Província em festa: Frei Olavo faz 100 anos
- Província em festa: Frei Olavo faz 100 anos
- Formação e atividades de Frei Olavo
- Frades que chegaram aos 99 anos
- Mensagem do Ministro Provincial
- Depoimento de Frei Régis
- Depoimento de Frei Clarêncio Neotti
Província em festa: Frei Olavo faz 100 anos
Neste domingo, 4 de agosto, Frei Olavo Seifert marcará o seu nome na história da Província Franciscana da Imaculada Conceição como o primeiro frade a celebrar 100 anos de vida. Este momento será celebrado pela Fraternidade Provincial com a Missa de Ação de Graças, às 9h30, na Fraternidade São Francisco de Assis, em Bragança Paulista, onde reside Frei Olavo. “Mais do que esse feito heroico, de chegar aos 100 anos, celebrar a vida de Frei Olavo já é uma grande graça, porque cada vez que o encontramos, vemos a presença de um frade na sua inteireza: na sua humildade, na sua receptividade, na sua franqueza e no seu vigor. E isso se repete cada vez que vamos a Bragança. Ele é um dos primeiros frades a acolher quem chega! De longe, ele percebe a presença, chama pelo nome, saúda. Então, junto a Frei Olavo, sentimo-nos diante de um confrade que soube cultivar sua vida, sua vocação e os dons que Deus lhe deu”, celebra o Ministro Provincial Frei César Külkamp.
Neste Especial, conheça um pouco a vida centenária deste frade e os depoimentos de seus confrades Frei Regis Guaracy Ribeiro Daher e Frei Clarêncio Neotti.
CONHEÇA ESSA HISTÓRIA CENTENÁRIA
Quem conhece Frei Olavo Seifert há pouco tempo não terá uma impressão diferente de alguém que já o conhece há muitos anos. Pelos relatos históricos daqueles que conviveram e convivem com ele, o segredo da longevidade de Frei Olavo é a sua coerência de vida. Desde pequeno até hoje, ao completar 100 anos de vida, a “curva da vida” deste frade parece não ter sofrido muitas alterações, com exceção de uma calibrada no coração com uma cirurgia e de um momento crítico quando deixou o Convento Santo Antônio para se tratar na Casa Acolhedora de Bragança Paulista, onde está até hoje.
E o que impressiona é a disposição de Frei Olavo em todas as atividades da vida fraterna. A oração está no centro da vida deste frade como pude ver durante o feriado de Corpus Christi, quando estive em Bragança Paulista para conversar com ele. Nesta homenagem a Frei Olavo, Frei Régis Daher, que participou da entrevista, vai descrever com detalhes a vida e a personalidade deste frade com base nesta convivência em Bragança, e Frei Clarêncio complementa, com seu depoimento, um pouco da história da vida de Frei Olavo.
Frei Olavo, ao completar um século de vida, torna-se o primeiro frade da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil a celebrar esse feito. Frei Feliciano Greshake, Frei Aloísio Bernardo Scharf, Frei Eugênio Schuch e Frei Elzeário Schmitt chegaram perto (veja quadro na pág. 458).
Essa história começa em Curitiba, no dia 4 de agosto de 1919, quando nasceu Ervino René Seifert, filho de Gustavo e Maria, oriundos de duas famílias alemãs. O pai era filho de Francisco e Francisca, naturais de Altmonsdorf, e quando vieram ao Brasil estavam noivos. Já sua mãe, Maria Jantke Seifert, veio ao Brasil em 1900, com apenas 6 anos de idade. Era filha de Humberto e Bertha, de Trebnitz. Segundo Frei Olavo, famílias muito católicas, que tiravam o seu sustento da agricultura.
O pai Gustavo era um relojoeiro dos bons em Curitiba. Segundo Frei Olavo, foi batizado por “um santo frade”, Frei Pascoal Reuss, na Igreja Bom Jesus dos Perdões. A irmã é 5 anos mais nova e faleceu em Curitiba aos 88 anos. Hoje, sua família são três sobrinhos, que sempre vêm visitá-lo.
Um ano depois do seu nascimento, seus pais se transferiram para São Paulo, onde a princípio residiram no centro da cidade, mudando-se, em 1924, para o bairro de Santana. Com apenas três anos e meio, Ervino frequentou o jardim de infância na Escola de Santo Alberto, dirigida por irmãs. Foi nesse período que o pai passou a fazer os consertos e manutenção do relógio da torre do Mosteiro São Bento, no centro de São Paulo. “Naquela época só havia relógios de bolso e parede”, recorda o frade.
Na Paróquia dos Padres Saletinos de Santana fez a primeira comunhão e serviu por longos anos como coroinha nas funções litúrgicas. Pertenceu também, como membro zeloso, à Cruzada Eucarística. Aos 7 anos, iniciou os estudos no primário (hoje ensino fundamental). O primeiro ano ginasial, Ervino não conseguiu concluí-lo devidamente por causa da Revolução Constitucionalista que foi deflagrada em São Paulo. Em vista disso, sua turma foi promovida automaticamente.
A VOCAÇÃO
Nas aulas de catecismo na Paróquia de Santana, ele era o xodó das catequistas, pois não deixava suas perguntas sem respostas. Mas, em compensação, quando prometiam prêmios para respostas certas, ficavam desagradavelmente embaraçadas porque Ervino “faturava” todos. Segundo Frei Olavo, desde pequeno já sabia o que queria: “Eu nunca tive dificuldade na vocação desde bem cedo”. Mas só quando já contava com 7 anos de idade, tomou coragem para dizer à mãe que pretendia estudar para ser padre. A reação não foi das melhores: “Isso nem sequer vem ao caso”. Mas ele insistiu: “Acho que posso ficar padre, pois, tudo o que o padre me pergunta eu sei”. “Noutra ocasião em que estava em um aniversário dos colegas de mesma idade, começaram, à mesa, dizer o que cada um queria fazer na vida. Mencionaram as mais diversas vocações. Quando chegou a minha vez, disse afoitamente. ‘Eu quero ficar padre’. Peguei de surpresa a turma, mas logo em seguida também outros começaram a optar por esta vocação da qual antes ninguém se havia lembrado”, recordou. Mais tarde, a mãe lhe perguntou se queria mesmo ser padre, ao que ele respondeu: “Se mamãe e papai deixarem, eu irei”. Com o consentimento do pai, só faltava agora escolher o seminário.
“Eu queria ser padre, mas não conhecia as Ordens religiosas. O Pe. Agostinho, dos Saletinos, convidou-me para sua congregação. Mas não quis. Tive uma proposta dos salesianos, mas igualmente rejeitei. Como o pai consertava os relógios dos beneditinos e conhecera os monges, recebi a proposta da Ordem de São Bento, onde até poderia estudar gratuitamente. Também, desta vez, recusei. A Congregação de Nossa Senhora Auxiliadora também oferecia ótima chance com estudos gratuitos. Mas eu recusei, assim como não quis ser diocesano. Por fim, a mãe perdeu a paciência e disse: ‘Desista, então, de uma vez dessa ideia maluca!’”, lembra Frei Olavo.
Devido a isso, Frei Olavo passou a trabalhar durante o dia e à noite estudava. Esse período, contudo, demorou pouco. “Quando tinha 13 anos, o convite de São Francisco para me tornar franciscano veio até mim na forma de um prospecto do Seminário Seráfico São Luís de Tolosa de Rio Negro (PR)”, revelou Frei Olavo. Segundo ele, seus tios residiam no Paraná e tinham quatro filhos. “Minha tia rezava para que um se tornasse padre e com eles veio esse prospecto até São Paulo. Não tive dúvida que ali era o local que queria estar, embora não conhecesse São Francisco de Assis, a não ser o frade que me batizou em Curitiba, Frei Pascoal Reuss, um santo frade”, ressaltou.
Escolha feita, a mãe foi em busca da orientação vocacional, primeiro no Convento Santo Antônio do Pari, mas ali indicaram o Convento São Francisco, no Largo de mesmo nome. Atendidos por Frei Celso Dreiling, o garoto Ervino pôde finalmente ingressar no seminário.
Frei Olavo e sua turma durante a Profissão Solene em 22/12/1944
OS ESTUDOS
A 23 de janeiro de 1934, em companhia da mãe, Ervino Seifert chegou ao Seminário de Rio Negro. Ali, estudou durante sete anos, saindo em 1940 para o Noviciado de Rodeio. A construção do Seminário de Agudos só começou em 45 e a inauguração foi em 1950. No seminário, Frei Olavo conta que começou a conhecer melhor o carisma franciscano.
Ao ingressar no Noviciado em 1940, Frei Olavo recebeu o hábito franciscano e fez a profissão dos votos temporários no dia 22 de dezembro de 1941. Portanto, no próximo ano estará comemorando 80 anos de vestição.
Em Curitiba, ficou três anos para cursar Filosofia e quatro anos em Petrópolis para cursar Teologia. “Gostei muito dos estudos teológicos, mas não tenho nenhuma saudade dos estudos filosóficos. Não gostava. Os professores de Filosofia eram ruins. Frei Tito era chamado de ‘Doctor Miserabilis’ (risos). Tinha dificuldades com o Latim. Todas as matérias eram ministradas em Latim, somente na Teologia eu fui ter a primeira aula em português com Frei Constantino Koser”, recordou.
PADRE ANTES DO CONCÍLIO
Frei Olavo viveu a transição que mudou a Igreja com o Pontificado de João XXIII, embora breve, mas intenso. Ele teve a coragem de convocar o Concílio Vaticano II, colocando a Igreja no coração do povo. “Tudo era feito em latim, desde batizados até as missas. O povo acompanhava como podia. Não entendia nada. O Concílio abriu as portas para um novo tempo”, observou.
Segundo Frei Olavo, com dois anos de Teologia, foi ordenado padre porque havia carência de sacerdotes para dar atendimento às irmãs. “Padre simples de teologia. Depois continuei os estudos mais dois anos”, contou, explicando que isso não era um privilégio, pois o “padre simples não podia fazer nada, nem pregar. Só batizar e consagrar’. Segundo ele, só a sua turma, com mais quatro frades, pôde se ordenar antes.
Concluído o curso de Teologia em 48, no ano seguinte, foi transferido para o Convento São Francisco, como coadjutor naquele tempo (vigário paroquial hoje). “Como vigário paroquial, tinha muito catecismo para dar. Para se ter uma ideia, às terças-feiras tinha 29 aulas. O diretor do grupo escolar era protestante e só deixava um dia para aulas de catecismo. Então, tinha que arrumar catequistas para me ajudarem”, recordou.
“Sempre gostei de dar catecismo. No Centro, dava catecismo para 200 crianças. Nessa época, já não havia muitas famílias na região central, como é hoje. Era difícil arrumar coroinhas. A maioria eram filhos dos zeladores de prédios”, acrescentou, lembrando que quatro ou cinco coroinhas foram visitá-lo em Bragança.
Em 56, Frei Olavo foi também escolhido pelo Ministro Provincial Frei Heliodoro para ser seu secretário e arquivista da Província. “Importante ressaltar que não era secretário da Província. O secretário do Ministro fazia pouca coisa. Quando tinha que responder ofícios e cartas, nem sempre pessoais, ele passava para o secretário. Por exemplo, depois do Definitório, havia as obediências para serem enviadas”, explicou.
Como arquivista, Frei Olavo ficou 21 anos e faz questão de frisar que foi um trabalho prazeroso. Segundo Frei Regis, foi a primeira grande organização do arquivo da Província. E tudo feito com a máquina de escrever.
“Eu gosto muito da história da Província. Conheci, mesmo que de passagem, quase todos os restauradores vivos”, disse, lembrando que participou da coleção dos “100 anos da Restauração”. No prefácio do segundo volume, escreveu: “É imprescindível que não nos tornemos unicamente questionadores de ações, hábitos, costumes, comportamentos dos nossos confrades de antigamente, pois, não conhecemos mais, ou ao menos não integralmente os pormenores dos desafios e das lutas que enfrentaram, seja pelo distanciamento grande do tempo, seja pelas constantes transformações que se realizaram nestes 100 anos. Será que para os nossos tempos não estaria faltando um pouco mais do sacrifício, atividade, entusiasmo, dinamismo, espiritualidade e aquele otimismo que os animavam? Ainda é necessário alertar que em quase todos os textos, está presente a antiga norma da caridade: ‘De mortuis, nihil nisi bene’. Dos mortos só se fale bem!”, escreve Frei Olavo no prefácio deste segundo volume.
Frei Olavo lembra que pelo menos 200 frades, entre padres, irmãos e seminaristas, vieram da Alemanha. “A Província Santa Cruz era muito forte”, avalia.
VIDA EM FRATERNIDADE
“Sempre me dei bem com os frades. Sempre fui muito silencioso, desde criança. Mas me dei bem com todos. Nunca tive discórdia ou desarmonia com ninguém”, garante, concordando com a afirmação de Frei Regis que a vida em fraternidade é a pedra de tropeço para alguns, mas é a marca registrada dos filhos de São Francisco.
Frei Olavo não tem dúvida. “Nesses 100 anos, valeu a pena ser frade. Eu gostei da vida de frade desde o começo. Me considero frade desde o dia que ingressei no Seminário de Rio Negro”, reforça, brincando novamente: “Não gostava dos diocesanos”.
CONCÍLIO VATICANO II
Frei Olavo foi ordenado padre 10 anos antes do Concílio, mas como arquivista, avalia que não sentiu tanto a “revolução” que aconteceu na Igreja. “As mudanças foram mais intensas para os padres nas paróquias, que estavam vivendo dia a dia essa transformação na Igreja que veio para melhorar”, acredita, mostrando reverência a todos os Santos Padres da Igreja que pôde acompanhar desde Pio XII, de quem gostava muito e considerava muito culto.
Para ele, o Papa Francisco é o jesuíta mais franciscano da Igreja e que está fazendo uma nova transformação na Igreja. “Ele é bom, carismático e competente, apesar de ser argentino”, brinca.
FRANCISCO DE ASSIS
Para Frei Olavo, São Francisco de Assis o escolheu desde aquele prospecto. “Vejo São Francisco como um Pai que cuidou sempre de seus filhos e, entre eles, eu estou, o mais humilde”.
Ele faz um pedido especial aos jovens frades para continuem firmes na vida e na obediência à Regra da Ordem. “Sejam perseverantes na vocação e rezem muito. Acho que hoje falta oração na nossa vida!”, indicou.
100 ANOS
“Não sinto a idade. Não sei como cheguei a tanto. Sempre tive boa saúde, fora a cirurgia no coração”, garante Frei Olavo, que veio para Bragança Paulista em 2015, bastante debilitado. “Fiquei um mês internado, recebi transfusão de sangue e todos os cuidados. No Rio, não teria resistido três meses”, avalia, elogiando incansavelmente o acolhimento que recebe na Casa Acolhedora da Província. “Sou grato pelo atendimento muito carinhoso dos enfermeiros e enfermeiras, dos funcionários e funcionárias, dos frades da casa e da Universidade”.
Durante a entrevista, Frei Olavo deu provas que a memória vai muito bem. Celebra a Missa todos os sábados e participa ativamente de todas as atividades. Para a oração vespertina, chega duas horas antes. Seu passatempo preferido é a leitura, chegando a ler duas ou três vezes o mesmo livro. Citou especialmente o volume “Ribeirão Grande, vi, vivi, vivenciei”, as notas autobiográficas de Frei Clarêncio Neotti. Segundo Frei Olavo, “ele resgata a história do país, da Igreja e da Província”.
Frei Regis Daher e Moacir Beggo
Formação e atividades de Frei Olavo
Vestição: 21/12/1940
Profissão simples: 22/12/1941
Profissão solene: 22/12/1944
Filosofia – Curitiba:1942-44
Teologia – Petrópolis: 1945-1948
Ordenação presbiteral: 3/12/1946
São Paulo – São Francisco – 13/02/49 a 1956 – Vigário
São Paulo – Provincialado – 28/1/1956 – Secretário particular do Ministro Provincial Frei Heliodoro Müller, arquivo, procurador vocacional, cronista
São Paulo – Provincialado – 12/1/1962 – secretário do Ministro Provincial Frei Walter kempf
São Paulo – Vila Clementino – 15/1/1965 – superior e vigário
São Paulo – Provincialado – 28.1.1968 – Secretario particular do Ministro provincial Frei Walter Kempf, arquivista
São Paulo – Provincialado – 28.01.1974 – secretário particular do Ministro Provincial Frei Antonio Nader e arquivista
São Paulo – Paróquia – 21.12.1979 – vigário e arquivista
Rio de Janeiro – Santo Antônio – 21.01.1986 – atendente conventual
Bragança Paulista – 16.04.2015 – Tratamento
Bragança Paulista – 25.02.2016 – Tratamento
Frades que chegaram aos 99 anos
Frei Feliciano Greshake
Nascimento: 14/03/1901
Falecimento: 10/11/2000
Frei Aloísio Bernardo Scharf
Nascimento: 24/11/1905
Falecimento: 06/02/2005
Frei Eugênio Schuch
Nascimento: 29/11/1908
Falecimento: 12/12/2007
Frei Elzeário Schmitt
Nascimento: 16/09/1911
Falecimento: 14/09/2010
Mensagem do Ministro Provincial
No próximo dia 4 de agosto, toda a nossa Província estará em festa e já agora está em festa na expectativa do centenário do nosso confrade Frei Olavo Seifert. Ele chega aos 100 anos e, pelo visto, é o primeiro dos nossos frades a alcançar essa idade secular! Mais do que esse feito heroico, de chegar aos 100 anos, celebrar a vida de Frei Olavo já é uma grande graça, porque cada vez que o encontramos, vemos a presença de um frade na sua inteireza: na sua humildade, na sua receptividade, na sua franqueza e no seu vigor. E isso se repete cada vez que vamos a Bragança. Ele é um dos primeiros frades a acolher quem chega! De longe, ele percebe a presença, chama pelo nome, saúda. Então, junto a Frei Olavo, sentimo-nos diante de um confrade que soube cultivar sua vida, sua vocação e os dons que Deus lhe deu.
Vamos todos festejar essa data importante para a vida do nosso querido confrade e para a vida de nossa Província que tem nele um exemplo e belo testemunho de vida franciscana!
Frei César Külkamp
Depoimento de Frei Régis
Conheço Frei Olavo desde o final da década de 70 quando ele vivia no Convento São Francisco, SP, a serviço da Sede Provincial. Na época, havia a função de secretário do ministro provincial e arquivista. Ele foi secretário de três ministros diferentes: Heliodoro Muller, Walter Kempf e Antônio Alexandre Nader. Em tempo corrido, viveu e trabalhou por 37 anos em São Paulo. Como era então o costume, os frades da Sede também tinham atividade pastoral na Paróquia/Santuário São Francisco. Neste período, Frei Olavo marcou a vida de muita gente celebrando batizados, casamentos e os demais sacramentos. Ainda hoje, os remanescentes de seu ministério vêm visitá-lo em Bragança.
Eu, como jovem frade, nos períodos de férias com meus familiares, costumava passar dias com os frades no Convento São Francisco. Meus ‘mestres’ no aprendizado da secretaria provincial foram Frei Luiz Fernando de Mendonça, Frei Anacleto Gapski e Frei Olavo. Na realidade, tornei-me um quebra-galho para alguns serviços que anualmente eu realizava, sempre em período de férias. O arquivo provincial conhecido equivocadamente como ‘arquivo morto’ é, na realidade, o arquivo histórico da Província onde estão guardados quase quatro séculos da vida dos frades, das casas, dos trabalhos, dos capítulos provinciais, etc. Frei Olavo foi, em grande parte, o responsável pela organização inicial do arquivo da Província. Os que se seguiram, apenas deram continuidade ao trabalho dele.
Aprendi, com ele, o senso de organização e a visão metodológica do trabalho. Por ocasião do Centenário da Restauração, o ministro era Frei Estêvão Ottenbreit e Frei Clarêncio Neotti o moderador da Formação Permanente. Deles foi a iniciativa da publicação Coleção Centenário, da qual Frei Olavo é o autor dos dois primeiros volumes: 1. Elenco dos Religiosos Falecidos (1894-1989) e 2. Falecidos nos primeiros 50 anos da Restauração (1891-1941). O trabalho de Frei Olavo é de um paciente ‘garimpeiro’, resgatando informações, nomes, datas e locais. Esse talvez, seja o aspecto de sua pessoa que primeiro me marcou. Valorizar e amar a história viva da Província. Como disse o filósofo Walter Benjamin, “quem não pode lembrar o passado, não pode sonhar o futuro e, portanto, não pode julgar o presente”.
A PERSONALIDADE
Frei Olavo é de uma personalidade reservada, tímido, de poucas palavras. Ele me recorda o que Jesus diz sobre a autenticidade do ser e do falar: “Que o sim seja sim, e o não seja não”, sem duplicidade ou acomodação. Num tempo marcado pela inflação da palavra, o silêncio poderia ser confundido com fechamento. No entanto, ele é amigo, fraterno, sensível. Conhece e chama pelo nome cada funcionário da casa, as enfermeiras e enfermeiros. No término do dia de trabalho ou do plantão, sempre tem uma palavra de carinho e atenção para cada um deles.
Vivemos num tempo no qual há uma preocupação exacerbada com o marketing pessoal, com a própria imagem. Frei Olavo é ‘aquilo’ que se vê, que se ouve e que sentimos. Sem sombras e reservas. Mesmo com as limitações físicas de uma saúde frágil, o que mais causa admiração é a sua saúde mental, sua lucidez, sua agilidade. Admirável é a sua sintonia e atenção no acompanhamento do ofício divino e na celebração da missa. Quando há qualquer engano ou dúvida nos textos do ofício, imediatamente ele corrige e indica o texto correto. Aos sábados, é ele quem preside a missa. Nunca se perde nas orações. Com quase cem anos, sua vista é perfeita, e ainda não usa óculos.
Seu andar é rápido, firme. Ao término das orações na capela, ele é o primeiro a descer as rampas para o refeitório. Os demais são bem mais lentos do que ele.
Frei Olavo sabe se ocupar e viver seu tempo. É um homem de leitura constante. Sentado numa poltrona azul defronte ao postinho da enfermagem, passa boa parte do dia lendo um livro após o outro. Para admiração dos enfermeiros e dos confrades, mesmo em meio às conversas e ao movimento na enfermaria, Frei Olavo permanece concentrado na leitura. Está sempre sintonizado com as notícias da Província através da leitura das Comunicações e dos boletins online impressos pelo guardião. Não deixa de dar uma passada rápida pelas notícias da Folha de S. Paulo. Também acompanha a vida da Igreja de São Paulo pelo jornal semanal da arquidiocese onde trabalhou por 37 anos.
Há uma visão da santidade que deriva da compreensão de sanidade. Portanto, o santo é aquele que é são, que vive uma ascese da normalidade numa vida absolutamente simples, sine glosa, sem dobras. Frei Olavo é um homem de Deus, do cultivo cotidiano de uma oração fiel e constante. Chega sempre quase duas horas antes da oração das vésperas, em silêncio, no escuro da capela. Ali ele está na sua ‘gruta’, no seu Alverne diário.
Depoimento de Frei Clarêncio Neotti
Minha primeira lembrança de Frei Olavo tem data bem precisa: 24 de janeiro de 1948. Minha turma, que terminara o primário em Rodeio, se mudava para o Frei Galvão de Guaratinguetá. Viajamos de ônibus urbano fretado, tendo Frei Pascoal como guia. Frei Pascoal ficou em São Paulo e Frei Olavo assumiu o comando. Era novinho e magrinho e lourinho, mas nos impôs respeito de imediato, porque soubemos que era o secretário do Padre Provincial. E nós já sabíamos que Provincial era coisa grande, porque quando chegava em Rodeio era feriado no seminário.
A segunda lembrança que tenho dele data de 1952. Eu era seminarista em Agudos. Frei Olavo (com Frei Marcondes, Frei Sartori) passaram quinze dias, repetindo e atualizando as matérias de Teologia com o quase colega de turma, mas agora doutorado em Roma e professor em Petrópolis Frei Boaventura: eram os chamados quinquenais, então levados a sério. Os quatro deram palestra aos seminaristas em noites diferentes. Não lembro o que falou Frei Olavo, mas lembro que Frei Augusto Marcondes nos fez rir durante uma hora com causos acontecidos com ele no pastoreio.
A terceira lembrança não é boa: foi ele quem escolheu os nossos novos nomes na vestição em Rodeio. E seguiu as letras do alfabeto, conforme nossa precedência de entrada no seminário: Aureliano, Benjamin, Clarêncio, Dioclécio, Eleutério, Fernando, Gaudêncio e assim até a letra P para o Heribert Unterste, que passou a se chamar Pedro. Lembro que o Dioclécio ficou vago, porque estava destinado ao Domingos Ide, um japonês, que nos deixou na véspera do embarque para Rodeio.
A quarta lembrança foi nossa intensa colaboração na feitura da Vida Franciscana. Durante algum tempo os dois assinávamos como redatores. Quando ele deixou o São Francisco, passei a assinar sozinho. Mas era a ele que eu recorria quando tinha dúvidas nos necrológios ou na identificação de fotografias históricas de nossa Província. Juntos preparamos o centenário da restauração da Província. Ele se predispôs a escrever pequena biografia dos 50 primeiros confrades mortos, já que muitos na Província não liam mais o alemão e os necrológios todos estavam escritos em alemão. O volume é o número dois da Coleção Centenário. Do Frei Olavo é também o primeiro elenco completo dos religiosos da Província falecidos até 1990. Graças à sua meticulosidade, todas as datas e sobrenomes passíveis de duas grafias saíram corretos.
Devemos a Frei Olavo também a publicação da grande pesquisa feita por Frei Sebastião Ellebracht em torno dos Franciscanos do tempo do Brasil-Colônia e do Brasil Império. Frei Sebastião morreu em agosto de 1977. Frei Olavo e eu assumimos o compromisso de publicar a exaustiva e inédita pesquisa. Sabíamos que editora nenhuma aceitaria publicar o livro por sua conta. Por isso fiz a Frei Olavo a proposta: ele prepararia todo o datiloscrito (e o fez e escreveu uma introdução) e eu publicaria, dividido em partes, mas com numeração corrida das páginas, na Vida Franciscana, como suplemento anexo ao volume, e guardaria 50 separatas que, no final seriam encadernadas e enviadas para as principais bibliotecas da Ordem. E foi assim que, depois de alguns anos (1978 a 1989), sem ônus maiores, tivemos um volume de 432 páginas. Verdadeira mostra de gratidão à velha Província, no momento em que começávamos a celebrar o centenário da Restauração.
Há uma quinta lembrança de Frei Olavo: durante os mais de 40 anos de redator da Vida Franciscana, volta e meia recorri a ele para diluir dúvidas em fotos. Antigas paróquias nossas (como São José, Estreito, Cabo Frio, Piraí do Sul, São José do Rio Preto) estavam organizando o arquivo histórico e mandavam cópias de fotografias para identificar os Frades). Mais difícil era, quando as fotos vinham de gente que estava fazendo a árvore genealógica e lá aparecia um franciscano celebrando o casamento de alguém ou batizando ou no meio do grupo das Filhas de Maria em retiro. Várias vezes nem minhas lentes de aumento nem as de Frei Olavo conseguiam identificar. Mas sempre era ocasião de relembrar personalidades em suas manias e grandezas.
Quando fui transferido para o Santo Antônio do Rio, em fins de 2003, encontrei Frei Olavo ainda na ativa, com suas horas de confissões, seu título de bibliotecário, sua fidelidade ao Ofício e sua participação infalível em todos os Capítulos e passeios. No dia 28 de junho de 2006, preguei na Missa comemorativa de seus 60 anos de padre. A certa altura do sermão, eu disse: “Ontem, na Missa, lemos o evangelho da viúva pobre, que depositou duas moedas no cofre do templo. Jesus a elogiou, porque ofertara a sua vida. Frei Olavo, não importa quantas moedas o Sr. tem para dar. Importa que o Sr., há 60 anos, entregou sua vida. E Deus dispôs dela como quis. A razão principal da alegria de um Jubileu de 60 anos de padre não está em ter dado muito nem mesmo em ter dado tudo, mas, sim, em ter-se dado inteiro”.
Muitas vezes lhe disse que ele era meu candidato a ser o primeiro a celebrar os cem anos na Província. Ele sorria com evidente desejo que assim fosse. Mais de uma vez me disse com ironia: “Você vai escrever um necrológio floreado quando eu morrer?” E eu, mau, contraironizava: “Flores só se dão a defuntos frescos e a santos velhos!”. Retiro solenemente a frase, porque quero depor aos pés de Frei Olavo, vivo e centenário, uma braçada de flores. Não de lírios, porque pode parecer vingança do Lyrio que ele me tirou na entrada do Noviciado, mas de palmas coloridas, palmas floridas de vitória, abertas e garbosas, ao sol de cem anos.