Carisma - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Província em festa: Frei Olavo faz 100 anos

Província em festa: Frei Olavo faz 100 anos

Neste domingo, 4 de agosto, Frei Olavo Seifert marcará o seu nome na história da Província Franciscana da Imaculada Conceição como o primeiro frade a celebrar 100 anos de vida. Este momento será celebrado pela Fraternidade Provincial com a Missa de Ação de Graças, às 9h30, na Fraternidade São Francisco de Assis, em Bragança Paulista, onde reside Frei Olavo. “Mais do que esse feito heroico, de chegar aos 100 anos, celebrar a vida de Frei Olavo já é uma grande graça, porque cada vez que o encontramos, vemos a presença de um frade na sua inteireza: na sua humildade, na sua receptividade, na sua franqueza e no seu vigor. E isso se repete cada vez que vamos a Bragança. Ele é um dos primeiros frades a acolher quem chega! De longe, ele percebe a presença, chama pelo nome, saúda. Então, junto a Frei Olavo, sentimo-nos diante de um confrade que soube cultivar sua vida, sua vocação e os dons que Deus lhe deu”, celebra o Ministro Provincial Frei César Külkamp.

Neste Especial, conheça um pouco a vida centenária deste frade e os depoimentos de seus confrades Frei Regis Guaracy Ribeiro Daher e Frei Clarêncio Neotti.


CONHEÇA ESSA HISTÓRIA CENTENÁRIA

Quem conhece Frei Olavo Seifert há pouco tempo não terá uma impressão diferente de alguém que já o conhece há muitos anos. Pelos relatos históricos daqueles que conviveram e convivem com ele, o segredo da longevidade de Frei Olavo é a sua coerência de vida. Desde pequeno até hoje, ao completar 100 anos de vida, a “curva da vida” deste frade parece não ter sofrido muitas alterações, com exceção de uma calibrada no coração com uma cirurgia e de um momento crítico quando deixou o Convento Santo Antônio para se tratar na Casa Acolhedora de Bragança Paulista, onde está até hoje.

E o que impressiona é a disposição de Frei Olavo em todas as atividades da vida fraterna. A oração está no centro da vida deste frade como pude ver durante o feriado de Corpus Christi, quando estive em Bragança Paulista para conversar com ele. Nesta homenagem a Frei Olavo, Frei Régis Daher, que participou da entrevista, vai descrever com detalhes a vida e a personalidade deste frade com base nesta convivência em Bragança, e Frei Clarêncio complementa, com seu depoimento, um pouco da história da vida de Frei Olavo.

Frei Olavo, ao completar um século de vida, torna-se o primeiro frade da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil a celebrar esse feito. Frei Feliciano Greshake, Frei Aloísio Bernardo Scharf, Frei Eugênio Schuch e Frei Elzeário Schmitt chegaram perto (veja quadro na pág. 458).

Essa história começa em Curitiba, no dia 4 de agosto de 1919, quando nasceu Ervino René Seifert, filho de Gustavo e Maria, oriundos de duas famílias alemãs. O pai era filho de Francisco e Francisca, naturais de Altmonsdorf, e quando vieram ao Brasil estavam noivos. Já sua mãe, Maria Jantke Seifert, veio ao Brasil em 1900, com apenas 6 anos de idade. Era filha de Humberto e Bertha, de Trebnitz. Segundo Frei Olavo, famílias muito católicas, que tiravam o seu sustento da agricultura.

O pai Gustavo era um relojoeiro dos bons em Curitiba. Segundo Frei Olavo, foi batizado por “um santo frade”, Frei Pascoal Reuss, na Igreja Bom Jesus dos Perdões. A irmã é 5 anos mais nova e faleceu em Curitiba aos 88 anos. Hoje, sua família são três sobrinhos, que sempre vêm visitá-lo.

Um ano depois do seu nascimento, seus pais se transferiram para São Paulo, onde a princípio residiram no centro da cidade, mudando-se, em 1924, para o bairro de Santana. Com apenas três anos e meio, Ervino frequentou o jardim de infância na Escola de Santo Alberto, dirigida por irmãs. Foi nesse período que o pai passou a fazer os consertos e manutenção do relógio da torre do Mosteiro São Bento, no centro de São Paulo. “Naquela época só havia relógios de bolso e parede”, recorda o frade.

Na Paróquia dos Padres Saletinos de Santana fez a primeira comunhão e serviu por longos anos como coroinha nas funções litúrgicas. Pertenceu também, como membro zeloso, à Cruzada Eucarística. Aos 7 anos, iniciou os estudos no primário (hoje ensino fundamental). O primeiro ano ginasial, Ervino não conseguiu concluí-lo devidamente por causa da Revolução Constitucionalista que foi deflagrada em São Paulo. Em vista disso, sua turma foi promovida automaticamente.

A VOCAÇÃO
Nas aulas de catecismo na Paróquia de Santana, ele era o xodó das catequistas, pois não deixava suas perguntas sem respostas. Mas, em compensação, quando prometiam prêmios para respostas certas, ficavam desagradavelmente embaraçadas porque Ervino “faturava” todos. Segundo Frei Olavo, desde pequeno já sabia o que queria: “Eu nunca tive dificuldade na vocação desde bem cedo”. Mas só quando já contava com 7 anos de idade, tomou coragem para dizer à mãe que pretendia estudar para ser padre. A reação não foi das melhores: “Isso nem sequer vem ao caso”. Mas ele insistiu: “Acho que posso ficar padre, pois, tudo o que o padre me pergunta eu sei”. “Noutra ocasião em que estava em um aniversário dos colegas de mesma idade, começaram, à mesa, dizer o que cada um queria fazer na vida. Mencionaram as mais diversas vocações. Quando chegou a minha vez, disse afoitamente. ‘Eu quero ficar padre’. Peguei de surpresa a turma, mas logo em seguida também outros começaram a optar por esta vocação da qual antes ninguém se havia lembrado”, recordou. Mais tarde, a mãe lhe perguntou se queria mesmo ser padre, ao que ele respondeu: “Se mamãe e papai deixarem, eu irei”. Com o consentimento do pai, só faltava agora escolher o seminário.

“Eu queria ser padre, mas não conhecia as Ordens religiosas. O Pe. Agostinho, dos Saletinos, convidou-me para sua congregação. Mas não quis. Tive uma proposta dos salesianos, mas igualmente rejeitei. Como o pai consertava os relógios dos beneditinos e conhecera os monges, recebi a proposta da Ordem de São Bento, onde até poderia estudar gratuitamente. Também, desta vez, recusei. A Congregação de Nossa Senhora Auxiliadora também oferecia ótima chance com estudos gratuitos. Mas eu recusei, assim como não quis ser diocesano. Por fim, a mãe perdeu a paciência e disse: ‘Desista, então, de uma vez dessa ideia maluca!’”, lembra Frei Olavo.

Devido a isso, Frei Olavo passou a trabalhar durante o dia e à noite estudava. Esse período, contudo, demorou pouco. “Quando tinha 13 anos, o convite de São Francisco para me tornar franciscano veio até mim na forma de um prospecto do Seminário Seráfico São Luís de Tolosa de Rio Negro (PR)”, revelou Frei Olavo. Segundo ele, seus tios residiam no Paraná e tinham quatro filhos. “Minha tia rezava para que um se tornasse padre e com eles veio esse prospecto até São Paulo. Não tive dúvida que ali era o local que queria estar, embora não conhecesse São Francisco de Assis, a não ser o frade que me batizou em Curitiba, Frei Pascoal Reuss, um santo frade”, ressaltou.

Escolha feita, a mãe foi em busca da orientação vocacional, primeiro no Convento Santo Antônio do Pari, mas ali indicaram o Convento São Francisco, no Largo de mesmo nome. Atendidos por Frei Celso Dreiling, o garoto Ervino pôde finalmente ingressar no seminário.

Frei Olavo e sua turma durante a Profissão Solene em 22/12/1944

 

OS ESTUDOS
A 23 de janeiro de 1934, em companhia da mãe, Ervino Seifert chegou ao Seminário de Rio Negro. Ali, estudou durante sete anos, saindo em 1940 para o Noviciado de Rodeio. A construção do Seminário de Agudos só começou em 45 e a inauguração foi em 1950. No seminário, Frei Olavo conta que começou a conhecer melhor o carisma franciscano.

Ao ingressar no Noviciado em 1940, Frei Olavo recebeu o hábito franciscano e fez a profissão dos votos temporários no dia 22 de dezembro de 1941. Portanto, no próximo ano estará comemorando 80 anos de vestição.

Em Curitiba, ficou três anos para cursar Filosofia e quatro anos em Petrópolis para cursar Teologia. “Gostei muito dos estudos teológicos, mas não tenho nenhuma saudade dos estudos filosóficos. Não gostava. Os professores de Filosofia eram ruins. Frei Tito era chamado de ‘Doctor Miserabilis’ (risos). Tinha dificuldades com o Latim. Todas as matérias eram ministradas em Latim, somente na Teologia eu fui ter a primeira aula em português com Frei Constantino Koser”, recordou.

PADRE ANTES DO CONCÍLIO
Frei Olavo viveu a transição que mudou a Igreja com o Pontificado de João XXIII, embora breve, mas intenso. Ele teve a coragem de convocar o Concílio Vaticano II, colocando a Igreja no coração do povo. “Tudo era feito em latim, desde batizados até as missas. O povo acompanhava como podia. Não entendia nada. O Concílio abriu as portas para um novo tempo”, observou.

Segundo Frei Olavo, com dois anos de Teologia, foi ordenado padre porque havia carência de sacerdotes para dar atendimento às irmãs. “Padre simples de teologia. Depois continuei os estudos mais dois anos”, contou, explicando que isso não era um privilégio, pois o “padre simples não podia fazer nada, nem pregar. Só batizar e consagrar’. Segundo ele, só a sua turma, com mais quatro frades, pôde se ordenar antes.

Concluído o curso de Teologia em 48, no ano seguinte, foi transferido para o Convento São Francisco, como coadjutor naquele tempo (vigário paroquial hoje). “Como vigário paroquial, tinha muito catecismo para dar. Para se ter uma ideia, às terças-feiras tinha 29 aulas. O diretor do grupo escolar era protestante e só deixava um dia para aulas de catecismo. Então, tinha que arrumar catequistas para me ajudarem”, recordou.

“Sempre gostei de dar catecismo. No Centro, dava catecismo para 200 crianças. Nessa época, já não havia muitas famílias na região central, como é hoje. Era difícil arrumar coroinhas. A maioria eram filhos dos zeladores de prédios”, acrescentou, lembrando que quatro ou cinco coroinhas foram visitá-lo em Bragança.

Em 56, Frei Olavo foi também escolhido pelo Ministro Provincial Frei Heliodoro para ser seu secretário e arquivista da Província. “Importante ressaltar que não era secretário da Província. O secretário do Ministro fazia pouca coisa. Quando tinha que responder ofícios e cartas, nem sempre pessoais, ele passava para o secretário. Por exemplo, depois do Definitório, havia as obediências para serem enviadas”, explicou.

Como arquivista, Frei Olavo ficou 21 anos e faz questão de frisar que foi um trabalho prazeroso. Segundo Frei Regis, foi a primeira grande organização do arquivo da Província. E tudo feito com a máquina de escrever.
“Eu gosto muito da história da Província. Conheci, mesmo que de passagem, quase todos os restauradores vivos”, disse, lembrando que participou da coleção dos “100 anos da Restauração”. No prefácio do segundo volume, escreveu: “É imprescindível que não nos tornemos unicamente questionadores de ações, hábitos, costumes, comportamentos dos nossos confrades de antigamente, pois, não conhecemos mais, ou ao menos não integralmente os pormenores dos desafios e das lutas que enfrentaram, seja pelo distanciamento grande do tempo, seja pelas constantes transformações que se realizaram nestes 100 anos. Será que para os nossos tempos não estaria faltando um pouco mais do sacrifício, atividade, entusiasmo, dinamismo, espiritualidade e aquele otimismo que os animavam? Ainda é necessário alertar que em quase todos os textos, está presente a antiga norma da caridade: ‘De mortuis, nihil nisi bene’. Dos mortos só se fale bem!”, escreve Frei Olavo no prefácio deste segundo volume.

Frei Olavo lembra que pelo menos 200 frades, entre padres, irmãos e seminaristas, vieram da Alemanha. “A Província Santa Cruz era muito forte”, avalia.

VIDA EM FRATERNIDADE
“Sempre me dei bem com os frades. Sempre fui muito silencioso, desde criança. Mas me dei bem com todos. Nunca tive discórdia ou desarmonia com ninguém”, garante, concordando com a afirmação de Frei Regis que a vida em fraternidade é a pedra de tropeço para alguns, mas é a marca registrada dos filhos de São Francisco.

Frei Olavo não tem dúvida. “Nesses 100 anos, valeu a pena ser frade. Eu gostei da vida de frade desde o começo. Me considero frade desde o dia que ingressei no Seminário de Rio Negro”, reforça, brincando novamente: “Não gostava dos diocesanos”.

CONCÍLIO VATICANO II
Frei Olavo foi ordenado padre 10 anos antes do Concílio, mas como arquivista, avalia que não sentiu tanto a “revolução” que aconteceu na Igreja. “As mudanças foram mais intensas para os padres nas paróquias, que estavam vivendo dia a dia essa transformação na Igreja que veio para melhorar”, acredita, mostrando reverência a todos os Santos Padres da Igreja que pôde acompanhar desde Pio XII, de quem gostava muito e considerava muito culto.

Para ele, o Papa Francisco é o jesuíta mais franciscano da Igreja e que está fazendo uma nova transformação na Igreja. “Ele é bom, carismático e competente, apesar de ser argentino”, brinca.

FRANCISCO DE ASSIS
Para Frei Olavo, São Francisco de Assis o escolheu desde aquele prospecto. “Vejo São Francisco como um Pai que cuidou sempre de seus filhos e, entre eles, eu estou, o mais humilde”.

Ele faz um pedido especial aos jovens frades para continuem firmes na vida e na obediência à Regra da Ordem. “Sejam perseverantes na vocação e rezem muito. Acho que hoje falta oração na nossa vida!”, indicou.

100 ANOS
“Não sinto a idade. Não sei como cheguei a tanto. Sempre tive boa saúde, fora a cirurgia no coração”, garante Frei Olavo, que veio para Bragança Paulista em 2015, bastante debilitado. “Fiquei um mês internado, recebi transfusão de sangue e todos os cuidados. No Rio, não teria resistido três meses”, avalia, elogiando incansavelmente o acolhimento que recebe na Casa Acolhedora da Província. “Sou grato pelo atendimento muito carinhoso dos enfermeiros e enfermeiras, dos funcionários e funcionárias, dos frades da casa e da Universidade”.

Durante a entrevista, Frei Olavo deu provas que a memória vai muito bem. Celebra a Missa todos os sábados e participa ativamente de todas as atividades. Para a oração vespertina, chega duas horas antes. Seu passatempo preferido é a leitura, chegando a ler duas ou três vezes o mesmo livro. Citou especialmente o volume “Ribeirão Grande, vi, vivi, vivenciei”, as notas autobiográficas de Frei Clarêncio Neotti. Segundo Frei Olavo, “ele resgata a história do país, da Igreja e da Província”.

Frei Regis Daher e Moacir Beggo