Carisma - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Santa Beatriz da Silva

Breve biografia

Dona Beatriz da Silva nasceu na vila de Campo Maior, em Portugal, por volta de 1437. Ela foi da linhagem dos reis de Portugal, filha de Rui Gomes da Silva, alcaide-mor de Campo Maior, e de sua mulher dona Isabel de Meneses, filha natural de dom Pedro de Meneses, 1.º conde de Vila Real e 2.º conde de Viana do Alentejo. Teve pelo menos doze irmãos. Ainda pequena,  Beatriz da Silva partiu para a corte régia de Castela, em 1447, como donzela da rainha Isabel, segunda mulher do rei João II de Castela.

A presença de  Beatriz na corte não passou despercebida. Sua beleza cativante encantou a todos. A rainha, dominada por uma mistura de ciúme e inveja, fechou  Beatriz em um cofre, mas uma invisível proteção da Virgem Maria a salvou. Após este triste episódio, ela deixa Tordesilhas, onde a corte régia então estava instalada, e vai para Toledo, onde se recolheu no Mosteiro de São Domingos, o Real, de monjas dominicanas. Por devoção, decidiu manter sempre seu rosto coberto com um véu branco, de forma que, enquanto viveu, nenhum homem e nenhuma mulher viu seu rosto. Permanece neste mosteiro por cerca de 30 anos.

Em 1484, a rainha dona Isabel, a católica, doa-lhe os Palácios de Galiana onde existia uma Igreja antiga que tinha o nome de Santa Fé.  Beatriz, passada a esta casa, começou a adaptá-la para a forma de mosteiro. Levou consigo  Filipa da Silva, sua sobrinha e outras onze mulheres, todas de hábito religioso, embora não pertencessem a uma Ordem. E, uma vez instalada na nova casa, querendo dar fim à sua determinação, estabeleceu a maneira de viver que queria e enviou-a a Roma, numa súplica conjunta com a rainha. Foi tudo aprovado e outorgado pelo Papa Inocêncio VIII pela bula “Inter Universa” em 1489. O Mosteiro já estava fundado e tudo já fora preparado para entregar o hábito a ela e às monjas que ela havia instruído, quando Nosso Senhor quis chamá-la.

Morreu no ano de 1492. Na hora de sua morte, foram vistas duas coisas maravilhosas. Uma foi que, quando lhe levantaram o véu para administrar-lhe a unção foi tal o esplendor de seu rosto que todos ficaram admirados. A segunda, foi que em sua fronte viram uma estrela, que lá ficou até que ela expirou, e que emitia uma luz e um esplendor igual à luz quando mais brilha. Faleceu com fama de santidade.

Em 1511, o Papa Júlio II atribui à Ordem nascente Regra Própria.  Beatriz foi beatificada pelo Papa Pio XI em 26 de julho de 1926 e solenemente canonizada em 3 de outubro de 1976 pelo Papa Paulo VI. Sua Festa é celebrada no dia 17 de agosto.


Nota: A expressão “Dona Beatriz da Silva” é um título usado na época, por ser ela descendente de reis e de condes. Era o costume da época. “Dona” não era qualquer mulher, como hoje nós chamamos a qualquer senhora. “Dona” eram apenas algumas de entre as mulheres nobres. As que possuíam esse título possuíam desde o batismo e jamais deixavam de o usar fazia parte do seu nome.

A Ordem da Imaculada Conceição

Frei Clarêncio Neotti, OFM

Na história do dogma da Imaculada Conceição e da devoção à Virgem Maria concebida sem pecado original, destacam-se Santa Beatriz da Silva e a Ordem religiosa por ela fundada, hoje chamada Ordem das Irmãs Concepcionistas Franciscanas, ou Ordem de Santa Beatriz ou, simplesmente, Concepcionistas. No início, a Ordem se chamou Ordem da Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria, mas como as Irmãs estavam estreitamente ligadas aos Franciscanos, que lhe davam assistência e subsídio teológico, o povo espanhol chamava a Ordem de “Concepción Francisca”.

De fato, a Ordem nasceu na Espanha, precisamente em Toledo, onde, em 1484, Beatriz Menezes da Silva, com doze companheiras, deu início à nova família religiosa com uma intenção bem definida: contemplar e difundir o privilégio da Imaculada Conceição de Maria, então ainda apenas devoção e objeto de complicadas discussões teológicas. Em abril de 1489, o Papa Inocêncio VIII aprovou a nova Ordem “sob a proteção da Conceição bem-aventurada”.

Beatriz trouxera do berço a devoção à Virgem Imaculada. Nasceu em 1426, em Ceuta, costa da África setentrional, de pais portugueses: Ruy Gomes da Silva e Isabel Meneses. Os pais, aparentados com a família real portuguesa, trabalhavam na corte e foi em meio ao bulício cortesão que Beatriz se educou, como disse o Papa Paulo VI, “rica em dons da natureza e da graça, distinguindo-se desde os primeiros anos por uma singular devoção a Jesus Cristo e à Virgem Mãe de Deus, sobressaindo por sua prudência, retidão de vida e progresso nos estudos cívicos e religiosos”. Moça extraordinariamente bonita, foi dama de honra da Rainha Isabel de Castela. Afastando todas as pretensões de casamento, emitiu voto de perpétua virgindade e retirou-se para um mosteiro de Toledo. Mas não se fez religiosa. Por 30 anos viveu como leiga consagrada. Só em 1484, deu início à nova forma de vida, uma vida enclausurada, contemplativa, com um carisma monacal bem definido.

Beatriz não conseguiu solidificar a Ordem, porque faleceu em agosto de 1490. Mas o que é de Deus sempre tem futuro garantido. As Filhas de Santa Beatriz cresceram no meio de dificuldades e de muita santidade. Em 1546, a Ordem já contava com mais de quarenta mosteiros, inclusive um no México. Aliás, as Concepcionistas foram as primeiras religiosas a acompanhar os missionários na América Latina e Filipinas, sem esquecer que foram também as primeiras contemplativas que se fixaram no Brasil. A Ordem das Concepcionistas Franciscanas está hoje presente com quase 200 mosteiros em vários países do mundo.

Beatriz, que tem um irmão de sangue franciscano e bem-aventurado (Beato Amadeu da Silva), foi canonizada pelo Papa Paulo VI, no dia 3 de outubro de 1976, coroando, assim, uma multissecular veneração que o povo, sobretudo da Espanha, Portugal e América Latina, sempre teve para com aquela que renunciara à corte e a suas pompas para viver na contemplação e na difusão do privilégio da Imaculada Conceição de Maria.

Na Ordem de Santa Beatriz surgiram grandes figuras marianas, como a venerável Madre Maria de Jesus de Ágreda (1602-1665), teóloga, mística, missionária, autora do famoso livro “Mística Cidade de Deus: Vida da Virgem Mãe de Deus”, considerado patrimônio da mística cristã, obra traduzida para vários idiomas, inclusive o português (tradução feita pela Abadessa do Mosteiro concepcionista Portaceli, Ponta Grossa, Pr). Poderíamos ainda lembrar as veneráveis Madre Maria dos Anjos Sorazu (também escritora), Madre Maria Teresa de Jesus Romero, Madre Mariana de Jesus, Irmã Maria de Jesus de Puebla (México). Suas causas de canonização estão chegando à fase final.

Os brasileiros não podemos esquecer o nome de Madre Joana Angélica de Jesus, que deu a vida em defesa das Irmãs, em 1822, quando as tropas do General Madeira invadiram o sagrado recinto do Mosteiro da Lapa, em Salvador da Bahia, tornando-se mártir da caridade e a primeira mártir da Ordem. Os historiadores chegaram a chamá-la de Mártir da Independência. São muitas as Irmãs que, ao longo de quinhentos anos, brilharam por sua santidade, ainda que escondidas na clausura, e por sua terníssima devoção à Virgem Maria concebida sem pecado.

Santa Beatriz e as Concepcionistas estão ligadas à Imaculada Conceição de Maria como a água está ligada ao mar. O decreto de aprovação das Novas Constituições (1993) afirma: “Santa Beatriz da Silva deu origem em Toledo a uma nova família religiosa, que encontra sua raiz e sua razão de ser na Igreja, na contemplação do mistério da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria e no empenho por imitar e reproduzir suas virtudes”. O verbo contemplar e o verbo imitar ocorrem algumas dezenas de vezes na Regra e nas Constituições da Ordem Concepcionista. A contemplação leva à imitação. E o esforço de imitar leva necessariamente à contemplação.

Como é possível alguém imitar a Imaculada Conceição, se todos nascemos marcados pelo pecado original com sua legião de conseqüências? Encontrei resposta em vários parágrafos das Constituições da Ordem de Santa Beatriz. Trata-se de imitar o modo como viveu a Virgem Maria, o modo como ela cumpriu a missão recebida, ou seja, como ela viveu a sua vocação específica.

Primeiro, no silêncio. Não apenas o silêncio da boca fechada, mas o silêncio dos ouvidos abertos. Ou seja, o silêncio que se transforma em escuta. Foi o grande elogio que Jesus deu à sua Mãe: “Minha mãe é aquela que escuta a Palavra de Deus” (Lc 8,21). O escutar tem tanto a ver com o contemplar, quanto a solidão tem a ver com a comunhão.

Depois, a Concepcionista imita a Virgem Imaculada na obediência. A palavra ‘obediência’ e a palavra ‘escuta’ têm a mesma origem semântica. Obediência vem de ob-audire, ou seja, escutar com a máxima atenção. Obedecer a Deus significa, então, antes de tudo, escutar Deus. E obedecer às Irmãs significa escutar as irmãs com atenção e atitude acolhedora. Na espiritualidade franciscana, cultivada pelas filhas de Santa Beatriz, a obediência não é vertical (a súdita que obedece à superiora), mas horizontal (a Irmã que escuta e obedece à co-irmã). A obediência, portanto, tem muito a ver com a comunhão fraterna que, por sua vez, é condição para a verdadeira contemplação.

As Constituições das Concepcionistas ensinam que a Irmã imita a Virgem Maria também no serviço. O n. 99 das Constituições lembra que serviço é, sim, trabalho. Mas é também a responsabilidade de cada uma no fazer a comunhão fraterna, no construir a comunidade. Aqui toma sentido grande a afirmação programática de Jesus: “Não vim para ser servido, mas para servir” (Mt 20,28). O n. 99 tem um terceiro campo que chama de serviço: a vivência da fé. Pode parecer estranho que se chame a vivência da fé de serviço. Mas o que é vivência da fé, se não a convivência fraterna, onde cada uma deve ser tudo para todas e fazer tudo para todas? Viver a realidade de cada dia é trabalhar para que a realidade de cada dia se torne prenhe de fé e assuma o status de Reino dos Céus.

As Irmãs Concepcionistas podem viver hoje o mesmo carisma de Santa Beatriz e Santa Beatriz pôde vivê-lo, porque antes dela o próprio Filho de Deus e Filho de Maria viveu e tornou-se modelo de todas as virtudes que vemos e admiramos na Virgem-Mãe Imaculada. De fato, Jesus foi e é silêncio e escuta, obediência e serviço. Como silêncio e escuta, obediência e serviço foi a Virgem-Mãe de Jesus. Como silêncio e escuta, obediência e serviço distinguiram a virgem-mãe Santa Beatriz. Viver o silêncio para poder escutar, viver a obediência para poder servir é a melhor maneira para uma pessoa ser, de fato, contemplativa e imitadora do mistério da Imaculada Conceição da bem-aventurada Virgem Maria.

A Família franciscana celebra a festa de Santa Beatriz da Silva no dia 17 de agosto. A oração da festa lembra que, em sua vida contemplativa e virginal, resplandeceu a devoção à Virgem Imaculada, concebida sem pecado, Mãe de Deus e nossa mãe.

Homilia por ocasião de sua canonização

Da homilia de São Paulo VI na canonização de Santa Beatriz da Silva, 3 de outubro de 1976.

É impossível tecer um breve elogio à nova santa, costume no momento de uma canonização, que parece projetar os traços de uma face gloriosa ante nosso olhar jubiloso, porque, da mesma maneira que o rosto extraordinariamente belo e puro de Beatriz da Silva permaneceu oculto durante muitos anos de sua vida terrena, até sua bem-aventurada morte, assim também muitos aspectos de sua biografia só chegaram até nós de forma refletida, na documentação histórica, como «per speculum in aenigmate», através da qual transparece como uma figura inocente, humilde e luminosa, apesar de não conceder a nossa humana, porém legítima curiosidade, nenhum sinal de expressão pessoal.

Beatriz da Silva nasceu em Ceuta, cidade do norte da África junto ao Mediterrâneo, e que naquela época se encontrava sob o domínio da coroa de Portugal. O feliz acontecimento teve lugar com muita probabilidade em 1426, ainda que muitos biógrafos falem de 1424.

Nasceu portuguesa, portanto. Seu pai, Dom Ruy Gomes da Silva, ainda jovem, combateu durante a conquista da referida cidade de Ceuta, em 1415, e portou-se com tanta bravura e valor, que o capitão, de nome Dom Pedro de Meneses, premiou-o concedendo-lhe em matrimônio sua própria filha Isabel. Esta, por diversos laços, tinha parentesco com as casas reais da Espanha e Portugal.

Deste matrimônio nasceram onze filhos, criados e educados com amor e com a esclarecida prudência de uma alma profundamente cristã como a de seus pais, sobretudo sua mãe. Além de Beatriz, há entre os filhos o Beato Amadeo da Silva, que abraçou na Itália a Ordem de São Francisco e deu origem a uma ramificação da Ordem dos Frades Menores, reformados, conhecidos com o nome de Amadeos.

Em 1433, o pai de Beatriz da Silva Meneses foi nomeado prefeito principal de Campo Maior, em Portugal, para onde se mudou com toda sua família. Em Portugal, portanto, passou a nova santa os tempos de sua infância e juventude, cultivando as excelsas qualidades de sua alma privilegiada e preparando-se para provas futuras. A experiência de sofrimentos físicos e morais, com prova de amor, é frequente no caminho que devem recorrer aqueles a quem o Senhor quer dar a coroa da vida, prometida àqueles que O amam (Sant 1, 12).

No ano de 1447, ao casar-se Isabel, filha de João, príncipe de Portugal, com João II, rei de Castilla, levou consigo Beatriz, que estava então com os 20 anos.

No entanto, passado certo tempo, pela beleza de Beatriz, que causava a admiração dos nobres ou, talvez, porque a rainha via nela uma perigosa rival, Beatriz abandonou a corte real na qual estava, em Tordesillas (Valladolid) e ingressou no monastério cisterciense  de Santo Domingos de Sillos, em Toledo, no qual durante 30 anos dedicou-se unicamente a Deus.

Depois de estes quase 30 anos de dedicação a Deus, decidiu fundar uma nova Ordem, em honra ao Mistério da Imaculada Conceição e para a propagação do seu culto. Assim, no ano de 1484 abandonou o monastério de Santo Domingos e passou a viver, com algumas companheiras, no Palácio de Galiana, doado pela rainha Isabel, a católica.

No dia 30 de abril de 1489, a pedido da Beatriz e da rainha Isabel, o Papa Inocêncio VIII autorizou a fundação do novo monastério e aprovou as regras principais.

No entanto, antes que, conforme a permissão pontifícia, tivesse início a vida regular no novo monastério, Beatriz subiu aos céus. Apesar disso, seu Instituto não desapareceu e, apesar das dificuldades, converteu-se em uma verdadeira Ordem religiosa e obteve sua própria regra no ano de 1511.

[…]

Para o homem moderno, preso no turbilhão de impressões sensíveis multiplicado pelos meios de comunicação até ao limite da obsessão, a presença destas almas silenciosas e vigilantes, estendia-se para o mundo das realidades “não visíveis” (cf. 2Cor 4, 18; Rm 8, 24) Não representa um lembrete providencial para não perder uma dimensão essencial de sua natureza, que é a vocação de percorrer os horizontes ilimitados do divino?

Há uma segunda mensagem, que aproxima Santa Beatriz da nossa experiência, fazendo-nos apreciar a plena relevância do testemunho que ela nos oferece. Vivemos em uma sociedade permissiva, que parece não conhecer fronteiras. O resultado é visível para todos: a propagação do vício em nome de uma liberdade incompreendida que, ignorando o grito indignado das consciências corretas, ridiculariza e viola os valores da honestidade, modéstia, dignidade, direito dos outros. Ora, a nobre sociedade do período renascentista, o mundo dos tribunais, tal como é pintado a partir das crônicas da época, apresenta muitas vezes, embora com nobríssimas exceções, um panorama em que tristes experiências de hoje estão bem refletidas.

Esse foi o ambiente em que nossa Beatriz amadureceu sua escolha: logo se tornou consciente das paixões, que sua excepcional beleza despertou ao seu redor, como uma flor que, surgindo em solo lamacento, se estende para cima para recolher o primeiro raio de sol. Então, a nobre menina “sem demora em decidir – é o seu primeiro biógrafo que diz – tomou a estrada e abandonou a ansiedade da corte, fugindo dela, para vir e receber a lei de conversa saudável, após o cumprimento de que entrou na terra prometida dos santos”. Tampouco o ímpeto de sua determinação virginal se limitou a isso: “Lembrando – ainda é seu antigo biógrafo que fala – da beleza que recebera de Deus, ele decidiu que nenhum homem e nenhuma mulher veriam seu rosto enquanto ele vivesse”.

Exagero? Os santos sempre representam uma provocação ao conformismo de nossos hábitos, muitas vezes considerados sábios simplesmente porque são confortáveis. O radicalismo de seu testemunho deve ser um choque para nossa preguiça e um convite para redescobrir algum valor esquecido; o valor, por exemplo, da castidade como um corajoso autocontrole dos instintos e alegre experiência de Deus na clara transparência do espírito. Esta não é a lição mais atual para os homens hoje?

Mas uma última palavra quer nos dizer esta manhã Santa Beatriz da Silva. É talvez a palavra mais importante, porque contém o segredo da sua experiência espiritual e da sua santidade; esta palavra é o nome de Maria e precisamente de Maria Imaculada. A clareza branca da Virgem era o ideal de sua vida; seu primeiro biógrafo sublinha isso: “a graça de uma devoção particular à Imaculada Conceição da Rainha dos Céus, da qual, uma vez que ela sabia de alguma coisa, estava intimamente devotada”. Deste modo, não poucos séculos antes da proclamação do dogma e enquanto as disputas teológicas ainda eram fervorosas, a Imaculada Conceição revelou-se uma força viva na história da Salvação e na vida da Igreja, dando origem a uma ordem contemplativa que do esplendor nevado “Todo puro Ele buscou inspiração e entusiasmo para uma consagração mais generosa a Cristo, no esforço diário para não tirar nada da doce soberania de seu amor.

Esta é uma mensagem válida também para nós, criadores de um progresso que nos exalta e nos amedronta por causa de sua ambiguidade intrínseca, portadores das mais nobres aspirações e escravos de fraquezas humilhantes, para nós homens modernos “atormentados pela esperança e pela angústia”. (Gaudium et Spes, 4). Como não sentir o fascínio de Maria, que “com sua caridade materna cuida de seus irmãos de seu Filho que ainda são peregrinos e se colocam no meio de perigos e preocupações” (Lumen Gentium, 62).

Este é o convite que, como síntese de toda sua experiência espiritual, dirige-se a nós hoje Santa Beatriz da Silva: olhando para Maria Imaculada, seguindo seu exemplo, invocando sua proteção…

Santa Beatriz da Silva nos descortina os valores eternos

Cardeal Orani Tempesta

Os santos e as santas são homens e mulheres que a Igreja coloca como modelos da prática das virtudes cristãs em grau heroico a cada um de nós, a fim de que possamos imitar, com a graça de Deus, o seu modo de ser e agir. Colocando-nos nessa escola de santidade com o coração aberto teremos mais facilidade em tentar construir um mundo melhor, e também chegarmos à glória celeste no fim de nossa peregrinação terrena.

Pois bem, nesse contexto, importa apresentar a vida de Santa Beatriz da Silva, portuguesa do século XV que, após viver na corte real espanhola, fundou, em Toledo, na mesma Espanha, a Ordem das Irmãs Concepcionistas Franciscanas, de clausura, presente em vários estados brasileiros, inclusive em nossa amada Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, no Mosteiro da Ajuda, trabalhando e rezando por toda a humanidade.

Para esse artigo muitos livros e textos foram consultados e utilizados, em especial os da própria Ordem, que divulga sua vida e a obra da fundadora.

Beatriz nasceu em Campo Maior, Portugal, no ano de 1426, filha de Rui Gomes da Silva e Isabel de Meneses, ambos muito católicos e parentes da família real portuguesa. Nessas circunstâncias, a menina aprendeu maneiras nobres de ser e, também recebeu boa educação religiosa, rezando desde muito pequena a Ave-Maria, e tendo especial devoção a São Rafael Arcanjo, a quem ela atribuirá muitas graças em seus sessenta e seis anos de vida.

Na casa dos Silva Menezes se respirava a devoção a Nossa Senhora, especialmente sob o título de Imaculada Conceição, que só fora definido solenemente pelo Papa Pio IX em 1854, mas sempre foi objeto de fé entre os fiéis, ainda que sob fortes debates teológicos. Nesse contexto, Dom Rui Gomes da Silva queria um quadro da Imaculada e contratou um pintor italiano para fazê-lo. Como, porém, fosse necessário um modelo de inspiração ao artista, o pai escolheu a linda Beatriz para ficar sentada diante do pintor, mesmo a contragosto da menina, que não se achava digna de “representar” Nossa Senhora. Obedeceu, porém, a ordem do pai com a condição de permanecer, durante todo o tempo, de olhos fechados.

Resultado: tem-se, no quadro, a Virgem de olhos quase fechados, sentada em atitude muito modesta. O véu escorre sobre a cabeça, deixando à vista alguns flocos de cabelo. O manto cai nos ombros, juntando-se com arte sobre os joelhos. No colo, tem o menino Jesus a apoiar a mãozinha esquerda sobre a cabeça de São Francisco de Assis, e a direita a oferecer uma vela a Santo Antônio.

Dos onze filhos do casal, um, João, fez-se frade franciscano tomando o nome de frei Amadeo, enquanto Beatriz também acalentava um sonho secreto de se consagrar a Deus como religiosa, embora nada falasse a ninguém. Daí o pai sonhar fazê-la uma grande dama na Corte Real e garantir-lhe um futuro brilhante, como se garantia a não poucos nobres de então. O sonho de Dom Rui se tornou realidade.

Sim, em pouco tempo a notícia do casamento de Dom João II, rei de Portugal, com Dona Isabel, princesa da Espanha que após o matrimônio se tornaria rainha, agitou as duas nações e especialmente as famílias mais nobres de ambos os países. Uma das escolhidas para ser dama de companhia de Isabel foi a linda Beatriz, de 21 anos, e isso por duas razões: era de inteira confiança da monarca e, também, sua parenta de sangue.

A emoção da jovem com o cortejo nupcial de sua rainha não a levou a parar nas coisas deste mundo, mas, sim, a elevar o pensamento aos bens celestes. Afinal, se uma corte terrena já empolgava a tantos, quanto mais grandiosa, em todos os aspectos, não deveria ser a corte celestial, na qual a própria Mãe de Deus e nossa mãe é a Rainha?

No entanto, o vislumbre natural de Beatriz pelos aposentos palacianos começa a se transformar em pesadelo, dado que uma bela jovem como ela não passaria despercebida de tantos nobres desejosos de se casarem. Um dos mais interessados é Dom Álvaro de Luna, alto ministro do rei, mas ela, de modo muito educado, porém firme, se recusou a atender ao seu importante pedido, assim como fez diante de outros pretendentes que sempre se aproximavam do palácio real para vê-la, deixando, inclusive, a rainha com ciúmes de sua dama. Afinal, ela mesma, a monarca, parecia diminuída.

Beatriz não se chocou com o problema, mas buscou refúgio em um mosteiro de monjas clarissas (filhas espirituais de Santa Clara de Assis) próximo dali e lá passava horas e horas a entreter-se em elevadas conversas com as irmãs, especialmente com a Irmã Gaudência que lhe dava bons conselhos e a levava cada vez mais a aproximar-se da Imaculada Conceição de Maria em meio ao silêncio e à oração.

No palácio, as intrigas contra nossa jovem dama só aumentavam. O ódio da rainha crescia. Chegou-se a duvidar da integridade moral de Beatriz. Ela teria um caso com o próprio rei. A jovem rezava e pedia a Nossa Senhora que intercedesse a Deus para o desaparecimento de sua beleza física. Sem formosura não atrairia ninguém e tudo passaria. Era tarde, porém, a rainha Isabel já armara seu plano vingativo: matar Beatriz sufocada dentro de um baú em um dos labirintos do castelo real.

O ódio da esposa do rei se concretizou e a jovem dama foi atraída para um local subterrâneo, no qual deveria entrar em um baú para procurar algo para sua senhora. Mal entrou e a própria rainha a trancou e desapareceu. No entanto, por uma graça especial ou mesmo por um milagre, nossa jovem não morreu, mas recebeu consolo do céu. Sim, a própria Virgem Maria pareceu desenhar-se à sua frente com um vestido branco, manto azul e véu preto, assim como seria o hábito da Ordem a nascer muitos anos depois.

Seu tio, Dom João de Menezes, saiu com a rainha à procura da sobrinha e foi levado até o baú no qual a monarca pensara ter asfixiado a jovem dama. Eis, porém, que ao abrir a arca, Beatriz estava viva e, às pressas, foi dali retirada pelo tio, ante o olhar pasmo de Isabel, e levada para um local seguro, depois de uma longa fuga pelas estradas espanholas. Partiram do palácio com destino ao mosteiro de São Domingos, das monjas cistercienses, em Toledo, a 250 km da residência real. Era o ano de 1451.

Com as monjas se sente feliz e, embora nunca desejasse ser uma cisterciense (nome proveniente de Cister, região da França em que foi fundada a Ordem no ano de 1098), passou trinta anos na clausura, com um véu cobrindo o rosto. Afinal – pensava nossa santa – aquelas faces que foram causas de tantas discórdias não deveriam ser vistas por mais ninguém. Ela sabia das tramas e até das mortes que ocorriam nos ambientes palacianos, mas nada dizia, apenas rezava e perdoava o que a rainha lhe fez.

Em sua vida recolhida, desejava contentar a Imaculada. Como, no entanto, fazê-lo? Seu raciocínio era o seguinte: “Cristo continua a sua vida [oculta] de Nazaré… agora em todas as partes do mundo, onde houver um tabernáculo acalentado por uma lamparina. Ele procura substitutas de sua Mãe que lhe façam companhia nas mil e uma nazarés do mundo inteiro. – ‘Que haja ‘Marias!’ Pensa Beatriz no seu interior, confiando no surgimento de uma Ordem consagrada à Imaculada” (Afonso de Santa Cruz. O pecado de ser bela. Ed. do Autor, 2008, p. 44-45).

A oração de nossa santa não foi em vão, como nenhuma oração o é. Morto Dom João II, dona Isabel se casou com Dom Fernando de Aragão e se tornou grande defensora da fé, de modo a receber o qualificativo de “Isabel, a católica”. Foi nessa condição que ela visitou a antiga dama a quem, antes, quisera matar, em Toledo, a fim de pedir-lhe perdão e oferecer apoio ao seu projeto de fundar uma nova Ordem Religiosa na Igreja. A rainha pode ver aquele rosto, há tempos escondido, mas a ela desvelado. Não estava envelhecido pelo passar dos anos. Parecia o da mesma jovem que Isabel conhecera há mais de trinta anos.

Frei João de Tolosa, franciscano, passou também nessa época a aconselhar Beatriz, e outras jovens foram surgindo para viverem o mesmo ideal a que ela se propôs: ser para Cristo outra “Maria” que Lhe faça companhia como fez a Sua Mãe em Nazaré, nos seus 30 anos de vida oculta, antes de iniciar seu ministério publicamente. Era o ano de 1484, quando nossa santa deixou o mosteiro cisterciense e se dirigiu, de rosto coberto, para o palácio de Galina, chamado a partir de então de Convento da Santa Fé, perto do Rio Tejo, com suas doze monjas.

A rainha Isabel se empenhou junto ao Papa para a aprovação da nova fundação. A Ordem foi aprovada, mas a Bula Papal de aprovação se perdeu em um naufrágio. Sem esperanças, só restava às monjas rezarem; e eis que, mais uma vez, vem a divina resposta: alguém entrega na porta do mosteiro um pacote. Ele é levado a um respeitável sacerdote, o Pe. Garcia de Quijada, que o abre e atesta sua autenticidade: é a Bula do Papa aprovando a nova Ordem.

Com a aprovação em mãos, o mesmo Pe. Quijada marcou a vestição das primeiras religiosas para o dia 9 de agosto de 1492, mas Beatriz, redobrando suas preces ante o Sacrário, também “marcou” a sua morte para esse mesmo dia. Se ela foi por muitos anos uma mulher invisível, será também a fundadora invisível. Deixaria a Ordem para que outros a conduzissem.

Realmente, em 9 de agosto, a fundadora das Concepcionistas Franciscanas entregou sua alma cândida a Deus. Antes, o padre que lhe ministrou a Unção dos Enfermos viu em sua testa a marca da Imaculada Conceição, ou seja, uma estrelinha que lembra o Apocalipse ao se referir à mulher que traz uma coroa de doze estrelas (cf. Ap 12,1). Esta estrela é um autêntico fenômeno místico, dado que deixou a marca após a morte, como atestou Dom Gregório Modrego, administrador apostólico de Toledo, na exumação do corpo que fora sepultado no próprio Convento de Santa Fé.

As monjas, no entanto, com o passar dos tempos, por ordem da rainha Isabel, que recebera do Papa Alexandre VI a licença para reformar as Ordens religiosas da Espanha – como permitia a Lei do Padroado com a Igreja unida ao Estado – fez com que as filhas de Beatriz da Silva, passando por graves dificuldades de identidade, deixassem o carisma cisterciense e adotassem o espírito de vida franciscano vivido até hoje em todo mundo, desde que por ele se espalharam a partir de 1507. A fundadora foi canonizada pelo Papa Paulo VI em 3 de outubro de 1976.

Sobre a razão de tantas jovens deixarem tudo ao longo dos tempos, inclusive no Brasil, para levar uma vida santa na clausura como monjas concepcionistas, chamadas de “estrelas da Imaculada”, escreve, de modo muito realista, o Pe. Afonso de Santa Cruz: “As estrelas da Imaculada fazem penitência, mas com as cores brancas da alegria. São pobres com a riqueza da Imaculada. São obedientes em sintonia com a vontade de Deus. As vocações que brotam sob o manto da Imaculada não são frutos de fuga ou decepções, mas de fascínios e atrações. A multiplicação das estrelas da Imaculada não está baseada num engodo psicológico ou enredo técnico, mas na simplicidade contagiante da Imaculada, que atrai uma por uma de suas estrelas” (idem, p. 89-90).

Queiramos, pois, neste tempo em que estamos, jubilosos, louvar a Deus pelas mãos benditas de Nossa Senhora, pela existência dessas mulheres que, semelhantes a Maria, acompanham o Senhor Jesus nos nossos dias adorando-O, louvando-O e bendizendo-O em lugar de tantos que não O adoram, não O louvam e não O bendizem.

Possa o exemplo silencioso e escondido de Santa Beatriz da Silva e de suas filhas espirituais descortinar-nos os valores eternos e suscitar muitas em santas vocações no meio das concepcionistas, também entre nós no Brasil.

Santa Beatriz da Silva rogai por nós!

* Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

Mosteiro da Ajuda

Desde os primeiros anos do século XVII ou, talvez, já anteriormente, existia uma capelinha de Nossa Senhora nas imediações da Lagoa de Santo Antônio, precisamente no ponto onde hoje se situa a rua Evaristo da Veiga com a Rua 13 de Maio. Essa modesta capelinha viria ser o princípio do venerando Convento de Nossa Senhora da Conceição da Ajuda, tão intimamente ligado à vida dos habitantes da posterior opulenta Metrópole de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Este mosteiro foi fundado no dia 26 de julho de 1678. A inauguração se deu no dia 30 de maio de 1750, quando doze postulantes entraram na clausura, para doravante viver segundo a Regra das Concepcionistas Franciscanas, com as Constituições do Mosteiro da Luz de Lisboa, adaptadas ao nosso país.

Foi a segunda Comunidade Religiosa Feminina no Brasil (a primeira foi a das Clarissas do Desterro em Salvador) e atualmente é a mais antiga existente.

Ereção canônica no dia 24 de janeiro de 1749 – Licença Régia 20 de novembro de 1749

A vida regular no Convento da Ajuda iniciou-se sob a direção das Monjas de Santa Clara, do Mosteiro do Desterro da Bahia. Quando de sua volta, depois de onze anos, deixaram na Ajuda fluorescente comunidade, não somente em número e observância, mas também em Religiosas de dotes intelectuais.

Em 1760 foi eleita a primeira Abadessa Concepcionista, a Madre Maria Isabel da Cruz. As Clarissas partiram no ano imediato, com farta messe de merecimentos diante de Deus e acompanhadas pela gratidão das Monjas da Ajuda.

Em 1855, o Governo imperial baixou a Lei Nabuco, de 19 de maio, que proibia as admissões e profissões nas Ordens Religiosas.

Em 1886, a Comunidade da Ajuda compunha-se da Madre Abadessa Maria das Dores (1875 a 1889) e de mais quatro companheiras. Várias vezes, recorreu a Abadessa à intervenção da Princesa Isabel, em suas visitas ao Convento, para obter a reabertura do Noviciado. Não conseguiu resultados e só quando caiu a Monarquia, a Igreja pôde respirar e voltar ao normal.

As quatro monjas se tornaram, então, os alicerces da restauração da Comunidade do Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição da Ajuda. No dia 13 de junho de 1891, reabriu-se o Noviciado com a admissão de quatro Educandas, que devidamente preparadas, receberam no dia 1º de julho do mesmo ano o hábito de Concepcionistas Franciscanas.

Da fundação até 2000 professaram 215 religiosas
• De 1750 a 1862 – 112
• De 1892 a 1912 – 22
• De 1923 a 1999 – 81
• De 1862 a 1892 – Noviciado fechado
• De 1912 a 1923 – Convento Provisório na rua Conde do Bonfim
• Em 1923 foi a primeira Profissão no Mosteiro atual de Vila Isabel.

Mosteiro da Luz

Frei Basílio Röwer

Vivia no Recolhimento de Santa Teresa, em São Paulo, uma modesta Recolhida de nome Helena Maria do Sacramento. Era natural de Apiaí, onde nascera aos 22 de maio de 1736. Desde menina distinguia-se na prática da virtude; amava a penitência a ponto de dormir sobre o chão e cingir a sua carne com cilício. Com 17 anos de idade entrou Helena no Recolhimento de Santa Teresa; mas como simples servente, porque, sendo os pais muito pobres, não pôde trazer dote. Bem percebia o seu diretor que se tratava de uma alma privilegiada e por isto ofereceu-lhe mais tarde o dote necessário para ser Recolhida de côro, o que se deu aos 25 de j aneiro de 1769.

Foi desta humilde Recolhida que Deus, que ama os pequenos, se serviu para lançar a semente dessa árvore frondosa e rica em frutos de que vimos dar este escôrço histórico.

Helena Maria do Sacramento foi agraciada por Nosso Senhor com diversas aparições e revelações. Entre outras coisas lhe disse um dia que fundasse um Recolhimento para suas ovelhas que procuravam um aprisco para se abrigar. O confessor de Helena, porém, o santo Religioso franciscano Frei Antônio de Sant’ Ana Galvão, não teve pressa em concordar. Só depois de muito rezar e de se aconselhar com os mestres em teologia permitiu que ela se dedicasse à execução do plano, e de tal modo apoiou-a que merecidamente é considerado fundador do Recolhimento.

Depois de a Irmã Helena receber do Governador, D. Luís Antônio de Sousa, licença e a promessa de proteção para a fundação, ela e mais uma sobrinha, Irmã Ana da Conceição, recolheram-se a uma pobre casa junto à ermida existente de Nossa Senhora da Luz, onde o General entregou as chaves a Frei Galvão. Foi no dia 2 de fevereiro de 1774. Associaram-se em seguida mais sete donzelas que todas, junto com a Madre Helena e sobrinha, receberam o hábito da Conceição das mãos do Bispo D. Manuel da Ressurreição a 8 de dezembro do mesmo ano de 1774. Por determinação do Prelado, a Madre Helena fez a profissão tendo decorrido apenas oito dias e sendo oficiante o Guardião do Convento de São Francisco, Frei Fernando. A Madre chamava-se desde então Helena do Espírito Santo e o Recolhimento tomou o nome de Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição da Luz da Divina Providência, sendo, porém, geralmente conhecido como Convento da Luz.

Como aconteceu à Bem-aventurada Beatriz da Silva, a Madre Helena viu apenas o começo da fundação. Nosso Senhor houve por bem chamá-la ao céu no dia 23 de fevereiro de 1775, com 39 anos de idade.

A pequena Comunidade, toda entregue à direção material e espiritual de Frei Galvão, vivia na maior pobreza. A casa fora adaptada do melhor modo possível; mas não tinha nem assoalho nem forro e o coro era tão baixo que as Irmãs mal podiam ficar em pé. A comida era parca, às vezes sem sal e sem gordura, pois as pessoas que davam esmolas, como viam as portas e janelas do Recolhimento fechadas, julgavam que ali já não existisse pessoa alguma.

Sobrevieram outras provações. Frei Galvão não somente sofreu fortes contradições, mas foi intimado pelo Sr. Bispo, quatro meses apenas depois da fundação, a acabar com a obra encetada. O Religioso, sempre humilde, sempre obediente, transmitiu li ordem à Comunidade, dizendo que dentro de um mês se fechariam as portas. A sobrinha de Madre Helena então tornou ao Recolhimento de Santa Teresa e outras duas, que haviam entrado depois da morte da Madre, voltaram ao mundo. As demais Irmãs, porém, mostraram-se dignas de seus santos fundadores.

Unanimemente declararam que antes arrostariam todos os sacrifícios e sofreriam todas as privações, mas que não abandonariam a sua santa vocação. As suas fervorosas orações, secundadas pelas de Frei Galvão, foram ouvidas pelo Pai das misericórdias, pois o Bispo, reconsiderando o seu ato, ordenou que tudo se restituísse ao estado anterior.

Novas vocações vieram engrossar a Comunidade e Frei Galvão fez tudo para aliviar a pobreza e melhorar quanto possível a casa. A ideia, porém, que acariciava desde o princípio era a de construir um Recolhimento novo, com todas as dependências necessárias a uma Comunidade. Era deveras arrojado este plano, atenta a situação material tão precária em que viviam as Irmãs, não podendo ele, portanto, contar senão com a caridade de benfeitores. Mas homem de ilimitada confiança em Deus que era, pôs mão à obra. Delineou a planta e quis que as Recolhidas fossem as primeiras a mover a terra para os alicerces. Ele mesmo fêz-se o ardoroso propagandista da obra dentro e fora da cidade em toda a Capitania. Desprezando os incômodos das viagens, percorreu as localidades pregando e ao mesmo tempo pedindo esmolas para sua construção. Não se sabe o ano exato do começo da obra, mas em 25 de março de 1788 estava ela em condições de poderem as Recolhidas passar a residir no novo edifício.

 

Aos 15 de agosto de 1802 inaugurou o Servo de Deus igreja e coro. Mesmo assim não viu a casa toda acabada, quando faleceu de morte santa depois de contínuos sofrimentos durante três anos, aos 23 de dezembro de 1822, com 83 anos de idade. Faltava a portaria, que resolvera mudar para outro lugar, a douração da igreja e a torre, para a qual deixou o desenho. A memória de Frei Antônio de Sant’Ana Galvão, dedicado fundador do Recolhimento da Luze virtuosíssimo filho de São Francisco, não se apagou entre os moradores de São Paulo e hoje está-se trabalhando ativamente para a sua beatificação*. (Frei Galvão foi beatificado em 8 de abril de 1997 e canonizado em 11 de maio de 2007)

As Recolhidas da Luz seguiam desde o princípio e durante longos anos um Regulamento elaborado pelo fundador e que constava de parágrafos da Regra concepcionista e de outros de sua própria autoria. Vestiam o hábito da Conceição (com escapulário azul) e rezavam o Ofício romano-seráfíco no coro, mas não emitiam votos. Em 1856, o Bispo D. Antônio Joaquim de Melo modificou o Regulamento e aconselhou que fizessem votos condicionados, quer dizer, que valessem enquanto a Recolhida se conservasse na Comunidade. Com as alterações introduzidas pelo Bispo D. Lino em 1880, desapareceu também o resto do que fizera Frei Galvão.

Cabe a D. Duarte Leopoldo e Silva o merecimento de ter preparado e conduzido até ao fim a reforma completa do Recolhimento. Iniciou o seu louvável intento em 1916, sem, entretanto, conseguir que a Comunidade se integrasse inteiramente na Ordem concepcionista. Este feliz acontecimento deu-se depois da beatificação de Beatriz da Silva e Menezes. A Comunidade declarou-se em favor da adoção da Regra de Júlio lI, e o Sr. Arcebispo obteve o Rescrito da Sagrada Congregação dos Religiosos de 31 de julho de 1929, autorizando a incorporação na Ordem concepcionista franciscana. A 1º de dezembro deu-se execução a este Rescrito e no mesmo dia as Irmãs fizeram os votos solenes. Desde então não há mais Recolhimento da Luz, mas sim, Convento da Imaculada Conceição da Luz.

“Bem-Aventurada Beatriz da Silva e Menezes e a sua Ordem no Brasil”, Frei Basílio Röwer, OFM; 1945.

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Para as bandas da América

Frei Hugo D. Baggio

No final do século XV e começos do século XVI, o mundo foi abalado pelas grandes descobertas marítimas, resultado da bravura e do ‘arrojo sobretudo dos povos peninsulares: Portugal e Espanha. Sabemos que em 1492, o navegador Cristóvão Colombo, sob a bandeira da Espanha, chegava às terras que levariam, mais tarde, o nome de América. Em 1500, Pedro Alvares Cabral, em nome de Portugal, descobria e se apoderava do Brasil. Entre as primeiras preocupações dos descobridores estava a propagação da fé, tanto assim, que ambas as expedições traziam consigo missionários religiosos e seculares que se destinavam às Índias.

Aos poucos, os missionários foram chegando e se estabelecendo, em todos ‘Os pontos do que se convencionou chamar «Novo Mundo». Chegavam isoladamente, de início, depois em grupos, até que plantaram, nas novas terras, uma florescente cristandade. Houve igualmente, de partida, uma preocupação pela vida religiosa, primeiro como elemento missionário e depois como criação de ambiente, para abrigar as vocações que iam despertando entre as populações nascentes. Assim, em 1524, chegaram ao México os «12 Apóstolos», 12 franciscanos, guiados pelo grande Frei Juan de Zumárraga. Conta-se que, logo nos primeiros tempos, mandou vir da Espanha um grupo de piedosas senhoras que se encarregaram da formação ‘das jovens no imenso território missionado pelos franciscanos. Há historiadores que afirmam que seriam clarissas, mas na verdade não eram religiosas. Em 1537, encontramos já algumas religiosas professas, mas ao que tudo leva
a crer eram Irmãs da Ordem Terceira Franciscana. Frei Zumárraga tornou-se bispo e procurou, com empenho, conseguir um mosteiro para sua Diocese. Em 1540, realizou seu desiderato: conseguiu trazer Monjas Concepcionistas do Protomosteiro de Toledo, autorizadas por um breve de Paulo III. E «logo que chegaram as fundadoras, agregaram-se, no México, as aspirantes que as esperavam e professaram no México a Regra da Conceição nas mãos de Frei Juan de Zamárraga». Como bem diz Omaechevarria: «uma monja africana, nascida em Ceuta, Beatriz da Silva, presenteava, deste modo, a América com as primeiras monjas do Novo Mundo».

Como no México, também no Brasil, o trabalho da primeira hora missionária confiou-o Deus aos filhos de São Francisco de Assis. Já na esquadra de CabraI viajavam nove franciscanos sob a chefia de D. Frei Henrique de Coimbra, a quem coube a graça de celebrar a primeira missa nestas terras bárbaras e abençoava, com a primeira bênção da Igreja, uma terra que sempre seria fiel a esta Igreja. Em 1516, chegaram os primeiros missionários avulsos, que forneceram também os primeiros mártires à jovem nação, que nascia assim, como semente do sangue franciscano. De missionários itinerantes, passaram, depois, a possuir residências e constituir circunscrições religiosas com sedes, como Olinda, Salvador, Rio de Janeiro e S. Paulo. Destes centros partiam eles para missionar e civilizar todos os cantos do Brasil, nesta altura, já contando com o trabalho eficiente e organizado da Companhia de Jesus, que aqui se estabelecera desde
1549, com a vinda dos primeiros jesuítas, em Salvador.

Estes franciscanos, por onde passavam, deixavam a devoção à Conceição, o que fica demonstrado pelas muitas igrejas e capelas que eregiam em honra deste privilégio da Virgem, além dos novenários, devoções, cantos e ladainhas em honra da Conceição, que entraram fundo, inclusive, no folclore popular. Um dos centros de atividade dos franciscanos, de grande importância histórica, foi o Rio de Janeiro, cujo convento data de 1608. Os frades, junto com as autoridades eclesiásticas, notavam a falta de conventos, para recolher donzelas que ‘desejassem ingressar na vida religiosa. Caso sentissem este chamado deveriam demandar à Europa, pois, não havia, aqui no Brasil local, para realizar o chamado.

De 1670 a 1681, a Diocese do Rio de Janeiro foi presidida pelo Dr. Francisco da Silveira, pois não havia bispo nomeado. Aqui, haveria uma ressalva a fazer: estávamos, nesta altura, sob a lei do padroado português. Ao mesmo tempo era Guardião, isto é, Superior, o do Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, o irmão do administrador diocesano, Frei Cristóvão da Madre de Deus. Teve, em determinada oportunidade, que viajar para Roma, para tratar de assuntos pertinentes à Ordem, no sentido de fundar mais conventos ao sul do Brasil. Aproveitando a viagem de Frei Cristóvão, quatro sobrinhas dele viajaram junto, pois desejavam tornar-se religiosas, e iam a Portugal, para ali realizar seu intento. Lá chegou o grupo, em 30 de agosto de 1674. Frei Cristóvão ficou por lá, em terras portuguesas, até que as sobrinhas professassem, o que lhe forneceu ensejo de conhecer uma série de institutos religiosos femininos que mantinham mosteiros, conventos ou dirigiam casas de recolhimento para senhoras. Na observação e no diálogo, amadureceu nele uma ideia: também no Brasil poderiam existir tais casas religiosas, que recebessem as filhas da terra, poupando assim, as longas travessias marítimas, em viagens repletas de perigos.

Voltando ao Brasil, conversou com outras pessoas e encontrou um interesse muito vivo. Muitos partilhavam de suas ideias. Entre estas pessoas estava a viúva D. Cecília Barbalho, que, com suas três filhas, vivia numa chácara, nos arredores da cidade do Rio de Janeiro. As quatro se animaram com a ideia do franciscano e prontificaram-se a entrar num recolhimento, para passar à ação concreta e provocar o nascimento da instituição religiosa nesta terra. Começou-se a aplainar o caminho. À medida que as dificuldades iam surgindo, eram aparadas e, assim, passados uns dois meses, já estava pronta uma casa, simples, mas possuindo o mais elementar, para abrigar uma pequena comunidade. Para erguer a casa foi escolhido um local, junto à ermida de Nossa Senhora da Ajuda, não longe do Convento de Santo Antônio, no espaço ocupado hoje pela Cinelândia, junto à Avenida Rio Branco. Ali se recolheram as ditas senhoras e mais duas jovens pertencentes a distintas famílias do Rio de Janeiro. A nova «casa religiosa» foi inaugurada no dia de Santa Ana,
Mãe da ·Virgem Maria, 26 de julho de 1678. Não receberam rigorosamente uma Regra, apenas um Regulamento de vida. Mas, mesmo assim, colocamos esta data como início da vida concepcionista no Brasil, porque daqui vai surgir o Mosteiro que leva, ainda hoje, o nome da capelinha junto à qual nasceu.

Pela legenda, conta-se que a imagem de Nossa Senhora da Ajuda foi encontrada boiando nas águas da baía da Guanabara, nos inícios da cidade do Rio de Janeiro, e ganhou uma ermida, erguida pelos devotos, na atual Cinelândia, mais precisamente, no local onde hoje se ergue a Câmara dos Vereadores do Rio, não longe da Lagoa de S. Antônio, posteriormente aterrada. Ainda, segundo a tradição, naqueles tempos as famílias do Rio tinham escravos para seus serviços domésticos, pois, naquela época, infelizmente, possuir seres humanos como escravos dava status. Estes pobres negros deviam buscar água no Rio Carioca, que nascia nas montanhas, descia pela hoje Rua das Laranjeiras e vinha despejar-se no mar, na altura da praia do Flamengo. Este rio também já desapareceu… Pois bem, estes escravos, cansados, suados, sofridos, medrosos, oprimidos e ameaçados pelos patrões, nada podiam esperar das leis dos homens e pouco experimentavam da piedade deles. Por isso, recorriam ao céu para que lhes aliviasse as agruras do cativeiro e os ajudasse a carregar sua triste sina. Assim, ao passarem diante da capelinha, com as bilhas às costas, olhavam para a imagem serena da virgem e do coração e dos lábios faziam brotar um grito espontâneo Aquela que segurava o Menino-Salvador em seu colo:

– Nossa Senhora, me ajuda! …

Aos poucos, a súplica dorida do escravo tornou-se a invocação com que foi batizada a ermida e sua simpática moradora: Nossa Senhora, que ficou sendo Nossa Senhora da Ajuda. Aliás, diga-se de passagem, sob esta invocação Nossa Senhora já era conhecida em Portugal, tanto assim que os jesuítas haviam já erguido uma capela, em honra de Nossa Senhora da Ajuda, em terras da Bahia, capela que ainda hoje lá se encontra.

A novel construção era materialmente acanhada e daí ficava difícil um desenvolvimento espiritual, aparecendo, desde o início, a necessidade de ampliar a construção dentro das exigências de uma verdadeira vida contemplativa. Mas como, naquela época, vivia o Brasil sob a lei do Padroado, as licenças para tais empreendimentos dependiam também do rei e daí a licença régia só foi outorgada em 1705. A partir desta época, as obras foram se arrastando com certa lentidão até que, à frente da Diocese, foi colocado D. João da Cruz, carmelita descalço, que, vendo a morosidade das obras, resolveu transferir a construção para outro local. Escolheu um local mais próximo ao mar e, em 14 de maio de 1742, lançou a pedra fundamental do novo edifício, mais conforme as exigências canônicas, perante as altas autoridades do Rio.

Os sucessores do bispo D. João da Cruz prosseguiram nas obras da construção, destacando-se, entre eles, o beneditino D. Antônio do Desterro, que alcançou do Papa Bento XIV a ereção canônica do mosteiro, em 24 de janeiro de 1749, quando outorgou à nova fundação a Regra de Santa Clara. Pouco depois, recorreu novamente ao Papa e conseguiu um rescrito de 7 de janeiro de 1750, que permitia a introdução da Regra da Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria. Por isso, as religiosas deviam adotar as constituições do Mosteiro da Luz de Lisboa, de Monjas Concepcionistas, não podendo aceitar mais que 33 postulantes, entre as quais algumas deviam ser na condição de leigas.

Vendo D. Antônio do Desterro que tudo estava em ordem e de que a vida monástica poderia começar a funcionar, convidou clarissas do Mosteiro de Santa Clara do Desterro, da Bahia, que já lá estavam, para que viessem introduzir a nova comunidade na vida regular. Assim, no dia 21 de novembro de 1749, quatro monjas clarissas de coro e duas leigas aportaram ao Rio de Janeiro. Mas o grande dia de festa foi 30 de maio de 1750, festa partilhada por toda a população. Do Mosteiro de S. Bento, na Praça Mauá, saiu solene procissão, rumo ao novo Mosteiro, no centro da cidade. O grupo das candidatas, que iam ingressar no Mosteiro, marchava em meio à procissão, tendo numa das mãos a vela e na outra o Crucifixo, acompanhadas pelas Monjas Clarissas da Bahia. Conforme os costumes do tempo, a oportunidade ensejou festejos populares: iluminação mais abundante, músicas, fogos de artifício, danças populares e uma representação cênica sobre um estrado erguido ao lado da portaria.

Neste dia, doze postulantes entraram na clausura e deram início à vida monástica concepcionista-franciscana, sob a orientação das Monjas Clarissas vindas do Desterro. Destas, uma morreu aqui no Rio, as outras cinco, terminada a tarefa, regressaram ao Mosteiro de origem.

A comunidade teve seus altos e baixos. Horas de pleno desenvolvimento, e horas de aparente esmagamento, sobretudo com a célebre lei de Nabuco, de 19 de maio de 1855, que proibia a admissão e a profissão nas Ordens Religiosas, condenando-as a uma morte lenta, levando a fechar o noviciado do Mosteiro. Vieram problemas de ordem material: desapropriações, cortes de terreno para possibilitar o plano urbanístico da cidade e o avanço do asfalto. Mas chegou a temporada que se convencionou chamar de «restauração» sob a orientação e dedicação de Mons. Carvalho Rodrigues (1858-1905). Com o crescimento da cidade, o silêncio foi desaparecendo e com o traçado da Avenida Rio Branco, o terreno do Mosteiro ficava mutilado. Assim, o ambiente tornava-se, cada vez, menos propício à vida contemplativa. Em 1911, por fim, o Mosteiro foi desapropriado e as 27 religiosas que ali se abrigaram viram-se na contingência de buscar outras paragens.

A Comunidade mudou-se, provisoriamente para um prédio da Rua Conde de Bonfim, na Tijuca, no dia 19 de outubro de 1911, quando no velho Mosteiro celebrou-se a última missa. Entraram na casa provisória, enquanto se erguia o novo prédio, na colina junto à Praça Barão de Drumond, antiga Praça Sete em Vila Isabel. Em 26 de julho de 1920, após nove anos de «exílio», a Comunidade entrou no Mosteiro definitivo, construído segundo as exigências da vida contemplativa e a arquitetura do tempo. Ainda hoje, lá está atestando uma longa história paralela à história do Brasil e onde vários vultos de religiosas se destacaram por sua virtude e presença.

Outro Mosteiro Concepcionista importante a surgir no Brasil foi o Mosteiro da Lapa, na cidade de Salvador, na Bahia, que, à semelhança do Mosteiro do Rio foi pedido pela necessidade de abrigar as jovens que sentissem vocação religiosa. As licenças régias datam do ano de 1733, enquanto a concessão pontifícia data de 1734 (havendo uma já de 1731). O Mosteiro foi construído ao lado da capela que, sob a invocação de Nossa Senhora da Lapa, havia construído João de Miranda, de pedra e cal. Em 7 de dezembro de 1744, recolheram-se as primeiras dezessete noviças, acompanhadas de duas religiosas Clarissas do Mosteiro do Desterro, do mesmo Mosteiro que enviara Monjas ao Rio. Em dezembro do mesmo ano, entrou mais uma noviça, completando-se, assim, o número de vinte religiosas, determinado pela provisão régia. «O Mosteiro da lapa, desde a sua origem, adotou a Regra que o Pontífice Júlio 11 aprovara, em 1511, para as religiosas franciscanas que se consagravam a honrar, de um modo especial, o mistério da Imaculada Conceição de Maria Santíssima, chamadas por isso Concepcionistas».

Entre as figuras que povoaram o Mosteiro da Lapa, destaca-se uma que faz, inclusive, parte da história do Brasil. Trata-se de Madre Joana Angélica de Jesus, nascida em Salvador, no ano da graça de 1762. Aos 20 anos, em 1782, recebeu o hábito Concepcionista e deu início à sua vida claustral, passando pelos vários estágios canônicos e ocupando, sucessivamente, todos os postos ‘dentro da escala hierárquica do Mosteiro até que, em 1814, foi eleita para o mais alto posto do Mosteiro, o de Abadessa até 1817. Descansou um triênio e, em 1820, foi eleita uma segunda vez para o cargo de Abadessa.

Os tempos políticos andavam, nesta altura, muito quentes, pois os brasileiros desejavam libertar-se de Portugal e as tropas da Metrópole defendiam os direitos do rei. A luta, inicialmente surda, acabou tornando-se luta aberta, com choques e derramamento de sangue. Em 1822, D. Pedro proclama a independência do Brasil, mas quando este acontecimento ia se aproximando, na Bahia, irromperam desordens sangrentas. As tropas brasileiras e portuguesas mediram forças. Interessam-nos os acontecimentos do mês de fevereiro de 1822: no dia 20, pelo meio-dia, há um tumulto às portas do Mosteiro que enche de pavor todas as religiosas que se abrigam ao redor da Abadessa Madre Joana Angélica, à busca ‘de proteção contra a soldadesca. Os soldados forçam as portas e se vêem, de repente, diante de uma mulher de 60 anos que se lhes interpõe no caminho…

Breve diálogo e a sanguinária matilha de soldados avança sobre a Monja e a transpassa com suas baionetas. Madre Joana Angélica cruza os braços sobre o seio ensanguentado, olha para o alto, e cai como verdadeira mártir da independência do Brasil e da caridade fraterna.

 

E foram surgindo outros Mosteiros Concepcionistas por outros Estados do Brasil, como o Mosteiro da Luz, na Capital de São Paulo, erguido graças aos esforços do franciscano Frei Antônio de Santana Galvão, falecido também, no mesmo ano de Madre Joana Angélica, em 1822. Em São Paulo, surgem ainda os de Itu, Piracicaba, Sorocaba, Guaratinguetá, Taubaté e Bauru. No Estado de Minas Gerais: Macaúbas, Uberaba, São João dei Rei, Caratinga e Araguari. Por fim, um Mosteiro em Ponta Grossa, no Paraná e outro, em Fortaleza, no Ceará.

Assim, em muitos pontos do Brasil, Beatriz da Silva ergueu uma casa de oração e tentou reunir um grupo de mulheres que lhe entendessem a mensagem e dessem à Imaculada aquele louvor que ela lhe pedira, um dia, lá em Tordesilhas quando estava prestes a asfixiar-se numa urna escura, e dessem à Igreja aquela colaboração que ela precisa como peregrina que marcha em meio às dificuldades da história; mas que conta com a consagração e a oração das almas convidadas por Deus…

“Madre Silva: 500 anos depois”, Frei Hugo D. Baggio, OFM, 1984.

A espiritualidade da Ordem da Conceição

Frei Hugo D. Baggio

A Vida Religiosa na Igreja é uma realidade, praticamente presente, desde os primeiros dias do Cristianismo. Aos poucos se foi organizando e acabou por centrar-se numa comunidade, onde homens ou mulheres, em grupo, vivem os três votos ou conselhos evangélicos: pobreza, obediência e castidade. Os religiosos agrupam-se, propriamente, em dois grandes ramos que, dentro da nomenclatura tradicional, denominamos: vida ativa e vida contemplativa.

A vida que denominamos «ativa» caracteriza-se por uma atividade de pastoral voltada mais para fora do Convento, ‘Onde reside o religioso. É uma atividade que se desenvolve no seio da sociedade, em pleno mundo, diríamos. Há uma inserção mais direta e mais profunda na realidade quotidiana do homem peregrino da história, rumo à casa do Pai. Enquanto que a vida compreendida sob o termo «contemplativa» expressa-se mais pela clausura, que para as Concepcionistas é um voto acrescido aos demais. Por este voto, a concepcionista se obriga a viver «enclausurada», o que vale dizer, levar uma vida para dentro do mosteiro, separando-se do mundo ou das pessoas através das paredes, das grades ou de outro elemento concreto material, preenchendo sua vida com atividades, de ordem espiritual ou de ordem braçal ou artesanal, dentro do próprio ambiente em que vive, só saindo para as necessidades mais urgentes.

É lógico que quem escolhe este gênero de vida, deve ter descoberto nele valores suficientes para que se entregue de alma e corpo à realização de um ideal. Assim, vários homens e mulheres de eminente santidade, no correr dos tempos, fundaram institutos especificamente dedicados à vida contemplativa, pois, tal gênero de vida sempre recebeu da Igreja a mais viva gratidão e o estímulo mais calorosos, como o fez João Paulo II, quando de visita ao Brasil: «Aqui vem a propósito realçar o papel desempenhado na evangelização pelas Religiosas consagradas à oração, ao silêncio, ao sacrifício escondido e à penitência. A sua vida tem um maravilhoso e misterioso poder de fecundidade apostólica».

A Ordem da Conceição, desde a sua fundação, em 1484, foi um instituto especificamente destinado à vida contemplativa. Daí, sua Regra, suas Constituições, seus usos e costumes foram sempre no sentido de propiciar este tipo de consagração religiosa. Portanto, é dentro destes documentos que devemos buscar os elementos que caracterizam a espiritual idade ‘da Ordem. Há um conjunto de elementos que são comuns a todos os Institutos de Vida Contemplativa. Mas ao lado existem elementos que são característicos, ‘Oriundos da inspiração fundamental. Afinal, acreditamos que, quando uma pessoa se lança à fundação de uma Ordem, o faz sob a inspiração do Espírito Santo e com isso vem ela oferecer mais uma possibilidade à riqueza das manifestações de Deus na sua Igreja, para que as almas encontrem uma resposta adequada aos seus anseios espirituais.

Em primeiro lugar, lembraríamos a própria Contemplação. O Vaticano II tenta colocar em termos claros a função da vida contemplativa: «Os institutos totalmente ordenados à contemplação, ‘de forma que seus membros, na solidão e no silêncio, na oração assídua e na penitência ardorosa, exclusivamente se ocupem de Deus, continuam a ter sempre parte eminente no Corpo Místico de Cristo». Pois, como o mesmo Concílio ensina, por esta vida, as Monjas «oferecem um exímio sacrifício de louvor a Deus, honram o povo de Deus com a abundância dos frutos de santidade, movem-no pelo exemplo, fazendo-o crescer por uma arcana fecundidade apostólica». Portanto, quando a consagração é feita na plenitude de seu sentido ela dimensiona o religioso a Deus e ao homem. A vida contemplativa é também, no entender da Igreja, uma «atividade» exercida sobre e a favor do Corpo Místico de Cristo e dos homens que caminham na história.

Contemplar é entregar-se a Deus, por uma vida de oração, de vivência e de união com Deus, uma vida de amor. Não se trata, pois, de ter momentos apenas de oração, seja em comum seja comunitariamente. Trata-se, sim, de ter uma vida de oração, onde todos os esforços do homem, todos seus talentos, todas suas faculdades, todo seu trabalho visa esta união com Deus. Por isso, os monges falam em «Opus Dei», isto é, a obra de Deus, o trabalho de Deus. Para tempos materializados, quando só impressiona o que conta e o que pesa, fica difícil admitir que um ideal totalmente espiritual possa encher uma vida e possa significar uma utilidade no sentido social, para tempos de despertar antropológico. No entanto, é básico para quem entra nesta vida: acreditar no valor desta vida, para si mesmo e para a Igreja. Foi o que fez Beatriz, quando abandonou a corte de Tordesilhas: recolheu-se ao Mosteiro de S. Domingos, el Real, em Toledo, e ali não apenas separou-se do grande mundo, através dos muros da casa e das grades da portaria e do locutório, mas ainda cobriu o rosto com um véu, para que este corte fosse mais radical. E fê-lo num sentido positivo: porque acreditava no valor destes gestos. Por isso, as Concepcionistas não têm a contemplação e a clausura, como uma herança do tempo, mas como uma herança fundamental, isto é, que lhes vêm da fundação, por isso, podemos falar em herança fundacional.

Falando em Contemplação, falamos sempre em clausura, pois a clausura é a forma externa reclamada, para criar ambiente favorável e possível à contemplação. O silêncio externo é também uma necessidade, sentida já pelos que deram início à vida religiosa, no cristianismo primitivo, que se afastavam de tudo e de todos e buscavam lugares ermos, nos desertos, para ali, junto à rudeza da criação, encontrar a pureza do Criador. A contemplação é, ao mesmo tempo, a afirmação da fé na eficácia da oração. Acreditamos que formamos um todo, unindo a nós a humanidade toda com suas dores e sofrimentos, suas ânsias e vazios, através da Comunhão dos Santos. Podemos nos intercomunicar, não obstante as distâncias. Assim, a oração de uma comunidade contemplativa pode tornar-se uma fonte de riqueza espiritual, a derramar-se sobre um mundo que se degladia na busca do pão de cada dia, mas na conquista também dos supérfluos que causam tantas desgraças e mal-entendidos. Por isso, já no tempo de Beatriz, as pessoas acorriam ao Mosteiro, para expor suas necessidades, pedir uma orientação, recomendar suas necessidades, pedir a intercessão das orações das monjas. Assim, a oração da comunidade era, ‘e deveria continuar a ser, um estímulo para os que labutam no grande mundo. É a função da intermediação junto a Deus, exercício da nossa fraternidade.

Por isso, a oração ocupa, na vida contemplativa, um lugar de destaque. Não se trata de mera oração recitativa, distribuída em horas e lida em algum livro, mesmo que oficial. Esta oração tem seu lugar. Trata-se da oração que absorve ‘O indivíduo e o coloca, como criatura, junto ao Senhor. Por isso, os entendidos em vida espiritual colocam como objetivo primordial a aquisição do espírito de oração, frisando suas dificuldades e suas exigências.

A recitação do Ofício Divino ou a Liturgia das Horas é uma função especial do Mosteiro. A Igreja delega oficialmente ao Mosteiro a função de rezar por ela. De lhe fazer as vezes, diante do Altíssimo, enquanto o mundo se entrega à faina da construção material, também necessária e também parte da vocação cristã. Assim, o Mosteiro se transforma numa comunidade de louvor. A presença ao ofício torna-se uma manifestação clara da inserção no Corpo Místico de Cristo e a manifestação comunitária de alguém que compartilha sua vida, com outras pessoas que acreditam que se «tornaram livres para a busca exclusiva de Deus». Assim, a oração torna-se um serviço a Deus e à comunidade. A oração do Ofício Divino empresta um ritmo ao ‘dia da enclausurada, pois, vai dosando, harmoniosamente, o trabalho e a oração: «é na verdade a voz da própria Esposa que fala ao Esposo, mais ainda: é a oração de Cristo, com seu Corpo, ao Pai. Portanto, todos aqueles que cumprem a obrigação da Igreja participam da altíssima honra da Esposa de Cristo, porque, enquanto louvam a Deus, estão ante seu trono em nome da Igreja-Mãe» .

As Constituições Gerais da Ordem Concepcionista dizem: As monjas concepcionistas apreciem sempre sua singular vocação contemplativa, com Maria, por Maria e em Maria, tendo em conta que no Corpo Místico de Cristo nem todos os membros têm a mesma função (artigo 256). Aqui fica salientado o fim ‘específico da Ordem da Conceição que é honrar Maria Santíssima, justamente no mistério do qual a Ordem tomou o nome. Beatriz, a Fundadora, recebeu da própria Virgem Maria a ordem de promover seu culto através desta fundação, séculos antes de a Igreja proclamar oficialmente o dogma da Imaculada Conceição, tornando, assim, as Concepcionistas a porção escolhida, para em sua vida religiosa prestar o culto à Virgem Imaculada, mas sobretudo tomá-la como modelo e exemplo. Entrando na Ordem da Imaculada, a pessoa compromete-se a viver, a exemplo de Maria, uma vida dedicada totalmente a Deus, numa constante disponibilidade, num serviço ininterrupto, num louvor continuado.

Consagrar-se a Maria é consagrar-se à sua imitação, o que é uma exigência grande e profunda, além de ser transformante, mas ela é bem mais que vestir trajes simbólicos e fechar-se- num Mosteiro. Ela supõe um cultivo consciente de valores, como pureza e amor, à semelhança de Maria. As Constituições Gerais da Ordem, em seu artigo 9, são claras: «A Virgem Imaculada é o exemplo mais sublime e maravilhoso de vida contemplativa, nas suas expressões mais elevadas, constituída que foi, desde a sua criação, em celeste e singular morada do Rei eterno, vindo a ser receptáculo incomparável das comunicações divinas mais elevadas e sacrário vivo do Espírito Santo, e espírito sempre atento à contemplação admirativa dos mistérios do seu Filho, como uma espécie de rosário vivo, segundo expressão de Madre Sorazu. E ainda, no Capítulo I, artigo 3, § 1, lemos: «A Virgem Imaculada, depois de Cristo, além de objeto de veneração, vem a ser, para as monjas concepcionistas, o principal modelo de santidade e vida religiosa, uma vez que nela se realizou, do modo mais acabado, o ideal de discípula perfeita de Cristo e do seu Santo Evangelho». E o § 2 é como que uma complementação: «A vida de identificação com Maria deverá ser para suas filhas a primeira pedra fundamental do templo místico que o Senhor propõe levantar em suas almas».

Portanto, a partir da Fundadora e passando pelas grandes místicas da Ordem, a doutrina de vida das Concepcionistas vem impregnada da presença de Maria, que se torna o impulso vivificante de toda busca de santidade pessoal, como todo o trabalho de aperfeiçoamento, sem esquecer, que todo o apostolado que as Monjas exercem, deve vir marcado com o selo da espiritualidade mariana.

Pelo fato de serem contemplativas, não estão as Monjas à margem do apostolado ou desobrigadas do mesmo. Pelo contrário, na sua vida oculta em Cristo, quando vivida em profundidade, tornam-se operosas e fecundas para o Reino. Não devem reduzir seu esforço apenas à busca de virtudes pessoais, com o fito de agradar a Cristo e à Imaculada, mas devem imbuir-se do espírito de reparação. Ali estão, na clausura, para oferecer a Deus gestos e atos que os homens recusam praticar: devem cultivar a virtude, para reparar o desprezo pela mesma, observado entre os homens. Devem rezar por quem não reza e oferecer penitências por um mundo desenfreado e entregue aos prazeres. Considerando-se apóstolas da Imaculada, pela santidade de suas vidas, pela oração e pela penitência, esforçam-se por contribuir pela regeneração do mundo e para restaurar nele o reinado da pureza e da correção.

Lembram-se da Imaculada, ao lado do Filho, no Calvário e oferecem-se, para reconduzir a humanidade às fontes da salvação. São convidadas a realizar, em suas vidas, as palavras que a Igreja aplica a S. Beatriz: Zelo zelata sum pro honore Matriz meae Immaculatae – «Fui consumida pelo zelo da honra de minha Mãe Imaculada». Assim, como Maria, aos pés da cruz do Filho, assumiu a humanidade e zela por ela, conduzindo-a pelos caminhos tortuosos da história, a concepcionista, meditando sobre Maria, toma-se de amor pelos irmãos no mundo, por eles se sacrifica, neles pensa e descobre que a razão de ser contemplativa está no fato de existirem homens necessitados. Lembram muito bem as Constituições Gerais: «A monja concepcionista, consagrada a Deus pelos santos votos, entre eles o de clausura, não se desinteressa dos problemas dos homens que vivem no mundo, mas antes os assume em si, do seu modo, com um coração de mãe e irmã, especialmente preparado na solidão ou no trato com o Altíssimo, para compartilhar, com delicadeza peculiar, as dores e as alegrias, as angústias, preocupações e esperanças da humanidade atual e para orar e sacrificar-se ante o acatamento divino por todas as necessidades
do mundo». E mais: «A monja concepcionista, intimamente vinculada ao mistério da Igreja, acredita-se particularmente comprometida no apostolado missionário em comunhão com a Virgem Imaculada e em conformidade com o exemplo de Madre Ágreda, que a tantos arautos do Evangelho serviu de inspiração e estímulo, embora na clausura», E, em outra parte, as Constituições vêem na vida de doação uma forma de martírio: «Ê necessário, pois, que as monjas sintam, em carne viva, a responsabilidade de se santificar e oferecer sacrifícios pelas diversas necessidades humanas e, em particular, pelo bom governo dos povos, pela promoção da justiça social, pela paz e concórdia entre as nações e, sobretudo, pelo advento do reino de Deus e implantação da Igreja em todos os países. Às monjas compete ainda dar, por sua vida, testemunho do Evangelho e ser, ante fiéis e infiéis, o bom odor de Cristo, fazendo brilhar ante o mundo a luz do bom exemplo, para que os homens vejam sua conduta e glorifiquem o Pai que está nos céus».

Nesta vida consagrada à contemplação, as concepcionistas enraízam-se no franciscanismo, isto é, na espiritualidade legada por S. Francisco de Assis. Desde menina, Beatriz teve como mestres de vida espiritual e de ensino religioso os Franciscanos. Na sua caminhada de Tordesilhas a Toledo, a legenda conta que ela teve um misterioso encontro com S. Francisco e S. Antônio. Ao lançar os fundamentos da nova Ordem, lá estavam os filhos de S. Francisco a orientá-la, a receber-lhe os votos e, através de Frei João de Tolosa, afastaram eles os perigos que rondavam a novel fundação, na eminência de sossobrar. Foram eles que deram sepultura aos seus despojos e, em 1494, o mesmo frei João e mais o Cardeal Cisneros conseguiram para elas a Regra de S. Clara e para a aprovação de uma Regra própria, em 1511, foram os franciscanos Cisneros e Oulfiones que exerceram sua influência junto à Santa Sé.

Não se trata apenas de uma influência histórica ou episódica, mas de uma influência que transparece na espiritual idade da Ordem, na sua legislação. A presença do Poverello estará sempre presente na história da Ordem da Conceição, tanto assim, que elas levam o nome de «franciscanas» e são consideradas, hoje, como monjas da Segunda Ordem Franciscana, embora não sendo Clarissas. Daí, as características que marcam a espiritual idade franciscana, sobretudo a simplicidade, a pobreza e a alegria, estão presentes na espiritual idade concepcionista.

As Constituições Gerais estão marcadas pela presença franciscana, No Cap. I, artigo 7, § 2, são bem claras: «S. Francisco, tendo embora fundado uma Ordem dedicada ao Apostolado ativo, teve sempre em grande apreço a vida integralmente contemplativa, louvando com palavras expressivas aos frades dos eremitérios, aos quais aplicava a parábola da mulher estéril que deu à luz muitos filhos, como ocorre com as almas contemplativas – consideradas frequentemente como estéreis – e que são as que fecundam, com sua vida retirada, a ação ‘8 pregação dos homens de vida ativa».

Tendo abraçado, por um voto, a pobreza, as Concepcionistas, à imitação de S. Francisco de Assis e de S. Beatriz da Silva, vivem-na numa das suas realidades concretas que é o trabalho. Assim, no artigo 196, as Constituições recomendam: «O trabalho humano possui certa dignidade peculiar enquanto decorre imediatamente da pessoa, assinalando com a sua marca as coisas da natureza e submetendo-a à sua vontade, e, enquanto o homem realiza, deste modo, o desígnio divino de completar a criação e se sacrifica no serviço dos irmãos, conforme ao mandato de Cristo». Esta afirmação fica mais esclarecida com o artigo 197, § 1: «Justamente S. Francisco considera a capacidade de trabalhar, num campo determinado, como uma graça ou carisma que o Senhor dá a algumas pessoas – à maneira como o Espírito Santo distribui os seus carismas – para que todos e cada qual administrem, em proveito mútuo, o dom recebido, segundo a medida da doação de Cristo, como bons dispensadores da multiforme graça divina». E no § 2, ‘lemos: «Aquelas que não souberem trabalhar deverão aprender, desde o período de formação, algum labor ou ofício útil ao mosteiro. A formação da monja não se limitará, pois, ao plano estritamente espiritual, senão que – em paralelismo com a formação para a vida religiosa – se deverá atender também a uma forma-
ção séria para o trabalho monástico».

Outras frases das Constituições: «A concepcionista aceitará a lei do trabalho, à imitação da Virgem Imaculada, com espírito de obediência amorosa ao Criador e com desejo de fazer frutificar o talento recebido … » Mas fica a admoestação, que S. Francisco sempre dirigia a seus frades: «A concepcionista, no seu modo de trabalhar, cuidará que não se produza divórcio entre o trabalho e a oração, mas que o próprio trabalho seja, ao mesmo tempo, oração em ato». O trabalho não leva em si ânsias de ganho ou de aquisições de bem-estar, mas «as concepcionistas tenham o trabalho como maneira normal de prover ao próprio sustento e obter as coisas necessárias à vida».

Acompanhando a vida de Francisco de Assis, descobre-se, de saída, uma verdadeira paixão pelo Cristo eucarístico, pois, ficava ele transportado de alegria e gratidão e comovia-se até as lágrimas ante a verdade de que Cristo se deixara ficar, nesta forma maravilhosa, no meio dos homens, ao alcance deles, como alimento na caminhada da vida. Beatriz, quando chegou a Toledo e hospedou-se entre as Dominicanas, empregava parte de seu tempo em adoração junto ao sacrário e gostava de ficar, longas horas da noite, montando guarda junto a Cristo Sacramentado. Por ‘isso, chamaram-na a «Dama do Santíssimo Sacramento», pois como o fora da rainha da terra se tornara do Rei do céu. Esse amor passou-o ela a suas filhas.

Segundo os desejos da Fundadora, a Concepcionista deve ser uma alma eucarística. Sua vida gira em torno do sacrário. Tudo o que faz, direta ou indiretamente, tem uma só finalidade: com a Imaculada glorificar o Deus da Eucaristia. Todo o tempo que lhe é dado passa-o em frente ou junto ao Tabernáculo: «Prestem toda reverência e honra possível ao Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Nada lhes seja tão grato como visitar a seu Divino Esposo, já em comum, todas juntas nas horas marcadas, já, privadamente, com a maior frequência que a obediência lhes permitir permanecer diante dele, adorando-o, devotamente, em santidade e justiça, fomentando com todas as forças, no próprio mosteiro, a adoração pública perpétua ou pelo menos diurna». (Cap. X, art. 111, § 359; CC. GG. de 1941).

Por isso, a santa missa e a comunhão ocupam lugar de destaque na vida interior da concepcionista que deseja crescer e atingir a contemplação na forma mais pura e altaneira. A comunhão sacramental é o passo importante do encontro com o Cristo, do qual nasce a força necessária para enfrentar a vida com seus desafios e ambiguidades, a vida comunitária com suas cruzes e incompreensões, para trilhar a senda da santidade com suas exigências e surpresas, para levar à plena maturação todos os dons que o Senhor colocou no ser humano, por ele escolhido, para seguir os passos de Santa Beatriz da Silva.

“Madre Silva: 500 anos depois”, Frei Hugo D. Baggio, OFM, 1984.

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