração e convido-vos a colocar a Palavra de Deus no centro. A escuta cresce na educação para o silêncio, passando da oração vocal à meditação que leva à contemplação. As condições de vida de hoje, o barulho dos meios de comunicação, a dispersão em muitas atividades, mesmo em suas casas, tornam essa jornada mais exigente. Não podemos renunciar a essa e a presença de Maria no decorrer do tempo é-nos oferecida como «presença pessoal, operativa, exemplar, espiritual. […]. É presença pneumática-pessoal em Cristo e no Espírito mediante o seu ser na comunhão dos Santos»3.
Olhando para Maria no mistério da sua total abertura ao Senhor, vós, mulheres da escuta, podeis crescer sempre nesta dimensão profunda da oração.
2.Celebrar o mistério da Imaculada no louvor
O encontro com o Amado torna-se um cântico de louvor; portanto, Francisco, depois do encontro com o Crucificado, compõe os Louvores do Deus Altíssimo, uma oração que brota de um coração enamorado, totalmente centrado no Tu divino: «Tu és o santo, Senhor Deus único, que fazes maravilhas. Tu és o forte, Tu és o grande, Tu és
o altíssimo…»4.
A Imaculada e Glorificada Virgem Maria testemunha as grandes obras realizadas por Deus através de Jesus Cristo com o poder do Espírito Santo. Ela testemunha a alegria pascal. Ela permanece para sempre, na Igreja e para a Igreja, modelo do crente que, movido e ensinado pelo Espírito Santo, quer louvar a Deus Salvador e, com o coração cheio de alegria, proclamar a esperança de que o Reino de Deus será plenamente cumprido em e por meio de Cristo Jesus, vencedor do pecado e da morte.
«Na sua exultação Maria proclamava profeticamente em nome da Igreja: A minha alma engrandece o Senhor»5. O louvor da Virgem está vivo no da Igreja, «que todos os dias apresenta ao Pai as necessidades dos seus filhos, e louva o Senhor sem cessar e intercede pela salvação de todo o mundo»6.
Celebrai o mistério da Imaculada através da oração de louvor segundo a índole mariana que vos pertence: o perene louvor do Ofício Divino, a exultação na oração pessoal de cada uma, movida pelo Espírito que desperta a alegria da fé, e a participação no louvor que, desde a criação, de muitas maneiras sobe ao Pai. O louvor está no coração do carisma franciscano que vós compartilhais.
Convido-vos a tornar-vos cada vez mais mulheres da alegria e do louvor, capazes de reconhecer os sinais do bem presentes no mundo. Assim, sois um sinal profético na “cultura do pessimismo” em que nos encontramos.
3. Celebrar o mistério da Imaculada nas feridas de hoje
O encontro com o Crucificado impele Francisco a encontrar os crucificados da história, cuja dor deseja aliviar. Recordar e celebrar Francisco tocado pelo Crucificado, solicita-nos a sair de nós mesmos para «tocar a carne sofredora de Cristo nos outros»7 e, ao mesmo tempo, a deixar-nos tocar e interpelar pelas numerosas situações dramáticas de dor e sofrimento em que muitos dos nossos irmãos e irmãs se encontram imersos no mundo todo.
O Papa Francisco nos recorda que
«Maria, a mãe que cuidou de Jesus, agora cuida com carinho e preocupação ma- terna deste mundo ferido. Assim como chorou com o coração trespassado a morte de Jesus, assim também agora Se compadece do sofrimento dos pobres crucificados e das criaturas deste mundo exterminadas pelo poder humano. Ela vive, com Jesus, completamente transfigurada, e todas as criaturas cantam a sua beleza. É a Mulher «vestida de sol, com a lua debaixo dos pés e com uma coroa de doze estrelas na cabeça» (Ap 12, 1). Elevada ao céu, é Mãe e Rainha de toda a criação. No seu corpo glorificado, juntamente com Cristo ressuscitado, parte da criação alcançou toda a plenitude da sua beleza. Maria não só conserva no seu coração toda a vida de Jesus, que «guardava» cuidadosamente (cf. Lc 2, 51), mas agora compreende também o sentido de todas as coisas. Por isso, podemos pedir-Lhe que nos ajude a contemplar este mundo com um olhar mais sapiente»8.
Este novo olhar alimenta-se dos traços das virtudes de Maria, retomados magistralmente por Paulo VI na Exortação apostólica Marialis cultus. Vemos como Maria também foi transpassada pela dor da compaixão e do amor. Pensemos na compaixão amorosa e solidária pelas necessidades, dores e misérias que afligiam as muitas pessoas encontradas ou conhecidas e que vieram a saber o que Jesus estava fazendo durante sua vida pública. Mas pensemos também na comovente compaixão sentida pelos sofrimentos sofridos pelo Filho, culminando na sua morte de cruz.
É assim que Maria coopera na ação salvífica do único Mediador entre Deus e os homens, que torna eficaz, no Espírito Santo, a mediação materna, a intercessão, a compaixão e o testemunho evangélico que a Mãe glorificada exerce em favor de toda a humanidade, e em particular dos seus discípulos9. Ela recolhe, assim, o grito da humanidade e da terra, o gemido dos novos céus.
Celebrai o mistério da Imaculada Conceição participando com estas virtudes de Maria na sua cooperação na obra da salvação. O caminho é a vossa vida de silêncio, de escuta, de louvor e de serviço que segue o caminho da Virgem, entre a kenosis e a glória. Por esta razão, só podeis abrir-vos à escuta do grito dos crucificados da história, para transformá-lo em intercessão pela salvação do mundo.
Esta escuta ajuda-nos também a rever os nossos estilos de vida, para que sejam só- brios e solidários, próximos das condições das pessoas entre as quais vivemos, para que os dons da criação sejam partilhados.
Com efeito, a vida contemplativa não pode deixar de se tornar geradora de vida nova a partir das feridas do mundo.
Com estes sentimentos, caríssimas irmãs, saúdo-vos cordialmente como irmão e mantenho-vos na minha oração, pedindo a caridade da vossa recordação orante pelo meu serviço e pela Ordem.
Frei Massimo Fusarelli, OFM
Ministro geral
Assis, 6 de agosto de 2024
Trasfiguração do Senhor
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