Carisma - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Ordem Franciscana Secular

O que é a Ordem Franciscana Secular

A Ordem Franciscana comemorou o 8º Jubileu de sua fundação em 2009. Ou seja, há mais de 800 anos o Papa Inocêncio III aprovava a Regra de Vida escrita por São Francisco de Assis. Em 1212, nascia a Ordem de Santa Clara (as Clarissas) e foi também nessa época que nasceu a Ordem Franciscana Secular (OFS), reunindo homens e mulheres, casados e solteiros, em meio às suas famílias, que buscavam viver o mesmo ideal que tanto atraiu São Francisco. Esta “Ordem Terceira” foi aprovada pelo Papa Honório III em 1221.

Luquésio e Buonadona são considerados os primeiros franciscanos seculares que, segundo a tradição, foi o primeiro casal que Francisco aceitou na OFS daquele tempo. Mas eles não são considerados os patronos da Ordem e, sim, um rei e uma rainha, que se fizeram pobres por amor a Cristo: São Luís IX, rei da França, e Santa Isabel da Hungria.

Segundo definição do Papa João Paulo 2º, a Ordem Franciscana Secular é a mais antiga forma de organização de leigos que, guiados pela Igreja, unidos em fraternidade e inspirando-se no ideal de São Francisco de Assis, se empenham em testemunhar com a vida o evangelho de Jesus Cristo e se dedicam ao apostolado no estado laical.

Ou seja, para ingressar na Ordem é necessário ter vocação, isto é, um chamado de Deus. Feito o discernimento vocacional, o candidato deve iniciar um período de formação em uma das fraternidades da Ordem. Esta formação compreende os seguintes elementos básicos harmoniosamente integrados: formação humana – baseada nos princípios das ciências modernas, bem como nas grandes linhas do Magistério da Igreja; formação cristã – fundamentada na Bíblia, na Doutrina e no Magistério da Igreja; formação franciscana – atualizada com base na Regra, refontizada nos valores autênticos desde as primeiras origens e tradições; e formação apostólico-secular – a partir da Regra, das Constituições Gerais, dos Documentos Eclesiais e franciscanos.

Por que “Ordem”?

Entre as várias denominações da família franciscana secular sempre se encontrou a de “Ordem”, mesmo que seguida do qualificativo “terceira”. Para se compreender o motivo dessas denominações “primeira”, “segunda” e “terceira” Ordens, importa lembrar-se que a palavra “Ordem” tem vários sentidos e, entre outros, o de um agrupamento de pessoas governadas ou melhor dizendo, “ordenadas” por leis particulares que fazem voto de viver sob certas regras.

A multiplicidade das comunidades religiosas está nos planos de Deus e contribui para o proveito da Igreja. Essa riqueza também se verifica na grande família franciscana. Pois, a força carismática de seu Fundador produziu e continua a produzir muitos irmãos e irmãs, também na Ordem Terceira.

Pequeno histórico

Inicialmente, a “Ordem de Penitentes” tinha uma grande importância na sociedade civil; mas através dos tempos acabou sendo somente uma fraternidade piedosa. Em certa época, isto é no século XIX, o Papa Leão XIII esperava muito da renovada Terceira Ordem Secular, dando-lhe – para este fim – uma nova Regra. De acordo com a opinião normativa de Leão XIII, esta Ordem de São Francisco deveria fornecer, não somente o fundo espiritual da Igreja e da vida pública, mas devia ser também o portador e o verdadeiro instrumento da mensagem sócio-ética da Igreja para, desta maneira, minar as idéias do Marxismo. De fato, na segunda metade do século XIX, a Terceira Ordem Secular foi levada por uma dinâmica renovadora, tornando-se uma das organizações responsáveis pelas famosas “Semanas Sociais” na França, onde exigências sócio-políticas audaciosas foram formuladas. Depois de pouco tempo, porém, essa dinâmica foi cortada por intervenções eclesiais: Sob o Papa Pio X, foi-lhe proibido continuar ocupando-se de modo representativo do setor sócio-político. Desta maneira, uma grande chance se perdeu. Em muitos países, a Terceira Ordem Secular acabou ficando insignificante.

Nos últimos decênios, porém, surgiu nova chance num outro nível: fraternidades de OFS, originalmente organizadas em volta de conventos da Primeira Ordem, estão começando a unir-se para formar federações nacionais. Finalmente, chegou-se até a uma unificação em nível mundial, dirigida por um Ministro Geral. Agora, esse Ministro (ou essa Ministra Geral, respectivamente) já é tão respeitado e reconhecido que chega a assinar documentos importantes junto com os Ministros Gerais das outras Ordens. A situação é promissora. Há uma chance real de que a “Religião da Encarnação”, descoberta e proclamada por Francisco e Clara, seja promovida em todos os setores seculares. Também, a nova Regra vai contribuir para este fim, pois difere essencialmente de todas as Regras anteriores.

Até hoje, as fraternidades ainda se sentem comprometidas pelo “Memoriale”, ou seja, a Regra aprovada pelo Papa Nicolau IV que é marcada por uma ascese sombria. Pelo contrário, a nova Regra, aprovada em 24 de junho de 1978 pelo Papa Paulo VI, é toda ela imbuída do autêntico espírito franciscano.

Citamos uma voz representativa das fraternidades da OFS da América do Norte: “A nova Regra paulina de 1978 convoca a Terceira Ordem Secular inequivocamente a fazer parte da ‘vanguarda evangelizadora’ (Bahia 1983, 17) junto com os outros ramos da família franciscana. Além dos muitos aspectos da missão, que elas têm em comum com os franciscanos e franciscanas das diversas Ordens, ou seja, a obrigação de anunciar o Reino de Deus pelo testemunho pessoal e modelar, a Terceira Ordem Secular, ainda tem – junto com outros movimentos de leigos – uma missão especial a cumprir, ou seja, ‘a renovação da ordem secular no mundo’ (Decreto sobre o Apostolado dos Leigos). Este empenho por uma renovação é ‘o fermento’ que coloca o coração e o espírito de Cristo nas coisas diárias dos homens e das mulheres que estão no mundo. Pela concentração em setores de atividades apostólicas, procuram dar-lhes uma conotação franciscana. Entre estes apostolados específicos é preciso nomear: o sagrado estado da família, o trabalho como uma dádiva recebida, capaz de valorizar o melhoramento da humanidade, o engajamento como vanguarda através de ‘iniciativas corajosas em prol da justiça, da Paz e da preservação da Natureza isto é, o conjunto da criação animada ou inanimada, para protegê-la e preservá-la.”

A Regra da OFS

CAPÍTULO I – A Ordem Franciscana Secular (OFS) ou Terceira Ordem Franciscana

1. Entre as famílias espirituais, suscitadas na Igreja pelo Espírito Santo, a Família Franciscana reúne todos aqueles membros do Povo de Deus, leigos, religiosos e sacerdotes, que se sentem chamados ao seguimento do Cristo, na trilha de São Francisco de Assis. Por modos e formas diversas, mas em recíproca comunhão vital, esses procuram tornar presente o carisma do comum Pai Seráfico na vida e na missão da Igreja.

2. No seio da dita família ocupa unia colocação específica a Ordem Franciscana Secular. Esta se configura como uma união orgânica de todas as fraternidades católicas espalhadas pelo mundo e abertas a todos os grupos de fiéis. Nelas os irmãos e as irmãs, impulsionados pelo Espírito a conseguir a perfeição da caridade no próprio estado secular, comprometem-se pela Profissão a viver o Evangelho à maneira de São Francisco e mediante esta Regra, confirmada pela Igreja.5

3. A presente Regra, após o “Memoriale Propositi”(1221) e após as Regras aprovadas pelos Sumos Pontífices Nicolau IV e Leão XII, adapta a Ordem Franciscana Secular às exigências e expectativas da Santa Igreja nas novas condições dos tempos. A sua interpretação compete à Santa Sé, porém a aplicação será feita pelas Constituições Gerais e por Estatutos particulares.

CAPÍTULO II: A forma de vida

4. A Regra e a vida dos franciscanos seculares é esta: observar o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo o exemplo de São Francisco de Assis que fez do Cristo o inspirador e o centro da sua vida com Deus e com os homens. Cristo, dom de Amor do Pai, é o caminho para Ele, é a verdade na qual o Espírito Santo nos introduz, é a vida que Ele veio dar em superabundância. Os franciscanos seculares se empenhem, além disso, na leitura assídua do Evangelho, passando do Evangelho à vida e da vida ao Evangelho.

5. Os franciscanos seculares, portanto, procurem a pessoa vivente e operante do Cristo nos irmãos, na Sagrada Escritura, na Igreja e nas ações litúrgicas. A fé de Francisco, que ditou estas palavras: “Nada vejo corporalmente neste mundo do altíssimo Filho de Deus se não o seu santíssimo Corpo e o santíssimo Sangue”, seja para eles inspiração e orientação da sua vida eucarística.

6. Sepultados e ressuscitados com Cristo no Batismo, que os torna membros vivos da Igreja, e a ela mais fortemente ligados pela Profissão, tornem-se testemunhas e instrumentos de sua missão entre os homens, anunciando Cristo pela vida e pela palavra.

Inspirados por São Francisco e com ele chamados a reconstruir a Igreja, empenhem-se em viver em plena comunhão com o Papa, os Bispos e os sacerdotes num confiante e aberto diálogo de criatividade apostólica.

7. Como “irmãos e irmãs de penitência”, em virtude de sua vocação, impulsionados pela dinâmica do Evangelho, conforme o seu modo de pensar e de agir ao de Cristo, mediante uma radical transformação interior que o próprio Evangelho designa pelo nome de “conversão” a qual, devido à fragilidade humana, deve ser realizada todos os dias. Neste caminho de renovação, o sacramento da Reconciliação é sinal privilegiado da misericórdia do Pai e fonte de graça.

8. Assim como Jesus foi o verdadeiro adorador do Pai, façam da oração e da contemplação a alma do próprio ser e do próprio agir.

Participem da vida sacramental da Igreja, principalmente da Eucaristia, e se associem à oração litúrgica em uma das formas propostas pela mesma Igreja, revivendo assim os mistérios da vida de Cristo.

9. A Virgem Maria, humilde serva do Senhor, disponível à sua palavra e a todos os seus apelos, foi cercada por Francisco de indizível amor e foi por ele designada Protetora e Advogada da sua família. Que os franciscanos seculares testemunhem a Ela seu ardente amor pela imitação de sua incondicionada disponibilidade e pela efusão de sua confiante e consciente oração.

10. Unindo-se à obediência redentora de Jesus, que submeteu sua vontade à do Pai, cumpram fielmente as obrigações próprias da condição de cada um nas diversas situações da vida, e sigam o Cristo, pobre e crucificado, testemunhando-o, mesmo nas dificuldades e perseguições.

11. Cristo, confiado no Pai, embora apreciasse atenta e amorosamente as realidades criadas, escolheu para Si e para sua Mãe uma vida pobre e humilde. Assim, os franciscanos seculares procurem no desapego um justo relacionamento com os bens temporais, simplificando suas próprias exigências materiais. Estejam conscientes, pois, de que, segundo o Evangelho, são administradores dos bens recebidos em favor dos filhos de Deus.

Assim, no espírito das “Bem-aventuranças”, se esforcem para purificar o coração de toda a inclinação e cobiça de posse e de dominação como “peregrinos e forasteiros” a caminho da casa do Pai.

12. Testemunhas dos bens futuros e comprometidos pela vocação abraçada à aquisição da pureza do coração, desse modo se tornarão livres para o amor a Deus e aos irmãos.

13. Assim como o Pai vê em qualquer homem os traços do seu filho, Primogênito entre muitos irmãos, os franciscanos seculares acolham todos os homens com humilde e benevolente disposição, como um dom do Senhor e imagem de Cristo.

O senso de fraternidade os tornará alegres e dispostos a identificar-se com todos os homens, especialmente com os mais pequeninos, para os quais procurarão criar condições de vida dignas de criaturas remidas por Cristo.

14. Chamados, juntamente com todos os homens de boa vontade, a fim de construir um mundo mais fraterno e evangélico para a realização do Reino de Deus, cônscios de que “cada um que segue o Cristo, Homem perfeito, também se torna ele próprio mais homem”, exerçam com competência as próprias responsabilidades no espírito cristão de servico.

15. Estejam presentes pelo testemunho da própria vida humana, e ainda por iniciativas corajosas, individuais e comunitárias, na promoção da justiça, em particular, no âmbito da vida pública, comprometendo-se em opções concretas e coerentes com sua fé.

16. Estimem o trabalho como um dom e como uma participação na criação, redenção e serviço da comunidade humana.

17. Em sua família vivam o espírito franciscano da paz, da fidelidade e do respeito à vida, esforçando-se para fazer dela o sinal de um mundo já renovado em Cristo. Os esposos, em particular, vivendo as graças do matrimônio, testemunhem no mundo o amor de Cristo à sua Igreja. Por uma educação cristã simples e aberta, atentos à vocação de cada um, caminhem alegremente com os filhos em seu itinerário humano e espiritual.

18. Tenham, além disso, respeito pelas criaturas, animadas e inanimadas, que “do Altíssimo recebem significação” e procurem com afinco passar da tentação do aproveitamento para o conceito franciscano da Fraternização universal.

19. Como portadores de paz e conscientes de que ela deve ser construída incessantemente, procurem os caminhos da unidade e dos entendimentos fraternos mediante o diálogo, confiando na presença do germe divino que existe no homem e na força transformadora do amor e do perdão.

Mensageiros da perfeita alegria, em qualquer situação, procurem levar aos outros a alegria e a esperança. Inseridos na Ressurreição de Cristo, que dão verdadeiro sentido à Irmã Morte, encaminhem-se serenamente ao encontro definitivo com o Pai.

CAPÍTULO III: A vida em fraternidade

20. A Ordem Franciscana Secular se divide em fraternidade de vários níveis: local, regional, nacional e internacional. Cada qual delas tem sua própria personalidade moral na Igreja. Essas fraternidades dos diversos níveis estão coordenadas e ligadas entre si segundo a norma desta Regra e das Constituições.

21. Nos diversos níveis, cada fraternidade é animada e dirigida por um Conselho e um Ministro (ou Presidente), que são eleitos pelos Professos de acordo com as Constituições.

Seu serviço, que é temporário, é um cargo de disponibilidade e de responsabilidade em favor de cada indivíduo e dos grupos.

As fraternidades, internamente, se estruturam de acordo com as Constituições, de modo diverso, segundo as variadas necessidades dos seus membros e das suas regiões, sob a direção do respectivo Conselho.

22. A fraternidade local tem necessidade de ser erigida canonicamente, e assim se torna a célula primeira de toda a Ordem e um sinal visível da Igreja, que é uma comunidade de amor. Ela deverá ser o ambiente privilegiado para desenvolver o senso eclesial e a vocação franciscana e também para animar a vida apostólica de seus membros25

23. Os pedidos de admissão à Ordem Franciscana Secular são apresentados a uma fraternidade local, cujo Conselho decide sobre a aceitação dos novos lrmãos.

A incorporação na fraternidade se realiza mediante um tempo de iniciação, um tempo de formação de, ao menos, um ano e pela Profissão da Regra. Em tal itinerário gradual está empenhada toda a fraternidade, também no seu modo de viver. Quanto à idade para a Profissão e ao distintivo franciscano, é assunto a ser regulado pelos Estatutos. A profissão, por sua natureza, é um compromisso perpétuo.

Os membros que se encontram em dificuldades particulares cuidarão de tratar dos seus problemas com o Conselho num diálogo fraterno. A separação ou demissão definitiva da Ordem, se realmente necessária, é ato de competência do Conselho da Fraternidade, de acordo com a norma das Constituições.

24. Para estimular a comunhão entre os membros, o Conselho organize reuniões periódicas e encontros freqüentes, também com outros grupos franciscanos, especialmente de jovens, adotando os meios mais apropriados para um crescimento na vida franciscana e eclesial, estimulando cada um para a vida de fraternidade. Uma tal comunhão é continuada com os irmãos falecidos pelo oferecimento de sufrágios por suas almas.

25. Para as despesas que ocorrem na vida da fraternidade e para as necessárias obras do culto, do apostolado e da caridade, todos os irmãos e irmãs oferecem uma contribuição na medida de suas próprias possibilidades. Seja um cuidado das fraternidades locais contribuir para o pagamento das despesas dos Conselhos das Fraternidades de grau superior.

26. Em sinal concreto de comunhão e de co-responsabilidade, os Conselhos, nos diversos níveis, de acordo com as Constituições, solicitarão aos Superiores das quatro Famílias Religiosas Franciscanas, às quais, desde séculos, a Fraternidade Secular está ligada, religiosos idôneos e preparados para a assistência espiritual. Para favorecer a fidelidade ao carisma e a observância da Regra e para se terem maiores auxílios na vida da fraternidade, o Ministro (ou Presidente), de acordo com seu Conselho, seja solícito em pedir periodicamente a visita pastoral aos competentes Superiores religiosos e a visita fraterna aos responsáveis de nível superior, segundo as Constituições.

“E todo aquele que isto observar, seja repleto no cëu da bênção do altíssimo Pai, e seja na terra cumulado com a bênção do seu dileto Filho, juntamente com o Santíssimo Espírito Paráclito”.

Como se organiza a OFS

A Ordem Franciscana Secular é a soma ou a união de todos os seus grupos existentes no mundo. Esses grupos, em linguagem franciscana, chamam-se e são “Fraternidades”, porque são agrupamentos de irmãos e irmãs espirituais que vivem de modo a partilhar entre si todos os seus bens conforme lhes permita o próprio estado de vida. Tais fraternidades são de vários graus ou níveis: o nível mais baixo – porém o mais importante – é o local e designa uma Fraternidade circunscrita a um determinado espaço: paróquia, casa religiosa, bairro, cidade, pequena região. É porém uma Fraternidade perfeita no sentido de que não lhe falta coisa alguma para atingir sua finalidade: conselho, ministro, assistente, etc.

Em um nível mais alto, a Regra cita a Fraternidade regional que é o conjunto de todas as Fraternidades locais de um determinado território que estão ligadas entre si e que têm, unitariamente, a própria organização.

Assim é fácil intuir o que seja uma “Fraternidade Nacional” e uma “Fraternidade Internacional”.

A Regra indica apenas esses quatro tipos de Fraternidades; todavia, nada impede que haja Fraternidades em nível intermediário, como, por exemplo, entre a local e a regional pode haver lugar para uma Fraternidade “sub-regional (distrital) que agrupe quatro, cinco, dez Fraternidades de uma região; e, ainda, que haja Fraternidades compostas de várias regiões – Fraternidades inter-regionais – e, talvez, ainda, “Fraternidades Continentais” etc.

A estrutura interna das fraternidades

Quanto até agora foi exposto diz respeito à estrutura das Fraternidades em geral: todas devem ter um Conselho, um Ministro eleito pelos irmãos professos etc. Cada Fraternidade, porém, se estrutura do modo que melhor atenda às suas necessidades. Assim, por exemplo, uma Fraternidade pode criar dentro de si mesma grupos especiais de jovens, de casados, de consagrados, de sacerdotes, de doentes, de assistência, de oração etc. Em suma, grupos que tenham “ministérios” a exercer. Assim, dependendo de suas atividades, as Fraternidades podem se organizar de maneiras diferentes; suas reuniões, também, podem ser feitas de modos diversos, conforme as preferências dos diversos grupos.

Obviamente, essa estrutura e essa atividade pluriformes encontram no Ministro e no Conselho os elementos de unidade entre os irmãos e, ao mesmo tempo, os animadores e os “distribuidores” dessas atividades entre eles. Por exemplo, as atividades do grupo de assistência, confiadas pelo Conselho a outros grupos, podem tornar-se fator de vitalidade mais intensa nesses grupos e, talvez até, inspirador de novas idéias no exercício da caridade, da prática do bem. “A Fraternidade local tem necessidade de ser erigida canonicamente, e assim se torna a célula primeira de toda a Ordem e um sinal visível da Igreja, que é uma comunidade de amor. Ela deverá ser o ambiente privilegiado para desenvolver o senso eclesial e a vocação franciscana e também para animar a vida apostólica de seus membros”.

Segundo o atual Código de Direito, para que uma Fraternidade tenha direito de “cidadania”na Igreja, ela deverá ser erigida canonicamente, isto é, ter o reconhecimento “oficial”.

Para se erigir canonicamente uma Fraternidade, exigem-se os seguintes requisitos: 1. três irmãos professos pelo menos; 2. autorização por escrito do Ordinário do lugar, onde não houver presença da Ordem I; 3. documento de ereção assinado pelo Superior competente da Família franciscana da qual a Fraternidade dependerá; 4. registro dos irmãos inscritos; 5. uma igreja ou oratório, onde se realizem as funções; 6. o conselho com o Ministro e o Assistente.

Fonte: “Ordem Franciscana Secular, uma forma de vida evangélica”, Frei Vicenzo Frezza, OFM Cap, Editora Vozes.

Fraternidades assistidas pela Província

NO ESTADO DE SÃO PAULO

AGUDOS
Fraternidade Imaculada Conceição

AMPARO
Fraternidade São Benedito

BAURU
Fraternidade Cristo Rei

BOM RETIRO
Fraternidade São Boaventura

BRAGANÇA PAULISTA
Fraternidade Santa Maria dos Anjos

CAMPOS DO JORDÃO
Fraternidade São Francisco das Chagas

GUARATINGUETÁ
Fraternidade Nossa Senhora das Graças

GUARULHOS
Fraternidade São Francisco de Assis

PORTO FELIZ
Fraternidade São Maximiliano M. Kolbe

SANTOS
VOT de São Francisco da Penitência

SÃO PAULO – LARGO SÃO FRANCISCO
Fraternidade de São Francisco das Chagas

SÃO PAULO – PARI
Fraternidade Santo Antônio do Pari

SÃO PAULO – VILA CLEMENTINO
Fraternidade São Francisco de Assis

SÃO PAULO – A. DE PINHEIROS
Fraternidade Menino de Belém

SÃO PAULO – A DE PINHEIROS
Fraternidade Santa Clara

SÃO PAULO – VILA DIONÍSIA
Fraternidade Frei Galvão

SÃO SEBASTIÃO
Fraternidade Sta. Maria Francisca das Cinco Chagas

SOROCABA – BOM JESUS
Fraternidade Bom Jesus dos Aflitos

SOROCABA – N. SRA. APARECIDA
Fraternidade Nossa Senhora Aparecida

SOROCABA – SANTA RITA
Fraternidade Santa Maria dos Anjos

TAPIRATIBA
Fraternidade Monte Alverne

VOTUPORANGA
Fraternidade Coração de Maria

NO ESTADO DE SANTA CATARINA

ANGELINA
Fraternidade Nossa Senhora da Conceição

ANGELINA
Fraternidade Nossa Senhora das Dores

ANGELINA
Fraternidade São Pedro de Alcântara

ANGELINA
Fraternidade São José

ATALANTA
Fraternidade São Francisco das Chagas

BALNEÁRIO CAMBORIÚ
Fraternidade da Ordem Franciscana Secular

BLUMENAU
Fraternidade São Francisco das Chagas

BLUMENAU
Fraternidade Monte Alverne

CONCÓRDIA
Fraternidade São Francisco de Assis

CURITIBANOS
Fraternidade Nossa Senhora dos Anjos

FLORIANÓPOLIS
Fraternidade São Francisco das Chagas

FORQUILHINHA
Fraternidade Santa Clara

GASPAR
Fraternidade Santo Antônio de Pádua

GASPAR
Fraternidade Santa Clara

ITUPORANGA
Fraternidade São Francisco Solano

LAGES
Fraternidade São José do Patrocínio

LUZERNA
Fraternidade Santa Isabel da Hungria

RODEIO
Fraternidade S. Francisco das Chagas

RODEIO – SÃO VIRGÍLIO
Fraternidade Santa Isabel da Hungria

SANTO AMARO DA IMPERATRIZ
Fraternidade São Leonardo de Porto Maurício

NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ANGRA DOS REIS
Fraternidade da VOT de S. Francisco da Penitência

NILÓPOLIS – APARECIDA
Aparecida Fraternidade Nossa Senhora Aparecida

NILÓPOLIS – CONCEIÇÃO
Fraternidade Nossa Senhora da Conceição

NITERÓI
Fraternidade Imaculada Conceição da B.A.Virgem Maria

PATY DO ALFERES
Fraternidade Nossa Senhora da Conceição

PETRÓPOLIS
Fraternidade Sagrado Coração de Jesus

PETRÓPOLIS
Fraternidade Nossa Senhora dos Anjos

QUISSAMÃ
Fraternidade Nossa Senhora do Desterro

RIO DE JANEIRO
Fraternidade de Santo Antônio

RIO DE JANEIRO 
Fraternidade da Venerável Ordem Terceira de São Francisco

RIO DE JANEIRO – IPANEMA
Fraternidade Nossa Senhora da Paz

SÃO GONÇALO
Fraternidade Nossa Senhora de Fátima

SÃO JOÃO DE MERITI
Fraternidade de São João Batista

NO ESTADO DO PARANÁ

CURITIBA
Fraternidade Senhor Bom Jesus

PATO BRANCO
Fraternidade Santo Antônio de Sant’Ana Galvão

NO ESTADO DE MINAS GERAIS

SÃO LOURENÇO
Fraternidade São Lourenço Mártir

NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

VILA VELHA
Fraternidade Nossa Senhora da Penha

COLATINA
Fraternidade Franciscana do Sagrado Coração de Jesus

O caminho formativo na Ordem

A Regra indica três fases sucessivas para a incorporação na Ordem.

1. Tempo de iniciação. Não se diz quanto deva durar; se dois, três ou seis meses. Todo Conselho, para determinar esse tempo, costuma levar em conta a cultura religiosa do candidato, seu comportamento etc. A determinação desse tempo poderá ser confiada aos Estatutos; em geral é deixada a critério dos conselhos locais.

2. Tempo de formação de, ao menos, um ano. É o período do “Noviciado”. A Regra prescreve um tempo de ao menos um ano: não pode ser menos e pode ser mais de um ano. Se for mais, quanto? As Constituições ou os Estatutos particulares responderão. Deveria haver sempre um período elástico de tempo para que tanto a Ordem como o candidato pudessem, em comum acordo, determinar a data da Profissão.

3. A Profissão da Regra. Pela profissão o neoprofesso torna-se membro efetivo da Ordem e, por todos os direitos, membro de toda a família franciscana. Durante as duas etapas anteriores de formação o novo irmão deve ter recebido de seus formadores o necessário para viver o compromisso que vai assumir. Nesse processo ele foi ajudado e sustentado por um mestre expressamente designado para isso e, ainda, pelo ensinamento, pelo exemplo e pelas orações de toda a Fraternidade.

SE VOCÊ DESEJA SER FRANCISCANO SECULAR:

Ordem Franciscana Secular do Brasil

Rua Adro de São Francisco, s/n, Saúde,

Zona Portuária, Rio de Janeiro – RJ.

CEP 20081-290 – Fone: 55 (21) 2240-4565

Email: ofsbr@terra.com.br / pazebem@ofs.org.br

Conselho Nacional e Frades assistentes

Ministra: Maria José (Zezé), MS
Vice-Ministro: Marco Antônio, RJ
Formadora: Mayara Ingrid, MA
Secretário: Antônio Júlio, SP
Tesoureiro: Felipe Paiva, PB
Assessoria Jurídica: Antônio Castro, MA
Coordenador da Área Norte: Jucilene Caldas,
Coordenador da Área Nordeste A: Paulo Gomes, CE
Coordenador da Área Nordeste B: Ebevaldo Oliveira, PB
Coordenador da Área Centro-Oeste: Clodoaldo dos Santos, MS
Coordenador da Área Sudeste: Maria Lúcia, RJ
Coordenador da Área sul: Aura Lana, SC
Conselho Fiscal:
Titulares: Aluísio-SP, Joseval-BA, Maria Izabel-MS
Suplentes: Mario-SP, Cleide-SP, Nunez-PB.

Assistente ao Conselho Nacional da OFS: Frei Dorvalino Francisco Fassini, OFM,

São Luís de França e os Franciscanos

São Luís de França e os Franciscanos

Frei Sandro Roberto da Costa, ofm

O século XIII é um dos mais fecundos na história da Idade Média. O surgimento das universidades testemunha a sede de saber e a efervescência do pensamento filosófico e teológico. A ebulição religiosa se traduz  na construção das magníficas catedrais, onde a fé transforma pedras em arte, beleza, e luz. No século XIII são fundadas também algumas das mais importantes Ordens religiosas da Igreja, os dominicanos e os franciscanos em particular, com seus respectivos santos: Francisco de Assis, Domingos de Gusmão, Antônio de Pádua, Clara de Assis, Boaventura, Tomás de Aquino, entre outros. Por outro lado, é um século marcado pela inquietude religiosa, pelo espocar das heresias, marcadamente em território francês, pela luta entre papado e império, pelo recrudescimento da inquisição, pela ameaça constante do islã, pelas cruzadas, e pelas lutas internas entre os reinos, que aos poucos vão configurando o espaço geográfico que mais tarde seria conhecido como Europa[1]. A França ocupa um lugar de destaque neste cenário[2]. Na passagem do século XII para o século XIII, seus monarcas estão entre os mais célebres e respeitados do Ocidente.

Um dos pressupostos da história é a capacidade de fazer “memória”, de tornar vivo e presente fatos, personagens e acontecimentos que, de outro modo, seriam relegados ao baú do eterno esquecimento. No presente artigo, nosso objetivo é fazer memória da vida de Luís de França. Queremos conhecer um pouco mais sobre este personagem medieval, leigo, homem de governo, pai de família, cristão fiel. Queremos fazer isso nos questionando sobre o papel desempenhado pelos frades franciscanos em sua vida, suas mútuas relações e interações, que o fizeram ser alçado ao posto de Patrono da Ordem Franciscana Secular.

Apresentar um texto a respeito de um personagem que viveu há oitocentos anos atrás, sobre o qual, aparentemente tudo já foi dito, pode parecer uma temeridade[3]. Temeroso também é se aventurar a retratar a vida de um sujeito histórico envolto em polêmicas, fruto, em alguns casos, de uma compreensão descontextualizada de sua vida, de seu tempo e da própria história. Mesmo assim, dados os múltiplos contextos e as múltiplas relações nas quais esteve envolvido este soberano medieval, acreditamos que seja possível apresentar alguns enfoques particulares, que lancem luzes sobre alguns aspectos de sua vida, e que podem, ao mesmo tempo, iluminar a história que estamos vivendo, escrevendo e construindo. Por isso, não vamos nos ocupar exaustivamente da vida de São Luís. Embora façamos um breve sobrevoo sobre sua biografia, seus feitos em geral, nosso foco é específico: a influência do movimento franciscano na vida de Luís IX[4].

  1. Luís IX

O ano do nascimento de Luís não nos é conhecido. Sabe-se que o dia 25 de abril de 1214 pode ter sido tanto a data de seu nascimento, como de seu batismo. O fato é que, com apenas doze anos, por causa da morte de Luís VIII, seu pai, o menino tem que assumir um dos tronos mais importantes do Ocidente. No dia 30 de novembro de 1226, menos de dois meses após a morte de Francisco de Assis, o pequeno Luís era sagrado rei, na cidade de Reims, na França, com o título de Luís IX. Até Luís atingir a maioridade, a rainha Branca de Castela, sua mãe, será a tutora do rei e regente do reino[5].

Na “geografia” espiritual do Ocidente medieval, a França destaca-se, por ser a “filha primogênita da Igreja”[6]. Os monarcas franceses, por sua vez, em função da unção que recebem na cerimônia de consagração, com o óleo da “santa âmbula”, gozam de uma exclusividade sobre os demais reis europeus: são os reis mais cristãos da Europa, o rei da França é o “Rex Christianissimus”, o “Rei Cristianíssimo”.

Seguindo a tradição, o jovem príncipe foi educado, desde a mais tenra idade, dentro dos princípios cristãos, que também norteavam a vida de seus pais. Luís VIII era cognominado “Leão”, por sua bravura nos campos de batalha, mas também por sua firmeza no combate aos inimigos da fé, testemunhada principalmente no empenho para eliminar a heresia cátara no sul da França. Preocupados em dar uma boa formação religiosa e intelectual ao futuro rei, seus pais confiaram sua educação a preceptores de comprovado saber e fidelidade religiosa[7].

Sua mãe teve que enfrentar sérios desafios durante a minoridade do filho, até consolidar o poder. Nobres e opositores do reino argumentavam com a menoridade de Luís, e pelo fato de a regente ser uma mulher. A  Inglaterra aproveitou da ocasião para fazer valer seus direitos sobre territórios perdidos nos anos anteriores. Branca, todavia, soube mostrar seu valor, fazendo frente de modo corajoso e firme a todas as ameaças ao trono. Luís atingiu a maioridade aos dezenove ou vinte anos, em 25 de abril de 1234, e logo a seguir casou-se com Margarida de Provença. Sua mãe, no entanto, continuou ocupando uma posição de proeminência nas decisões mais importantes do reino. 

  • Principais informações sobre a vida de São Luís

Estamos muito bem informados sobre a vida de Luís, através das várias biografias, escritas por contemporâneos seus, ou pessoas próximas a seus familiares. As principais informações nos foram transmitidas por seu amigo, confidente, e mais importante biógrafo, o leigo Jean de Joinville, que escreveu “A Vida de São Luís”[8]. Outra biografia foi escrita por Godofredo de Beaulieu, frade dominicano e confessor do rei, que lhe esteve muito próximo nos últimos vinte anos de sua vida. O capelão do rei, Guilherme de Chartres, Grão-Mestre da Ordem dos Templários também escreveu uma “Vida de São Luís”. Outra fonte importante é a vida escrita pelo franciscano Guilherme de Saint-Pathus, confessor da rainha Margarida de Provença, que se utilizou do inquérito papal para a canonização de Luís, para escrever a sua “Vida”[9]. Finalmente, outra obra sobre a vida de Luís foi escrita por Guilherme de Nangis, também confessor da rainha Margarida[10]. As biografias de Luís, para além das intenções políticas que as permeiam, nos fornecem importantes informações sobre a vida, as opções, o modo de agir de um homem que, colocado à frente da administração política de um reino, buscou pautar sua vida segundo os valores do Evangelho e dos padrões propostos pela Igreja de seu tempo. E o fez de modo tão perfeito, que chegou à honra dos altares. 

1.2 Um santo leigo!

Diferentemente dos santos de seu tempo, Luís é um santo leigo, e é casado. Isto não deixa de ser notado pela maioria de seus biógrafos: santo, apesar de ser leigo e casado! Humilde, piedoso, virtuoso, Luís, no entanto,  continua um leigo, não é um sacerdote[11]. É, sobretudo, casado, pai de família, que não renuncia às obrigações e prazeres conjugais e à sexualidade, submetidos aos ditames da lei da Igreja, como os “dias de resguardo”[12]. Luís vai ser pai de onze filhos, três dos quais nascem durante sua permanência no Egito. Sua mulher o acompanha na peregrinação. Sua biografia, a primeira vida de um santo escrita por um leigo, vai priorizar elementos que normalmente não se destacavam nas biografias, quase todas escritas por eclesiásticos e sobre clérigos: Jean de Joinville vai pôr em relevo, na vida de Luís, sua relação com a sexualidade, com a guerra e a política. É um rei que vai à guerra, que combate valorosamente, inclusive nas cruzadas, mas é, ao mesmo tempo, um rei de paz, que tudo faz para mantê-la, através dos tratados e negociações.

Isso não o impede de exercer bem suas funções em favor do povo. Coadjuvado em grande parte pela astúcia política de sua mãe, Branca de Castela, Luís conseguiu estabelecer a paz e a harmonia no reino. Isso foi conseguido após árduas batalhas, mas também através de hábeis negociações e uma série de tratados, onde não faltaram os matrimônios arranjados entre os irmãos do rei e as filhas da nobreza de reinos circunstantes, em função da pacificação e do fortalecimento dos laços do reino com outras potências. Outra frente de atuação de Luís foi a organização das finanças. Em política, Luís tentou instaurar um código de conduta especificamente cristão.

1.3 Gravemente doente: o voto da cruzada

Uma vez organizado e pacificado o reino, Luís organizou a sétima cruzada. Na origem desta expedição está a grave doença que o acometeu, em dezembro de 1244, e que o deixou praticamente à beira da morte. Num esforço extremo para recuperar a saúde, o rei fez a promessa de que, se ficasse curado, iria organizar uma cruzada[13]. Depois de quatro anos de preparação, em junho de 1248, com sua mulher Margarida, e seus irmãos Carlos de Anjou, Afonso e Roberto de Artois, após receberem a bênção do papa Inocêncio IV, partiram para libertar o Santo Sepulcro. O reino ficou a cargo de sua mãe, Branca de Castela, que já dera provas suficientes de que teria condições de conduzi-lo na ausência do filho. Devido a uma série de reveses, incluindo tempestades que desviaram a frota, além de epidemias, os cruzados tomaram, em 08 de junho de 1249, a cidade de Damieta, no Egito. No caminho para o Cairo, deu-se a famosa batalha de Mansurá, onde perdeu a vida o irmão de Luís, Roberto de Artois. A disenteria e o escorbuto ajudaram a enfraquecer ainda mais a tropa. Luís e seus soldados foram feitos prisioneiros pelos muçulmanos. Sua mulher, Margarida, passou a comandar os cruzados. Após o pagamento de um vultuosa soma, Luís e seus soldados foram libertados depois de um mês de cativeiro, em maio de 1250. O rei e suas tropas passaram ainda quatro anos na Terra Santa, consolidando as fortalezas cristãs, conduzindo negociações entre cristãos e muçulmanos. Tendo recebido a notícia da morte da mãe, retornou à França, entrando em Paris em setembro de 1254[14].

  • A volta da cruzada, a saudade do Oriente: a morte às portas de Túnis

De volta da cruzada, entre 1254 a 1270, Luís continua desempenhando sua missão de monarca cristão. Se antes já exercia suas funções como rei exemplar, praticando a justiça e defendendo o direito, principalmente dos pobres, após o retorno do Oriente estas práticas se acentuam. Os estudiosos sublinham a mudança de comportamento após a volta da cruzada. A experiência frustrada deixou marcas profundas na alma de Luís. O rei justo, ético, modelo de cristão piedoso, passa a ser ainda mais cioso da prática da justiça, além de acentuar suas práticas de devoção e de piedade, e suas obras de caridade para com os pobres e os religiosos.

Desde que retornara da cruzada, o horizonte de vida de Luís passou a ser a Terra Santa. Em meio às funções que exigiam a administração do reino, o monarca deixava claro que não sossegaria enquanto não organizasse uma nova expedição à Terra Santa. A decisão foi anunciada a 25 de março de 1267. Em 04 de junho de 1270, Luís, seus filhos João Tristão e o herdeiro Filipe, além de vários nobres, partiram em direção a Túnis. Desembarcados às portas da cidade, uma forte epidemia de disenteria e febre ataca os cruzados. João Tristão morre a 03 de agosto. Depois de muito sofrimento, estendido sobre um leito de cinza em forma de cruz, Luís inicia sua definitiva viagem ao encontro daquele que tão ardentemente buscara nesta vida. Um longo processo iniciado logo após sua morte vai culminar com a canonização solene, sob o pontificado de Bonifácio VIII, em 1297. Sua festa foi fixada em 25 de agosto, dia de sua morte.

A espiritualidade que moveu São Luís de França

“Os contemporâneos do rei… praticamente não tinham como deixar de classificar esse soberano a não ser com a palavra santo – mas um santo excepcional, do mesmo modo que São Francisco o tinha sido como religioso, no início do mesmo século XIII”[15]. Esta afirmação do ilustre medievalista francês nos fornece elementos para uma análise da espiritualidade que inspirou os gestos e decisões do monarca, a ponto de ter sido declarado santo pela Igreja. Um dado importante é o fato de que Luís já era considerado santo por seus contemporâneos. Mas era um santo com um endereço definido: um santo franciscano. Ora, de onde vem esta percepção? Para dar uma resposta, temos que nos debruçar brevemente sobre a espiritualidade cristã que dominava então o Ocidente à época de Luís.

2.1 Espiritualidade medieval: movimentos de contestação, franciscanos e dominicanos

Nos séculos XII e XIII, um dos principais motes dos movimentos de contestação, liderados por leigos, mas  também por clérigos, era a dura crítica que faziam à Igreja e seus membros, principalmente da hierarquia, por sua ligação com o “século”, o apego às riquezas, a luta pelo poder, seu distanciamento dos fiéis a quem deviam pastorear, a incapacidade de pregar, seja pelo mal preparo intelectual, ou pela acomodação em que viviam, ao mesmo tempo em que mantinham os fiéis distantes da Palavra de Deus[16]. A resposta a esta incapacidade dos membros da Igreja de proferir uma palavra evangélica de esperança e de coragem à imensa massa dos fiéis, foram os movimentos alternativos, protagonizados por leigos e clérigos. Nem sempre ortodoxos, propunham meios para o retorno ao Evangelho, através principalmente da pregação e de um exemplo de vida pobre e humilde, calcado na vivência do Evangelho “sine glosa” (ao pé da letra). Alguns destes movimentos descambaram para a heresia. Consolida-se, aos poucos, a certeza de que o caminho de santificação não é exclusivo de clérigos, monges e membros da hierarquia, mas que todos, inclusive homens e mulheres casados, sem renunciar ao seu estado, também podem encetar a “Sequela Christi”: seguir nu o Cristo nu.

Domingos de Gusmão, com os dominicanos, e Francisco de Assis, com os franciscanos, constituem, de um certo modo, o ponto de chegada de todo esse movimento de contestação. “Esses religiosos de um novo gênero, cujo rápido sucesso é extraordinário em toda a cristandade, vivem, diferentemente dos monges, entre os homens nas cidades, misturam-se estreitamente aos leigos e são os grandes difusores das práticas religiosas que renovam profundamente: a confissão, a crença no Purgatório, a pregação. Penetram nas consciências e nas casas, entram na intimidade das famílias e dos indivíduos. Praticam as virtudes fundamentais do cristianismo primitivo em uma sociedade nova: a pobreza, a humildade, a caridade”[17]. Diferentemente das instituições monásticas tradicionais, que vivem no isolamento de seus mosteiros, distante do “mundo”, o espaço urbano, com todas as suas contradições e perigos, é o lugar privilegiado de atuação dos frades. Não moram em “conventos”, mas em “locus”, casas simples, em meio às pessoas, que deveriam converter pelo exemplo de vida.

Tendo suas origens como movimento misto, onde não havia a distinção entre clérigos e leigos, logo são assimilados pela Igreja e passam a fazer parte da hierarquia e a servir aos seus projetos de poder. Mas a origem laica e o protagonismo dos leigos sempre esteve no horizonte do movimento, ao menos como ideal. O melhor exemplo disto é o próprio Francisco de Assis, que era leigo, sem provas conclusivas de que teria sido ordenado diácono. Além de criar uma instituição para receber mulheres (as Damas Pobres ou Clarissas), Francisco também iniciou a Ordem Terceira, para leigos, homens e mulheres, casados ou não, que não precisavam “abandonar o mundo”, mas poderiam se santificar permanecendo no seu estado de vida laica, em família. São Luís é leigo, e seu principal biógrafo também é leigo. A espiritualidade leiga que começa a avançar no século XIII, e a santidade, até então apanágio de clérigos e monges, passa a ser possível também aos leigos. Santificar-se vivendo o Evangelho em fraternidade, pobreza e penitência, praticado a caridade, anunciando, principalmente pelo exemplo de vida, a paz e o bem, eram os principais motes dos seguidores de Francisco de Assis. Luís se insere neste contexto.

2.2 São Luís e a espiritualidade mendicante

Na vida de São Luís, homem religioso e piedoso, os religiosos em geral ocupam um lugar de destaque. Mas entre estes, gozam de maior simpatia e familiaridade do rei aqueles que têm sua vida pautada por uma regra de mais estrita observância e radicalidade evangélica. A amizade que unia o rei e os beneditinos cistercienses era conhecida de todos[18]. O rei construiu para os monges uma belíssima abadia, a de Royaumont, e para lá se dirigia com prazer, com toda sua família, onde se entretinha com os monges, como se fosse um deles, nas orações, ofícios, práticas devocionais e de caridade. Outro grupo religioso que ocupa um lugar central na vida de Luís são os mendicantes, especificamente dominicanos e franciscanos[19].

Quando Luís nasceu, o movimento franciscano estava nos seus inícios, dando os primeiros passos fora da Úmbria. Francisco de Assis tinha uma ligação sentimental com a França: sua paixão pela língua francesa provavelmente estava na origem de seu nome[20]. Há indícios de que sua mãe fosse de origem francesa, e por isso era também chamada de “Provençal”. Nos inícios da Ordem, Francisco havia tentado viajar à França, mas foi impedido pelo cardeal Hugolino, que o aconselhou a ficar na Itália[21]. Francisco enviou assim alguns frades. Frei Pacífico chega a Vézelay em 1217, e aí estabelece o primeiro convento franciscano em terras francesas, denominado “la Cordelle” (por causa da “corda” com os três nós que os frades usam)[22]. Em 1219, estão em Paris e em Saint Denis, onde serão conhecidos como “cordeliers”. Em 1223, estão em Lens, no Norte da França.

Luís é muito próximo dos franciscanos e dominicanos, e é a espiritualidade preconizada pelos mendicantes que vai inspirá-lo no exercício de seu governo enquanto leigo cristão[23]. Os franciscanos, nas suas pregações nas cidades, são os maiores divulgadores desta espiritualidade nova, do Cristo vivo, encarnado, humano, humilde e sofredor, crucificado pelos pecados da humanidade. Uma espiritualidade cristológica, de um Cristo que se revela nos pobres, nos leprosos, nos abandonados[24]. É, ao mesmo tempo, uma espiritualidade penitencial, de conversão pessoal e de reforma, de combate aos abusos da Igreja, uma espiritualidade da “sequela christi” (seguimento de Cristo), do seguimento da “Vita Apostolica” (da vida dos Apóstolos), que encontra eco nas almas mais sérias e sedentas de uma prática cristã original, propugnada e popularizada pelos pregadores dos movimentos heréticos.

Luís pratica todos os atos de devoção, então comuns e esperados dos reis cristãos piedosos: os ofícios litúrgicos, a frequência aos sacramentos (confissão, comunhão), o culto às relíquias, o respeito à Igreja e a sua hierarquia, as práticas penitenciais e ascéticas, e a prática da caridade, principalmente para com os pobres. Sua mãe foi a grande responsável por discipliná-lo, desde a mais tenra idade, no caminho da devoção e da piedade. “No centro de sua vida está a oração, como um sol que ilumina todas as horas do dia. À meia noite o rei se veste para dizer as matinas na capela; depois ele torna a se deitar, mas semi-vestido, para estar pronto para se levantar assim que soe a hora da prima… Após a prima, a cada manhã, ao menos duas missas; uma breve, para os mortos, a outra cantada, que é a missa do dia. Durante a Quaresma, ele assiste uma terceira… Durante a jornada, algumas horas canônicas não podem faltar. Mesmo quando o rei cavalga, ele é acompanhado de seu capelão, e as horas são ditas a cavalo”[25].

Mas para além desses gestos de devoção e piedade esperados de um rei, aos seus contemporâneos Luís aparece como um homem que foi além: ele foi um rei que imitou Cristo. A bula de canonização vai se referir a isso. Luís imita Cristo no sofrimento. No século XIII as ordens mendicantes popularizam a prática da piedade através das obras de misericórdia. Para Luís, fé e devoção conjugam-se com obras. Uma prática comprovada por vários de seus biógrafos é o gesto de lavar os pés aos pobres e aos monges. Em várias ocasiões Luís realiza este gesto, imitando a humildade de Cristo. Quando pode, aos sábados, lava os pés de alguns anciãos, às escondidas, para evitar críticas. Depois os beija, dá-lhes dinheiro e os serve, ele mesmo, à mesa. “Quando São Luís está com os pobres, os seus gestos parecem pôr-se ao seu nível e apresentam-se como mais verdadeiros”[26]. O cuidado e o carinho com que Luís cuida dos pobres beira ao extremo: “E se entre esses pobres havia um cego ou alguém que via mal, o rei bendito colocava-lhe o pedaço de pão diretamente na mão com as suas próprias mãos, ou então guiava a mão do pobre até a tigela e ensinava-lhe como devia pôr a mão na tigela; e ainda mais, quando havia um que via mal ou estava impedido, e havia peixe diante dele, o rei bendito pegava no pedaço de peixe, tirava-lhe cuidadosamente as espinhas com as suas mãos, depois molhava-o no molho e punha-o na boca do doente”[27].

Vítima de vários males físicos, Luís se solidariza com os mais fracos. O rei se preocupa com os cegos, e para eles manda construir um hospital em Paris. Dá muitas esmolas aos pobres, principalmente aos leprosos, a quem cuidava carinhosamente, dava de comer, beijava-lhes a mão. Seus biógrafos destacam o fato de que ele se levantava muito cedo, sem fazer ruído, para ir à Igreja, para rezar, o que obrigava seus guardas a também se levantarem cedo, alguns tendo que se vestir correndo pelo caminho, para alcançar o rei. Quando os monges vão construir a abadia de Royaumont, Luís os ajuda a carregar pedras, e obriga seus irmãos a fazerem o mesmo, embora estes não o façam de bom grado[28].

Luís também obriga aqueles que o servem, sejam marinheiros ou soldados, a ouvirem longos sermões, e a participarem de ofícios religiosos. Para impedir que seus soldados almoçassem nas tavernas da cidade, lugares mal afamados, de jogos, bebida e mulheres, oferece-lhes o almoço no próprio local de serviço, no refeitório do palácio, sem cobrar por isso. Ao contrário, continuando dando aos soldados a ajuda de custo a que tinham direito para comer fora. Alguns o fazem a contragosto, pois comendo no palácio, seriam obrigados a ouvir sermões durante a refeição. Para Luís as tavernas eram tão perigosas quanto os bordéis.

Algumas destas práticas causavam transtornos no meio em que vivia o rei. Luís era consciente de que seu comportamento piedoso não agradava a todos, e suscitavam inúmeras críticas. Uma das mais comuns era o fato de gastar muito com esmolas e com a construção de edifícios religiosos[29]. Era claro, para os medievais, burgueses e nobres que o cercavam, que Luís não podia ultrapassar o limite do rei para o de sacerdote.

Uma forte crítica vinha daqueles que consideravam Luís como um refém dos colaboradores e conselheiros religiosos, principalmente dos franciscanos e dominicanos[30]. Um episódio contado por seu biógrafo franciscano Guillerme de Saint-Pathus, demonstra bem a sua proximidade com o clero. Diz-se que uma mulher o abordou na saída do parlamento, e teria exclamado: “Só és rei dos frades menores e dos pregadores, dos padres e dos clérigos!”[31]. A reação de Luís, segundo seu biógrafo, foi de calma. Concordou com a mulher, e disse que ela tinha razão, e que outro governaria melhor o reino. E pediu a seus soldados que dessem dinheiro a ela. O fato em si demonstra o quanto Luís prezava a companhia do clero, e como isso não era bem visto por alguns setores da sociedade[32].

 2.2.1 Sua devoção à Paixão

A posse de relíquias era prática comum na Idade Média. Devoção, prestígio, necessidade de proteção eram elementos que se misturavam na procura por relíquias cada vez mais preciosas. Luís tinha um apreço especial pelas relíquias da paixão de Jesus. Prova disso é um acontecimento envolvendo a relíquia do cravo de Jesus. Em 1232, quando a relíquia foi exposta para veneração dos fiéis na catedral de Saint Denis, acabou caindo do relicário e desapareceu. Seguiu-se uma comoção em todo o reino. Guilherme de Nagis relata o sentimento do rei e sua mãe: “O santo rei Luís e a rainha sua mãe, quando souberam da perda desse altíssimo tesouro e o que tinha acontecido ao santo cravo sob seu reinado, sentiram grande dor e disseram que notícia mais cruel não podia ter sido levada a eles nem lhes fizesse sofrer mais cruelmente”[33]. Esta devoção era testemunhada publicamente na Sexta-Feira Santa: “A sua devoção à Cruz, especialmente na Sexta-Feira Santa, tem como momento forte a visita das igrejas ‘próximas do lugar onde se encontrava’: ia lá ‘descalço’, e depois, para a adoração da cruz, tirava o chapéu e a touca e avançava, de cabeça descoberta de joelhos, até à cruz, ‘beijava-a’, e por fim ‘punha-se inclinado para o chão com os braços abertos, como na cruz, durante todo o tempo em que a beijava, e diz-se que enquanto fazia isto chorava’”[34].

Nada, porém, supera o esforço para conseguir duas das relíquias mais preciosas para a cristandade: a coroa de espinhos de Jesus e o lenho da Santa Cruz. Luís adquire a coroa do Imperador de Constantinopla, Balduíno. Quando a coroa entra em território francês, em 1239, depois de uma longa viagem desde Constantinopla, o rei e seus irmãos vão ao seu encontro. Carregam o relicário às costas, em procissão, vestidos de túnica branca e descalços, em sinal de humildade e penitência. Os nobres também se associam aos príncipes, participando descalços da procissão. Seguem-se a aquisição do lenho da Cruz e de outras relíquias da Paixão, como a esponja e o ferro da santa lança. Para guardar as relíquias, Luís construiu um dos maiores tesouros da arte gótica: a Saint-Chapelle, capela privada do rei. A estas relíquias preciosas soma-se o travesseiro de São Francisco, enviado ao rei pelos frades de Assis, quando de sua coroação, em 1226.

O movimento cruzado tem sua legitimação nesta devoção às relíquias: as terras onde Cristo nasceu, viveu e morreu, estão em mãos infiéis, de pecadores. Jerusalém, a maior relíquia da cristandade, precisa ser libertada.

 2.2.2 Um rei paciente no sofrimento

Luís é um rei que, como cristão exemplar, suporta pacientemente os sofrimentos. E não são poucos. Ainda jovem, aos 28 anos, após a guerra contra os ingleses, começa a sofrer de febre terçã (uma espécie de malária). Em 1244, sofre com uma diarreia tão grave, que chegam a considerá-lo morto. Nesta ocasião faz o voto de partir em cruzada[35]. As doenças o perseguem, sejam as crônicas, como a febre ocasionada pelo paludismo, sejam outras que surgem em várias ocasiões: erisipela, diarreia, escorbuto. Mas todos testemunham a paciência do rei frente aos sofrimentos. Joinville testemunhou os sofrimentos do rei durante a sétima cruzada. Segundo ele, o rei, quando prisioneiro dos muçulmanos, sofria de grave infecção intestinal. Estava muito pálido, “com os ossos da coluna todos tão pontudos e tão fraco que era preciso que um homem de sua criadagem o levasse para todas as suas necessidades… À noite desmaiou por várias vezes; e, por causa da forte disenteria que tinha, foi preciso cortar o fundilho de suas  ceroulas, tantas vezes ele descia para ir ao banheiro”[36]. Na partida para a oitava cruzada, o rei estava tão fraco que provocou a indignação de seu amigo Joinville, com aqueles que o deixaram partir naquele estado. O rei mal podia caminhar, pela fraqueza: “ele não podia aguentar ir nem de carroça nem a cavalo. Sua fraqueza era tão grande que ele se resignou que eu o carregasse…”[37]. Sua morte será causada pelo tifo. Mas Luís não é um rei triste. Le Goff afirma: “Talvez nisso também haja um traço de espiritualidade franciscana”[38].

2.2.3 Luís e o combate aos inimigos da Igreja

Uma das mais sérias ameaças à fé cristã na passagem do século XII para o século XIII foi a heresia cátara. Por ter seu centro principalmente na região de Albi, no sul da França, eram também chamados de Albigenses.  No auge do reinado de Luís, após o duro combate da Igreja, inclusive com a pregação de Santo Antônio e outros grandes nomes das Ordens mendicantes, a heresia cátara havia se enfraquecido, mas permanecia como uma ameaça. Luís, fiel aos ditames do IV Concílio do Latrão (1215), que determinava que os soberanos cristãos dessem combate à heresia, recomenda ao filho nos seus ensinamentos: “Persiga os hereges e as pessoas ruins de tua terra tanto quanto possas, pedindo como é necessário o sábio conselho das pessoas boas a fim de purgar assim a terra”. Na concepção medieval de colaboração entre Igreja e Estado, o soberano é o defensor da fé e a realeza é o braço secular da Igreja, que deve “caçar” e combater os hereges.

Em relação aos muçulmanos, o fato de se empenhar na realização de duas cruzadas exemplifica bem o quanto esta atividade era importante para Luís. Os muçulmanos eram, sobretudo, os infiéis, e deveriam ser convertidos. De um rei piedoso cristão, o mínimo que se esperava é que se empenhasse na defesa da fé frente ao islã[39]. No entanto, em que pese a violência das cruzadas, em vários momentos, especificamente da primeira, Luís entra em diálogo com os muçulmanos. Algumas fontes afirmam que, durante sua prisão, surgiu um afeto e respeito mútuo entre o rei e o sultão que o mantinha prisioneiro. Outros autores relatam que os muçulmanos teriam pedido a Luís que se tornasse seu chefe. O biógrafo Godofredo de Beualieu, testemunha ocular da morte do rei, revela que, no momento extremo de sua agonia, umas das últimas palavras balbuciadas pelo rei foram de preocupação com a conversão dos muçulmanos: “tentemos, pelo amor de Deus, pregar e implantar a fé católica em Tunis. Òh como poderíamos enviar um pregador capaz a Tunis”, e teria citado um pregador que já havia pregado em Tunis, e se tornara conhecido do sultão.

A relação de Luís com os judeus é mais complexa. Antes de mais nada, não podemos julgar as relações entre cristãos e judeus na Idade Média a partir dos parâmetros contemporâneos de ecumenismo e tolerância, que são conquistas modernas. Luís age como os soberanos cristãos de seu tempo. Os judeus, embora sejam uma verdadeira religião, são considerados os “assassinos de Cristo”. Luís tomou medidas severas contra os mesmos, visando a “purificação do reino”, mas ao mesmo tempo os protegeu do abuso de extremistas. Também promoveu a conversão de vários deles, e foi padrinho de alguns judeus convertidos.

Outro perigo que rondava o Ocidente medieval era a ameaça tártara, representada pelos mongóis. Luís acalentava o sonho de aliar-se a eles para combater os muçulmanos. Depois de algumas expedições fracassadas, enviadas pelo papa, Luís enviou o dominicano André de Longjumeau, que também não obteve sucesso. Por fim, em 1253, foi enviado o franciscano Guilherme de Roubroek, que se aventurou até a Mongólia, ao Grande Khan, em Karakorum, no coração do reino mongol. Apesar da valiosa relação que o franciscano fez da vida e dos costumes mongóis, o resultado desta missão também foi efêmero. Finalmente, em 1264, uma embaixada de 24 mongóis, tendo à frente dois frades dominicanos como intérpretes, se apresentou em Paris, propondo ao rei uma aliança contra os muçulmanos da Síria. Também esta tentativa de aliança não frutificou.

O franciscanismo reformador de Luís de França

A proximidade de Luís com os franciscanos e dominicanos é-nos atestada por uma anedota, transmitida por seus biógrafos: “Godofredo de Beaulieu e Saint-Pathus afirmam que Luís quisera fazer-se dominicano ou franciscano, mas não soube decidir-se sobre as duas ordens, e a rainha Margarida (sua esposa) à qual teria manifestado a sua intenção de deixá-la para entrar no convento na altura em que fosse possível transmitir a coroa ao filho maior, tê-lo-ia dissuadido de tal propósito”[40]. Embora contestado pelos historiadores modernos, este fato, relatado pelos biógrafos contemporâneos ao santo testemunham a proximidade de Luís, senão a simpatia de que gozavam diante dele os franciscanos e dominicanos. Mais séria é, no entanto, a afirmação de que ele teria desejado que seu segundo e terceiro filhos se tornassem frades, um dominicano, outro franciscano[41]. Por outro lado, como já acenamos, os biógrafos são concordes sobre a crítica que se fazia no reino, à imagem de um rei manipulado pelos mendicantes, sendo ele mesmo, quase um frade sobre o trono.

O pesquisador Jean-Philippe Genet afirma que os dominicanos exerceram uma influência fundamental sobre o pensamento político de São Luís. A ideia de um rei como padrão de comportamento moral, um rei com a virtude da sabedoria, teria sido construída e seguida por Luís, seguindo os ditames dos sábios teólogos e filósofos dominicanos que dominavam a universidade de Paris, nos anos 1250-1280[42]. Apesar de Le Goff afirmar que as  elocubrações filosófico-teológicas que fervilhavam na universidade de Paris não interessavam a Luís, o fato é que Luís se cercou de grandes nomes da intelectualidade de seu tempo, pensadores, filósofos e teólogos, principalmente franciscanos e dominicanos, que colaboraram na administração e ajudaram a dar uma determinada direção política ao reino. Le Goff afirma que havia em Paris “uma ‘academia política’ de São Luís cujo coração era o convento dos jacobinos, o célebre convento de Saint-Jacques dos dominicanos parisienses”[43]. Vicente de Beauvais, dominicano, autor do Speculum Maius, a principal enciclopédia utilizada na Idade Média, era um de seus mais próximos colaboradores[44].

Podemos afirmar que dominicanos e franciscanos rivalizavam no papel de conselheiros do rei. Da parte dos franciscanos, porém, graças às pesquisas dos últimos anos, sabemos que Luís tinha um apreço particular pelos frades empenhados numa vivência mais radical dos ditames do Evangelho, que chegavam quase a se constituir uma “seita” dentro da Ordem franciscana. Referimo-nos, aqui, à proximidade de Luís com o movimento dos “Espirituais”[45]. E nesse particular, um encontro vai causar profunda impressão no rei da França.

3.1 O encontro com frei Hugo de Digne

Em 1254, voltando do Oriente derrotado, após a morte da mãe, Luís ouve falar de frei Hugo de Digne, um frade franciscano da corrente dos espirituais, defensor das ideias de Joaquim de Fiore. Frei Hugo era um grande pregador, que arrebatava multidões[46]. Em Hyères, Luís pediu para trazerem o frade à sua presença, pois queria ouvi-lo pregar. Ficou tão maravilhado que queria, a todo custo, que o frade se juntasse a seu séquito que retornava para Paris. Hugo se negou peremptoriamente. Acabou ficando apenas dois dias com Luís, mas este encontro marcou, a partir de então, a vida e o governo do rei. Hugo, segundo as palavras do biógrafo de Luís, Joinville, exortou ao rei que este “deveria se conduzir de acordo com seu povo”. No fim do sermão o frade afirmou que nunca tinha lido que um reino ou domínio se tivesse perdido ou passado a um outro senhor, “a não ser por vício de justiça”. E terminou: “Ora, que atente o rei, continuou, uma vez que vai para a França, que faça tanta justiça a seu povo que o povo assim conserve o amor de Deus, de tal maneira que Deus não lhe tire o reino de França com a vida”[47].

Depois de 1254, Luís assumiu um comportamento sempre mais austero. No dizer de seus biógrafos, passou “da simplicidade, à austeridade”. E este espírito passou à atuação política. Um sinal claro desta orientação foi a chamada “Grande Ordenação”, de dezembro de 1254. Trata-se de uma série de determinações legais que objetivavam reformar profundamente o governo do reino. Entre elas, destacam-se aquelas visando uma moralização da administração pública, para um governo justo (ético e não corrupto, diríamos hoje). Os oficiais do reino deveriam fazer justiça sem fazer distinção de pessoas. Não deveriam aceitar presentes, nem para suas mulheres ou filhos. Também em relação aos costumes e à moral eram promulgadas medidas severas: contra a blasfêmia, contra os jogos, contra a prostituição, contra a usura. No espírito da época, são emanadas também leis contra os judeus.

3.2 Outros franciscanos influentes no “entourage” de Luís

O encontro e as palavras proféticas de Hugo de Digne certamente impressionaram profundamente o espírito de Luís, educado desde criança num ambiente de piedade, que favorecia uma mística religiosa e devocional, de busca de realizar, na terra, o reino de Deus. Mas já antes deste encontro o rei mantinha, em sua “entourage”, além dos dominicanos, religiosos franciscanos empenhados com a seriedade da reforma dos costumes. Um dos franciscanos mais próximos de Luís é o mestre da Universidade de Paris, Eudes de Rigaud.

Eudes era mestre regente do convento de Paris e mestre de teologia na universidade daquela cidade. Foi o sucessor de Jean de la Rochelle e de Alexandre de Hales, e foi mestre de São Boaventura. Eudes é um dos “Quatro Mestres”, que redigiram o comentário oficial da Regra franciscana, em 1242[48]. Em 1248 foi nomeado arcebispo da diocese de Rouen, a mais importante da França, mas continuou fazendo parte do círculo dos amigos do rei, sendo um dos frades franciscanos mais íntimos de Luís: “Seu mais próximo conselheiro e amigo”, nas palavras de Le Goff[49].

Em 1255 ele celebrou o casamento da filha de Luís, Isabel. A partir de 1258 Eudes se encontra frequentemente na corte. Em novembro de 1258 presidiu a missa no aniversário de morte de Luís VIII, pai do rei. Os documentos testemunham vários encontros do rei com o arcebispo franciscano, em 1259 e 1260, quando da morte de seu herdeiro, o primogênito Luís. Em 1261 ele foi convidado a pregar na Saint-Chapelle. Sabe-se que, quando o rei estava na abadia de Royalmont, pedia que Eudes presidisse a celebração, como na festa de  Pentecostes de 1262. A presença de Eudes na corte se justifica também pelas missões diplomáticas que o rei lhe confiara, como o tratado entre a França e a Inglaterra, em 1259. Em 1264 Eudes tornou-se membro do Parlamento de Paris.

Destaque-se, no comportamento do arcebispo franciscano, seu espírito reformador e de combate aos abusos no clero regular e secular. Visitando incansavelmente todos os mosteiros, abadias e conventos masculinos e femininos de sua arquidiocese, Eudes conseguiu dar uma nova imagem à Igreja. Seus escritos somam mais de mil páginas, consistindo hoje num documento de valor inestimável para conhecermos a realidade da Igreja em uma região da França, no século XIII. Antes de morrer, Luís o designou um de seus executores testamentários. Eudes também tornou-se membro do Conselho de Regência encarregado de governar a França, sendo o primeiro membro  nomeado pelo rei Felipe III, sucessor de Luís, quando ainda se encontrava em Cartago, em outubro de 1270.

Ainda no campo intelectual, outro mestre franciscano de Paris muito próximo do rei é Gilberto de Tournai. Das poucas informações que nos chegaram sobre ele, sabemos que era mestre de teologia em Paris, amigo de São Boaventura e de Luís, e pregador de cruzadas. Escreveu várias obras de cunho pedagógico. Algumas dessas obras nasceram da amizade com o rei, como a Eruditio Regum et Principum (Educação dos reis e dos príncipes), uma coleção de três cartas escritas em 1259, endereçadas a Luís, versando sobre os princípios necessários ao bom governo dos príncipes[50]. Depois de 1261, Gilberto abandonou a cátedra para viver uma vida de oração e contemplação. A pedido de Boaventura, participou do 2º. Concílio de Lião, em 1274, onde teria apresentado sua obra De Scandalis Ecclesiae[51].

Boaventura de Bagnoregio era um dos maiores pregadores da época, mestre da universidade de Paris até 1257, quando foi eleito Ministro Geral dos Franciscanos, também era admirado por Luís, que o convidava para pregar em sua presença. Boaventura pregou pelo menos dezenove vezes diante do rei.

A proximidade e intimidade entre Luís e os franciscanos mostra-se numa querela séria, que estourou na Universidade de Paris. Entre 1254 e 1257, alguns mestres seculares colocaram em questão o estilo de vida dos mendicantes, uma novidade que, segundo eles, ia contra o Direito Canônico, especificamente por causa do princípio mendicante e do ensino universitário e da pregação. O chefe dos seculares era Guilherme de Saint-Amour. Depois de uma acirrada polêmica, com a intervenção dos maiores mestres da época, Boaventura e Tomás de Aquino, entre outros, a Santa Sé reconheceu, por duas vezes, o direito dos frades. O rei Luís executou imediatamente as ordens em favor dos frades. Obrigou Saint-Amour a entregar seus cargos e benefícios, proibiu-o de pregar e ensinar, e o exilou da França[52].

3.3 Um encontro de Luís com os frades

Frei Salimbene de Parma, cronista medieval, é o responsável pela descrição de um dos mais belos quadros de convivência do rei Luís com os franciscanos. Salimbene viajou a Sens, na França, para participar do Capítulo Geral. Além das autoridades da Ordem, como o Ministro Geral João de Parma, chega ao local o rei da França, dirigindo-se em peregrinação para a cruzada. Salimbene descreve a cena da chegada do rei. Povo e religiosos se aglomeram à espera da chegada do rei. Em meio à multidão, perdido, porque se atrasara e os outros frades já tinham ido ao encontro do rei, encontra-se o franciscano Eudes de Rigaud, arcebispo de Rouen, que, mitra na cabeça e cajado à mão, gritava: “Onde está o rei? Onde está o rei?”. Salimbene passa a descrever o rei: “O rei era esbelto e delicado, magro e alto, tendo um rosto angelical e face simpática. E vinha à igreja dos Frades menores não na pompa régia, mas no hábito de peregrino, tendo uma sacola e bordão de peregrinação ao pescoço que decoravam muito bem as espáduas do rei. E vinha não a cavalo, mas a pé; e os seus irmãos de sangue, que eram três condes, […] seguiam-no em semelhante humildade e hábito. […] Na verdade, parecia mais um monge, quanto à devoção do coração, do que um cavaleiro, quanto às armas de guerra. E assim, entrando na igreja dos irmãos, tendo feito a genuflexão mui devotamente diante do altar, rezou. […] Em seguida, o rei disse, com voz bem clara que ninguém entrasse na sala do Capítulo, a não ser os cavaleiros, exceto os irmãos, aos quais ele queria falar. E quando estávamos reunidos no Capítulo, o rei começou a relatar seus atos, recomendando-se a si mesmo, aos irmãos e a rainha sua mãe, e toda sua comitiva; e, fazendo genuflexão com muita devoção, pediu as orações e os sufrágios dos irmãos”[53].

Frei João de Parma tomou a palavra e prometeu as orações da Ordem, devendo cada padre celebrar quatro missas pelo rei. Após o encontro, seguiu-se um lauto banquete, tudo às expensas do rei. Frei João de Parma, embora tendo lugar reservado ao lado do rei, preferiu sentar-se com os mais pobres[54].

No dia seguinte o rei retomou seu caminho em direção ao porto que o levaria para a Terra Santa. Mas ainda faria vários desvios, para visitar os eremitérios franciscanos pelo caminho, onde se punha em oração. De novo é frei Salimbene quem nos descreve uma destas visitas. Em Vézelay, no dia 21 de junho de 1248, o rei e seus três irmãos dirigiram-se ao convento dos frades, modesto e recém-construído. Entraram na igreja e, embora os frades lhes oferecessem bancos e cadeiras, o rei se senta no chão, na poeira, já que o piso da igreja ainda não estava pavimentado. Sentados todos no chão, em círculo em volta do rei, este lhes dirige a palavra e se recomenda às suas orações[55].

  1. Conclusão

A infância do príncipe Luís foi marcada pela presença dos primeiros franciscanos que chegaram à França. Religiosos austeros, piedosos, penitentes, mas ao mesmo tempo plenamente inseridos nos centros urbanos que surgiam, cientes de suas labutas e ambiguidades cotidianas, seja na política, seja no mundo acadêmico ou eclesiástico-religioso.

Franciscanos e dominicanos influenciaram o modo de Luís impostar a política na França. Ambas as Ordens contavam com homens preparados, intelectuais e pensadores que dominavam as cátedras na universidade de Paris. Da parte especificamente franciscana, é interessante notar que Luís se cerca daqueles frades imbuídos de uma nova visão do modo de ser religioso e de impostar as relações com o mundo. O empenho nas reformas, a radicalidade de vida, o combate aos abusos, a visão alegórica, apocalíptica e milenarista, prospectando um mundo diferente, transformado pela radicalidade evangélica, marcam a vida destes homens. Mas não são monges, isolados nos eremitérios e mosteiros, distantes e alheios aos problemas humanos. Ao contrário, são religiosos empenhados em buscar respostas às grandes questões e desafios que aquele momento e aquela sociedade lhes propõem, vivenciando-as e conhecendo-as a partir de dentro. Le Goff afirma que “São Luís… entre os franciscanos estava inclinado a seguir os joaquimitas: mas ele se cerca daqueles que se impõem por sua influência na sociedade da segunda metade do século XIII, quer dizer, pessoas da Igreja que buscam antes de tudo achar um modus vivendi entre as novas seduções da vida, o desenvolvimento de uma economia de troca e empréstimo, e as necessidades da salvação. Pessoas partidárias tanto do compromisso religioso como do compromisso social, de uma evangelização da sociedade nova equilibrando o admissível e o inaceitável”[56].

Os franciscanos correspondem muito bem a esse novo modus vivendi: são homens de uma piedade e seriedade religiosa a toda prova, fautores da pobreza e da simplicidade, vivem nas cidades, e estão nos grandes centros de estudos, discutindo em pé de igualdade com os maiores pensadores de seu tempo, dando respostas pertinentes e eficazes aos desafios dos novos tempos. São homens que entendem as necessidades, a linguagem e os desafios das cidades. Encontram-se, com a mesma desenvoltura, nos mais simples e humildes tugúrios ou nos palácios e parlamentos dos reis. Homens preparados e capazes de corresponder às exigências dos espíritos mais sérios e preocupados em impostar uma política de governo que correspondesse aos desígnios de Deus. Mas, ao mesmo tempo, capazes de guiar os espíritos humanos nas árduas batalhas espirituais travadas dia a dia na busca da salvação da própria alma. Com os discípulos de Francisco de Assis, Luís de França aprendeu a cuidar bem da cidade dos homens, sem perder de vista a Cidade de Deus.

Na peregrinação em busca da salvação, a exemplo de Francisco de Assis, Luís seguiu os passos do Cristo da Paixão. Através da penitência, do sacrifício e da caridade para com o próximo, os pequenos e pobres, conseguiu atingir a meta. Na decisão de partir para a segunda cruzada, doente e enfraquecido, estava a certeza de que a derrota da primeira fora causada por sua culpa, por causa de seus pecados. Assim, a cruzada revela-se como uma via purgativa, de salvação e de conformação com o Cristo pobre e sofredor[57]. A morte na cruzada é a conclusão ideal de sua vida.

As palavras dirigidas ao filho no seu Testamento Espiritual representam o ponto de chegada de uma vida pautada pela busca do bem comum, e pelo empenho pela própria salvação, seguindo as pegadas de Cristo: “Filho dileto, começo por querer ensinar-te a amar ao Senhor, teu Deus, com todo coração, com todas as forças, pois sem isto não há salvação… Guarda, meu filho, um coração compassivo para com os pobres, infelizes e aflitos e, quanto puderes, auxilia-os e consola-os. Por todos os benefícios que te foram dados por Deus, rende-lhe graças para te tornares digno de receber maiores. Em relação a teus súbditos, sê justo até o extremo da justiça, sem te desviares; e põe-te sempre de preferência  da parte do pobre mais do que do rico, até estares bem certo da verdade. Procura com empenho que todos os teus súditos sejam protegidos pela justiça e pela paz, principalmente as pessoas eclesiásticas e religiosas. Sê dedicado e obediente a nossa mãe, a Igreja Romana, ao Sumo Pontífice, como pai espiritual. Esforça-te por remover de teu país todo pecado, sobretudo o de blasfêmia e heresia. Ó filho muito amado, dou-te, enfim toda bênção que um pai pode dar ao filho e toda Trindade e todos os santos te guardem do mal. Que o Senhor te conceda a graça de fazer sua vontade de forma a ser servido e honrado por ti. E assim, depois desta vida, iremos juntos vê-lo, amá-lo e louvá-lo sem fim. Amém”.

Bibliografia: 
Livros:
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Stein, Henri, Pierre Lombard, médecin de Saint Louis In: Bibliothèque de l’école des Chartes. 1939, tome 100. pp. 63-71.doi : 10.3406/bec.1939.449186.  http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/bec_0373-6237_1939_num_100_1_449186.
[1] A realização do IV Concílio do Latrão (1215), com seus cânones relacionados à vida cristã em geral, à pregação, às cruzadas, às Ordens mendicantes, ao combate às heresias, entre outros, serve-nos como paradigma para ilustrar a efervescência espiritual do momento.
[2] O que hoje conhecemos como França era, no século XIII, composto de uma série de reinos, mais ou menos independentes, sob controle do monarca francês. Só no século XV é que os reis vão conseguir o domínio efetivo de todo o território, que corresponde à França atual.
[3] Uma obra imprescindível para se conhecer a vida de Luís de França, constituída de quase 900 páginas de conhecimento e erudição medieval: Le Goff, Jacques, São Luís, Record, RJ e SP 1999.
[4] Tratar da vida de um rei santo nos coloca o sério risco de cairmos em lugares-comuns, sem uma visão crítica. Não ignoramos o uso ideológico que se fez da atuação de Luís, nem o uso político que se fez da religião, ou o modo como seus biógrafos utilizaram-se de sua piedade e devoção, para criar a imagem de um rei santo como governante ideal. Varias destas facetas foram e continuam sendo exploradas nos meios acadêmicos. Do mesmo modo, não ignoramos a tênue linha que separa a biografia da hagiografia. Nas poucas páginas de um artigo, porém, não podemos fazer a “exegese” dos gestos religiosos e políticos de Luís, como foram apresentados por seus biógrafos, ou o modo como foram assimilados, apropriados e, em alguns casos, manipulados em função do poder.
[5] Quando da morte de São Francisco, os frades de Assis enviaram de presente à mãe do rei o travesseiro que o santo costumava usar durante sua doença. Tomás de Celano faz referência aos milagres realizados na França através desta relíquia: “Quantas maravilhas Francisco realiza somente na França, aonde acorrem o rei e a rainha dos franceses e todos os grandes para beijar e venerar o travesseiro que São Francisco usava na enfermidade?”. Fontes Franciscanas e Clarianas, Tradução de Celso Márcio Teixeira, Vozes/FFB, Petrópolis 2004, Primeira Vida de Celano 120, p. 283.
[6] A França tem este título pelo fato de que Clóvis, o rei dos Francos (tribo bárbara que vai dar origem à França), ter sido batizado em 499, pelo bispo católico Remígio, sem ter antes passado pela heresia ariana, como os demais povos bárbaros.
[7] Frase famosa na Idade Média: “Um rei iletrado não passa de um asno coroado”.
[8] Jean de Joinville, Histoire de Saint Louis, edição de Natalis de Wailly. Paris: Librairie Hachette, 1921. Joinville escreveu a Vida 30 anos após a morte de Luís e ele mesmo morreu 47 anos depois da morte de São Luís, aos 93 anos. Esta biografia também foi utilizada pelo papa Bonifácio VIII no processo de canonização, em 1297. Não nos cabe aqui, dada a complexidade da matéria, fazer uma distinção historiográfica entre “biografia” e “hagiografia”. Utilizaremos, quando necessário, o termo “biografia”.
[9] Uma filha do rei pediu ao franciscano que escrevesse a biografia. Esta ficou pronta em 1303. Sobre Guilherme de Saint-Pathus; Carolus-Barre L., Guillaume de Saint-Pathus, confesseur de la reine Marguerite et biografe de Saint-Louis, Archivum Franciscanum Historicum, Firenze 1986, vol. 79, no1-2, pp. 142-152.
[10] Guillaume de Nangis, Vie et vertus de Saint Louis, Librarie de la Société Bibiographique, Paris 1877.
[11] Quanto à pertença de Luís à Ordem Terceira Franciscana, nada consta de uma efetiva profissão, que, por outro lado, nem era comum naqueles inícios da Ordem. Ele é, de fato, Terceiro Franciscano, e a justo título Patrono da Ordem Terceira, pela seriedade com que assumiu em sua vida, enquanto leigo, os valores franciscanos. Já a iconografia que o representa como membro da Ordem franciscana é tardia. Por volta de 1330, Giotto (+1337) pintou um afresco na capela Bardi, na Igreja de Santa Cruz, dos franciscanos de Florença. Nesta capela, que servia de local de reunião dos terceiros florentinos, São Luís aparece segurando o cordão franciscano. A iconografia representando São Luís como pertencente à Ordem Terceira vai se multiplicar: 1330, afresco na capela de São Francisco, de Lucca (Itália), hoje perdida; 1450, desenho na obra Armorial d’Auvergne (França), pintado por Guilherme Ravel; terracota de Andrea della Robbia (1435-1525), representando São Francisco entregando a Regra a Santa Isabel e a São Luís. As representações seguem este padrão,  em afrescos, quadros e pinturas nas principais igrejas franciscanas, continuando a tradição que se afirma após a canonização: Luís de França pertenceu à Ordem Franciscana. O Ofício dos Terceiros, de 1550, afirma que “Luís se associou a São Francisco porque a Regra da Penitência dirige seus passos”.
[12] Seu biógrafo, Jean de Joinville atesta: “Nunca um homem leigo de nosso tempo viveu tão santamente durante todo o seu tempo, desde o começo de seu reinado até o fim de sua vida”. Seu papel de pai dedicado aparece nos Ensinamentos que deixou a seu filho. A obra  reforça a imagem do tipo ideal de soberano cristão, suas regras de conduta moral e política. Delaborde Henri-François. Le texte primitif des Enseignements de saint Louis à son fils. In: Bibliothèque de l’école des chartes. 1912, tome 73. pp. 73-100. Doi : 10.3406/bec. 1912.448470. http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/bec_0373-6237_1912_num_73_1_448470
[13] Segundo uma fonte contemporânea aos fatos, teria sido a mãe de Luís, Branca de Castela, a fazer o voto, com as relíquias sobre o corpo do filho, num momento de desespero, quando todos achavam que o rei estivesse morto. In Mercuri, Chiara. San Luigi e la crociata. In: Mélanges de l’Ecole française de Rome. Moyen-Age, Temps modernes, T. 108, N°1. 1996. pp. 221-241. doi : 10.3406/mefr.1996.3483. http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/mefr_1123-9883_1996_num_108_1_3483
[14] Sobre a participação de Luís em duas cruzadas há muita bibliografia. Citamos apenas algumas obras: Laband, Edmond-Rène, Saint Louis Pèlerin. In: Revue d’histoire de l’Église de France. Tome 57. N°158, 1971. pp. 5-18. Doi : 10.3406/rhef.1971.1856  http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/rhef_0300-9505_1971_num_57_158_1856San Luigi e la Crociata, oc.
[15] Le Goff, Jacques, Uma longa Idade Média, Civilização Brasileira, RJ 2008, p. 93.
[16] O clérigo Jacques de Vitry, escrevendo em 1216 sobre o movimento franciscano vai comentar, sobre os clérigos que não desempenhavam a contento sua função de cuidar dos fiéis, que eram quais “cães mudos, incapazes de ladrar (Is 56,10)”. Fontes Franciscanas e Clarianas, oc., Testemunhos Menores – Jacques de Vitry, p. 1423.
[17] Le Goff, Jacques, S. Luís, p. 661-662. Em outra obra, o mesmo autor afirma: “É sabido quanta influência tiveram sobre São Luís os mendicantes, de que se rodeou”. In Le Goff, Jacques, O maravilhoso e o Cotidiano no Ocidente Medieval, Edições 70, Lisboa, Portugal 1985, p. 75. Quando da morte de Luís, existiam na França mais de duzentos conventos franciscanos e mais de cem dominicanos. Quando voltou da sua primeira cruzada, Luís mandou construir uma biblioteca na Saint-Chapelle, onde guardava originais dos maiores escritores eclesiásticos, como Agostinho, Ambrósio, Jerônimo, Gregório, e outros autores. Quando morreu, estes livros foram deixados em herança aos frades menores de Paris, aos dominicanos e aos cistercienses de Royaumont. Ele ajudou ainda sua irmã, Isabel de França, a fundar a abadia das Clarissas de Longchamps, com o título de Irmãs Menores da Humildade de Nossa Senhora. Luís conseguiu que seu nome e o de sua mãe fossem incluídos no memento dos vivos em todos os mosteiros da Ordem Cisterciense da França, bem como dos dominicanos, dos franciscanos e dos beneditinos de Grandmont.
[18] Os Cistercienses são uma reforma do ramo beneditino, surgida na França em 1098, buscando uma maior radicalidade na vivência da Regra de São Bento. Seu maior nome é Bernardo de Claraval (1090-1153).
[19] Na liturgia da Saint-Chapelle, a magnífica capela pessoal que o rei construiu para colocar as relíquias, Luís institui três ofícios litúrgicos por ano, em honra das relíquias: um para os dominicanos, um para os franciscanos, e um dividido alternadamente entre as outras ordens religiosas presentes na capital.
[20] “‘Quando ele estava cheio do ardor do Espírito Santo’, diz Tomás de Celano, ‘falava francês em voz alta’. Nos bosques, cantava em francês, pedia como esmola em francês, óleo para a luminaria de San Damiano  que tinha consertado”. Le Goff, Jacques, São Francisco de Assis, Record, RJ e SP 2011, p. 59.
[21] Fontes Franciscanas e Clarianas, Tradução de Celso Márcio Teixeira, Vozes/FFB, Petrópolis 2004: Primeira Vida de Celano 74-75, p. 248-249; Compilação de Assis 18, p. 944-945.
[22] Os primeiros frades que chegaram à França foram confundidos com os albigenses. Depois da intervenção de um bispo e uma carta do papa Honório, atestando a seriedade de vida dos frades, estes puderam se estabelecer no país. Cfr. Crônicas de frei Jordão de Jano, in Fontes Franciscanas…, oc., p. 1265. Destruído durante a revolução francesa, o convento de Vézelay foi reaberto em 1997, tornando-se um eremitério franciscano.
[23] A simpatia de Luís pelos franciscanos tem sua origem na devoção de sua mãe, Branca, por São Francisco.
[24] A biografia de São Francisco, escrita em 1228 por Tomás de Celano, coloca no encontro com o leproso, que se revela como sendo o próprio Cristo, o momento central da conversão do santo. Francisco vai evocar esta experiência vital no seu Testamento, um de seus mais importantes escritos. Outra experiência de conversão se dá quando Francisco entrega sua capa a um pobre que está sofrendo com o frio. O pobre logo desaparece, o que faz entender que se tratava do próprio Cristo.
[25] Madaule, J., Saint Louis de France, Aux Editions Franciscanies, Paris 1946, p. 17-18.
[26] Le Goff, O maravilhoso…oc., p. 89, nota 41.
[27] Idem.
[28] Vários gestos de Luís demonstram um espírito livre das amarras do poder e das convenções sociais. Ele é um rei que se senta no chão, na terra nua, para conversar com seus súditos; é capaz de fazer reuniões sob as árvores, nos jardins do palácio; frequentemente come com os monges, vai à cozinha e lhes traz a terrina com a sopa, e os serve. Quando é advertido pelo abade que acabou sujando a capa na terrina de sopa, o rei responde: “não tem importância. Eu tenho outras”. Cfr. Guilherme de Saint-Pathus, citado por Le Goff, São Luísoc., p. 557.
[29] Quando lhe criticam pelo excesso de despesa na construção dos conventos dos franciscanos e dominicanos em Paris, Luís responde: “Meu Deus! Como acredito ser bem empregado este dinheiro para todos esses frades tão eminentes que do mundo inteiro confluem aos conventos parisienses para estudar a ciência sagrada, e que, aí tendo aprendido, voltam ao mundo inteiro para expandi-la pelo amor de Deus e a salvação das almas”. Le Goff, São Luís, oc., p. 725.
[30] Franciscanos e dominicanos eram os principais confessores da família real. A esposa de Luís e sua filha, Branca, tinham como confessores frades franciscanos.
[31] Guilherme de Saint-Pathus, Vie de Saint Louis, p. 118-119, citado por Le Goff, São Luísoc., 729.
[32] Apesar desta proximidade com os religiosos, os estudiosos são concordes em assinalar a independência de Luís em relação aos bispos e mesmo em relação ao papado. Em várias ocasiões o rei não vai deixar de expressar sua opinião contrária à política eclesiástica diante das autoridades da Igreja, inclusive o próprio papa.
[33] Guilherme de Nagis, citado por Le Goff, São Luís, 115.
[34] Le Goff, Jacques, O maravilhoso…, o,.c.. p. 86. As citações entre aspas simples dentro do texto referem-se à citação da obra de  Guilherme de Saint-Pathus.
[35] Stein, Henri, Pierre Lombard, médecin de Saint Louis In: Bibliothèque de l’école des Chartes. 1939, tome 100. pp. 63-71.doi : 10.3406/bec.1939.449186.  http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/bec_0373-6237_1939_num_100_1_449186.
[36] Le Goff, São Luís, oc., p. 175; p. 766, citando Joinville.
[37] Idem, 768.
[38] “Graças a Joinville, vemos São Luís rir e às vezes rir às gargalhadas”. Le Goff, Jacques, São Luísoc., p. 431.
[39] A Terra Santa sempre foi, desde as origens do movimento franciscano, mais do que um lugar geográfico, um ideal de santidade e de santificação.
[40] Le Goff, Jacques, O Maravilhoso…, oc, p. 79.
[41] Seu sobrinho, Luís de Toulose, vai se tornar franciscano e bispo, e também vai se canonizado.
[42] O autor chega a afirmar que Le Goff teria privilegiado, através de Gilberto de Tournai, o São Luís dos franciscanos, em detrimento do São Luís dominicano In: Genet, Jean-Philippe. Saint Louis: le roi politique, In: Médiévales, N°34, 1998. pp. 25-34. doi : 10.3406/medi.1998.1410. http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/medi_0751-2708_1998_num_17_34_1410
[43] Le Goff, Jacques, Uma longa Idade Médiao.c., 226.
[44] “…foi também o compilador de um amplo tratado filosófico-teológico (Speculum doctrinale) em que são discutidos os temas relativos ao poder, ao governo, ao ministério régio, sua função natural e sobrenatural, a constituição mesma de uma comunidade política e sua necessidade. Além de teorizar sobre a política, Vicente também procurou educar os governantes, no sentido de ensinar a arte do governo: devem-se a ele duas das principais obras do século XIII sobre essa matéria”. Miatello, A. L. Pereira, O rei e o reino sob o olhar do pregador: Vicente de Beauvais e a realeza no século XIII, Revista Brasileira de História, vol. 32, nº 63, p. 227. Uma dessas obras é o De Morali principis institutione, escrita em 1247, a pedido da rainha Margarida, para a educação de seus filhos. Roberto de Sourbonne, fundador do Colégio (depois Universidade) de Sorbonne, era outro clérigo muito próximo de Luís.
[45] Os “Espirituais” surgiram na Ordem franciscana logo após a morte de Francisco, em oposição ao que consideravam desvios na proposta original de vida do fundador. Sinteticamente, seu programa tinha quatro pontos: atacavam os abusos contra a pobreza, eram contra os estudos, defendiam que a Regra e o Testamento eram obrigatórios para toda a Ordem, eram contra os privilégios pontifícios. São chamados espirituais porque assumiram as doutrinas do abade Joaquim de Fiore, morto em 1202 (por isso também “joaquimitas”), que dividia a história do mundo em três eras: a do Pai, a do Filho e a do Espírito Santo. Os frades fiéis (segundo os Espirituais) aos propósitos originais de Francisco, fiéis à pobreza e à simplicidade, iriam inaugurar a era do Espírito: por isso, Espirituais. Com o tempo o grupo se amplia, constituindo um verdadeiro partido rigorista, de reforma e de radicalidade dentro da Ordem, suspeito de heresia.
[46] Sobre frei Hugo de Digne nos informa o cronista medieval Salimbene de Parma: “Ele era um dos maiores clérigos do mundo, solene pregador, querido pelo clero e pelo povo, o maior nas disputas e preparado para tudo. Envolvia a todos, tinha uma conclusão para tudo, tinha língua eloquente e voz como de tuba que soa, de grande trovão e de muitas águas que soam, quando descem pelo precipício. Nunca impunha [suas ideias], nunca complicava. Estava sempre preparado para toda resposta. Dizia coisas maravilhosas da corte celeste, isto é, da glória do paraíso, e coisas terríveis das penas do inferno. Era oriundo da província da Provença, de estatura média e não muito escuro. Homem espiritual além da medida… Havia (em Hyères) muitos notários, juízes, médicos e outros letrados que nos dias solenes se reuniam na sala de Frei Hugo para ouvi-lo, enquanto ele falava da doutrina do abade Joaquim, ensinava e expunha os mistérios da Sagrada Escritura e predizia as coisas futuras. Pois era um grande joaquimita e tinha todos os livros do abade Joaquim escritos com letras grandes”. Fontes Franciscanas e Clarianas, Tradução de Celso Márcio Teixeira, Vozes/FFB, Petrópolis 2004, Crônica de Frei Salimbene de Adam (de Parma), p. 1400-1401.
[47] Joinville, Histoire de Saint Louis, citado por le Goff, São Luís, p. 193. O autor vê neste encontro com o franciscano Hugo de Digne um momento fundamental no governo de Luís, pois, voltando derrotado e decepcionado da Cruzada (Luís vai passar um período em profunda tristeza), busca respostas para a derrota e sobre o melhor modo de servir a Deus. O encontro com Hugo é, para Luís, a resposta: governar de modo a fazer reinar, aqui na terra, a justiça do reino de Deus.
[48] A pedido do Ministro Geral frei Haimon de Faversham, alguns mestres das escolas de Oxford e Paris se dispuseram a “interpretar” a Regra, para responder às dúvidas surgidas na Ordem. O resultado da consulta foi a “Expositio quatuor magistrorum super Regulam Fratrum Minorum”, dos mestres de Paris Alexandre de Hales, João de La Rochele, Roberto de Base e Eudes de Rigaud.
[49] Le Goff, Jacques, São Luíso.c., p. 269.
[50] Veja-se: Retrato do rei ideal, in Le Goff, Um Longa…, oc., p. 217-238. Miatello, A. L. Pereira, Os frades mendicantes e a educação política no século XIII (Vicente de Beauvais e Gilberto de Tournai), XVIII Encontro Regional da ANPUH, 24-27 de julho de 2012.
[51] Cardini, F., Gilberto de Tournai: un francescano predicatore della crociata, Studi Francescani 72, 1975, 31-48.
[52] A questão vai ter seus desdobramentos, a favor e contra os mendicantes. Veja-se a propósito: Glorieus, Paul, Prélats français contre religieux mendiants. Autour de la bulle: “Ad fructus úberes” (1281-1290). In Revue d’histoire de l’Église de France. Tome 11. N°52, 1925. pp. 309-331. Doi : 10.3406/rhef.1925.2360. http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/rhef_0300-9505_1925_num_11_52_ 2360.
[53] Fontes Franciscanas e Clarianas,  2004, Crônica de Frei Salimbene de Adam (de Parma)o.c., p. 1402.
[54] João de Parma também era fautor da ala reformista dos joaquimitas. São Boaventura foi seu sucessor, que o processou e condenou à prisão perpétua.  A proximidade dos soberanos franceses com os franciscanos espirituais vai continuar após a morte de Luís. Já citamos aqui São Luís de Toulose, sobrinho de Luís. Ele e seus irmãos tiveram como preceptor frei Pedro de João Olivi, um dos maiores expoentes da corrente dos Espirituais.
[55] Carolus-Barré, Louis. Le Procès de canonisation de Saint Louis (1272-1297). Essai de reconstitution. Rome: École Française de Rome, 1994, p. 295, (Publications de l’École française de Rome, 195). http://www.persee.fr/web/ouvrages/home/prescript/monographie/efr_0000-0000_1994_edc_195_1 . Descrição também em Le Goff, São Luís, 401-402.
[56] Le Goff, Uma Longa..., oc, p. 261.
[57] “O Cristo sofredor é aquele proposto por Boaventura e pelo movimento franciscano, ao contrário de Francisco que tinha, ele mesmo, privilegiado o rosto amoroso do Pai celeste e que se viu ‘irmão’ do Cristo. Francisco se identificou com os sofrimentos espirituais do Filho, ao Cristo do Monte das Oliveiras, e não aos tormentos do supliciado, ao Cristo do Gólgota”. Mercuri, Chiara, San Luigi e la Crociata, 235-236. In: Mélanges de l’Ecole française de Rome. Moyen-Age, Temps modernes T. 108, N°1. 1996. pp. 221-241. doi : 10.3406/mefr.1996.3483. http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/mefr_1123-9883_1996_num_108_1_3483.

Santa Isabel, Padroeira da Ordem Terceira

SANTA ISABEL DA HUNGRIA, padroeira da Ordem Terceira
Diz a lenda que Isabel foi invocada mesmo antes de nascer. Um vidente anunciou seu glorioso nascimento como estrela que nasceria na Hungria, passaria a brilhar na Alemanha e se irradiaria para o mundo. Citou-lhe o nome, como filha do rei da Hungria e futura esposa do soberano de Eisenach (Alemanha).

De fato, como previsto, a filha do rei André, da Hungria, e da rainha Gertrudes, nasceu em 1207. O batismo da criança foi uma festa digna de reis. E a criança recebeu o nome de Isabel, que significa repleta de Deus.

Ela encantou o reino e trouxe paz e prosperidade para o governo de seu pai. Desde pequenina se mostrou de fato repleta de Deus pela graça, pela beleza, pelo precoce espírito de oração e pela profunda compaixão para com os sofredores.

Tinha apenas quatro aninhos quando foi levada para a longínqua Alemanha como prometida esposa do príncipe Luís, nascido em 1200, filho de Hermano, soberano da Turíngia. Hermano se orientava pela profecia e desejava assegurar um matrimônio feliz para seu filho.

Dada a sua vida simples, piedosa e desligada das pompas da corte, concluíram que a menina não seria companheira para Luis. E a perseguiam e maltratavam, dentro e fora do palácio.

Luis, porém, era um cristão da fibra do pai. Logo percebeu o grande valor de Isabel. Não se impressionava com a pressão dos príncipes e tratou de casar-se quanto antes. O que aconteceu em 1221.

A Santa não recuava diante de nenhuma obra de caridade, por mais penosas que fossem as situações, e isso em grau heróico! Certa vez, Luis a surpreendeu com o avental repleto de alimentos para os pobres. Ela tentou esconder… Mas ele, delicadamente, insistiu e… milagre! Viu somente rosas brancas e vermelhas, em pleno inverno. Feliz, guardou uma delas.

Sua vida de soberana não era fácil e freqüentemente tinha que acompanhar o marido em longas e duras cavalgadas. Além disso, os filhos, Hermano, de 1222; Sofia, de 1224 e Gertrudes, de 1227.

Estava grávida de Gertrudes, quando descobriu que o duque Luis se comprometera com o Imperador Frederico II a seguir para a guerra das Cruzadas para libertar Jerusalém. Nova renúncia duríssima! E mais: antes mesmo de sair da Itália, o duque morre de febre, em 1227! Ela recebe a notícia ao dar à luz a menina.

Quando Luis ainda vivia, ele e Isabel receberam em Eisenach alguns dos primeiros franciscanos a chegar na Alemanha por ordem do próprio São Francisco. Foi-lhes dado um conventinho. Assim, a Santa passou a conhecer o Poverello de Assis e este a ter freqüentes notícias dela. Tornou-se mesmo membro da Familia Franciscana, ingressando na Ordem Terceira que Francisco fundara para leigos solteiros e casados. Era, pois, mais que amiga dos frades. Chegou a receber de presente o manto do próprio São Francisco!

Morto o marido, os cunhados tramaram cruéis calúnias contra ela e a expulsaram do castelo de Wartburgo. E de tal forma apavoraram os habitantes da região, que ninguém teve coragem de acolher a pobre, com os pequeninos, em pleno inverno. Duas servas fiéis a acompanharam, Isentrudes e Guda.

De volta ao Palácio quando chegaram os restos mortais de Luís, Isabel passou a morar no castelo, mas vestida simplesmente e de preto, totalmente afastada das festas da corte. Com toda naturalidade, voltou a dedicar-se aos pobres. Todavia, Lá dentro dela o Senhor a chamava para doar-se ainda mais. Mandou construir um conventinho para os franciscanos em Marburgo e lá foi morar com suas servas fiéis. Compreendeu que tinha de resguardar os direitos dos filhos. Com grande dor, confiou os dois mais velhos para a vida da corte. Hermano era o herdeiro legitimo de Luis. A mais novinha foi entregue a um Mosteiro de Contemplativas, e acabou sendo Santa Gertrudes! Assim, livre de tudo e de todos, Isabel e suas companheiras professaram publicamente na Ordem Franciscana Secular e, revestidas de grosseira veste, passaram a viver em comunidade religiosa. O rei André mandou chamá-las, mas ela respondeu que estava de fato feliz. Por ordem do confessor, conservou alguma renda, toda revertida para os pobres e sofredores.

Construiu abrigo para as crianças órfãs, sobretudo defeituosas, como também hospícios para os mais pobres e abandonados. Naquele meio, ela se sentia de fato rainha, mãe, irmã. Isso no mais puro amor a Cristo. No atendimento aos pobres, procurava ser criteriosa. Houve época, ainda no palácio, em que preferia distribuir alimentos para 900 pobres diariamente, em vez de dar-lhes maior quantia mensalmente. É que eles não sabiam administrar. Recomendava sempre que trabalhassem e procurava criar condições para isso. Esforçava-se para que despertassem para a dignidade pessoal, como convém a cristãos. E são inúmeros os seus milagres em favor dos pobres!

De há muito que Isabel, repleta de Deus, era mais do céu do que da terra. A oração a arrebatava cada vez mais. Suas servas atestam que, nos últimos meses de vida, frequentemente uma luz celestial a envolvia. Assim chegou serena e plena de esperança à hora decisiva da passagem para o Pai. Recebeu com grande piedade os sacramentos dos enfermos. Quando seu confessor lhe perguntou se tinha algo a dispor sobre herança, respondeu tranqüila: “Minha herança é Jesus Cristo !” E assim nasceu para o céu! Era 17 de novembro de 1231.

Sete anos depois, o Papa Gregório IX, de acordo com o Conselho dos Cardeais, canonizou solenemente Isabel. Foi em Perusa, no mesmo lugar da canonização de São Francisco, a 26 de maio de 1235, Pentecostes. Mais tarde foi declarada Padroeira das Irmãs da Ordem Franciscana Secular.

FREI CARMELO SURIAN, O.F.M.