Carisma - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Imaculada Conceição de Maria

A Ordem da Imaculada Conceição

Frei Clarêncio Neotti, OFM

Na história do dogma da Imaculada Conceição e da devoção à Virgem Maria concebida sem pecado original, destacam-se Santa Beatriz da Silva e a Ordem religiosa por ela fundada, hoje chamada Ordem das Irmãs Concepcionistas Franciscanas, ou Ordem de Santa Beatriz ou, simplesmente, Concepcionistas. No início, a Ordem se chamou Ordem da Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria, mas como as Irmãs estavam estreitamente ligadas aos Franciscanos, que lhe davam assistência e subsídio teológico, o povo espanhol chamava a Ordem de “Concepción Francisca”.

De fato, a Ordem nasceu na Espanha, precisamente em Toledo, onde, em 1484, Beatriz Menezes da Silva, com doze companheiras, deu início à nova família religiosa com uma intenção bem definida: contemplar e difundir o privilégio da Imaculada Conceição de Maria, então ainda apenas devoção e objeto de complicadas discussões teológicas. Em abril de 1489, o Papa Inocêncio VIII aprovou a nova Ordem “sob a proteção da Conceição bem-aventurada”.

Beatriz trouxera do berço a devoção à Virgem Imaculada. Nasceu em 1426, em Ceuta, costa da África setentrional, de pais portugueses: Ruy Gomes da Silva e Isabel Meneses. Os pais, aparentados com a família real portuguesa, trabalhavam na corte e foi em meio ao bulício cortesão que Beatriz se educou, como disse o Papa Paulo VI, “rica em dons da natureza e da graça, distinguindo-se desde os primeiros anos por uma singular devoção a Jesus Cristo e à Virgem Mãe de Deus, sobressaindo por sua prudência, retidão de vida e progresso nos estudos cívicos e religiosos”. Moça extraordinariamente bonita, foi dama de honra da Rainha Isabel de Castela. Afastando todas as pretensões de casamento, emitiu voto de perpétua virgindade e retirou-se para um mosteiro de Toledo. Mas não se fez religiosa. Por 30 anos viveu como leiga consagrada. Só em 1484, deu início à nova forma de vida, uma vida enclausurada, contemplativa, com um carisma monacal bem definido.

Beatriz não conseguiu solidificar a Ordem, porque faleceu em agosto de 1490. Mas o que é de Deus sempre tem futuro garantido. As Filhas de Santa Beatriz cresceram no meio de dificuldades e de muita santidade. Em 1546, a Ordem já contava com mais de quarenta mosteiros, inclusive um no México. Aliás, as Concepcionistas foram as primeiras religiosas a acompanhar os missionários na América Latina e Filipinas, sem esquecer que foram também as primeiras contemplativas que se fixaram no Brasil. A Ordem das Concepcionistas Franciscanas está hoje presente com quase 200 mosteiros em vários países do mundo.

Beatriz, que tem um irmão de sangue franciscano e bem-aventurado (Beato Amadeu da Silva), foi canonizada pelo Papa Paulo VI, no dia 3 de outubro de 1976, coroando, assim, uma multissecular veneração que o povo, sobretudo da Espanha, Portugal e América Latina, sempre teve para com aquela que renunciara à corte e a suas pompas para viver na contemplação e na difusão do privilégio da Imaculada Conceição de Maria.

Na Ordem de Santa Beatriz surgiram grandes figuras marianas, como a venerável Madre Maria de Jesus de Ágreda (1602-1665), teóloga, mística, missionária, autora do famoso livro “Mística Cidade de Deus: Vida da Virgem Mãe de Deus”, considerado patrimônio da mística cristã, obra traduzida para vários idiomas, inclusive o português (tradução feita pela Abadessa do Mosteiro concepcionista Portaceli, Ponta Grossa, Pr). Poderíamos ainda lembrar as veneráveis Madre Maria dos Anjos Sorazu (também escritora), Madre Maria Teresa de Jesus Romero, Madre Mariana de Jesus, Irmã Maria de Jesus de Puebla (México). Suas causas de canonização estão chegando à fase final.

Os brasileiros não podemos esquecer o nome de Madre Joana Angélica de Jesus, que deu a vida em defesa das Irmãs, em 1822, quando as tropas do General Madeira invadiram o sagrado recinto do Mosteiro da Lapa, em Salvador da Bahia, tornando-se mártir da caridade e a primeira mártir da Ordem. Os historiadores chegaram a chamá-la de Mártir da Independência. São muitas as Irmãs que, ao longo de quinhentos anos, brilharam por sua santidade, ainda que escondidas na clausura, e por sua terníssima devoção à Virgem Maria concebida sem pecado.

Santa Beatriz e as Concepcionistas estão ligadas à Imaculada Conceição de Maria como a água está ligada ao mar. O decreto de aprovação das Novas Constituições (1993) afirma: “Santa Beatriz da Silva deu origem em Toledo a uma nova família religiosa, que encontra sua raiz e sua razão de ser na Igreja, na contemplação do mistério da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria e no empenho por imitar e reproduzir suas virtudes”. O verbo contemplar e o verbo imitar ocorrem algumas dezenas de vezes na Regra e nas Constituições da Ordem Concepcionista. A contemplação leva à imitação. E o esforço de imitar leva necessariamente à contemplação.

Como é possível alguém imitar a Imaculada Conceição, se todos nascemos marcados pelo pecado original com sua legião de conseqüências? Encontrei resposta em vários parágrafos das Constituições da Ordem de Santa Beatriz. Trata-se de imitar o modo como viveu a Virgem Maria, o modo como ela cumpriu a missão recebida, ou seja, como ela viveu a sua vocação específica. Primeiro, no silêncio. Não apenas o silêncio da boca fechada, mas o silêncio dos ouvidos abertos. Ou seja, o silêncio que se transforma em escuta. Foi o grande elogio que Jesus deu à sua Mãe: “Minha mãe é aquela que escuta a Palavra de Deus” (Lc 8,21). O escutar tem tanto a ver com o contemplar, quanto a solidão tem a ver com a comunhão.

Depois, a Concepcionista imita a Virgem Imaculada na obediência. A palavra ‘obediência’ e a palavra ‘escuta’ têm a mesma origem semântica. Obediência vem de ob-audire, ou seja, escutar com a máxima atenção. Obedecer a Deus significa, então, antes de tudo, escutar Deus. E obedecer às Irmãs significa escutar as irmãs com atenção e atitude acolhedora. Na espiritualidade franciscana, cultivada pelas filhas de Santa Beatriz, a obediência não é vertical (a súdita que obedece à superiora), mas horizontal (a Irmã que escuta e obedece à co-irmã). A obediência, portanto, tem muito a ver com a comunhão fraterna que, por sua vez, é condição para a verdadeira contemplação.

As Constituições das Concepcionistas ensinam que a Irmã imita a Virgem Maria também no serviço. O n. 99 das Constituições lembra que serviço é, sim, trabalho. Mas é também a responsabilidade de cada uma no fazer a comunhão fraterna, no construir a comunidade. Aqui toma sentido grande a afirmação programática de Jesus: “Não vim para ser servido, mas para servir” (Mt 20,28). O n. 99 tem um terceiro campo que chama de serviço: a vivência da fé. Pode parecer estranho que se chame a vivência da fé de serviço. Mas o que é vivência da fé, se não a convivência fraterna, onde cada uma deve ser tudo para todas e fazer tudo para todas? Viver a realidade de cada dia é trabalhar para que a realidade de cada dia se torne prenhe de fé e assuma o status de Reino dos Céus.

As Irmãs Concepcionistas podem viver hoje o mesmo carisma de Santa Beatriz e Santa Beatriz pôde vivê-lo, porque antes dela o próprio Filho de Deus e Filho de Maria viveu e tornou-se modelo de todas as virtudes que vemos e admiramos na Virgem-Mãe Imaculada. De fato, Jesus foi e é silêncio e escuta, obediência e serviço. Como silêncio e escuta, obediência e serviço foi a Virgem-Mãe de Jesus. Como silêncio e escuta, obediência e serviço distinguiram a virgem-mãe Santa Beatriz. Viver o silêncio para poder escutar, viver a obediência para poder servir é a melhor maneira para uma pessoa ser, de fato, contemplativa e imitadora do mistério da Imaculada Conceição da bem-aventurada Virgem Maria.

Dou alguns endereços de Mosteiros de Concepcionistas no Brasil:

● Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição da Ajuda, rua Barão de São Francisco, 385 – Vila Isabel – 20541- 370 Rio de Janeiro RJ.
● Mosteiro da Imaculada Conceição da Luz, Av. Tiradentes 676 – Luz – 01102-000 São Paulo SP.
● Mosteiro da Imaculada Conceição e São José, Av. Visconde do Rio Branco 2590 – Joaquim Távora – 60055-171 Fortaleza CE.
● Mosteiro Sagrado Coração de Jesus e Imaculada Conceição, Rodovia PI 5, km 3. 64800-970 Floriano PI.
● Mosteiro da Imaculada Conceição e Santa Clara, Rua Maria Domingas Milego 75. 18050-100 Sorocaba SP.
● Mosteiro da Imaculada Conceição, Rodovia Presidente Dutra, km 234, bairro Santa Beatriz da Silva, 12501-970 Guaratinguetá SP.

A Família franciscana celebra a festa de Santa Beatriz da Silva no dia 17 de agosto. A oração da festa lembra que, em sua vida contemplativa e virginal, resplandeceu a devoção à Virgem Imaculada, concebida sem pecado, Mãe de Deus e nossa mãe.

Nossa Senhora da Conceição Aparecida

Frei Clarêncio Neotti, OFM

Os 150 anos da proclamação do dogma da Imaculada Conceição coincidem com os 100 anos da coroação de Nossa Senhora Aparecida como Padroeira do Brasil.

A pequena e milagrosa imagem da Virgem é uma imaculada, de terracota, de apenas 36 cm de altura. Seu título oficial é justamente Nossa Senhora da Conceição Aparecida e os textos litúrgicos, em grande parte, inclusive o prefácio, são os mesmos da
festa da Imaculada Conceição, que se celebra no dia 8 de dezembro.

O que caracteriza uma imaculada? Não são anjos em torno dela; podem existir e podem faltar. Não é o Menino nos braços. Pode ter mas pode não o ter. Não é a cor do manto, a coroa de estrelas ou um título oficial dado pela Igreja. As estátuas e pinturas da Imaculada Conceição se distinguem por terem aos pés o dragão (quase sempre representado pela serpente) e a meia-lua. Dois símbolos fortes, oriundos tanto da cultura universal quanto das páginas bíblicas.

É sabido que a lua ocupa um lugar destacado na simbologia, religiosa e profana, de todas as culturas antigas. Quase sempre em ligação estreita com o sol. Nos quadros dos reis e imperadores divinizados em vida, costumava-se pintar o sol e a lua por sobre suas cabeças, para dizer que eles estavam “nas alturas”. Maria, que carrega consigo o sol divino, tem a lua debaixo dos pés: está marcada por Deus, é a “cheia de graça”, é mais alta que os céus que abrigam o sol e a lua, é celestial, ainda que habite em Nazaré e caminhe por Jerusalém.

Um dos significados mais presentes na figura da lua é o da morte e ressurreição, porque a lua nasce, cresce, alcança um auge, mingua e “morre” para “ressuscitar” três dias depois. Não foi difícil ligar esse simbolismo ao papel de Maria: gerar aquele que passará por todo o ciclo da vida e da morte, mas ressurgirá, refazendo a vida. Maria, imaculada, que carrega a Vida divina, tem o pequeno ciclo da vida e morte humanas sob seus pés: é senhora e dona da vida e da morte.

A lua sempre esteve ligada, por seu ciclo de 28 dias, à fecundidade. Todos os povos sabiam que a lua tinha influência sobre o brotar das sementes e o amadurecer das espigas. As mulheres sabiam que seu ciclo feminino se parecia muito ao da lua. Por isso mesmo, a lua era considerada a deusa da fecundidade, do parto e até mesmo do tempo (muitos povos, inclusive o hebreu, contavam os anos pela lua). Mas, por ser iluminada pelo sol sem nada perder de sua integridade, algumas culturas, como a romana, honravam a lua como deusa da virgindade. Mãe e virgem ao mesmo tempo era Maria. A lua sob seus pés lembra o duplo e inseparável privilégio de Maria: ser mãe, permanecendo virgem.
A lua depende do sol, mas brilha soberana no meio da noite. Maria depende do Cristo, em função de cuja maternidade recebeu todos os privilégios, mas, exatamente por causa do Cristo-Sol, não é afetada pelas trevas do pecado, brilha límpida com a luz que lhe vem da maternidade divina.

Todos esses símbolos e outros estão contidos na frase do Apocalipse, que inspirou os escultores: “Apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida do sol, com a lua debaixo dos pés” (12,1). Nos primeiros séculos do Cristianismo, essa mulher vestida do sol era interpretada como sendo a Igreja, que recebe toda a luz do Cristo. Aos poucos, a mulher revestida de sol passou a significar Nossa Senhora. A lua, sob seus pés, sem deixar o simbolismo pagão, assumiu novo significado: Maria é a senhora dos tempos, a mãe das mães e a virgem das virgens, humana mas santíssima, terrena mas elevada acima dos astros e no mais alto dos céus, aquela que resplandece na plenitude da luz da graça sem jamais ter conhecido a escuridão do pecado. Essa página do Apocalipse é lida como segunda leitura na festa de Nossa Senhora Aparecida.

O simbolismo da serpente, talvez, seja mais fácil de entender. É preciso recordar a página do Gênesis, onde se conta, também em forma de figuras, a criação e a queda de nossos primeiros pais. Deus criou Adão e Eva e os pôs num jardim, em cujo centro existia a árvore da vida (símbolo da imortalidade) e da qual Deus proibira comer os frutos. O demônio, em forma de serpente, induziu Eva a colher e comer um dos frutos da árvore proibida. Em conseqüência, eles perderam a imortalidade: “sois pó e ao pó tornareis” (Gn 3,19).

Sobre a cobra maldita Deus pronunciou, então, uma profecia. Uma profecia, que foi traduzida de diferentes maneiras. Na Bíblia hebraica se diz: ‘Porei inimizade entre a tua descendência e o descendente dela”. Um substantivo masculino e no singular. Os 70 Sábios, que passaram o texto para o grego, conservaram o masculino e o singular. Mas São Jerônimo, ao passar o texto para o latim, escreveu “entre a tua descendência e a descendência dela”, usando um feminino generalizado. Com isso, a frase que segue, tem sentido ambíguo: “ela te esmagará a cabeça”. ‘Ela’ está no lugar de ‘descendência’ ou de ‘mulher’? Muitos Santos Padres atribuíram o ‘ela’ a Nossa Senhora. Outros mantiveram o hebraico e viram no ‘descendente’ (masculino e singular) uma alusão a Jesus Cristo.

Os pintores e escultores trabalharam sutilmente o tema: ora é Maria que esmaga a serpente ou enterra o dardo na cabeça do dragão, ora é o Menino, mas, nesse caso, a mãe tem seu pé sobre o pé do Menino.
De qualquer maneira, a serpente aos pés de Maria, nos quadros da Imaculada, refere-se ao demônio enganador do paraíso. Jesus é o novo Adão. Maria é a nova Eva. Ambos são vitoriosos sobre o demônio. As tentações de Jesus no deserto confirmam a vitória (Lc 4,1-13). No paraíso terrestre, o demônio levou Eva e Adão à morte. Agora, o diabo e a morte são derrotados e novamente a criatura humana se reveste de imortalidade (1Cor 15,53), torna-se participante da natureza divina (2Pd 1,4). Com o Cristo, Filho de Deus, fruto bendito do ventre de Maria, o homem reconquistou o paraíso perdido e ganhou o título de cidadão do céu.

A serpente debaixo dos pés de Maria Imaculada pode ter outros significados interessantes. Por exemplo, se nos lembrarmos que a cobra vive em buracos escuros, mas gosta de expor-se aos raios do sol, ela bem poderia simbolizar o binômio “trevas/luz”, tão acentuado por João Evangelista. Maria, sem pecado, está inteiramente fora das trevas do pecado e é portadora daquele que se declarou a “luz do mundo” (Jo 8,12), o “sol que vem do alto para iluminar os que estão sentados nas trevas e nas sombras da morte” (Lc 1,79).

A cobra também troca de pele todos os anos. Por isso ela foi comparada nas culturas antigas à lua que, sempre de novo, se refaz. A cobra aos pés de Maria poderia ter o mesmo sentido da lua, significando que Maria Imaculada é portadora daquele que é o Senhor da vida e da morte e transformou a morte em vida.

Gostaria de lembrar mais um possível sentido para a serpente sob os pés da Imaculada Conceição. O Salmo 91, que celebra a proteção de Deus aos que o amam, e que foi citado pelo demônio nas tentações do deserto (Lc 4,11), no versículo 13 fala do servo de Deus que poderá andar por sobre víboras e dragões. Lucas, o Evangelista mariano, põe na boca de Jesus, quando os 72 discípulos retornaram da missão, estas palavras: “Dei-vos poder para pisar em serpentes e elas não vos fizeram mal” (cf. Lc 10,19). Também Paulo, na carta aos Romanos, retoma a figura para dizer que os sábios diante do bem e os íntegros diante do mal esmagarão Satanás debaixo dos pés (Rm 16,20). Ora, Maria Imaculada foi protegida por Deus desde antes de sua concepção, amou ternissimamente a Deus com amor de mãe, de filha e de esposa, conservou-se íntegra diante do mal e do pecado. Por tudo isso, pisa na cabeça da serpente, símbolo do mal, da mentira e das insídias.

Em muitos quadros e imagens da Imaculada, em vez da serpente, encontramos o dragão, um animal imaginário, presente em todas as grandes culturas antigas, inclusive na Bíblia. O dragão sempre simbolizou as forças hostis à divindade. Em todos os mitos e lendas, a vitória sobre o dragão significava a vitória sobre as trevas, a maldade, o caos. O Apocalipse fala do dragão que perseguiu impotente a mulher que acabara de dar à luz um menino (Ap 12,4). Esta passagem do Apocalipse, ainda que passível de outras interpretações, aplica-se muito bem a Nossa Senhora e a seu Filho Jesus, ambos imaculados, ambos santíssimos, ambos vencedores do mal e da morte.

Compreender os símbolos que acompanham as imagens e pinturas sagradas pode ajudar muito a devoção, porque os símbolos descrevem e reforçam as qualidades que distinguiram o santo. A estátua de Nossa Senhora Aparecida é uma imaculada. Os dois símbolos que lhe estão aos pés a proclamam sem nenhuma sombra de pecado, santíssima, cheia da graça divina, vitoriosa sobre o mal, o demônio e a morte, mãe fecunda e virgem consagrada, portadora de vida e salvação, senhora vitoriosa e defensora da humanidade.

Maria Mãe da Igreja

Frei Clarêncio Neotti, OFM

A Igreja sempre venerou Maria como sua mãe. Mesmo porque há uma razão lógica: ela é a Mãe de Jesus, cabeça da Igreja e a Igreja é o corpo místico de Cristo, princípio e primogênito de todas as criaturas celestes e terrestres (Ef 1,18). Por isso mesmo, Maria é a mãe de todos os que nasceram pelo Cristo, tornaram-se irmão de Cristo e em Cristo, e são herdeiros de sua graça, sua vida e sua glória. Foi, porém, em pleno Concílio Ecumênico Vaticano II, no dia 21 de novembro de 1964, que o Papa Paulo VI deu solenemente a Maria o título de “Mãe da Igreja”.

Os Bispos do mundo inteiro acabavam de assinar a Constituição Dogmática Lumen Gentium, sobre a Igreja, e o Papa acabara de promulgar, em sessão pública, o novo documento, que implantaria os rumos futuros da eclesiologia e da prática pastoral. Diferentemente do que se pensara na fase preparatória do Concílio, os Padres Conciliares não fizeram um documento especial sobre o papel de Maria na história da salvação, mas inseriram a doutrina mariana, a pessoa de Maria e sua função como co-redentora, no próprio documento sobre a Igreja, ressaltando a Mãe de Jesus como membro, tipo e modelo da Igreja.

Maria é vista conexa ao mistério trinitário, em sua dimensão cristológica, pneumatológica (Espírito Santo) e eclesiológica. Logo no início do capítulo VIII da Lumen Gentium, intitulado “A Bem-Aventurada Virgem Maria Mãe de Deus no mistério de Cristo e da Igreja”, marca-se toda a linha de doutrina: “A Virgem Maria, que na Anunciação do Anjo recebeu o Verbo de Deus no coração e no corpo e trouxe ao mundo a Vida, é reconhecida e honrada como verdadeira Mãe de Deus e do Redentor. Em vista dos méritos de seu Filho, foi redimida de um modo mais sublime e unida a ele por um vínculo estreito e indissolúvel, é dotada com a missão sublime e a dignidade de ser a Mãe do Filho de Deus, e por isso filha predileta do Pai e sacrário do Espírito Santo. Por esse dom de graça exímia supera de muito todas as outras criaturas celestes e terrestres. Mas, ao mesmo tempo, está unida, na estirpe de Adão, com todos os homens a serem salvos. Mais ainda: é verdadeiramente a mãe dos membros (de Cristo), porque cooperou pela caridade para que, na Igreja, nascessem os fiéis que são membros desta Cabeça. Por causa disso, é saudada também como membro supereminente e de todo singular da Igreja, como seu tipo e modelo excelente na fé e caridade. E a Igreja Católica, instruída pelo Espírito Santo, honra-a com afeto de piedade filial como mãe amantíssima” (n. 53). Este parágrafo contém os pontos desenvolvidos nessa parte do documento.

Reconheceu o Papa Paulo VI naquele discurso de encerramento da terceira sessão do Concílio que era a primeira vez que um Concílio Ecumênico apresentava síntese tão vasta da doutrina católica acerca do lugar que Maria Santíssima ocupa no mistério de Cristo e da Igreja. E, emocionado, afirmou que queria consagrar à Virgem Mãe um título que sintetizasse o lugar privilegiado de Maria na Igreja. E declarou: “Para a glória da Virgem e para o nosso conforto, proclamamos Maria Santíssima Mãe da Igreja, isto é, de todo o povo de Deus, tanto dos fiéis quanto dos pastores, que a chamam de Mãe amorosíssima. E queremos que, com este título suavíssimo, seja a Virgem doravante ainda mais honrada e invocada por todo o povo cristão”. Alguns anos mais tarde, no dia 15 de março de 1980, o título foi acrescentado à Ladainha lauretana, logo depois da invocação “Mãe de Jesus Cristo”.

No mesmo solene discurso, Paulo VI lembrou que o título não era novo para a piedade dos cristãos, porque desde os primórdios do Cristianismo Maria foi amada como mãe e o povo sempre recorreu a ela como um filho recorre à mãe. E argumentou: “Efetivamente, assim como a maternidade divina é o fundamento da especial relação de Maria com Cristo e da sua presença na economia da salvação, operada por Cristo Jesus, assim também constitui essa maternidade o fundamento principal das relações de Maria com a Igreja, sendo ela Mãe daquele que, desde o primeiro instante de sua encarnação, uniu a si, como cabeça, o seu corpo místico, que é a Igreja”.

Cito mais um trecho do discurso do Papa em que fala de Maria, imaculada, sim, mas ligada a nós pecadores por laços estreitíssimos: “Embora na riqueza das admiráveis prerrogativas, com que Deus a ornou para fazê-la digna Mãe do Verbo Encarnado, está ela pertíssimo de nós. Filha de Adão como nós e por isso nossa irmã por laços de natureza, ela é a criatura preservada do pecado original em vista dos méritos do Salvador; aos privilégios obtidos, junta a virtude pessoal de uma fé total e exemplar… Nela, toda a Igreja, na sua incomparável variedade de vida e de obras, acha a forma mais autêntica da perfeita imitação de Cristo”.

Ninguém, que chega à Praça São Pedro, em Roma, deixa de se impressionar com a imensa colunata de Bernini, construída em mármore e pedra, como um grande, afetuoso e festivo abraço de acolhimento aos peregrinos. Por cima da colunata, 140 estátuas de tamanho natural, de santos e santas nascidos nas mais diferentes camadas sociais, representam visivelmente a comunhão dos santos, que não é coisa do passado ou apenas do céu, mas a família viva que se une aos cristãos que entram na Basílica. Ora, Nossa Senhora não figura entre os santos da colunata.

O Papa João Paulo II, em 1981, mandou colocar na parte externa e alta da Secretaria de Estado, que olha para a Praça de São Pedro, a imagem de Maria Mãe da Igreja. Todos a vêem de qualquer ponto da Praça. Trata-se de uma cópia feita em mosaico da conhecida como Nossa Senhora da Coluna. Assim chamada, porque seu original estava pintado numa coluna de mármore da primitiva basílica de São Pedro. Quando essa foi destruída, em 1607, para dar lugar à grande Basílica como a temos hoje, a parte da coluna com a imagem foi posta, na nova igreja, sobre o altar que abriga as relíquias de três papas, os três com o nome de Leão (II, III e IV), onde está até hoje. Dessa pintura, de autor anônimo, foi feito o mosaico que agora domina discretamente a Praça. Vestida de azul celeste, Maria tem nos braços, em gesto de oferecimento ao povo, o Menino que, sorridente, abençoa com a mão direita, à moda grega. Ambos, Mãe e Filho, olham para longe, como que contemplando a Praça, a Cidade e o mundo, derramando sobre todos um olhar de inefável bondade, trazendo à memória a parte final da Lumen Gentium, onde Maria é considerada sinal de segura esperança e de conforto ao povo de Deus em peregrinação (n. 68).
Sob a imagem, em grandes letras de bronze, legíveis da Praça, está escrito: “Mater Ecclesiæ” (Mãe da Igreja).

Paulo VI, que dera a Maria o título oficial de “Mãe da Igreja”, desenvolveu o tema na Exortação Apostólica sobre o Culto à Virgem Maria, um dos documentos mais bonitos de seu pontificado. O Papa apresenta, através das festas marianas do calendário litúrgico, Maria como modelo da Igreja, e pede que suas considerações de ordem bíblica, litúrgica, ecumênica e antropológica sejam levadas em conta na orientação da piedade popular e na elaboração das novas orações marianas (n. 29). O Papa fala de Maria como modelo de quem sabe ouvir e acolher a Palavra de Deus com fé. Esta é uma missão específica da Igreja: escutar, acolher, proclamar, venerar e distribuir a Palavra de Deus como pão de vida (n. 17). Fala de Maria como modelo de pessoa orante e intercessora. Ora, a Igreja todos os dias apresenta ao Pai as necessidades de seus filhos, louva sem cessar o Senhor e intercede pela salvação do mundo (n. 18). Fala de Maria Virgem e Mãe, modelo da fecundidade da virgem-Igreja, que se torna mãe, porque, pelo batismo, gera os filhos concebidos pela ação do Espírito Santo (n. 19). Fala de Maria, que oferece ao Pai o Verbo encarnado, sobretudo aos pés da Cruz, onde ela se associou como mãe ao sacrifício redentor do filho. Diariamente a Igreja oferece o sacrifício eucarístico, memorial da morte e ressurreição de Jesus (n. 20).

Quando falamos de Maria como modelo, há o perigo de vê-la longínqua, ou ao menos fora de nós, como vemos os nossos heróis. Na verdade, Maria é parte essencial da Igreja. Podemos dizer que a Igreja está dentro de Maria e Maria está dentro da Igreja. Essa verdade foi acentuada, sobretudo, pelo Papa João Paulo II na encíclica Redemptoris Mater, que leva o sugestivo título: A Bem-aventurada Virgem Maria na vida da Igreja que está a caminho: “Existe uma correspondência singular entre o momento da Encarnação do Verbo e o momento do nascimento da Igreja. E a pessoa que une esses dois momentos é Maria: Maria em Nazaré e Maria no Cenáculo de Jerusalém” (n. 24). Depois de acentuar Maria no centro da vida da Igreja, conclui o Papa: “A Virgem Maria está constantemente presente na caminhada de fé do Povo de Deus” (n. 35). “A Igreja mantém em toda a sua vida, uma ligação com a Mãe de Deus que abraça, no mistério salvífico, o passado, o presente e o futuro; e venera-a como Mãe da humanidade” (n. 47).

Rainha do céu e da terra

Frei Clarêncio Neotti, OFM

São antiqüíssimas e sempre rezadas e cantadas pelo povo cristão as antífonas marianas que invocam Maria como Rainha do céu e da terra, dos anjos e das criaturas. Durante o tempo pascal, a mais conhecida antífona que celebra a ressurreição de Jesus começa com estas palavras: “Rainha do céu, alegrai-vos, porque o Senhor ressuscitou como disse!”. Uma das orações aprendidas em
criança ao lado da Ave-Maria, é a “Salve Rainha, Mãe de misericórdia”, que a Liturgia das Horas canta na Oração da Noite e a piedade popular com ela encerra a oração do Rosário.

Uma terceira antífona, também cantada na Oração da Noite, começa com estes versos: “Ave, Rainha do céu! Ave, dos anjos Senhora!”. Quantas vezes invocamos Maria como Rainha na Ladainha: Rainha dos Patriarcas e dos Profetas, Rainha dos Confessores, das Virgens e dos Mártires, Rainha dos Anjos e dos Santos!

Também as liturgias bizantina, copta, armena e outras do Oriente celebram festivamente a realeza de Maria. Lemos, por exemplo, no longo hino “Akátistos”: “Vou elevar um hino à Rainha e Mãe, de quem, ao celebrar, me aproximarei com alegria, para cantar com exultação as suas glórias… Ó Senhora, a nossa língua não te pode louvar dignamente, porque tu, que deste à luz a Cristo nosso Rei, foste exaltada acima dos Serafins… Salve, Rainha do mundo, salve, Maria, Senhora de todos nós!”.

Desde os primeiros séculos, a poesia cristã e a liturgia cantaram a dignidade régia da Mãe de Deus. Como a luz do dia vem do sol, a realeza de Maria vem de sua maternidade divina. Já na Anunciação o Arcanjo falava do reinado sem fim do menino que lhe nasceria por obra e graça do Espírito Santo (Lc 1,33). Para a piedade popular, há uma lógica: rei o filho, rainha a mãe. Por que não haveria de ser rainha aquela que o próprio Deus escolhera para ser a mãe do “Rei dos reis e senhor dos senhores” (Ap 19,16) e que, por isso mesmo, a preservara imaculada desde a conceição, a fizera “cheia de graça” (Lc 1,28) e a mantivera virgem durante e depois do parto?

Com a proclamação do dogma da Assunção corporal de Maria ao céu, o título de Rainha e Senhora do universo, vem espontâneo aos teólogos, aos pregadores e aos papas. Para encerrar o Ano Santo de 1954, decretado pelo Papa Pio XII para celebrar o primeiro centenário do dogma da Imaculada Conceição, o Santo Padre escreveu a encíclica “Ad caeli Reginam” sobre a realeza de Maria e instituiu para toda a Igreja a festa de Nossa Senhora Rainha. Mais tarde, o Papa Paulo VI escreveria na excepcional Exortação Apostólica sobre o Culto à Virgem Maria: “A solenidade da Assunção tem um prolongamento festivo na celebração da Realeza da bem-aventurada Virgem Maria, que ocorre oito dias mais tarde, e na qual se contempla aquela que, sentada ao lado do Rei dos Séculos, resplandece como Rainha e intercede como Mãe” (n.6).

Na encíclica, o Papa Pio XII cita, logo no início, ao menos doze Santos Padres que se referem à soberania da Mãe de Deus sobre toda a criação, com diferentes expressões, mas todas querendo dizer a plenitude de glória e poder de Maria: Senhora, Senhora de todos os que habitam os céus e a terra, Senhora de todas as criaturas, Senhora coroada com um diadema de ouro, Rainha, Rainha do gênero humano, Rainha eterna junto ao Filho do Rei, Rainha do mundo, Rainha do universo, mais eminente que todos os reis.

Em seguida, o Santo Padre passa os olhos nas expressões usadas por seus antecessores, começando pelo Papa Martinho I (+654), que chamou Maria de “gloriosa Senhora nossa, sempre Virgem”. Numa de suas bulas, o Papa Xisto IV chamou Maria de “Rainha sempre vigilante, a interceder junto do Rei, que ela gerou”. Lembra ainda o Papa Bento XIV, que afirmou que o Sumo Rei confiou a Maria, em certo modo, seu próprio império. Depois, o Papa lembra alguns Santos, conhecidos por sua teologia mariana. Cito apenas Santo Afonso de Ligório (1787), que escreveu no clássico livro sobre as Glórias de Maria: “Porque a Virgem Maria foi elevada até ser a Mãe do Rei dos Reis, com justa razão a distingue a Igreja com o título de Rainha”.

Escreveu Pio XII na mesma encíclica de 1954 que Maria é Rainha não só por ser a Mãe de Deus, mas também por ter sido associada, pela vontade de Deus, a Jesus Cristo na obra da salvação. Isenta de qualquer culpa pessoal ou hereditária, e sempre estreitissimamente unida ao Filho, ela o ofereceu no Calvário ao Eterno Pai, sacrificando seu amor de mãe em benefício de toda a humanidade manchada pelo pecado. Por isso, assim como Jesus é Rei não só por ser o Filho de Deus, mas também por ser o nosso Redentor, assim pode-se afirmar que Maria é Rainha não só por ser a Mãe de Deus, mas também porque associou-se a Cristo na redenção do gênero humano. “Maria participa da dignidade real – ensina Pio XII – porque desta união com Cristo Rei deriva para ela tão esplendente sublimidade, que supera a excelência de todas as coisas criadas. Desta mesma união com Cristo nasce aquele poder real, pelo qual ela pode dispor dos tesouros do Reino do Redentor divino”. O Reino de Maria é vasto como o de seu Filho, porque nada se exclui de seu domínio.

Pio XII cita ainda uma belíssima passagem da bula “Ineffabilis Deus” da proclamação do dogma da Imaculada Conceição por Pio IX: “Deus fez a maravilha de a enriquecer, acima de todos os anjos e santos, de tal abundância de todas as graças celestiais hauridas dos tesouros da divindade, que ela – imune de toda a mancha do pecado e toda bela – apresenta tal plenitude de inocência e santidade, que não se pode conceber maior abaixo de Deus, nem ninguém a pode compreender plenamente senão Deus”.

Ao instituir a festa da realeza de Maria, Pio XII, em boa hora, chamou a atenção para um possível mal-entendido, que poderia também acontecer com o Reinado de Cristo. A realeza de Maria não deve ser considerada em analogia com as realidades da vida política moderna. É verdade que não se podem representar as coisas do céu senão através das palavras e expressões da linguagem humana. Mas isso não significa que, para honrar Maria, se deva aderir a uma determinada forma de governo ou a uma particular estrutura política. Conclui o Papa: “Longe de ser fundado sobre as exigências dos seus direitos e a vontade de altivo domínio, o reino de Maria conhece uma só aspiração: o dom completo de si na sua mais alta e total generosidade”.

A festa da realeza de Maria a princípio foi celebrada no dia 31 de maio, como conclusão do mês em muitos países dedicado a Maria, com suas belíssimas noites marianas e ladainhas cantadas. Introduziu-se o costume da coroação de Maria, carregado de muita ternura, porque eram quase sempre crianças que coroavam a Mãe do Céu. A introdução da Missa vespertina diminuiu o interesse pelas “novenas”. A reforma litúrgica introduzida pelo Concílio Vaticano II preferiu celebrar no dia 31 de maio o mistério da Visitação e passou a festa de Nossa Senhora Rainha para o dia 22 de agosto, dentro da oitava da solenidade da Assunção de Maria ao Céu.

No dia 22 de agosto lemos na Liturgia das Horas, um trecho de uma homilia de Santo Amadeu, do século XII. O texto escolhido termina assim: “Ao ser levada aos céus a Virgem das virgens por Deus e seu Filho, o Rei dos reis, no meio da exultação dos anjos, da alegria dos arcanjos e das aclamações de todo o céu, cumpriu-se a profecia do Salmista que diz ao Senhor: Está à tua direita a rainha recoberta de vestes de ouro” (Sl 45,10.15).

Na encíclica “Sobre a bem-aventurada Virgem Maria na vida da Igreja que está a caminho” (1987), o Papa João Paulo lembra que em Maria realizou-se plenamente a verdade que ‘servir ao Rei é reinar’. Maria, serva do Senhor, tem parte no Reinado do Filho. “A glória de servir não cessa de ser a sua exaltação real: elevada ao céu, não suspende aquele serviço salvífico em que se exprime sua mediação materna” (n. 41). De sorte que ser Rainha do céu e da terra não é apenas a posição mais alta conquistada por uma criatura humana. Mas é também para a humanidade a garantia de uma intercessora generosa, de uma medianeira das graças divinas, de uma advogada segura, de uma dispensadora dos tesouros divinos. A realeza de Maria é essencialmente materna, exclusivamente benéfica.

Volto ao Papa Pio XII e escolho dois trechos da oração que ele escreveu ao anunciar a festa litúrgica de Nossa Senhora Rainha: “Queremos exaltar a vossa realeza com legítimo orgulho de filhos e reconhecê-la como devida à suma excelência de todo o vosso ser, ó suavíssima e verdadeira Mãe daquele que é Rei por direito próprio, por herança, por conquista. Reinai, ó Mãe e Senhora, mostrando-nos o caminho da santidade, dirigindo-nos e assistindo-nos para que dele nunca nos afastemos. Reinai sobre as inteligências, para que não procurem senão a verdade; sobre as vontades para que sigam somente o bem; sobre os corações para que amem unicamente o que vós mesma amais”.

Elevada ao céu em corpo e alma

Frei Clarêncio Neotti, OFM

O último, no sentido de mais recente, dos quatro dogmas marianos é o da assunção em corpo e alma ao céu de Maria, proclamado pelo Papa Pio XII, no dia 1º de novembro de 1950, festa de Todos os Santos. Esta verdade de fé só tem sentido considerada como conseqüência lógica da maternidade divina de Maria. Maria é uma criatura de Deus Criador, por isso mesmo teve um início e
um final de vida na terra. No início, temos sua conceição imaculada, em previsão de sua maternidade divina. No final, temos sua assunção gloriosa, como coroamento de uma vida humana vivida sem pecado, “cheia de graça” (Lc 1,28), íntegra no corpo e na alma, inteiramente consagrada à missão para a qual Deus a escolhera.

Na curta fórmula usada pelo Papa Pio XII para proclamar o dogma da assunção de Maria, que vem dentro da constituição apostólica “Munificentissimus Deus”, são explicitamente citados os outros dogmas marianos: a conceição imaculada, a maternidade divina e a virgindade perpétua. A solene fórmula é esta: “Pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que a Imaculada Mãe de Deus sempre Virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial”. No texto da constituição, o Papa acentua “a maravilhosa harmonia existente entre os privilégios concedidos por Deus àquela que o mesmo Deus quis associar ao nosso Redentor”.

Não vamos aqui discutir exegeticamente o sentido dos termos usados pelo Papa para a declaração do dogma. Já foram escritas centenas e centenas de páginas sobre isso. Apenas digamos que as palavras do Papa evitam falar sobre a morte ou não morte corpórea de Maria; evitam falar sobre o que seja o corpo humano e qual sua condição ao ser elevado ao céu; evitam falar do relacionamento entre corpo e alma; evitam usar algum verbo que sugira que o céu seja algum lugar determinado, “nas alturas”, por exemplo. Evidentemente os belíssimos quadros de Murillo e de outros pintores marianos, que fixaram em telas a assunção, sugerem ter sido Maria “levada pelos anjos” ao “mais alto” céu. O dogma não entrou nesse linguajar humano, muito compreensível, por sinal, porque sempre se imaginou Deus nas alturas e o diabo nos abismos.

O Papa Pio XII, na mesma constituição, faz, logo no início, uma longa referência ao nexo entre Maria assunta e Maria imaculada. Cito o belíssimo e fundamental texto, que espantou alguns grandes teólogos: “O privilégio da assunção brilhou com novo fulgor, quando o nosso predecessor Pio IX, de imortal memória, definiu solenemente o dogma da Imaculada Conceição. De fato, estes dois dogmas estão estreitamente conexos entre si. Cristo com a própria morte venceu a morte e o pecado, e todo aquele que pelo batismo de novo é gerado, sobrenaturalmente, pela graça, vence também o pecado e a morte. Deus, porém, por lei ordinária, só concederá aos justos o pleno efeito desta vitória sobre a morte, quando chegar o fim dos tempos. Por esse motivo, os corpos dos justos corrompem-se depois da morte, e só no último dia se juntarão com a própria alma gloriosa. Mas Deus quis excetuar desta lei geral a Bem-aventurada Virgem Maria. Por um privilégio inteiramente singular, ela venceu o pecado com a sua conceição imaculada; e por

esse motivo não foi sujeita à lei de permanecer na corrupção do sepulcro nem teve de esperar a redenção do corpo até o fim dos tempos. Quando se definiu solenemente que a Virgem Maria, Mãe de Deus, foi imune desde a conceição de toda a mancha, logo os corações dos fiéis conceberam uma mais nova esperança de que em breve o Supremo Magistério da Igreja definiria também o dogma da Assunção corpórea da Virgem ao céu”.

Se o dogma da Assunção é recente, a devoção a Nossa Senhora Assunta faz parte da piedade popular desde os primeiros séculos da Igreja. Nos primeiros séculos celebrava-se a “dormição” de Maria, cercada de muitas lendas, algumas até com evidentes heresias. Mas nenhuma dessas celebrações separava Maria de seu Filho glorioso. A celebração chamava-se também “Trânsito de Maria” e já então divergiam as opiniões sobre a morte ou não morte da Mãe de Jesus. Essas celebrações eram cercadas de muito carinho, sobretudo numa fértil e impressionante imaginação sobre os modos como Jesus teria vindo buscar sua Mãe e quem vinha em companhia dele para levar Maria aos céus.

Já no século V temos documentos da festa da Assunção no dia 15 de agosto e a festa vem enumerada junto com as festas da Natividade, da Apresentação, da Anunciação e da Purificação de Maria. E era por ocasião destas festas que os Santos Padres pronunciavam suas homilias marianas, fixando assim, através dos séculos, uma doutrina teológica que, seguramente, foi sustentada, alimentada e celebrada pela piedade popular. O Papa Pio XII, na Constituição Apostólica para a declaração do dogma, lembra que “nas homilias e orações para o povo na festa da Assunção da Mãe de Deus, os santos Padres e os grandes doutores falavam de uma festa já conhecida e aceita. Com a maior clareza a expuseram; apresentaram seus sentido e conteúdo com profundas razões, colocando especialmente em plena luz o que a festa tem em vista: não apenas que o corpo morto da Santa Virgem Maria não sofrera corrupção, mas ainda o triunfo que ela alcançou sobre a morte e a sua celeste glorificação, a exemplo de seu Unigênito Jesus Cristo”.

Um desses Santos Padres, sempre citado e citado pelo próprio Papa Pio XII, é São João Damasceno (650-750). É dele este texto: “Convinha que aquela que guardara ilesa a virgindade no parto, conservasse seu corpo, mesmo depois da morte, imune de toda a corrupção. Convinha que aquela que trouxera no seio o Criador fosse morar nos tabernáculos divinos. Convinha que a esposa, desposada pelo Pai, habitasse na câmara nupcial dos céus. Convinha que, tendo demorado o olhar em seu Filho na cruz e recebido no peito a espada da dor, ausente no parto, o contemplasse assentado junto do Pai. Convinha que a Mãe de Deus possuísse tudo o que pertence ao Filho e fosse venerada por toda a criatura como mãe e serva de Deus”.

O Santo Padre cita vários outros grandes autores antigos e conclui: “Por conseguinte, desde toda a eternidade unida misteriosamente a Jesus Cristo, pelo mesmo desígnio de predestinação, a augusta Mãe de Deus, imaculada na concepção, virgem inteiramente intacta na divina maternidade, generosa companheira do divino Redentor, que obteve pleno triunfo sobre o pecado e suas conseqüências, ela alcançou ser guardada imune da corrupção do sepulcro, como suprema coroa dos seus privilégios. Semelhantemente a seu Filho, uma vez vencida a morte, foi levada em corpo e alma à glória celeste, onde, rainha, refulge à direita do seu Filho, o imortal rei dos séculos”.

São Francisco de Assis tinha especial devoção à Imaculada Conceição, tanto que mandou fazer um altar especial para ela. Mas a devoção predileta do primeiro teólogo da Ordem Franciscana, Santo Antônio (+1231), era Nossa Senhora Assunta, Nossa Senhora da Glória. Morreu cantando a antífona das Laudes da Virgem: “Ó gloriosa e excelsa Senhora, bem mais que o sol brilhais”. Entre seus esquemas de sermões, há um inteiro dedicado à Assunção de Maria. Parte do texto do Eclesiástico: “Como um vaso de ouro maciço, ornado de toda espécie de pedras preciosas, como a oliveira carregada de frutos e como o cipreste que se eleva até as nuvens” (Eclo 50,10-11). Cito a passagem, onde fala de Maria como o trono do Altíssimo: “O lugar dos pés do Senhor foi Maria Santíssima, da qual recebeu a humanidade. Este lugar glorificou-o no dia de hoje, porque a exaltou acima dos coros dos anjos. Por isso se percebe claramente que a Virgem Santíssima foi assunta com aquele corpo que foi o lugar dos pés do Senhor. Donde a palavra do Salmo:

“Sobe, Senhor, para o lugar do teu repouso, tu e a arca da tua santificação” (Sl 132,8). O Senhor subiu, quando se assentou à direita do Pai. Subiu também a arca da sua santificação, quando no dia de hoje a Virgem Mãe chegou ao tálamo celestial”. Santo Antônio termina o esquema, lembrando que, aquela que fora na terra o trono do Senhor, hoje é posta num trono de luz eterna.

Logo depois de proclamar o dogma da Assunção em corpo e alma ao céu, o Papa Pio XII rezou uma oração composta por ele. Destaco apenas dois tópicos, para encerrar a nossa reflexão: Ó Virgem Imaculada, Mãe de Deus e Mãe dos homens, cremos, com todo o fervor de nossa fé, em vossa assunção triunfal em corpo e alma ao céu, onde sois aclamada Rainha por todos os coros dos anjos e todas as legiões dos santos, e a eles nos unimos para louvar e bendizer o Senhor, que vos exaltou sobre todas as demais criaturas, e para vos oferecer as expansões da nossa devoção e do nosso amor. Cremos que, na glória, onde reinais, revestida do sol e coroada de estrelas, sois, depois de Jesus, a alegria e o júbilo de todos os anjos e de todos os santos. E nós, desta terra onde somos peregrinos, confortados pela fé numa futura ressurreição, volvemos nossos olhos para vós, nossa vida, nossa doçura e nossa esperança”.

A passagem de Maria para a Eternidade

Frei Clarêncio Neotti, OFM

Ao longo da história, tanto os teólogos quanto a piedade popular se dividiram na opinião se Maria morreu de fato ou se apenas adormeceu e foi levada ao céu em corpo e alma pelos anjos. A basílica em sua honra em Jerusalém chama-se exatamente “Dormitio Mariæ” e um dos documentos mais antigos que temos sobre os últimos dias de Maria também leva esse título. O dogma da Assunção de Maria, proclamado em 1950, não dirimiu a questão, afirmando que “a Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria, terminado o curso de sua vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celeste”. O corpo de Maria, elevado ao céu, podia já ser um corpo glorificado, como o de Jesus após a ressurreição.

Tanto os que falam em morte natural de Maria quanto os que falam em sono profundo da Mãe de Deus têm seus bons argumentos. Estes últimos argumentam com sua conceição imaculada. Se a morte é conseqüência do pecado, Maria, sem pecado e sem sombra de pecado, não podia morrer. Lembram também que a imortalidade é uma característica da Igreja. Ora, sendo Maria o protótipo da Igreja, bem podia Deus realizar nela o que fará com a Igreja no final dos tempos, ou seja, ressuscitar os que morreram e “arrebatar com eles para as nuvens, ao encontro do Senhor nos ares os que ainda estão vivos” (1Ts 4,16-17).

Os que afirmam sua morte natural lembram que também Jesus era imaculado e santíssimo e passou pela morte, destino de todos os filhos de Adão, porta e parto necessários para a imortalidade. Maria é o modelo de todos os resgatados pelo Cristo através de sua morte e ressurreição. Também Maria, que se uniu a Ele no Calvário, ter-se-á configurado a ele na morte e na ressurreição. Assim como ela, sem pecado, passou por dores, angústias, desconfortos, perseguição, também terá passado pela prova maior: a morte corporal. Sem que com isso se afirme que seu corpo sofreu a decomposição.

As duas tradições são antiqüíssimas. Em nossos dias prevalece a tese de que Maria passou pela morte à imitação de Jesus. Mas é ainda e continuará a ser uma questão em aberto. Também não temos certeza de onde e quando Maria encerrou sua passagem terrena. Sabe-se que, na dispersão dos Apóstolos, Maria acompanhou João, como recomendara Jesus na Cruz (Jo 19,16-27). O Apóstolo João teria migrado para Éfeso, hoje sudoeste da Turquia, uns 600 km ao sul de Istambul. Maria teria findado seus dias em Éfeso. Esta tradição tomou corpo a partir do século XVIII com as visões da camponesa alemã Ana Catharina Emmerich (1774-1824) que, em sonho ou numa revelação, “viu” no alto da montanha popularmente denominada “Colina do Rouxinol”, distante 7 km da antiga cidade portuária de Éfeso, a capela Meryem Ana Evi (Casa da Mãe de Deus), que seria a casa em que Maria teria terminado seus dias. Catharina viajou para lá, encontrou tudo como “vira” em sonho e começou a restaurar a antiga capela-casa de Maria, que até hoje os peregrinos podem visitar. Mães turcas, católicas e muçulmanas visitam continuamente aquele santuário, para terem um bom parto e sorte na educação dos filhos. No entanto, não há documentos históricos que favoreçam essa tradição e as escavações arqueológicas mostraram que a capela é certamente posterior ao século VI.

Uma outra tradição faz Maria terminar sua jornada terrena em Jerusalém, no Monte Sion e ser sepultada no lugar onde se encontra hoje a Basílica da “Dormição de Nossa Senhora”, na região do Vale do Cedron, local tradicional de sepulturas. Os estudos arqueológicos e outros indícios fazem remontar o túmulo aos tempos romanos, ou seja, ao primeiro século da nossa era. Além disso, foram encontradas grafites, escritas pelos primeiros cristãos, que iam honrar o local do túmulo de Maria. Foram encontradas também algumas sepulturas judeu-cristãs, que ladeiam a câmara mais interna. Temos ainda a tradição oral de dois mil anos: os cristãos sempre foram lá venerar o túmulo da Mãe de Deus. E temos, além disso, alguns relatórios de peregrinos (famoso é o de Etérea), que por lá passavam e registravam suas impressões sobre a visita e a liturgia celebrada no local. Maria teria voltado de Éfeso para Jerusalém, onde moravam seus parentes, quando o Apóstolo João retornou para participar do primeiro Concílio Ecumênico da Igreja (At 15,6-29).

Na década de 60, quase ao mesmo tempo em que o franciscano Frei Bellarmino Bagatti fazia as escavações científicas junto ao túmulo de Maria, foi descoberto, na biblioteca do Louvre, em Paris, um documento em grego que possibilitou chegar a outros documentos, sobretudo a três, muito próximos entre si tanto na informação quanto no estilo. São eles: De Transitu Mariæ (em língua etíope), Dormitio Mariæ (em grego) e Transitus Mariæ (em latim). Estes textos devem ser datados do final do segundo século até começos do século quarto. Os três textos concordam em que Maria tenha terminado seus dias em Jerusalém.

A última referência bíblica a respeito de Maria a temos nos Atos, ainda quando os Apóstolos estavam no Cenáculo, depois da Ascensão de Jesus: “Todos permaneciam unânimes na oração com algumas mulheres, Maria, Mãe de Jesus, e seus irmãos” (At 1,14). Mas até o século VIII o texto grego “Dormitio Mariæ” encontrava-se no final da bíblia, depois do livro do Apocalipse. Hoje esse texto é considerado apócrifo, isto é, não pertencente ao conjunto dos livros da Sagrada Escritura, portanto, não revelado. Mas de todo respeito. Podia-se perguntar por que a Igreja não aceitou esse livro como revelado. Porque seu estilo é todo diferente e, no IV século, quando se fixou a canonicidade dos livros da Escritura, esse livro tinha muitos acréscimos heréticos e tendenciosos contra a divindade de Jesus, contra a maternidade divina de Maria, contra a Santíssima Trindade, e já não se sabia mais qual era o texto original. O texto descoberto agora é anterior a esses acréscimos e, por isso, merece algum crédito e, diria, alguma veneração.

Segundo este texto e segundo o texto intitulado “Transitus Mariæ”, teríamos os seguintes passos: Maria recebe o anúncio de sua morte e garantia de amparo no momento da passagem; os Apóstolos se reúnem milagrosamente em torno de seu leito; Maria morre à semelhança de todos os seres humanos; durante o funeral, os judeus promovem uma manifestação hostil; depois do sepultamento, segue-se a ressurreição, sendo levada ao céu. Não podemos esquecer que não estamos num terreno de fé. Mas de piedosa crença popular. Na verdade, os últimos dias de Maria e sua passagem para a eternidade estão envoltos num véu de mistério que dificilmente a história ou a teologia conseguirão desvendar.

Que idade teria Nossa Senhora quando terminou seus dias na terra? Há um texto antigo que diz: “Dois anos depois de Cristo ter vencido a morte e subido ao céu, Maria começou a chorar no refúgio de seu quarto”, ou seja, Maria passou a viver seus últimos dias. O texto passa a contar esses últimos dias, inclusive sua assunção ao céu. Se Maria concebeu Jesus aos 14 anos, deu à luz aos 15 (idade normal naquele tempo na Ásia Menor para casar) e Jesus morreu em torno dos 33 anos, Maria teria 50 anos ao morrer. Sabe-se que era a idade média de vida das mulheres naquele tempo e naquela região.

Há uma tradição, que vem dos primeiros tempos da Igreja, que conta que, chegado o momento do trânsito de Maria, Jesus teria vindo buscá-la, acompanhado dos Arcanjos Miguel e Gabriel. O Arcanjo Miguel foi o anjo vencedor de Lúcifer no paraíso terrestre (Ap 12,7-9) e o vencedor do dragão de sete cabeças, que quis devorar o filho da mulher revestida de sol (Ap 12,3-5). No passamento de Maria, hora mais de triunfo e vitória do que de morte, retorna, na piedade popular, o grande Arcanjo, como que para re-arrumar o paraíso perdido e introduzir nele, agora celestial, a humanidade inteira, representada em Maria Imaculada, virgem, esposa e mãe, Mãe de Deus. Retorna Miguel, o protetor da Igreja contra Satanás, para acompanhar na entrada da glória aquela que é o protótipo da comunidade cristã redimida e santificada.

Retorna também, na piedosa crença popular, com o Cristo glorioso, o Arcanjo Gabriel, o embaixador de Deus na Anunciação (Lc 1,26), a testemunha da escolha da jovem Maria de Nazaré como Mãe do Filho de Deus, o Messias Salvador. O Arcanjo, presente no início da história da salvação trazida pelo Cristo e na qual Maria se envolvera cem por cento, retorna no momento em que ela termina sua missão e seus dias na terra, entra gloriosa no seio da Trindade para ser, no tempo e na eternidade, a Mãe da Igreja, a terníssima Rainha do Céu e da Terra.

Maria esteve associada a Jesus a vida inteira (de fato, os teólogos a chamam “Sócia de Cristo”). Associada no corpo, fazendo uma unidade com ele. Associada na missão redentora a ponto de ser chamada “Mãe da Redenção”. Associada na morte e associada por toda a eternidade na glória. Passando pela morte, Maria tornou-se para a humanidade a “feliz porta do céu, para sempre aberta”.

Maria, Mãe das Dores

Frei Clarêncio Neotti, OFM

Santíssimo, Jesus atravessou um grande mar de sofrimentos de toda espécie. Portanto, o sofrimento não pode ser conseqüência de pecado pessoal. Se o fosse, que sentido teria o convite expresso por Jesus aos discípulos de tomar diariamente a cruz, ou seja, todas as circunstâncias humanas, incluídos o sofrimento e a adversidade, e segui-lo (Lc 14,27)? Conservo comigo uma frase pronunciada em dia de retiro mensal pelo meu Confrade Frei Ademar Spindeldreier, em maio de 1975, um mês e meio antes de morrer
num acidente rodoviário. A frase ganha valor, porque Frei Ademar se tornara, por seu permanente estado de saúde, um verdadeiro mestre na espiritualidade do sofrimento: “Só quem não ama a Deus pode dizer que o sofrimento é crueldade”.

Maria de Nazaré, imaculada e santíssima, jamais tocada pela sombra do pecado, mergulhou no oceano do sofrimento a ponto de ser identificada como a Mãe das Dores. As raízes de seu sofrimento não estão plantadas na lama do pecado, mas na paixão de seu Filho divino. Seu sim na Anunciação encontra a plenitude de sua sinceridade e de sua grandeza aos pés da Cruz, quando o sofrimento humano da mãe alcança a amplitude do sofrimento do Filho divino e o martírio do Filho plenifica todas as medidas redentoras.

O quadro do Calvário (uma das cenas que mais provocaram místicos, santos, artistas e teólogos) ensina que o sofrimento tem forças e alcances impensáveis. Normalmente, o sofrimento é tido como tolhedor da atividade, limitativo de movimentos. No entanto, nenhum canto da terra ficou sem experimentar a força dinâmica e redentora do Crucificado. Não é, portanto, repetimos, como castigo de pecados cometidos que a Imaculada é a Mãe das Dores. Como também não é por seus méritos pessoais que se tornou Mãe de Deus. Sua conceição imaculada, sua maternidade, seu estado de “cheia de graça” (Lc 1,28), como também suas lágrimas de dor, estão inseparavelmente unidas e dependentes de seu Filho Jesus, Filho de Deus nela concebido por obra e graça do Espírito Santo (Mt 1,18). O sim da Anunciação implicou não só sua maternidade milagrosa, mas também as trevas do Calvário. Se Paulo afirma completar em seu corpo as tribulações de Cristo (Cl 1,24), o que não deveria acontecer com Maria, a mãe do Crucificado?

Quando se fala em Nossa Senhora das Dores, a imagem clássica que nos vem à mente é a da mulher com uma espada atravessada no coração. Às vezes, sete espadas. Quando se fala em Nossa Senhora da Piedade, outro título da Mãe das Dores, a figura clássica é a da Mãe com o Filho chagado e morto nos braços. Como não lembrar, nesse caso, a famosa Pietà, de alvíssimo mármore, esculpida por Miguelângelo, venerada e admirada na primeira capela lateral à direita de quem entra na Basílica de São Pedro, em Roma? Lembramos esta, mas são tantíssimas as esculturas, pinturas e poemas em todos os tempos e em todas as culturas. O mistério do sofrimento não exclui nenhum segmento social. Por mais que tenha se desenvolvido a ciência e por mais que ela tenha encontrado antídotos para a dor, o mistério do sofrimento continuará a ocupar por extenso todas as direções da história humana. Lembrou o Concílio Vaticano II: “Todas as conquistas da técnica, ainda que utilíssimas, não conseguem acalmar a angústia da criatura humana” (Gaudium et Spes, 18). As dores de Maria são parte integrante da História da Salvação, como os sofrimentos das criaturas são inseparáveis da história humana na terra.

No momento em que Maria levou o Filho ao templo para consagrá-lo, segundo a Lei de Moisés, o velho Simeão, tomando o Menino em seus braços, o proclamou “luz das nações” e “salvação dos povos” (Lc 2,30-32), profecia que vinha perfeitamente ao encontro das palavras do Arcanjo a Maria, que mandara dar ao Menino o nome de Jesus, que significa “Deus é salvação” (Lc 1,31-33). Acrescenta, porém, Simeão: “Ele será um sinal de contradição … e tu, Maria, terás a alma traspassada por uma espada” (Lc 2,34-35).

Comenta o Papa João Paulo II: “As palavras de Simeão colocam sob uma luz nova o anúncio que Maria tinha ouvido do Anjo. O Filho de Maria e com ele a sua Mãe, experimentarão em si mesmos a verdade daquela palavra de Simeão: sinal de contradição. Aquilo que Simeão diz apresenta-se como uma segunda Anunciação a Maria, uma vez que indica a dimensão histórica concreta em que o Filho realizará a sua missão, ou seja, na incompreensão e na dor. Se este outro anúncio confirma a sua fé no cumprimento das promessas divinas da salvação, também lhe revela que ela terá que viver a sua obediência de fé no sofrimento, ao lado do Salvador que sofre, e que a sua maternidade será obscura e marcada pela dor” (Redemptoris Mater, 16).

A devoção popular considera a profecia de Simeão como a primeira das sete grandes dores de Maria. Na verdade, nela se encerram todas, como seu sim na Anunciação aceitava todos os passos da missão de Jesus. Maria não demorou em perceber que a profecia de Simeão era o reverso da linda e esperançosa medalha da Anunciação. Com o filho ainda no colo, teve de refugiar-se no Egito, fazendo o percurso de 250 km de deserto inóspito, na companhia de algum caravaneiro mascate. Os artistas suavizam muito a travessia, fazendo Maria montar uma serena mula puxada pela obediência de José. Quadro nenhum poderá exprimir o que ia pelo coração da jovem mãe, carregada ao mesmo tempo de privilégios e angústias. Outros caravaneiros lhe terão levado a notícia da chacina de Belém. Como não unir a matança dos meninos de Belém com aquela executada pelo Faraó e da qual astutamente fora salvo Moisés? Como não se lembrar, se estava procurando refúgio na terra dos Faraós? Como não se lembrar das duas carnificinas, ambas de crianças masculinas inocentes, se o Menino que levava nos braços tinha uma missão muito parecida com a de Moisés, o grande profeta dos Dez Mandamentos e da libertação do povo da escravidão? O deserto era o mesmo. A mão de Deus era a mesma. Lá no deserto, encontravam-se a espera/esperança do Antigo Testamento, na recordação de Moisés, com a certeza/esperança do Novo Testamento na pessoa de Jesus Salvador. E Maria, por sua maternidade, se posta entre a antiga e a nova Aliança, como o elo essencial, único e insubstituível.

Há uma necessidade, que corre todo o Antigo Testamento e o Novo: a procura de Deus. Podemos dizer que Deus é alguém que quer ser procurado, ainda que seja ele mesmo a dar a graça do encontro. Nem Maria, santíssima e imaculada, escapou da procura, que traz sempre consigo a marca da angústia. O Evangelista a faz procurar Jesus que “se perdera” no templo (Lc 2,41-50): “Teu pai e eu aflitos te procurávamos!” (Lc 2,48). Pelos caminhos do templo, Maria ainda tinha José a seu lado. Não sei em que momento foi maior a dor de Maria: se ao procurar Jesus pelas repartições públicas (casa de Caifás, pretório de Pilatos, corte de Herodes, pátio da flagelação), se na estrada do Calvário, flagelado, coroado de espinhos, carregando a cruz. Apoiada em João, não terá Maria perguntado: “Onde estão os Apóstolos”?

A piedade popular separa a dor de Maria ao presenciar impotente a crucificação, ao tê-lo morto nos braços e ao vê-lo deposto na sepultura. Na verdade, a dor é uma só, imensa, em total consonância com o sofrimento do Filho crucificado. Na Anunciação, oferecera-se, dizendo sim à vontade de Deus. No templo, consagrara o Filho a Deus. No deserto o protegera. No Calvário, repete consciente seu sim, unindo o ofertório de si mesma ao ofertório salvador do Filho, na força e na graça do mesmo Espírito Santo da Anunciação. No martírio do Filho está a razão e o sentido do martírio da Mãe. Um vergonhoso martírio humano, que se transforma em fecundo e glorioso parto: da Cruz, passando por Maria, nasce o Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja (Cl 1,17). Ó feliz martírio, que abriu para sempre as portas da eternidade e o coração do Pai celeste!

Conta uma velhíssima tradição que Adão estava sepultado no Calvário que, por isso mesmo, levava esse nome, que significa “caveira”. Os pintores costumam desenhar a caveira aos pés da cruz. Não importa a lenda. O que importa é que a árvore da vida do Paraíso terrestre perdido (Gn 2,9) chama-se agora “Cruz” e o que a virgem Eva perdeu com seu orgulho e sua incredulidade, a virgem Maria recuperou com sua humildade e sua fé. Da árvore da vida do paraíso, enroscada pela serpente, nasceram o desequilíbrio e a desgraça. Da árvore da vida do Calvário, da qual pendeu o corpo do Filho de Maria, nasceram a comunhão com Deus e a graça.

Ao contemplar a Mãe dolorosa, nosso coração deve ir além do sentimento de compaixão, porque de seu sacrifício doloroso, nascemos para a plenitude da vida, merecida pela Cruz de Cristo. Com a Mãe das Dores aprendemos que a salvação é fruto do sofrimento.

Maria sempre virgem

Frei Clarêncio Neotti, OFM

O segundo, na ordem histórica, dos quatro dogmas marianos é o da virgindade de Maria, antes, durante e depois do parto de Jesus. O dogma foi proclamado em 649, pelo Concílio Ecumênico do Latrão. Uma declaração dogmática, na Igreja, é necessariamente antecedida por séculos de estudos, debates, aprofundamentos e, muitas vezes, superação de doutrinas heréticas. A partir de
649, não houve mais nem no Oriente nem no Ocidente vozes discordantes. A Liturgia cristã, que é a teologia feita oração, a literatura e as artes em todas as épocas enalteceram a virgindade perpétua de Maria, por ser Maria a Mãe de Deus. Convém acentuar sempre de novo que é em sua maternidade divina que radicam sua virgindade e todos os outros privilégios marianos.

A antífona mariana que a Igreja reza há séculos no final da oração da noite, que começa com as palavras “Alma Redemptoris Mater” (Mãe santíssima do Redentor), canta ternamente a virgindade de Maria: “Tu, que acolheste a palavra de Gabriel e, diante de uma natureza extasiada, geraste teu próprio Criador e permaneceste virgem antes e depois do parto, tem piedade de nós pecadores”. Para não citar dezenas de belíssimos poemas a Maria sempre virgem, cito apenas uma parte de um do bispo Sofrônio, do VII século: “Salve, ó Mãe de Deus, não desposada! Salve, ó virgem integérrima depois do parto! Salve admirável espetáculo maior que todos os prodígios! Quem pode descrever teu esplendor? Quem pode cantar o teu mistério?”

Ao declarar a virgindade de Maria, a Igreja afirma que ela concebeu sem a concorrência do sêmen masculino. Para quem crê, os Evangelhos são suficientemente elucidativos. Lembremos o texto de Lucas: “O anjo Gabriel foi enviado da parte de Deus … a uma virgem, prometida em casamento a um homem chamado José, da casa de Davi, e o nome da virgem era Maria” (Lc 1,26-27). Em duas linhas, o Evangelista afirma duas vezes a virgindade da escolhida para ser a Mãe de Jesus. Quando a jovem Maria lhe pergunta como isso seria possível, porque ela não conhecia homem (a expressão ‘conhecer’, em hebraico significa ter relações conjugais), o anjo lhe responde: “O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra” (Lc 1,35). O Evangelista Mateus é linearmente claro: “Maria estava prometida em casamento a José. Mas antes de morarem juntos, ficou grávida do Espírito Santo” (Mt 1,18).

Os exegetas se aprofundam na explicação dessas palavras dos Evangelistas e levantam várias hipóteses. Há quem fale em voto de virgindade de Maria, contrariando toda a cultura hebraica e a mentalidade do Antigo Testamento em que ela fora educada. Há quem pense que a virgindade perpétua decorra natural e indiscutível a partir do momento em que ela é possuída pelo Espírito Santo, tornando-se um inaudito milagre vivo, contendo dentro de si o Filho de Deus, seguramente acima de barreiras ou limites biológicos. E há os que pensam numa Maria prática, consciente e piedosa que, a partir da concepção milagrosa, combina com José, já então ciente do mistério (Mt 1,20-21), uma vida matrimonial virginal. Se Moisés descalçou as sandálias diante da misteriosa sarça que ardia sem se queimar (Ex 3,5), por que José, “homem justo” (Mt 1,19), e Maria, “cheia de graça” (Lc 1,28), não poderiam renunciar a um relacionamento conjugal diante de um Deus que descera dos céus e “armara sua tenda” (Jo 1,14) na mais íntima intimidade da vida dos dois? Fica sempre verdadeira a palavra do anjo, dita no contexto da Anunciação: “Para Deus nada é impossível” (Lc 1,38).

A doutrina da virgindade de Maria, antes, durante e depois do parto, está inseparavelmente unida à maternidade divina de Maria, à ação do Espírito Santo em Maria, ou seja, à encarnação do Filho de Deus. Pela lógica e ciência humanas ninguém ousaria afirmar sua virgindade no parto e depois do parto. Mas também pela razão humana ninguém conseguiria afirmar o mistério da encarnação de Deus. A Igreja não precisou das provas sensíveis a que recorreram os Apócrifos, ainda que revestidas de piedade e encanto. A preocupação dos Apócrifos, no entanto, em comprovar a virgindade no parto e depois do parto de Maria, mostra uma linha lógica de necessidade: não se trata de um parto de uma criança apenas, trata-se do parto de uma criança que, sendo inteiramente humana, é inteiramente divina. E se esse fato ultrapassa a ciência e a inteligência, constituindo um mistério inefável, isto é, que não pode ser expresso por conceitos humanos, com ele ultrapassa também o fato da virgindade integral de Maria.

O dogma da virgindade de Maria quer ainda afirmar, sem deixar nenhuma sombra de dúvida, que Jesus, concebido do Espírito Santo e nascido da Virgem Maria, é o filho primogênito e único de Maria de Nazaré, ou seja: Jesus Cristo, o Messias, não teve irmãos ou irmãs carnais nascidos do ventre de sua mãe Maria. Tiago Menor, por exemplo, é chamado de “irmão do Senhor” (Gl 1,19) e outras vezes se fala nos irmãos de Jesus presentes entre seus ouvintes (Mt 12,46; Mc 3,31-35; Lc 8,19). Mas todos sabem que em hebraico o termo “irmão” pode indicar qualquer parentesco, como sobrinho (Gn 12,5 e 13,8; 29,12.15), tio, primo (1Cr 23,22) e até amigo (Gn 29,4). Isso nunca foi problema teológico para a Igreja.

O dogma da virgindade de Maria, sempre ligado à maternidade divina, foi-se preparando e firmando nos primeiros séculos, nas pregações, escritos e doutrina dos santos padres, na liturgia e na piedade popular, até que, em outubro de 649, o Concílio do Latrão chegou a esta definição de fé: “Seja condenado quem não professar, de acordo com os santos Padres, que Maria, mãe de Deus em sentido próprio e verdadeiro, permaneceu sempre santa, virgem e imaculada quando, em sentido próprio e verdadeiro, concebeu do Espírito Santo, sem o concurso do sêmen de homem, e deu à luz Aquele que é gerado por Deus Pai antes de todos os séculos, o Verbo de Deus, permanecendo inviolada a sua virgindade também depois do parto”. Por ‘santos Padres’, entendemos os Bispos participantes do Concílio, que assinaram o documento dogmático.

Lembremos que a virgindade de Maria vai muito além de um dado biológico e físico. João Paulo II, na encíclica Redemptoris Mater, em poucas linhas abre um leque extenso: “O fato fundamental de ser a Mãe do Filho de Deus constituiu desde o princípio uma abertura total a sua missão. As palavras ‘Eis a serva do Senhor’ testemunham esta abertura de espírito em Maria, que une em si, de maneira perfeita, o amor próprio da virgindade e o amor característico da maternidade, conjuntos e como que fundidos num só amor” (n. 39).

O comportamento e a vida virginal de Maria inspiraram uma nova forma de servir a Deus, praticamente desconhecida no Antigo Testamento: o celibato consagrado, que é uma decisão pessoal, livre, consciente, espontânea de dedicar a vida inteira e sem reservas a serviço da missão de Cristo sobre a terra, ou seja, a serviço da construção do Reino de Deus. Pelo seu sim, Maria consagrou-se inteiramente à missão que Deus lhe propunha. Obedeceu humildemente. Acolheu o plano de Deus e a ele doou-se sem reservas. Vazia de pretensões pessoais e pobre de si, deixou-se envolver pela riqueza de Deus. Maria tornou-se “exemplo sublime de perfeita consagração, pela sua pertença plena e dedicação total a Deus” (Vida Consagrada, 28).

O religioso, a religiosa não têm outra finalidade senão repetir o gesto de Maria e centrar, sem reservas, sua vida em Cristo, modelo, razão e meta da vida consagrada e ser, no tempo e no espaço, um Evangelho vivo aberto, acessível ao povo, que não procura apenas palavras, ainda que sagradas, mas o testemunho de uma vida totalmente consagrada às coisas de Deus, exatamente como o foi a Virgem Maria.

Na encíclica Redemptoris Mater (1987), João Paulo II descreve a consagração virginal de Maria, que passou a ser o modelo de vida consagrada: “Maria consente na escolha divina para se tornar, por obra do Espírito Santo, a Mãe do Filho de Deus. Pode-se dizer que este consentimento que ela dá à maternidade é fruto da doação total a Deus na virgindade. Maria aceitou a eleição para ser mãe do Filho de Deus, guiada pelo amor esponsal, o amor que consagra totalmente a Deus uma pessoa humana. Em virtude desse amor, Maria desejava estar sempre e em tudo ‘doada a Deus’, vivendo na virgindade. As palavras ‘Eis a serva do Senhor’ comprovam o fato de ela desde o princípio ter aceitado e entendido a própria maternidade como dom total de si, da sua pessoa, a serviço dos desígnios salvíficos do Altíssimo. E toda a participação materna na vida de Jesus Cristo, seu Filho, ela viveu-a até o fim de um modo correspondente à sua vocação para a virgindade” (n. 39).

O Espírito Santo e Maria

Frei Clarêncio Neotti, OFM

O mistério de Maria é inseparável do mistério do Espírito Santo. Mais: dele depende. O Apocalipse fala de uma mulher vestida de sol (12,1). Esse sol é o Espírito Santo, que a enriqueceu de todas as graças desde quando o Pai a escolheu para ser a mãe de seu Filho. E quando, cheia de graça, chegada a plenitude dos tempos (Gl 4,4), ela deveria conceber Jesus, é o Espírito Santo que a fecunda, como rezamos no Credo: “O Filho unigênito de Deus … por nós e para nossa salvação desceu dos céus e se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria”.

Revestida de sol, coberta pelo Espírito Santo, Maria tornou-se, no dizer de São Bernardo, “um abismo de luz, gestando o verdadeiro Deus, Deus e homem ao mesmo tempo” e, diante desse fato, observa ainda São Bernardo, “até o olho angélico fica ofuscado com a potência de tal fulgor”.

Sol e luz são figuras para expressar um fato: Maria, senhora de todas as bênçãos, concebe o Filho de Deus, por obra e graça do Espírito Santo, e é associada para sempre à obra redentora do Cristo e à missão do Espírito Santo Paráclito na história da salvação. Afirma o Evangelista Lucas que, à pergunta de Maria como seria possível conceber, se ela não conhecia homem algum, o anjo lhe garantiu: “O Espírito Santo descerá sobre ti” (Lc 1,15). Comenta o Catecismo: “A missão do Espírito Santo está sempre conjugada e ordenada ao Filho. O Espírito Santo é enviado para santificar o seio da Virgem Maria e fecundá-lo divinamente, ele que é ‘o Senhor que dá a Vida’, fazendo com que ela conceba o Filho Eterno do Pai em uma humanidade proveniente da sua” (484-485).

Para expressar essa unidade de mistérios entre Maria e o Espírito Santo, os teólogos não hesitam em chamar Maria de Esposa do Espírito Santo. Assim, São Francisco, na antífona que compôs para o Ofício da Paixão do Senhor, reza: “Santa Virgem Maria, não há mulher nascida no mundo semelhante a vós, serva do Altíssimo Rei e Pai celestial, Mãe do nosso Santíssimo Senhor Jesus Cristo, Esposa do Espírito Santo”.

A festa litúrgica, que celebra a encarnação de Jesus, chamada “Solenidade da Anunciação do Senhor” (25 de março), une estreitamente Jesus, Maria e o Espírito Santo. Jesus é a razão de ser de todos os privilégios e da própria missão de Maria. O Espírito Santo consagra Maria, fecunda-a e, ao mesmo tempo une-se à missão salvadora de Jesus, tornando-o o Cristo, o Ungido de Deus. Vários momentos da vida terrena de Jesus mostram-no cheio do Espírito Santo (Lc 4,1; Jo 1,33), movido pelo Espírito Santo (Lc 4,18) e tendo o Espírito Santo como testemunha de sua messianidade e de sua doutrina (Lc 12,12; Jo 14,26; 16,13).

Ao dobrarmos os joelhos diante do mistério da encarnação, adoramos a Trindade santa: o Pai que envia o Filho, o Filho que, permanecendo Deus, obedece e assume o corpo humano, o Espírito Santo, que possibilita a concepção imaculada de Jesus. Dentro desse mistério e protagonista dele encontra-se Maria, mulher como todas as mulheres, mas associada misteriosamente, através da maternidade divina, à missão redentora e santificadora do mundo. “Por isso mesmo – escreve o Papa Pio IX na Bula de proclamação do dogma da Imaculada Conceição – Deus a cumulou, de maneira tão admirável, da abundância dos bens celestes do tesouro de sua divindade, mais que a todos os espíritos angelicais e todos os santos, de tal forma que ficaria absolutamente isenta de toda e qualquer mancha de pecado, podendo, assim, toda bela e perfeita, ostentar uma inocência e santidade tão abundantes, quais outras não se conhecem abaixo de Deus, e que pessoa alguma, além de Deus, jamais alcançaria, nem em espírito” (n. 2).

Diante de Maria, envolta pela inaudita graça da maternidade divina, São Francisco, apaixonado pelo mistério da encarnação, prorrompe numa saudação em que, faltando palavras, busca com símbolos e comparações dizer o que lhe vai na mente e no coração: “Salve, Senhora santa, Rainha santíssima, Mãe de Deus, ó Maria, que sois Virgem feita igreja, eleita pelo santíssimo Pai celestial, que vos consagrou por seu santíssimo e dileto Filho e o Espírito Santo Paráclito! Em vós residiu e reside toda a plenitude da graça e todo o bem! Salve, ó palácio do Senhor! Salve, ó tabernáculo do Senhor! Salve, ó morada do Senhor! Salve, ó manto do Senhor! Salve, ó serva do Senhor! Salve ó Mãe do Senhor! Salve vós todas, ó santas virtudes derramadas, pela graça e iluminação do Espírito Santo, nos corações dos fiéis, transformando-os em fiéis servos de Deus”.

Sempre na tentativa de expressar com palavras humanas aquele momento único da encarnação do Senhor, há teólogos que se demoram em comparar a presença dinâmica do Espírito Santo na pessoa de Maria com o início da criação, quando, segundo o Gênesis (1,2) o Espírito de Deus soprava forte sobre as águas, ou seja, separava os elementos, ordenava-os, permitindo o nascimento da vida na terra. Rezamos no Credo: “Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida”. Dar a vida é uma das atribuições do Espírito Santo. Na primeira criação, o Espírito como que fecundou a Natureza. Na segunda criação, inaugurada na Anunciação, o

Espírito Santo não só fecundou Maria que, como mulher, concebeu e deu início a uma vida, mas também tornou-se autor daquele que mais tarde declarou explicitamente: “Eu sou a vida” (Jo 11,25; 14,6).

Dar vida tornou-se sinônimo da missão de Jesus na terra. Por isso mesmo, toda a missão de Jesus está prenhe do Espírito Santo. Jesus foi preciso: “Eu vim para que todos tenham a vida em plenitude” (Jo 10,10). Esta plenitude da vida nos é dada pelo Espírito Santo, ligada ao mistério da Encarnação do Senhor, liga à própria vida do Filho de Deus na terra, obra e graça do Espírito Santo. Plenitude de vida aqui na terra e plenitude de vida na comunhão eterna com Deus. Aqui na terra, na vivência dos dons do Espírito Santo, que Maria recebeu em superabundância, particularmente a fé, a esperança e a caridade, que explodiram no seu “sim” ao plano de Deus e a mantiveram ao lado do Filho em todas as circunstâncias, inclusive ao pé da Cruz. Dos mesmos dons recebemos a coragem e a graça de acompanhar o Senhor Jesus e, na força do Espírito Santo, testemunhá-lo em nossa vida e em nossas ações e sermos pelo Senhor recebidos na morte e transportados à comunhão eterna com a Trindade.

Há um outro momento na história da salvação, fundamental também ele, no qual a Escritura acentua a presença de Maria, envolta no Espírito Santo. Refiro-me a Pentecostes. Na encíclica Redemptoris Mater – sobre o papel de Maria na história e na vida da Igreja – escreveu o Papa João Paulo II: “Na economia redentora da graça, atuada sob a ação do Espírito Santo, existe uma correspondência singular entre o momento da Encarnação do Verbo e o momento do nascimento da Igreja. A pessoa que une estes dois momentos é Maria: Maria em Nazaré e Maria no Cenáculo de Jerusalém. … Assim, aquela que está presente no mistério de

Cristo como Mãe, torna-se – por vontade do Filho e por obra do Espírito Santo – presente no mistério da Igreja” (n. 24).

Quando a Igreja declara que o Espírito Santo é sua alma (Lumen Gentium, 7), está reconhecendo nele a vida que a sustenta, a dinamiza, a santifica e lhe é garantia de fidelidade. Maria é o ícone da Igreja. Cheia do Espírito Santo, por sua obra e graça, ela deu à luz o Filho de Deus. A Igreja, sempre por obra e graça do Espírito Santo, gera os filhos para Deus. Se Maria foi verdadeiramente Mãe do Jesus histórico, concebido em Nazaré, nascido em Belém, crucificado e morto em Jerusalém, ela é também a verdadeira Mãe da Igreja, corpo místico do Cristo ressuscitado, vivo e presente até os confins do mundo e até o fim dos tempos.

Transcrevo uma oração atribuída a Santo Ildefonso (+667): “Ó Virgem Imaculada, aquele que armou sua tenda em Ti, enriqueceu-Te com os sete dons de seu Santo Espírito, como sete pedras preciosas. Primeiro, ornou-Te com o dom da Sabedoria, em força do qual foste divinamente elevada ao Amor dos amores. Depois, deu-Te o dom do Intelecto, pelo qual subiste às culminâncias do esplendor hierárquico. O terceiro dom com que foste agraciada foi o do Conselho, que Te fez virgem prudente, atenta e perspicaz. O dom da Ciência que recebeste foi confirmado pelo próprio magistério de Teu Filho. O quinto dom, o da Fortaleza, o manifestaste na firme perseverança, na constância e no vigor contra as adversidades. O dom da Piedade fez-Te clemente, piedosa, compreensiva, porque tinhas infusa a caridade. Pelo sétimo dom, o Temor de Deus transpareceu na Tua vida simples e respeitosa diante da imensa majestade. Alcança-nos estes dons, ó Virgem três vezes bendita, Tu, que mereceste ser chamada o Sacrário do Espírito Santo. Amém.

A Maternidade divina de Maria

Frei Clarêncio Neotti, OFM

O primeiro dos quatro dogmas marianos é o da maternidade divina de Maria. Primeiro, historicamente. Primeiro, como razão de todos os outros. O dogma que declara verdade de fé que Maria é Mãe de Deus foi proclamado pelo Concílio de Éfeso, no ano 431. Maria recebeu o nome de “Theotokos”, palavra grega que diz exatamente “Mãe de Deus”, e foi julgado insuficiente o título de “Christotokos”, ou seja “Mãe de Cristo”.

A controvérsia era chefiada, de um lado, pelo Patriarca de Constantinopla, Nestório, bispo famoso como orador sacro, como líder e organizador, como conhecedor das Escrituras; por outro lado, o Patriarca de Alexandria, Cirilo, também exímio pregador, teólogo refinado, excelente bispo. Ambos tinham seguidores bispos, padres, leigos.

Nestório ensinava que Maria era só mãe do Cristo-homem, porque lhe parecia absurdo uma criatura ser mãe do criador. Cirilo contestava com veemência, afirmando que não podia haver dois Cristos, um homem e outro Deus. E havendo um Cristo só, embora com duas naturezas inseparáveis, Maria era mãe do Cristo-homem e mãe do Cristo-Deus, portanto sua maternidade era tão divina quanto humana, ela era verdadeiramente “Theotokos”, Mãe de Deus. O Concílio deu razão a Cirilo e declarou herética a posição de Nestório que, humildemente, se retirou da vida pública e voltou à vida que levava antes de ser bispo e patriarca, a vida de monge.

Na carta encíclica “Fulgens Corona”, com que o Papa Pio XII comemorou os cem anos do dogma da Imaculada Conceição, vem lembrado que a maternidade divina de Maria constitui a mais alta missão, depois da que recebeu o Cristo, na face da terra, e que esta missão exige a graça divina em toda a sua plenitude. Continua o Papa: “Na verdade, desta sublime missão de Mãe de Deus nascem, como duma misteriosa e limpidíssima fonte, todos os privilégios e graças, que adornam, duma forma admirável e numa abundância extraordinária, a sua alma e a sua vida. Por isso, com razão declara Santo Tomás de Aquino que a Bem-Aventurada Virgem Maria, pelo fato de ser Mãe de Deus, recebe do bem infinito, que é Deus, uma certa dignidade infinita” (n.10).

Depois de Cristo, a maior e mais excelsa missão na terra; por causa de Cristo, revestida de uma certa dignidade infinita: mais não se pode dizer de uma criatura, privilegiada, plena da graça divina, mas sempre criatura, sempre mulher de carne e sangue. A partir do Concílio de Éfeso, a maternidade divina de Maria é doutrina constante e unânime na Igreja. Repete-a o Concílio Vaticano II, na Constituição Lumen Gentium: “A Virgem Maria, que na Anunciação do anjo, recebeu o Verbo de Deus no coração e no corpo e trouxe ao mundo a Vida, é reconhecida e honrada como verdadeira Mãe de Deus e do Redentor” (n. 53).

Acrescenta a Lumen Gentium: “Unida a Cristo por um vínculo estreito e indissolúvel, é dotada da missão sublime e da dignidade de ser Mãe do Filho de Deus, e, por isso, filha predileta do Pai e sacrário do Espírito Santo. Por este dom de graça exímia supera de muito todas as outras criaturas, celestes e terrestres” (n. 53). São Francisco, em sua singela e belíssima oração, intitulada “Saudação à Mãe de Deus”, expressa a mesma verdade, com palavras embebidas de ternura: “Salve, ó Senhora santa, Rainha santíssima, Mãe de Deus, ó Maria, que sois virgem feita igreja, eleita pelo santíssimo Pai celestial, que vos consagrou por seu santíssimo e dileto filho e o Espírito Santo Paráclito! Em vós residiu e reside toda a plenitude da graça e todo o bem!”.

Lucas, o Evangelista mariano, procurou contar em palavras humanas o momento estupendo e inefável da Encarnação de Deus no seio de Maria. O dogma da maternidade divina de Maria está estreitamente ligado ao dogma da Encarnação do Filho de Deus. A partir daquele momento, o mistério e a missão de Cristo – Deus-homem e homem-Deus – une-se para sempre ao mistério e à missão de Maria de Nazaré. O mistério e a missão de Maria, porém, só têm sentido no mistério e na missão de seu Filho. Jesus, autor da Graça, toma carne daquela que ele plenificara de Graça já antes da Anunciação. Criaturas humanas e criaturas angelicais olham extasiadas o fato inimaginável: uma mulher ser genitora de seu genitor e a saúdam como filha de seu filho.

Maria é chamada pelo anjo de “cheia de graça”, porque “a Encarnação do Verbo, a união hispostática do Filho de Deus com a natureza humana se realiza e se consuma precisamente em Maria” (João Paulo II, encíclica Redemptoris Mater, n. 9).

São Bernardo, num de seus sermões sobre a Anunciação, demora-se em observar Maria no exato momento de seu sim à maternidade divina, um sim que mudaria os rumos da história, que recriaria o mundo, que possibilitaria uma nova e eterna comunhão entre Deus e as criaturas. Transcrevo um trecho: “Ó Virgem piedosa, o pobre Adão, expulso do paraíso com sua mísera descendência, implora a tua resposta. Implora-a Abraão, implora-a Davi; e os outros patriarcas, teus antepassados… suplicam esta resposta. Toda a humanidade, prostrada a teus pés, a aguarda. E não é sem razão, pois do teu consentimento depende o alívio dos infelizes, a redenção dos cativos, a libertação dos condenados, a salvação de todos os filhos e filhas de Adão, de toda a tua raça. Responde depressa, ó Virgem! Pronuncia, ó Senhora, a palavra esperada pela terra, pelos infernos e pelos céus. O próprio Rei e Senhor de todos, tanto quanto cobiçou a tua beleza, deseja agora a tua resposta afirmativa, porque por ela decidiu salvar o mundo. Agradaste a ele pelo silêncio, muito mais lhe agradarás pela palavra … Se tu lhe fizeres ouvir a tua voz, ele te fará ver a nossa salvação”.

Este trecho não só é retoricamente bonito, mas também nos ensina como Deus respeitou a liberdade de Maria. Não lhe impôs a maternidade divina. Predestinou-a, mas lhe pediu o consentimento. Elegeu-a desde antes da criação do mundo, ornou-a com todas as bênçãos e graças, mas aguardou seu sim, sua disponibilidade.

O sim de Maria veio acompanhado de uma declaração de humildade: “Sou a serva do Senhor” (Lc 1,38). Volto a citar São Bernardo: “Que sublime humildade é esta que não soube ceder às honras e não sabe orgulhar-se na gloria! É escolhida para ser a Mãe de Deus e se proclama a serva. É certamente sinal de grande humildade não se esquecer de ser humilde quando é oferecida tamanha glória. Não é grande coisa mostrar-se humilde quando se é desprezado; ao contrário, é virtude insigne e rara ser humilde quando se é honrado”.

Com o sim de Maria, o Filho de Deus assumiu a carne humana; “subsistindo na condição de Deus, não se apegou à sua igualdade com Deus, … tornou-se solidário com os seres humanos e apresentou-se como simples homem” (Fl 2,6-7). A paternidade de Deus une-se para sempre à maternidade da jovem Maria de Nazaré. O “faça-se” de Deus ao criar o universo soma-se ao “faça-se” de Maria para recriar, em seu Filho, todas as coisas na face da terra. Em Jesus Cristo, Messias e Salvador, não se separam mais a paternidade de Deus, que fecundou Maria mediante o Espírito Santo, e a maternidade de Maria, que acreditou no convite.

O “faça-se” de Maria encerra o tempo da espera; as criaturas, tendo à frente o Filho de Deus concebido no seio virginal de uma mulher, entram na “plenitude dos tempos” (Gl 4,4): “pelo ingresso do eterno no tempo, do divino no humano, o próprio tempo foi redimido e, tendo sido preenchido pelo mistério de Cristo, se torna definitivamente tempo de salvação” (Redemptoris Mater, 1). Maria tornou-se assim, como diz o Prefácio da festa da Imaculada, o início, as primícias da Igreja.

Estamos diante de vários mistérios unidos, que perfazem o grande e inaudito mistério da salvação. É estupendo, mas verdadeiro. É inédito e acima de qualquer inteligência humana, mas é obra, graça e vontade de Deus e, como afirmou o anjo na hora da Anunciação, “para Deus, nada é impossível” (Lc 1,37).

Embevecido diante do mistério da maternidade divina de Maria, São Boaventura (+1274), compôs um longo hino de louvor à maneira do Te Deum. Destaco alguns versos:”Os coros dos anjos, com vozes incessantes, te proclamam: santa, santa, santa, ó Maria, Mãe de Deus, mãe e virgem ao mesmo tempo! Os céus e a terra estão cheios da majestade vitoriosa do Fruto do teu ventre! O glorioso coro dos apóstolos te aclama Mãe do Criador! Celebram-te todos os profetas, porque deste à luz o próprio Deus! A imensa assembléia dos santos mártires te glorifica como Mãe do Cristo. A multidão triunfante dos confessores prostra-se diante de ti, porque és o Templo da Trindade!”.

Consagração de Maria a Deus

Frei Clarêncio Neotti, OFM

A piedade popular sempre quis Maria muito perto de Deus. Por isso a faz ser apresentada no Templo aos três anos de idade e lá permanecer até os 12, aos cuidados das virgens que teciam e recamavam o grande véu do Templo, que separava a nave da sala chamada “Santo dos Santos”, onde se guardava a Arca da Aliança. Esse véu era grande, grosso, todo bordado de ouro e tão pesado que se precisavam 300 sacerdotes para transportá-lo, quando necessário.

Os escritos que falam da consagração de Maria no Templo datam do segundo século, ou seja, são tão antigos quanto os Evangelhos, que silenciam por inteiro sobre os pais e parentela, sobre o nascimento, a infância e a adolescência de Maria.

Que seus pais se chamassem Joaquim e Ana, o sabemos também desses escritos, chamados Apócrifos, precisamente de um livro intitulado “Protoevangelho de Tiago”. Os escritos antigos (não os Evangelhos) divergem, quando falam do lugar de nascimento de Maria. Uns a fazem nascer em Belém, para ligá-la com mais certeza à descendência de Davi, cuja família e parentela eram de Belém, onde nascera o próprio rei Davi. Outros sugerem Nazaré, como seu lugar de nascimento, já que a Anunciação aconteceu em Nazaré (Lc 1,26) e lá Maria tinha casa própria, quando recebeu a mensagem do Arcanjo Gabriel. No entanto, os escritos mais antigos, como o Protoevangelho de Tiago, a dão por nascida em Jerusalém, no lado norte da cidade, perto da piscina Probática. Encontramos essas informações também nos diários dos peregrinos cristãos do segundo século.

Essas lendas, nascidas da piedade popular, são verossímeis, isto é, podem ser históricas, porque, de fato, no Templo, trabalhavam as “virgens tecelãs” ou “virgens bordadeiras”, sob a responsabilidade dos levitas. As moças eram devolvidas à família aos 12 anos, quando, pela Lei, tornavam-se maiores de idade e podiam casar-se.

Além do mais, nenhum outro lugar seria mais indicado a Maria, predestinada a ser a mãe de Jesus, do que o Templo, coração do povo, lugar reconhecido por todos como o escolhido pelo próprio Deus para se fazer presente na comunidade e dela receber o louvor e a glória. E tudo toma grande sentido, se nos lembrarmos que Jesus seria o novo templo de Deus na terra, o novo coração do povo (Ap 21,22). Ornamentando ou tecendo o grande véu, que escondia dos olhos comuns a Arca da Aliança, Maria se preparava para ser a nova Arca, abrigando em seu útero bendito o Filho de Deus. A ladainha lauretana, que cantamos em nossas igrejas, a chama de “Arca da Aliança”.

É bonito imaginar Maria-menina, tecendo o sagrado véu do Templo, quando sabemos que ela teceu as roupas de Jesus, sobretudo aquela túnica inteiriça, sem costura, que Jesus vestia ao ser crucificado e que foi sorteada entre os soldados-algozes no Calvário (Jo 19,23).

É até comovente imaginar Maria no Templo, trabalhando desde a mais tenra infância, com as coisas sagradas, ela que daria carne e sangue à mais sagrada das criaturas, ao “primeiro de todas as criaturas”, como chama São Paulo a Jesus, àquele que é a imagem visível do Deus invisível (Cl 1,15).

Mais tarde, Jesus vai impor aos discípulos o abandono da casa dos pais, da família e de todos os bens temporais como condição ideal de seguimento perfeito (Mt 10,37-38; Mt 19,29). Maria antecedeu-se a todos, porque deixou a casa, os pais, tudo. Há uma lógica muito grande na piedade popular, que a consagra a Deus, como a mais perfeita discípula, desde os primeiros anos de vida.

Como costuma acontecer, a lógica e a devoção popular transformam-se em piedade e liturgia. Desde os primeiros séculos, celebrou-se a consagração de Maria no Templo, embora, repito, nada digam a respeito os Evangelhos. Muito cedo, celebrou-se na Igreja do Oriente a festa da “Entrada da Santíssima Mãe de Deus no Templo” e a esse título dedicou-se no ano 543 uma Basílica em Jerusalém. No Ocidente, ou seja, na Igreja romana, a festa tomou o nome de “Apresentação da Bem-aventurada Virgem Maria”. O Papa Xisto V, em 1585, introduziu a festa no calendário universal, no dia 21 de novembro, data em que a festa sempre fora celebrada.

Evidentemente, Maria teve de ser instruída e educada. Teve de aprender a ler e compreender os salmos, os profetas, os livros sapienciais e o das Leis. Tudo isso ela deveria transmitir a seu filho, depois. Não temos nenhum escrito que fale de uma consagração explícita de Maria nem ao serviço do Templo nem a Deus diretamente. Mas sabemos que ela era toda de Deus, porque o Anjo Gabriel a chamou de “cheia de graça” (Lc 1,28), ou seja, totalmente possuída por Deus. O Anjo reforçou a afirmação, dizendo logo em seguida: “O Senhor está contigo”. Se não bastasse, temos uma explícita consagração na resposta de Maria: “Sou a serva do Senhor. Aconteça comigo segundo a tua palavra” (Lc 1,38).

Quando uma criatura humana se consagra a Deus não faz outra coisa senão declarar-se serva do Senhor à inteira disposição de seu serviço, de sua vontade em todas as circunstâncias da vida, nada retendo para si nem de bens materiais nem de bens espirituais. Observemos, no entanto, uma certeza: quando um homem ou uma mulher se consagram assim a Deus, a iniciativa não parte de sua vontade humana. Mas parte de Deus, que os inspira e os chama individualmente, deixando-lhes a liberdade de aceitar ou não o convite. A consagração, portanto, antes de ser um gesto humano, é um gesto divino que, porém, não se impõe, mas convida.

O momento da Anunciação é um belíssimo modelo de consagração. O Arcanjo representa a iniciativa de Deus, convidando Maria para um projeto novo, um projeto divino. Maria, mesmo sem entender os caminhos por onde andaria dentro desse projeto, aceitou o convite, confiando na graça de Deus. O seu “sim” foi sua consagração, aceita de imediato por Deus que, no mesmo instante pôs em andamento seu projeto. Deus nada impõe. Ele espera que a criatura use de sua liberdade. Deus havia escolhido Maria. E como a escolhera para ser a mãe de seu Filho, a ornara com todas as graças, particularmente com o privilégio de sua concepção imaculada, isto é, isenta do pecado original, que todos herdamos de Adão e Eva. No entanto, não a forçou. Quis uma resposta livre e responsável. E Maria a deu, entregando-se inteira e em tudo à sua vontade, ao seu plano. Sua consagração a Deus, seu sim não valeu apenas para o momento da encarnação em Nazaré (Lc 1,38), valeu para a noite de Belém (Lc 2,6), valeu para o “estava de pé” junto à cruz, no Calvário (Jo 19,25), valeu no dia de Pentecostes (At 1,14).

Maria é o modelo perfeito de uma vida consagrada. Sua resposta incondicionada ao chamado de Deus, sua absoluta fidelidade em todas as circunstâncias boas, adversas e terríveis, sua quase identificação com os passos de Cristo, fazem dela uma pessoa consagrada por excelência.

Destaco duas características da consagração. Uma delas é a disponibilidade. Deus pode fazer da pessoa consagrada o que quiser e a pessoa, embora sempre procurando compreender as exigências divinas (porque a disponibilidade não dispensa o uso da inteligência, da vontade e dos sentimentos) não deve recuar, mesmo quando a vontade misteriosa de Deus a leve ao Getsêmani ou ao Calvário. Servir a Deus nas horas boas, iluminadas de sol, não é difícil. É verdade que também nessas horas devemos servi-lo. O encontro entre Maria e Isabel, o canto do Magnificat são exemplos de momentos estupendos, fáceis, exultantes, que chamo de “horas boas”. Mas não só nos momentos de primavera devemos ser fiéis à consagração. Mas também quando se faz noite, quando as decepções nos invadem que nem água suja de enchente incontrolada. A condenação, a paixão e a morte de Jesus foram para Maria desses momentos cruciais. Ela confiou contra toda esperança. Não lhe faltou a espada a atravessar-lhe o coração (Lc 2,35). Com o mesmo sim ao Arcanjo ela respondeu ao Filho torturado. O “amém” (faça-se) de Maria amalgamou-se de tal forma ao “amém” de Deus que ninguém e nada os pôde separar (cf. Rm 8,35).

Outra característica é a gratuidade. Só pode compreender o que é a vida consagrada quem consegue alcançar a grandeza do significado da gratuidade. Desprendimento e gratuidade são as duas exigências mais difíceis do Evangelho. A gratuidade não é hábito normal da vida diária. Muito menos em nosso tempo pervadido de consumismo, o que significa viver no jogo do comprar e vender e lucrar. A gratuidade corre por outros trilhos, que a maioria das criaturas morre sem conhecer. A pessoa consagrada nada pede em troca do serviço feito e muito menos exige. Nem pagamento. Nem aplausos. Nem recompensas. Nem gratidão. Maria viveu e serviu gratuitamente e na obscuridade da vida social. Ninguém sabe ao certo onde e quando nasceu. Ninguém anotou onde e quando morreu. No entanto, todos sabemos que ela passou, como Jesus, fazendo o bem (cf. At 10,38) e continua ainda hoje sendo a mãe solícita da comunidade cristã e modelo perfeito de consagração a Deus.

Proclamação do Dogma

Frei Clarêncio Neotti, OFM

Estamos diante de um mistério. Ou seja: diante de um fato que nossa inteligência, por ser conhecidamente limitada, não consegue abranger nem explicar por inteiro. O mistério não contradiz a razão humana, mas a excede.

O privilégio da Imaculada Conceição não se refere ao fato de Maria de Nazaré ter sido virgem antes, durante e depois do parto de Jesus.

Não se refere ao fato de ter ela concebido o filho sem o concurso de homem, mas por obra e graça do Espírito Santo. Não se refere ao fato de Maria não ter cometido nenhum dos pecados que nós costumamos fazer, confessar e nos esforçamos por evitar. Refere-se ao fato de Deus havê-la preservado da mancha com que todas as criaturas humanas nascem, mancha herdada do pecado cometido por Adão e Eva. A teologia chama esta mancha de “pecado original”. Original, não porque nascemos como fruto de um ato sexual. Mas original, porque se refere à origem de toda a humanidade, ou seja, aos nossos primeiros pais, que a Bíblia chama de Adão e Eva.

A Sagrada Escritura ensina-nos que Deus criou o ser humano à sua imagem e semelhança. Não o fez por necessidade, mas num gratuito gesto de amor. Criado por amor, o ser humano estava destinado a uma plena e eterna comunhão com Deus. Comunhão tão íntima e divina, que o próprio Filho de Deus dela poderia participar sem nenhuma diminuição de sua divindade.

Ora, para o Filho de Deus encarnar-se, Deus havia escolhido desde sempre uma mulher e a havia imaginado santíssima, ou seja, adornada com todas as qualidades e belezas do próprio Deus. Para Deus, imaginação e criação é a mesma coisa.

Aconteceu, no entanto, o grande transtorno: nossos primeiros pais, apesar de feitos à imagem e semelhança de Deus, eram criaturas e como criaturas dependiam do Criador. Sua liberdade era a plenitude da liberdade como criaturas. Adão e Eva pecaram, querendo passar da liberdade e santidade de criaturas à liberdade e santidade do Criador, ou seja, quiseram igualar-se a Deus. Pecado de orgulho. Um pecado de desobediência à condição de criaturas, querendo a condição do Criador. Eles quiseram “ser como Deus” (Gn 3,5). Eles quiseram comportar-se como Deus e não como criaturas de Deus.

A Sagrada Escritura fala das conseqüências dramáticas dessa prepotência dos nossos primeiros pais: embora mantendo a dignidade de imagem e semelhança de Deus, perderam, como diz São Paulo “a graça da santidade original” (Rm 3,23), passaram a ter medo de Deus, perderam o equilíbrio de criaturas, ou seja, foram tomados pelas más inclinações e passaram a sentir em sua consciência a desarmonia e a tensão entre o bem e o mal e a experiência da terrível necessidade de optar entre um e outro, e “a morte entrou na história da humanidade” (Rm 5,12).

Ora, os planos de Deus, ainda que as criaturas os desviem ou quebrem ou não os queiram, acabam se realizando.

Aquela mulher imaginada (criada) por Deus antes do paraíso terrestre, para ser a Mãe do Filho em carne humana, estava isenta do pecado de Adão e Eva. Há, porém, uma verdade de fé professada pela Igreja, que ensina que todas as criaturas humanas são redimidas, sem exceção, exclusivamente pelos méritos de Jesus Cristo. Ora, Maria é uma criatura e não uma deusa. Por isso, também ela deveria ter sido redimida por Jesus.

Os teólogos discutiram durante séculos sobre como Maria poderia ter sido remida. Nunca, nenhum santo Padre duvidou da santidade de Maria, de sua vida puríssima, de seu coração inteiramente voltado para Deus, ou seja, de ser uma mulher “cheia de graça” (Lc 1,28). Mas, ainda que a pudessem imaginar imaculada, havia teólogos que não conseguiam argumentos teológicos suficientes para crê-la isenta do pecado original. Um deles, por exemplo, foi São Bernardo, autor de belíssimos textos sobre Nossa Senhora, insuperável na descrição da maternidade divina de Maria.

Entre os teólogos favoráveis à imaculada conceição de Maria devemos mencionar o Bem-aventurado Duns Scotus, que argumentava assim: Deus podia criá-la sem mancha, porque a Deus nada é impossível (Lc 1,37); convinha que Deus a criasse sem mancha, porque ela estava predestinada a ser a Mãe do Filho de Deus e, portanto, ter todas as qualidades que não obnubilassem o filho; se Deus podia, se convinha, Deus a criou isenta do pecado original, ou seja, imaculada antes, durante e depois de sua conceição no seio de sua mãe.

Em 1615 encontramos o povo de Sevilha, na Espanha, cantando pelas ruas alguns versos, derivados do argumento de Duns Scotus: “Quis e não pôde? Não é Deus / Pôde e não quis? Não é Filho. / Digam, pois, que pôde e quis”.

Também os artistas entraram na procissão dos que louvavam e difundiam a devoção à Imaculada. Nenhum foi tão feliz quanto o espanhol Murillo, falecido em 1682. A ele se atribuem 41 diferentes quadros da Imaculada, inconfundíveis, sempre a Virgem em atitude de assunta, cercada de anjos, a meia lua sob os pés, lembrando de perto a mulher descrita pelo Apocalipse: “revestida de sol, com a lua debaixo dos pés” (Ap 12,1). A lua, por variar tanto, é símbolo da instabilidade humana e das coisas passageiras. Maria foi sempre a mesma, sem nenhum pecado.

“No entanto, escreve o Santo Padre Pio IX, era absolutamente justo que, como tinha um Pai no céu, que os Serafins exaltam como três vezes santo, o Unigênito tivesse também uma Mãe na terra, em quem jamais faltasse o esplendor da santidade. Com efeito, essa doutrina se apossou de tal forma dos corações e da inteligência dos nossos antepassados, que deles se fez ouvir uma singular e maravilhosa linguagem. Muitas vezes se dirigiram à Mãe de Deus como a toda santa, a inocentíssima, a mais pura, santa e alheia a toda mancha de pecado, … mais formosa que a beleza, mais amável que o encanto, mais santa que a santidade, … a sede única das graças do Santíssimo Espírito, sendo, à exceção de Deus, a mais excelente de todos os homens, por natureza, e até mesmo mais que os próprios querubins e serafins. E para a decantarem os céus e a terra não acham palavras que lhes bastem” (Ineffabilis Dei, 31).

No dia 8 de dezembro de 1854, o bem-aventurado Papa Pio IX declarou verdade de fé a conceição imaculada de Maria. O dogma soa assim: “Pela inspiração do Espírito Santo Paráclito, para honra da santa e indivisa Trindade, para glória e adorno da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica e para a propagação da religião católica, com a autoridade de Jesus Cristo, Senhor nosso, dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e nossa, declaramos, promulgamos e definimos que a Bem-aventurada Virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, foi preservada de toda mancha de pecado original, por singular graça e privilégio do Deus Onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador dos homens, e que esta doutrina está contida na Revelação Divina, devendo, portanto, ser crida firme e para sempre por todos os fiéis” (Ineffabilis Dei, 42).

Celebramos em 2004 os 150 anos do dogma. Mas a devoção à Imaculada é muito antiga. Basta lembrar que a festa é conhecida já no século VIII. Desde 1263, a Ordem Franciscana celebrou com muita solenidade a Imaculada Conceição, no dia 8 de dezembro de cada ano e costumava cantar a Missa em sua honra aos sábados. Em 1476, o Papa Xisto IV colocou a festa no calendário litúrgico da Igreja. Em 1484, Santa Beatriz da Silva, filha de pais portugueses, fundou uma Ordem contemplativa de mulheres, conhecidas como Irmãs Concepcionistas, para venerar especialmente e difundir o privilégio mariano da Imaculada Conceição de Maria, Mãe de Deus.

Desde a proclamação do dogma, a festa da Imaculada Conceição passou a ser dia santo de preceito.

Em Roma, na Praça Espanha, para perenizar publicamente a declaração do dogma, levantou-se uma belíssima e trabalhada coluna encimada pela estátua da Imaculada Conceição. Todos os anos, no dia 8 de dezembro à tarde, o Papa costuma ir à Praça e com o povo romano e os peregrinos reverenciar o privilégio da imaculada conceição da santíssima Virgem, privilégio que deriva de seu título maior: ser a Mãe do Filho de Deus Salvador.

Nem quatro anos depois de proclamado o dogma, em Lourdes, na França, à menina Bernardete, simples e analfabeta, que perguntava insistentemente à visão quem era ela, recebeu como resposta, cercada de terníssimo sorriso: “Eu sou a Imaculada Conceição”.

Não podemos esquecer que a estátua de Nossa Senhora Aparecida é uma Imaculada Conceição e por isso mesmo seu título oficial é Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Como é bonito, piedoso e comovente escutar o povo brasileiro cantando uníssono: Viva a Mãe de Deus e nossa / sem pecado concebida! / salve, Virgem Imaculada, / ó Senhora Aparecida!