Carisma - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

A grande “plantinha” do carisma franciscano

A grande “plantinha” do carisma franciscano

Santa Clara nasceu em Assis, em 1194. Aos 18 de março de 1212, saiu de casa e se consagrou a Deus na igrejinha de Nossa Senhora dos Anjos, a Porciúncula. De 1212 até a sua morte, aos 11 de agosto de 1253, viveu no silêncio e na contemplação em São Damião.

O saudoso frade capuchinho Frei José Carlos Pedroso, em entrevista a este site, explicava o significado do título “Plantinha de São Francisco”, que gerou uma leitura equivocada desta grande mulher. “Trata-se de uma leitura desajeitada. Costumam entender que ela seria como um vaso querido de São Francisco, que ele punha na janela e regava todo dia. Seria uma criança. Mas quem conhece os textos das Fontes sabe que plantinha, em latim plântula, é o que nós chamamos de muda. Quando um mosteiro fundava outro, o fundador era chamado de plantador e o fundado era a muda, ou plantinha, porque no início da vida dependia dos cuidados do outro. Nas suas biografias, São Francisco é chamado de plantador da Ordem dos Menores. A Ordem de Santa Clara também foi plantada por ele. Uma das coisas que surpreende em Santa Clara é que, depois de ser obrigada a seguir a Regra de São Bento, a Regra de Hugolino e a Regra de Inocêncio IV, ela pôde finalmente fazer a dela. É notável a sua maneira de ser livre”, explica Frei José Carlos.

Segundo o Dicionário Franciscano, os elementos fundamentais do novo estilo de vida estão sintetizados na Bula de aprovação da Regra de Santa Clara, que fala da união dos espíritos e da altíssima pobreza, como também da vontade de viverem juntas na clausura. Estamos diante de aspectos exteriores de uma realidade interior centralizada no amor do pobre Crucificado.

“Sem sombra de dúvida, a pedra angular de todo o edifício religioso, de toda a vida espiritual de Clara e de suas irmãs é estarem ligadas com afeto pessoal a Jesus Cristo, amor esse ardente e apaixonado. Por causa de Cristo, perto de Cristo, junto de Cristo se realizam todas as suas experiências e se constrói sua vida em sua totalidade”.

A família espiritual de Santa Clara está presente no mundo inteiro. Em todos os continentes existem mosteiros de clarissas. Atualmente as Clarissas chegam a cerca de dezoito mil no mundo, em cerca de 900 mosteiros. Permanecem nove denominações de Clarissas, conforme a Regra ou as Constituições que observem: Clarissas (com a Forma de Vida de Santa Clara), as Clarissas Urbanistas, Clarissas Coletinas, Clarissas Capuchinhas, Clarissas Sacramentinas, Clarissas da Adoração Perpétua (com a Regra de Santa Clara ou com a de Urbano IV), Clarissas Capuchinhas Sacramentinas, e Clarissas da Divina Providência.

No Brasil, atualmente,  dezoito Mosteiros de Clarissas fazem parte da Federação Sagrada Família.  Segundo o Papa Francisco, na Constituição Apostólica Vultum dei Quaerere sobre a vida contemplativa feminina, a federação é uma estrutura importante de comunhão entre mosteiros que partilham o mesmo carisma, para que não permaneçam isolados. O objetivo principal é promover a vida contemplativa nos mosteiros que fazem parte dela, segundo as exigências do seu próprio carisma, e assegurar ajuda na formação permanente e inicial, bem como nas necessidades concretas através do intercâmbio de monjas e da partilha dos bens materiais; em função destes objetivos, deverão elas ser favorecidas e multiplicadas.

Em 1677, a 9 de maio, chegavam ao Brasil as pioneiras: foram também as primeiras religiosas a se estabelecerem em nossa Terra de Santa Cruz. Vieram de Évora, Portugal, para fundar o Mosteiro do Desterro, em Salvador, na Bahia. Este desenvolveu-se rapidamente e chegou a ter numerosas monjas. Mas, aos 19 de maio de 1855, o decreto do Ministério da Justiça, deploravelmente, fechou todos os noviciados das casas religiosas do Brasil e de Portugal.

A comunidade foi se extinguindo aos poucos e, em 1915 falecia a última Clarissa Urbanista do Brasil, com oitenta e quatro anos de idade. Por doze anos não houve mais Clarissas em todo o país. Mas, em 1928, de Dusseldorf, Alemanha, partiram para o Brasil 8 irmãs clarissas, que fundaram o Mosteiro Nossa Senhora dos Anjos, no Rio de Janeiro.

Neste Especial por ocasião desta festa franciscana no dia 11 de agosto, apresentamos subsídios para conhecer melhor essa grande “plantinha” que o carisma franciscano produziu.

Entrevista: Frei José Carlos Pedroso fala da "Plantinha"

Mostrar às pessoas qual é o sentido de vida que São Francisco propõe. É assim que aos 65 anos de profissão religiosa na Ordem dos Frades Capuchinhos, Frei José Carlos Corrêa Pedroso, ocupa grande parte de sua vida. Na verdade, como ele mesmo diz, está “inteiramente entregue a isso”.

Aos 83 anos, esse Mestre em Espiritualidade Francisclariana passa grande parte de seu tempo coordenando o Centro Franciscano de Piracicaba, no interior de São Paulo, onde reside. Além da série de livros publicados sobre espiritualidade franciscana, das palestras e aulas que ministra, Frei José Carlos se dedica com muita paixão ao Curso Franciscano de Verão, anualmente no mês de janeiro.  Idealizador do curso em 2008, hoje ele colhe os frutos e comemora o sucesso desta iniciativa.  “É interessante porque sempre sonhei alto, mas neste caso, a realidade ultrapassou o sonho. Estou feliz com o andamento do curso como nem esperava”.

Hoje, um dos maiores mestres de espiritualidade franciscana do Brasil, Frei José conta que o objetivo do curso é oferecer a todos os “amigos de São Francisco e Santa Clara”, religiosos e leigos, um aprofundamento do carisma francisclariano com consistência acadêmica.

Nesta entrevista, concedida durante o Curso de Verão, o foco não poderia ser outro senão a espiritualidade franciscana, sobre a qual Frei José Carlos fala com paixão. A mesma paixão que brotou aos 14 anos, quando voltou a ingressar no Seminário Seráfico, onde mais tarde foi professor, formador e diretor. Eleito Definidor na sua Província desempenhou a função apenas um ano já que foi eleito Provincial para um período de 5 anos. Mas em seguida, foi eleito para uma missão maior: Definidor Geral da Ordem dos Capuchinhos e passou 12 anos morando na Itália.

No dia 9  de janeiro de 2015, a irmã morte visitou o estudioso e mestre da espiritualidade franciscana e clariana, Frei José Carlos Corrêa Pedroso.

Acompanhe a entrevista!

Site Franciscanos – Depois de 800 anos, Clara e Francisco têm lugar no mundo de hoje?
Frei José Carlos Pedroso – Acredito que sim. Aliás, costumo ver Clara como a mulher que foi guardada para o século 21, porque ela traz uma série de aberturas que nós não tínhamos descoberto nem em São Francisco. Pode ser que no tempo em que ela foi esquecida, não tenham querido ver todo o seu alcance. São Francisco também é o homem universal e fora do tempo, porque foi um dos maiores imitadores de Jesus. Isto é, ele conseguiu completar aquela dimensão: a medida do ser humano perfeito, que foi Jesus. A gente vê que São Francisco é conhecido e admirado por budistas, espíritas, protestantes e tanta gente porque o grande motivo é ser uma pessoa realizada. Não é à-toa que foi eleito o homem do milênio. Enfim, acredito que hoje não dá mais para entender São Francisco sem Clara. Ela tem uma espiritualidade que, de um lado, é quase igual ou a mesma de São Francisco, e de outro lado, muito original. Como ela é mais clara ao escrever, hoje compreendemos São Francisco a partir do que ela diz.

Site Franciscanos – É correto chamar Clara de “Plantinha” quando lemos que ela era uma grande mulher para a sua época? Isso não desvirtua a história?
Frei José Carlos Pedroso – É uma leitura desajeitada. Costumam entender que ela seria como um vaso querido de São Francisco, que ele punha na janela e regava todo dia. Seria uma criança. Mas quem conhece os textos das Fontes sabe que plantinha, em latim plântula, é o que nós chamamos de muda. Quando um mosteiro fundava outro, o fundador era chamado de plantador e o fundado era a muda, ou plantinha, porque nos primeiros tempos dependia dos cuidados do outro. Nas suas biografias, São Francisco é chamado de plantador da Ordem dos Menores. A Ordem de Santa Clara também foi plantada por ele. Uma das coisas que surpreendem em Santa Clara é que, depois de ser obrigada a seguir a regra de São Bento, a regra de Hugolino e a regra de Inocêncio IV, ela pôde finalmente fazer a dela. É notável a sua maneira de ser livre. Para dar alguns exemplos: As regras dos papas diziam que o silêncio era perpétuo, mas Clara disse, em sua Regra, que o silêncio era perpétuo desde as completas até a hora de Prima”. Quer dizer, só durante a noite. No refeitório, havia silêncio “na hora das refeições”, porque é provável que, em outras horas, elas fizessem no refeitório seus recreios e trabalhos manuais. E conversavam. Clara chega a dizer que na enfermaria elas tinham obrigação de falar para consolar as doentes. Hugolino dizia que, na igreja, as Irmãs deviam estar separadas do povo com uma grade e um pano preto, tão grosso que impedisse totalmente a visão. Santa Clara escreveu que elas ficariam separadas por uma grade com um pano preto, que só seria levantado quando uma irmã precisasse falar com alguém. Então, com muito jeitinho, para não ferir, ela vai promovendo uma abertura. É uma cabeça totalmente diferente de tudo que se viu mesmo depois. E precisava defender a fraternidade, um ponto essencial para os franciscanos.

Site Franciscanos – São Francisco idealizava uma igreja de retorno ao Evangelho. No atual contexto mundial, é possível isso?
Frei José Carlos Pedroso – Muita gente diz isso: São Francisco idealizava uma Igreja de retorno ao Evangelho, aos pobres. Mas os pobres são conseqüência. O retorno é ao Evangelho Jesus. Ele é a boa nova. Temos o livro do Evangelho que fala dele. Mas ele é a boa nova. O retorno é a Jesus Cristo. Se eu me voltar de verdade para Jesus Cristo, vou encontrar o pobre. Jesus assumiu a pobreza, como diz a Carta aos Filipenses: Ele é Deus, não ficou cheio disso, mas se esvaziou até ser encontrado como servo para nos salvar. Nesse sentido, também é interessante que São Francisco, antes de morrer, tenha deixado uma última vontade para Santa Clara, dizendo: “A pobreza é fundamental para nós. Então, você não largue a pobreza por vontade e conselho de pessoa alguma”. Pessoa alguma incluía o papa. Mais tarde, justamente quando o Cardeal Hugolino, já papa, foi a Assis para canonizar Francisco, entrou em São Damião antes de subir à cidade: Foi falar com Clara.  E disse: “Olhem, minhas filhas, essa pobreza que vocês querem não vai dar certo. Não vão conseguir sobreviver. Vocês precisam ter propriedades”. E ela escutava quieta. – “Não se preocupem, tenho algumas propriedades e dou para vocês”, dizia Hugolino. E ela continuava quieta. Então, o papa disse: – “Se é por causa do voto de pobreza, você sabe que, como papa, eu posso dispensar do voto”. Então ela respondeu: “Por favor, não me dispense de seguir o meu Senhor Jesus Cristo”. É interessante observar São Francisco falar em viver o Evangelho sem propriedade, em obediência e castidade. Ele nunca mais usa a palavra castidade. Quando usa é para dizer “louvado sejais meu Senhor pela Irmã Água, que é preciosa e casta”. Então, essa castidade era algo que não estava na visão dele. Antecipando o Concílio Vaticano II, para ele o voto seria o do amor fraterno. Recomendo a leitura do meu livro “Livres para amar” -, em que vemos que só a partir do Concílio Vaticano II o voto de castidade passou a ser o principal. Porque o voto não é negativo, o voto é sempre positivo. A “Perfectae caritatis” e Paulo VI insistiram nisso. Hoje, temos uma visão mais clara. Não é o sexo que é pecado; é o que o acompanha: manipulação da pessoa, desrespeito à pessoa, injustiça com a pessoa. Sendo o voto de fraternidade, quantas vezes estamos pecando contra a fraternidade? Até todos os dias…

Site Franciscanos – Que ensinamentos de São Francisco  podem ajudar a nossa sociedade e como fazer isso?
Frei José Carlos Pedroso – Há muitas coisas. Eu diria que o fundamental é que São Francisco recorda que a realização do ser humano está no Deus que se encarnou. Naturalmente pouca gente entende isso a ponto de saber expressar, mas as pessoas entendem quando vêem um Francisco profundamente humano. Às vezes perguntamos porque as imagens de São Francisco costumam ter pombinhas e um lobo. Pode ser que o povo tenha entendido mais do que nós que ele é um homem que, chegando à plenitude, tem um relacionamento aberto com todos os seres, com as pessoas, os animais e as coisas. Diria que uma de suas grandes contribuições para renovar a sociedade é dar sentido às coisas. Recordo que um tempo atrás vivemos a experiência do QI, do Quociente de Inteligência. Mas o QI é a medida da inteligência lógica. Depois foi descoberto o QE para medir o quociente de emoção. Agora aparecem livros que tratam do QS, o quociente de espiritualidade. O que é o QS? Não é necessariamente chegar a Deus, mas descobrir um sentido das coisas. É claro que ao descobrir o sentido das coisas vai se chegar a Deus. Então, percebemos que o mundo de hoje tem essa sede. E Francisco é um que sabe mostrar.

Eu vou dizer uma coisa que é muito pessoal. Acho que sou alguém que chegou diferente à vida franciscana, porque meu pai e meus avós eram terceiros franciscanos. Quando fiz dez anos, meu pai me deu uma vida de São Francisco, a de Maria Sticco, publicada pela Vozes. Eu li, reli e decidi: “É isso que eu quero. É a isso que vou me dedicar”. Meu pai me encaminhou para um Seminário Seráfico. Lembro que ali, no seminário, levei um susto. Tinham um São Francisco na capela, faziam procissão de São Francisco, festa de São Francisco, mas nada do que tinha visto na vida de São Francisco. Diziam: “Você vai ser padre, mas se por acaso a cabeça não der, vai ser irmão leigo”. Na época era ser um frade de segunda categoria, encarregado dos trabalhos materiais. Mas a busca por São Francisco e pelas coisas dele eu não via. Durante um tempo até me deixei levar. Então, hoje, tenho 61 anos de profissão religiosa. Estou há muito mais tempo entregue só a isso: a mostrar às pessoas qual é o sentido de vida que São Francisco propõe. Já fiz isso de mil maneiras e em muitos países. A gente percebe que todas as pessoas se interessam por São Francisco. Às vezes, os leigos mais que os religiosos; as mulheres mais do que os homens. Até evangélicos e budistas se interessam. Uma vez, fui chamado para dar uma entrevista na Rede Vida sobre São Francisco. Era o programa do Altemeyer (Fernando) e achei uma coisa interessante. Assim que acabou a gravação da entrevista, os funcionários da televisão caíram em cima de mim para falar de São Francisco. Não sei se quem assistiu se interessou, mas os funcionários gostaram. Todo mundo queria saber de São Francisco.

Site Franciscanos – Qual  o principal ensinamento que São Francisco deixou para a humanidade?
Frei José Carlos Pedroso – Ele redescobre o sentido da fraternidade. Hoje se fala muito em fraternidade, mas nós percebemos que precisamos nos entender mais. Lembro que a Revolução Francesa, que era ateia, tinha como ideal a fraternidade, liberdade e igualdade.  Os maçons se dizem irmãos. São Francisco vai à fraternidade verdadeira. E Jesus quando veio disse: quando vocês rezarem, digam “Pai nosso”. No cap. 25 de São Mateus, quando fala do fim do mundo, Jesus faz umas perguntas que parecem estranhas:  Eu estava na cadeia e você veio me visitar; não tinha comida e você me deu; não tinha casa e você me acolheu. E a gente pode perguntar: mas quando o senhor estava na cadeia, doente e sem casa? Toda vez que você fez isso ao menor dos meus irmãos fez a mim. O sentido da fraternidade está no fato de, como diz São Paulo, passarmos a ser filhos adotivos de Deus porque Jesus se fez nosso irmão. E, aliás, é interessante porque nos disseram tantas coisas quando éramos crianças: Se você faltar à missa uma vez vai para o inferno. E Jesus vendo todo mundo não pergunta a ninguém se foi à missa, não pergunta se leu as encíclicas, não pergunta nem se observou a Regra Franciscana. Só vai perguntar se cuidei bem do irmão necessitado. Que era Ele. E passamos a pensar diferente.

ite Franciscanos – Mas  como ser franciscano hoje, diante das voltas que o mundo dá?
Frei José Carlos Pedroso – As voltas que o mundo dá… Temos essa necessidade de mudar. Porque certas coisas forçam essa mudança. Muitas vezes as pessoas não percebem que a mudança é em torno de algo permanente. Tem que mudar muita coisa, mas tem que haver um eixo. Senão se fica dando voltinhas soltas. E as pessoas se perdem, que é o que acostuma acontecer. Ser franciscano hoje é ser como São Francisco, que se apoiou no permanente, em Jesus Cristo, alfa e ômega, princípio e fim. Aí percebo que posso mudar, devo mudar, constantemente, mas não perco a linha, a referência.

Site Franciscanos – A propósito, há uma “maneira de ser” franciscana?
Frei José Carlos Pedroso – Eu diria que a maneira de ser franciscano é a maneira evangélica. Quer dizer, o jeito que Jesus viveu, o jeito que ele propôs aos apóstolos e a seus discípulos. São Francisco diz o mesmo no Testamento: Quando o Senhor me deu irmãos eu nem sabia o que fazer, mas o próprio Senhor me revelou que devíamos viver de acordo com a forma do Santo Evangelho. Hoje, nós até falamos que somos evangélicos quando lemos as fontes franciscanas. Costumamos pensar mais no livro dos Evangelhos do que na virada que a Boa Nova deu no mundo. João Batista, mandado na frente de Jesus, dizia: Convertei-vos porque o Reino de Deus está aí. Esse convertei-vos, do verbo grego metanoeo e do substantivo metanoia, quer dizer: Dai uma volta na cabeça e tentai enxergar de outro jeito. Eles estavam enxergando, nós estamos enxergando até hoje do jeito de Adão e Eva: Eu quero ser Deus. Se é isso que eu quero, tenho que afastar o Deus verdadeiro. Muita gente não percebe que gostaria de ter Deus por perto, guardado num vidrinho na geladeira. Quando precisar, fala com ele. Mas se não, deixa-o lá quieto, porque vai cuidar do seu mundo, do seu eu. Esta é a visão de Adão. Quando Jesus veio, ensinou que não era assim: A ideia que vocês fazem do mundo é falsa. A ideia que vocês têm de vocês mesmos é falsa. Então, vocês vão levar um susto quando perceberem que seu mundo é falso. Qual é o verdadeiro? É o mundo que Jesus Cristo traz. Então, essa é necessidade profunda de uma mudança que João prega. E sabemos que até hoje muito cristão nem imaginou que exista isso. Somos cristãos porque os portugueses saíram “para dilatar a fé e aumentar o reino de Portugal e o número de cristãos”. Ficamos cristãos por decreto. Nasceu no Brasil, tem que comer arroz com feijão, chupar manga e ser cristão. Hoje, as coisas estão mudando e começamos a ser interrogados.

Site Franciscanos – Os homens sempre agem para possuir, mandar e se impor. O que faz Francisco ir na contramão?
Frei José Carlos Pedroso – Estudos modernos estão abrindo os olhos para algo que está no Evangelho: Percebemos que nós, como pessoas e até como grupos, temos história. Então, podemos dizer que o ser humano do começo deve ter vivido como qualquer animal e qualquer planta. Estava neste mundo bem situado e fazia o que aparecia na frente, mas não percebia os sentidos das coisas. Então, o ser humano não tinha vontade de possuir. Estava tudo ali, à sua frente. Se chovia saía da chuva; se escurecia ia dormir; se não tinha fruta aqui, ia comer em outro lugar. Ele não pensava em guardar, em segurar. Depois, o ser humano começou a perguntar: mas quem faz chover, quem escurece, quem faz esta fruta amadurecer? Eu não fui, foi você? Foi o outro? Não foi. Alguém faz isso. É uma primeira ideia de Deus meio abstrata. E deve ter o Deus da chuva, o Deus da escuridão, o Deus do Sol, mas depois o homem chega a uma fase que podemos chamar, mais racional, e começa a perceber as coisas. Dá para saber o mecanismo da chuva, dá para saber porque a terra escurece, porque está girando… Quando a gente chega a isso, começa a ter umas tentações. Primeira tentação: vou levar isso porque não é de nenhum deus e é bom para mim. É a tentação de possuir. A segunda tentação é: já possuo muitas coisas, se alguém quiser tem que pedir para mim. Eu mando. Dou se quero, ou não dou. E se alguém mandar bastante vai ter a tentação de dizer: sou importante. Ninguém é mais importante do que eu.
Nisso, podemos tomar a proposta de Jesus que está nas bem-aventuranças. Santo Agostinho lembra que no Evangelho de Mateus são oito bem-aventuranças e no outro de Lucas são quatro. As oito estão contidas nas quatro. Eu digo por minha conta: e por que não estão contidas nestas três: feliz quem não precisa possuir, feliz quem não precisa mandar; feliz quem não precisa ser importante. E por outro lado, Jesus é batizado e vai para o deserto para ser tentado. Quais são as tentações: Mostre que tudo isso é seu. Ele não quer mostrar. Mostre que você é quem manda neste mundo. Ele não quis. Mostre que se você pular lá do alto do telhado Deus vai mandar um monte de anjos, porque você é importante. Ele não quis. Ele foi pobre, e quando quiseram fazê-lo rei ele desapareceu e depois morreu como um condenado no meio de dois bandidos. Não quis ser importante. Justamente a nossa dificuldade, muitas vezes, de reconhecer Jesus é a dos judeus do tempo dele. Estavam esperando o Messias poderoso, rico. Vêem um pobrezinho montado num burrinho e falam: “Não é esse!”. Até hoje pensamos assim. É a mesma tentação de ver na Igreja um poder. O poder de Cristo está em não precisar possuir nunca para mandar. Para ser importante. E São Francisco mostra bem isso.

Site Franciscanos – O sociólogo Max Weber afirmou que os países latinos são economicamente atrasados por causa do catolicismo, que vê um pecado no enriquecimento. Como o sr. leria isso a partir de princípios franciscanos?
Frei José Carlos Pedroso – Isso chamou a minha atenção desde que li Max Webber. Porque, em primeiro lugar, não é verdade. O Brasil está cheio de ricos. Tem muita gente que quer ser rica no Brasil, tão forte que até deixou uma distância enorme entre os mais ricos e os mais pobres. É mentira que o católico, especialmente o católico por tradição cultural não quer ser rico. Por outro lado, o católico que está ficando rico é explorador. Até onde ele é católico mesmo? E entre outras coisas também dizemos: ah, o país vai ficando rico, vai tendo a plenitude da vida, fica um céu. Podemos olhar hoje países como a Suécia e outros super-desenvolvidos onde não falta nada, mas não estão felizes. São países que ganham na estatística do suicídio. Então, vale perguntar quais são os valores que foram deixados no Brasil? Diríamos que os valores dos índios foram acabados, valores dos portugueses já estão pequenos. Acho que não. Os valores dos índios estão na nossa cultura, firmes na nossa comida, por exemplo. É verdade que os índios do lado do Pacífico eram bem mais cultos e desenvolvidos e lá a presença deles é mais forte. Mas no Brasil a presença do índio está dentro da pessoa. O valor do negro é fora de série, como estamos descobrindo. Têm outra cultura, outra abertura, que se encontra com o catolicismo. E o valor do branco, seja o português – que muitas vezes era degredado – ou os que vieram depois, italianos, espanhóis e alemães, sírios… eles entram como imigrantes aqui e todos se misturam. Vivi 12 anos na Itália e percebia as separações tão grandes num país pequeno. Entre uma cidade e uma aldeia, até a língua é diferente. Acho que nosso país tem uma riqueza cultural muito grande, que se fosse rico em dinheiro era capaz de não ter. Hoje vemos, contrariando Max Webber – bom, ele pensava que o protestante gostava mais de riqueza -, que igrejas cristãs tradicionais, luterana, anglicana, metodista, estão unidas a nós. Não se fala mais em protestantes. Mas outras estão fundando igrejonas, cujo único fim é o dinheiro, como a Universal do Reino de Deus. O país fica mais rico por causa disso? Não. O Edir Macedo fica, mas o povo não. Cada vez mais pobre. Conheci pessoas que ficaram pobres porque todo dia tinham que dar dinheiro na igreja. Eu nunca engoli essa do Max Weber…

Site Franciscanos – Li uma frase sua: Francisco encanta a humanidade por ser um homem que equilibrou o feminino e Clara por ser uma mulher que equilibrou o masculino. Por favor, fale mais sobre esta frase. 
Frei José Carlos Pedroso – Tenho muita coisa escrita sobre isso. É interessante porque não é uma ideia de Francisco. Os gregos antigos souberam ver que existe um masculino que é do homem e da mulher, e existe um feminino que é da mulher e do homem. Tanto que, para expressarem isso, inventaram símbolos. O masculino é sol; o feminino é a lua. O sol tem uma luz mais forte, mais clara; a lua tem uma luz mais suave, menos forte, acolhedora. Foi uma maneira de dizer que acima do fato de ser um homem ou mulher, tenho minha masculinidade e feminilidade. Os gregos chegaram a falar uma coisa interessante: o homem vai se realizar na medida em que for capaz de fazer um casamento sagrado interior – “hierós gamos” – entre o seu feminino e o seu masculino. Se eu fizer um hierós gamos, na prática vai acontecer o quê? Alguém está precisando de um pai, posso ser um bom pai, seja eu homem ou mulher; alguém está precisando de mãe, posso ser uma boa mãe, seja homem ou mulher. Na vida de São Francisco é a coisa mais fácil de demonstrar.  Ele faz uma fraternidade de homens e depois diz: se uma mãe nutre o seu filho segundo carne, quando mais seu irmão segundo o espírito. Olhe um exemplo feminino. Quando faz a Regra para os Eremitérios, ele diz: dois vão ser Marta e dois vão ser Maria. Os frades Marta são mães e os outros são os filhos. Um tem um papel de proteger os outros. Ele diz que de vez em quando troquem os papéis. Ele tem uma porção de sonhos com o feminino: sonhei que era uma galinha choca que tinha muitos pintinhos e umas asas pequenas; sonhei que vi uma estátua de mulher muito bonita, cabeça de ouro, peito de prata, ventre de cristal, o resto de ferro e uma roupa muito pobre. Quando ele acordou, procurou Frei Pacífico e contou sobre o sonho. Frei Pacífico disse: mais isso é sua alma. Podemos ver em Francisco um homem que é solar, mas também lunar. Em certas coisas é solar, dando a linha que deu e dura até hoje. Francisco viveu no tempo dos papas mais poderosos. E ele era um coitadinho. E hoje, quem conhece esses papas? Praticamente ninguém, mas São Francisco todo mundo sabe quem é.

Site Franciscanos – Para onde caminha a Vida Franciscana no mundo de hoje?
Frei José Carlos Pedroso – É um bocado complexo responder a essa pergunta. Acho que as vocações franciscanas continuam, mas o jovem e a moça que entram para a vida religiosa às vezes se assustam. Eu me assustei quando entrei. Perguntava: mas aqui não mostram o que São Francisco queria.  Todo mundo está ocupado em fazer coisas e a maioria não está nem aí. A gente vê que talvez a maioria dos frades não conhece as Fontes Franciscanas, os Escritos de São Francisco. Talvez até tenham estudado, mas não é isso que pauta a vida deles. Então, acho que Deus continua a chamar, só que os chamados se desiludem em alguns aspectos. Acomodam-se e depois incomodam. Qual o caminho? Acredito que como a gente está vendo, muitas províncias e congregações vão desaparecer. Nós mesmos, os capuchinhos, sabemos que a França, no período áureo, chegou a ter 17 províncias, depois ficou um tempo com quatro e agora tem uma. A Itália até 1970 chegou a ter 25 províncias, agora a cada ano está juntando duas ou três. Nós tínhamos, como a OFM, um Definitório que precisava ser representativo: dois definidores italianos, um definidor francês, um definidor alemão, um inglês, um espanhol, um eslavo. Depois, a situação começou a mudar. Hoje há somente um definidor para a Europa. E quem cuida dos espanhóis é um definidor argentino. Outra coisa que ouvimos é que a Europa está deixando de ser o centro do mundo. Até calculam que daqui a uns cinquenta anos a Europa vai ser islâmica. E se pergunta: será que os islâmicos vão manter os monumentos cristãos feitos na Europa? Mas o europeu não quer ter filhos e o islâmico vai para lá e tem filhos à vontade. Não precisa ser um adivinho para perceber: a Europa vai perder muito da vida franciscana. Acredito que, como São Francisco pensou, a vida franciscana não vai desaparecer. Mas não vai ser aquela glória de antigamente.

Site Franciscanos – Por que a vida religiosa consagrada enfrenta uma crise de vocações, com a exceção das Clarissas? 
Frei José Carlos Pedroso – Acredito que é porque ficamos presos a fórmulas antigas. Não conseguimos nos atualizar. Eu reparo porque faz mais de 50 anos que trabalho com São Francisco e os leigos em geral parece que ouvem melhor a nossa voz quando falamos de São Francisco do que os nossos religiosos. Parece que eles têm uma sensibilidade maior ou têm uma liberdade maior para acolher uma pessoa como São Francisco ou mesmo como Santa Clara. E nós vemos que, às vezes, estamos muito presos a fórmulas, a maneiras de ser que nos impedem de ser livres. Mesmo entre os alunos do Curso Franciscano de Verão sentimos que estão preocupados com uma porção de coisas que têm de ser feitas para os outros, enquanto São Francisco é o homem livre, que vive para os outros, e o homem que se fundamenta especialmente em Jesus Cristo. Tenho estudado textos de São Francisco, a pessoa dele, e reparo que os religiosos de hoje, às vezes, se sentem interrogados por muitas outras pessoas, menos por São Francisco! Por quê? Ele é obscuro? Não, ele talvez seja muito claro. As pessoas têm medo de ouvi-lo e ter que mudar. Então, olhando um fenômeno que é praticamente universal, muitas congregações religiosas estão desaparecendo. E percebemos que isso pode até ser acelerado. Muitas vezes as pessoas estão entregues ao trabalho, a mil atividades que fazem em benefício dos outros, mas não ao encontro pessoal com Jesus Cristo. É o mundo material, ou mesmo intelectual, mas não espiritual, não um mundo com coragem de mudança. Vejo aí um ponto favorável das Clarissas.
Falando em vocações, observo: É comum a pessoa pensar assim: vocação é porque fui chamado. Vocação para médico, para engenheiro e tantas coisas. Fui chamado e agora vou seguir em frente. Mas também vemos que, especialmente a partir de Santa Clara, sou chamado todos os dias.  Cada dia o chamado é novo. Cada dia ele pode me levar para uma tenda nova na peregrinação. Em geral, as pessoas de hoje têm medo de se entregar a um caminho que pode ser novo todos os dias.

Site Franciscanos – O que diferencia o movimento franciscano dos movimentos de hoje, cheios de adeptos?
Frei José Carlos Pedroso – Bom, de um lado podemos observar ainda hoje que o movimento de Assis, de Francisco e de Clara, teve algo tão forte, tão genuíno, que atravessou os séculos. Entre outras coisas, a grande diferença é que o movimento franciscano é um movimento de 800 anos e muitos outros são bastante curtos. E pelo que vemos, pela experiência que temos, eles vão desaparecer rapidamente. Quem não se lembra de movimentos recentes, como o dos Cursilhos, que abrangia todo mundo e foi muito forte. Parecia a crista da onda na Igreja e já não se ouve falar dele. Vemos em muitos movimentos – que podem até ser muito bons – essa precariedade de raízes profundas.

Site Franciscanos –  Mas lhes falta originalidade?
Frei José Carlos Pedroso – A meu ver, muitas vezes sim. O movimento de Assis começa numa grande virada da história quando a Idade Média foi deixando de ser militar numa ocasião em que, por causa de tantas guerras, tinham desaparecido praticamente até as cidades, onde os chefes eram militares. Começa uma época em que a cidade é recuperada, o dinheiro é recuperado. Então, São Francisco começa uma vida religiosa nova. Ele, por exemplo, não foge do mundo, como faziam os monges antigos. Ele diz no Testamento que ele saiu do século, saiu do tempo. Para onde ele foi? Ele saiu do tempo comum dos homens para o tempo de Deus. Por isso ele é capaz de ter uma outra visão de mundo. Ele também saiu da cidade dele quando foi atrás dos leprosos e passou a ser um excluído como eles. Muita gente não percebe o verdadeiro motivo. Pensa: “Ah, uma doença que era repugnante e uma doença que fazia as pessoas se afastarem”. Não, hoje sabemos melhor que o problema dos leprosos é outro. Era uma mentalidade que vemos já no tempo do Evangelho e que dizia: Se alguém está mal é porque alguma coisa errada fez… E os apóstolos perguntando a Jesus quando viram um cego de nascença: “Ele está assim porque aprontou alguma coisa ou foram os pais dele?” Uma pessoa considerada doente não merecia estar no meio dos outros. Era afastada porque tinha o castigo de Deus. Quando Francisco saiu do meio da cidade para estar no meio dos leprosos, descobriu isso. A biografia diz que um dia ele voltou para casa a fim de buscar pão e roupa e percebeu que, ao entrar na cidade, foi rejeitado. As crianças o atacaram com pedras. Ele não pertencia mais ao mundo da cidade, ele tinha passado ao mundo dos rejeitados. A visão de Assis que ele tinha quando estava lá dentro e atraía muita gente era muito diferente da visão de Assis que ele passou a ter quando se sentiu rejeitado, excluído e invisível.
Se não damos um grande passo, não somos originais.

Site Franciscanos – Como o sr. vê a falta de interesse dos jovens pelo sagrado?
Frei José Carlos Pedroso – Eu nem teria coragem de afirmar que eles têm desrespeito pelo sagrado. É que hoje ficou tudo tão mecanizado, tão automático, tão na base de botões, que as pessoas não têm tempo de aprofundar as coisas. É só tocar alguma tecla. Fico tão admirado de ver meus sobrinhos netos que mexem em computadores desde pequenos. Os jovens vivem no mundo mágico da técnica. Não conseguem ir mais longe. Uma das coisas que tenho reparado é a seguinte: o jovem de hoje tem medo de qualquer coisa que seja perpétua. Tudo tem que ser curto, tudo tem que acabar, porque depois vêm outras coisas. Mas me pergunto: será que eles não querem nada de perpétuo ou se perdeu o perpétuo? Porque usam tantas tatuagens? Elas são perpétuas e podem prejudicar a vida depois de algum tempo. Quer dizer, no fundo, têm necessidade do perpétuo, do permanente. Mas estão numa situação em que não sabem como lidar com o permanente, com o transcendente. Mas também nos damos conta de que, quando conseguimos, de alguma forma, reunir jovens, falar da forma que pensam, eles ficam encantados por São Francisco e Santa Clara, ou outros da história da Igreja, que foram pessoas do sagrado. O que penso não é que tenham aversão ao sagrado. O que estão sacralizando são outras coisas, que não são perenes. Então, o sagrado começa aqui e termina ali. Não conseguem ir mais profundo.

Site Franciscanos – Nesse mundo em constante mudança, a família está em crise?
Frei José Carlos Pedroso – Ficou tudo descartável. As pessoas vivem assistindo novelas, onde um marido tem duas ou três mulheres. Cada mulher tem mais de um marido. E estão achando tudo normal, embora a própria novela mostre que não é a felicidade. Por outro lado, costumo olhar muito este aspecto: a Bíblia, com a sua antiga e nova aliança, Deus querendo viver conosco. Então, formam um povo e esse povo tem história. Especialmente, não só o Antigo mas também o Novo Testamento podem até mostrar melhor como os judeus viviam. Se apoiavam na memória do que o povo tinha feito com a ajuda de Deus e na esperança do que haveria de vir. Para sermos um povo precisamos da família, porque os valores passam de pai para filho. Se não somos família, nucleada, somos todos solitários. Então não somos povo, somos massa popular. Poderemos ser arrastados para qualquer lado. Aliás, os poderosos do mundo não querem que as pessoas formem um povo. Eles são avessos à Igreja Católica, a todo o cristianismo, ao judaísmo e ao islamismo, porque são religiões que têm história, se alimentam do passado e querem correr para o futuro. E também aí vem outra coisa: o Deus que encontramos na Bíblia é um Deus que se compromete pessoalmente conosco. Se eu topar um relacionamento pessoal com Jesus Cristo, terei que deixar muita coisa,  terei que permitir que ele mude a minha vida, terei que me abrir, ser livre. De certa forma, terei que fazer um processo que hoje, mesmo filósofos e psicólogos observam: Há um momento em que tenho de me desnudar. Lembrando até o batismo de São João: façam penitência! As pessoas chegavam e diziam: quero fazer penitência.  Então, tirem a roupa, entrem no rio, e lá vão ser sepultados na água. Se fosse na terra, não sairiam mais. Mas na água vão sair até com novo vigor. Vão vestir a roupa do homem novo, que é Jesus Cristo. Hoje, as pessoas estão entendendo melhor, mas encontramos inclusive muito poucos cristãos que chegam a dar esse pulo, que chegam a se despir de certas coisas, para ficar disponíveis para vestir outras roupas.

Site Franciscanos – Como o sr. vê a OFS hoje?
Frei José Carlos Pedroso – Meus avós paternos eram terceiros franciscanos e meu pai também. Eu entrei na Ordem por causa deles. A Ordem Terceira tem toda uma história. Em tempos recentes, ela ficou presa porque dependia da obediência aos franciscanos, alguns da obediência aos capuchinhos, alguns da obediência aos conventuais. Quem mandava mesmo eram os frades, que não se envolviam. Então ficou uma congregação religiosa, como a Irmandade de São Benedito. O que faziam: tinham uma missa mensal que ninguém poderia perder, o café e a reunião. A reunião era feita pelo padre diretor. Com a mudança do Vaticano II, a OFS passou a ser autônoma. Os frades continuam a ajudar como conselheiros espirituais, mas qualquer fraternidade da OFS pode procurar o frade que ela quiser. Estamos com um grupo leigo que vive a vida franciscana atingindo mais as pessoas do que nós. Sempre procurei acompanhar a Ordem Terceira. Hoje acompanho uma que poderia servir de modelo. É uma fraternidade estabelecida numa cidade que não tem franciscanos e onde o padre é diocesano, e está mais viva do que muitas. E há outras. Nós temos um Centro Franciscano atuante, que atinge o mundo. Só o fato de publicar as fontes franciscanas em latim faz muita gente do resto do mundo nos consultar. Mas nas redondezas pouca gente nos conhece. Concluindo, eu diria: grande parte do futuro do franciscanismo está na OFS.

Site Franciscanos –  E a Jufra?
Frei José Carlos Pedroso – A Jufra é uma preparação para a OFS, ou para as diversas congregações da TOR, para os Clarissas ou para os Frades. Mas precisa de um espírito novo, aberto, renovado. No caso dos Capuchinhos, o Definidor Geral é o visitador geral para determinada região. Uma vez, visitando uma das maiores províncias, eu sempre perguntava da OFS. A maioria dizia: “Ah, é um grupo de velhos com que não vale a pena perder tempo”. Quando eu fazia reuniões com a OFS sempre aparecia mais de uma senhora: sou a mãe de frei fulano. Pedi a um secretário que visse quantos frades eram filhos de terceiros franciscanos. Resultado: quase 80%. Tive que dizer: “As velhas da OFS são suas mães. Vão cuidar delas!”. Realmente acredito que a Ordem Franciscana vai se renovar na medida em que a OFS se renovar. Neste Curso de Verão, como um leigo vai ficar aqui três semanas? Vai sair do trabalho, da família, e pagar com dificuldade. Abrimos a possibilidade de fazerem só uma ou duas semanas. Mas estão pedindo um curso de inverno, porque o mês de janeiro não dá para eles.

Site Franciscanos – Que mensagem o sr. deixaria aos franciscanos e franciscanas?
Frei José Carlos Pedroso – Eu me dirigiria acima de tudo aos franciscanos e franciscanas, recordando que São Francisco toca o coração de espíritas, budistas e protestantes. Por que não toca o nosso? Será que ele não chega até nós? Ou nós temos resistências, porque eu veria São Francisco não só como fundador da Ordem Franciscana, mas como o homem do milênio e que foi profundamente humano. Embora não fosse importante, ele é o homem profundamente humano e isso desperta outros. Às vezes não nos está despertando porque estamos preocupados com uma porção de serviços pastorais ou sociais. Não temos tempo para ser franciscanos. Então, diria que, com essa experiência do Centro Franciscano, do Curso Franciscano de Verão, afirmo: “Minha gente, a proposta franciscana é tão bonita, está tão à mão”. Sou do tempo que em era doido por São Francisco, mas não tinha fontes, não tinha nada. Estive entre os que começaram a traduzir as fontes em Petrópolis, ainda nos anos 60. As primeiras traduções são as minhas. Como sou do ramo da linguística – latim, por exemplo, estudo e traduzo desde 1942 -, então deu para ajudar bastante. Então, diria: Irmão, irmã, vamos descobrir São Francisco e Santa Clara, porque nós estamos precisando disso não só para sermos franciscanos, mas até para sermos gente.


Por Moacir Beggo (entrevista concedida em janeiro de 2011)

Carta da Conferência da Família Franciscana do Brasil

Santa Clara, Doutora da Igreja?

Brasília, 08 de agosto de 2019

No findar do dia, quando o sol está quase se pondo, o trabalhador faz o arremate dos feitos a ele pedidos. Assim, o Conselho Diretor de nossa Família, findando os trabalhos a ele confiado pelos irmãos e irmãs na última Assembleia Geral, ousou encaminhar ao Papa Francisco o pedido para que ele declare Santa Clara de Assis Doutora da Igreja, com o título de Doutora da Pobreza de Jesus!

Doutor ou Doutora da Igreja é um título dado a um santo/a cuja doutrina é sólida e capaz de conduzir às pessoas ao coração de Deus.

Neste sentido, nosso pedido não deixa de ser inusitado, pois Santa Clara não escreveu um tratado teológico sobre a pobreza de Jesus. Todavia, na Regra, no Testamento e no Privilégio da Pobreza encontramos algo novo, belo e de grande frescor.

Enquanto a pobreza evangélica, nas Ordens religiosas de então, tinha como modelo a comunidade dos Atos dos Apóstolos, a pobreza em Santa Clara, herança de Francisco, é consequência de sua identificação com o Cristo Pobre. Portanto, uma pobreza na qual a origem é a pessoa de Jesus e cuja consequência de seu seguimento.

A firmeza de Clara diante da recusa da Igreja em aprovar sua Regra nos dá a verdadeira dimensão de sua clarividência, nutrida pela contemplação do Evangelho e do contato com os pobres que acorriam a São Damião.

Mostrou-se ávida aprendiz da pobreza de Jesus e neste itinerário elegeu a Oração dos Salmos, também conhecida como Oração dos Pobres, e o contato real com os pobres que buscavam São Damião como refúgio na dor.

É interessante notar que em todos os salmos encontramos um pobre que grita, que suplica, que chora, que implora, que reza, que bendiz, que louva, que canta sua confiança em Deus. Ele é o único que pode socorrer, acolher, fazer justiça, amparar os pobres. Clara teve esta fina intuição, por isso os Salmos tornaram-se uma fonte límpida para cultivar a pobreza dos pobres. Se os Salmos, tornaram-se reveladores da espiritualidade dos pobres de Javé, imaginemos com que contentamento ela os recebia em São Damião. Para ela, eles não eram pedintes que amolavam o sossego da cláusula, mas eram os mestres dos quais se aprendia o modo de ser pobre.

O não querer propriedades e nem uma clausura rígida revela sua genuína compreensão do Cristo e sua pobreza. Uma pobreza cheia de ternura, calor, perfume e caridade. Em nada contaminada pelo rigorismo estéril e frívolo.

Com a longa demora da aprovação da Regra, ela, para garantir a vivência da pobreza de Jesus, buscou e conseguiu o Privilégio da Pobreza e mais tarde a reconfirmação do mesmo. O Privilégio da Pobreza que, noutras palavras, este pode ser chamado de o ‘privilégio de não ter privilégio.’ Afinal, Jesus sendo Deus abriu mão deste privilégio e em tudo se fez um de nós (Fl 2). Sendo divino, assumiu nossa humanidade no ventre da Senhora Pobrezinha. Viveu em Nazaré, e como Nazareno ficou conhecido, caminhou pela Galileia, o lugar dos últimos, e elegeu a Galileia para ser encontrado após a Ressurreição.

No Testamento assegura ainda a necessidade de as irmãs não abrirem mão da radicalidade da entrega ao Senhor, único amor de um coração consagrado.

Nas cartas a Inês de Praga, podemos perceber a eloquência de Clara diante da pobreza de Jesus e seu desejo ardente em segui-la com radicalidade.

No pontificado de Francisco, reencontramos o tema da pobreza, dos pobres e em contrapartida, tudo aquilo que é uma ameaça ao Evangelho: poder, riqueza, culto ao deus dinheiro, clericalismo, fechamento. Nas entrelinhas de seus documentos, homilias, entrevistas, entramos em sintonia com o tema e a realidade dos pobres e a necessidade de redescobrirmos o significado de uma vida pobre.

Em março de 2020, acontecerá em Assis um encontro aberto a todos os economistas do mundo que pensam uma economia de inclusão, diante dos desafios impostos pela economia da exclusão, também chamada de economia neoliberal, que domina o mundo e nos encaminha a humanidade para um fracasso total.

O próprio Papa desejou que este encontro seja realizado em Assis, por causa do outro Francisco, o Poverello.

Pensar o tema economia tendo como inspiração para o mundo São Francisco de Assis, nos faz chegar a Clara, sua discípula. No tema da pobreza, parece que Clara tenha superado o mestre, tanto pela clareza, quanta pela radicalidade diante da igreja que queria obrigar-lhe outro caminho.

Talvez seja atrevimento demais de nossa parte pedir ao Papa este obséquio. Mesmo assim, estamos seguros da intuição que nos moveu neste intento.

Enquanto aguardamos a resposta de Roma, lembrando que Roma é eterna, parece que lá os relógios não tem ponteiros e o calendário não tem dias e nem anos, façamos o exercício de reler Santa Clara, com esta chave de leitura: Clara, Doutora da Pobreza de Jesus! Indico ainda dois outros exercícios: redescobrir os Salmos como a Oração dos Pobres e aproximarmos dos pobres como mestres.

Será um caminho cheio de belas descobertas e capaz de aquecer o coração.

Frei Éderson Queiroz, OFMCap
Presidente da Conferência da Família Franciscana do Brasil – CFFB

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Cronologia da Vida de Santa Clara

– 1193-1194 – Nascimento de Clara Offreduccio de Favarone, emAssis
– 1198 -A Família de Clara se refugia no Castelo de Cocorano.
– 1203-1205 Exílio em Perugia, juntamente com outras famílias nobres que combatem contra o município de Assis
– 1210 – Clara assiste às pregações de Francisco
– 1212 – Noite de Domingo de Ramos, Consagração de Clara na Porciúncula (Santa Maria dos Anjos). Breve período junto às beneditinas. Fixação definitiva em São Damião.
– 1214 – Irmã Balvina, companheira de Clara, funda uma comunidade de damianitas em Spello.
– 1215 – Clara recebe o título de Abadessa.
– 1216 – Obtém do Papa o privilégio da máxima pobreza.
– 1218-1219 Clara e as suas irmãs recebem a Constituição do Cardeal Hugolino com a Regra de São Bento. Algumas damianitas emigram para Sena, Luca, Florença, onde Inês, irmã de Clara, torna-se Abadessa.
– 1220 – Segundo a Tradição, tem lugar a fundação de Reims, o primeiro mosteiro de França.
– 1224 – Início da doença de Clara.
– 1227 – O Papa confirma a assistência dos frades para as irmãs de São Damião.
– 1228 – Primeira comunidade de diamianitas na Espanha: Pamplona. Na Itália existem, pelo menos, 24 comunidades. O Papa visita Clara em São Damião.
– 1234 – Santa Inês, filha do rei da Boêmia, funda um convento em Praga e lá vive. Primeira carta de Clara a Inês.
– 1238 – Um convento de damianitas na Eslovênia: Trnava.
– 1240 – Sarracenos em São Damião: proteção milagrosa da comunidade.
– 1241 – (22 de junho) Pela oração das irmãs, a cidade de Assis foi libertada do cerco dos exércitos do imperador.
– 1242 – A beata Cunegundes funda um mosteiro em Olomuc, Moravia.
– 1245 – A beata Salomé funda um mosteiro na Polônia, em Zawichost.
– 1247 – Regra de Inocêncio IV: as damianitas são associadas à Ordem Franciscana e deixam a Regra de São Bento.
– 1253 – IV e última carta conhecida de Clara para Inês de Praga.
– 1253 – O Papa visita Clara e aprova a sua Regra.
– No dia 11 de agosto morre Clara.
– 1253 – (novembro) Morte de Santa Inês de Assis (irmã de Clara)
– 1255 – Canonização de Santa Clara. Celano escreve a sua biografia (Vida).
– 1260 – Traslado do corpo de Clara e transferência da comunidade de São Damião para o atual mosteiro de Santa Clara de Assis.
– 1263 – Regra de Urbano IV. A Ordem de São Damião toma o nome de Ordem de Santa Clara

Os escritos de Santa Clara

Fontes franciscanas

Clara de Assis e o seguimento de Jesus

Clara de Assis e o seguimento de Jesus

A Ordem de Santa Clara

Quando Santa Clara morreu, a Ordem iniciada por ela já havia se espalhado por terras bem distantes.

Só documentados, sabemos de uns cem mosteiros de fundação ou inspiração no ideal de Santa Clara de Assis, na Itália, França, Alemanha, Boêmia, Espanha e Oriente.

Praticamente, os mosteiros não possuíam uma denominação única, pois alguns as chamavam de Irmãs Pobres Reclusas, por viverem na clausura; outros as chamavam de Damianitas, devido ao fato de terem tido origem no Mosteiro de São Damião, onde residiam Clara e suas primeiras discípulas; outras vezes, eram denominadas Irmãs Menores, em paralelo com os Frades Menores.

São Francisco, no seu espírito cavalheiresco, as chamava de Damas Pobres ou Pobres Damas. Santa Clara, na sua Forma de Vida, simplesmente as chama de Irmãs Pobres.

Após a morte de Santa Clara, o Papa Urbano IV quis unificar as denominações e determinou que todos os mosteiros se chamassem da Ordem de Santa Clara (OSC). Passaram a ser chamadas popularmente de Irmãs Clarissas, nome que atualmente ainda perdura e as identifica.


O QUE FAZEM AS CLARISSAS?

Frequentemente alguns perguntam, ou por simples curiosidade, às vezes num tom de desafio, e muitos por um sincero interesse, amizade e desejo de conhecer melhor suas Irmãs Clarissas: “Irmãs, o que é que vocês fazem?” Talvez haja na pergunta ou na resposta alguma ambiguidade, pois fazer e ser misturam-se muitas vezes.

Respondemos humildemente: “Somos contemplativas”. Nossa missão na Igreja é ser orantes. Grande parte do dia e algumas horas da noite estamos em nosso porto de sentinelas vigilantes, na contemplação silenciosa de nosso grande Deus, na adoração amorosa a Jesus Sacramentado exposto em nossa capela interna, no canto coral do Ofício Divino ou Liturgia das Horas, integralmente rezado, e na Celebração Eucarística diária. Sempre em súplica intercessora junto de Deus.

É isto que esperam de nós as muitas pessoas que vêm até o Mosteiro, pedindo para rezar nas mais variadas intenções possíveis.

E o Mosteiro das Clarissas se torna um coração aberto para todas as lutas, alegrias, vitórias e sofrimentos que atingem a humanidade. Há sempre uma irmã disponível para atender, ouvir e dar a certeza de que todos os problemas, anseios e dores são levados a Deus em forma de prece.

Além dessa vida de oração propriamente dita, continuamos a oração da vida: o trabalho. Este, preferencialmente manual, de modo a deixar a mente e o coração livres para mais facilmente estar em Deus.

Os trabalhos são muito diversificados. Dentro de nossas possibilidades, de acordo com as necessidades da comunidade eclesial que integramos.

Confeccionamos paramentos sacros, túnicas e estolas litúrgicas e demais alfaias para o culto divino. Gostamos deste trabalho, muito de acordo com nossa vocação contemplativa. É lindo pensar que em tantos altares, muitíssimos sacerdotes e outros ministros celebram a Palavra, a Eucaristia, os Sacramentos, usando trabalhos que ocultamente fizemos para a glória de Deus, num ato de amor, de adoração e súplica, para que o Reino de Deus chegue ao coração de todos os homens.

Há também o trabalho junto à natureza, na horta e no jardim, identificando-nos com tantos de nossos irmãos, que colaboram com Deus no sustento próprio e dos outros.

Trabalhamos com serigrafia, imprimindo cartões com mensagens de paz, harmonia e esperança. Confeccionamos cartazes que marcam presença em tantos acontecimentos, igrejas, comunidades…

Há também trabalhos de artesanato: modelagem em gesso e pintura de imagens, confecção e decoração de velas, caligrafia artística para cartões e impressos, flores artificiais…

Existem ainda os trabalhos domésticos, feitos quanto possível, por todas as irmãs, em familiar solidariedade.
No Mosteiro, o problema não é o que fazer, mas como dar conta de tantas coisas a serem feitas.

Santa Clara deixou em sua Forma de Vida a norma de trabalhar, para uma Clarissa: “As irmãs a quem Deus deu a graça de trabalhar trabalhem sem perder o espírito de santa oração e devoção, ao qual devem subordinar-se todas as coisas”.


A CLAUSURA

“Um mosteiro é uma realidade desconcertante”, já disse alguém. João Paulo 2º advertia: “É uma necessidade vital para a Igreja”. Um mosteiro é uma realidade questionante.

Por que jovens, cheias de vida, de entusiasmo de ideal, se fecham num mosteiro? Por que o contato com elas nos revela que são pessoas tão felizes, tão normais, transbordando alegria e paz em todo o seu ser?

Não existe resposta humana. Existe o mistério do absoluto: Deus, que é capaz de fascinar uma vida em todo o seu sentido.

A clausura, as grades, clamam por si! Clamam que existe algo maior, que está além do que se vê, que existe o transcendente, o indizível, o infinito… E pensar que este Deus se fez tão próximo, que habita entre nós, que quer a intimidade de sua criatura…

Sim, vale a pena uma vida reclusa, de silêncio e solidão, na busca de responder a tão grande amor de Deus! E todo simbolismo de grades, de separação, querem dizer apenas: Deus existe! Nós podemos encontrá-lo Vale a pena deixar tudo pelo Tudo!

“Clara, permanecendo encerrada no segredo de seu convento, irradiava fora raios resplandecentes; reclusa, iluminava fora; enquanto permanecia escondida, sua vida era conhecida”.


AS ETAPAS PARA SER UMA CLARISSA

O primeiro sinal de vocação está no querer: “Eu quero ser Clarissa”. Par isso, exige-se algumas qualidades consideradas indispensáveis: alegria, espírito de sororidade e fraternidade e de serviço, gosto pela oração, saúde física e equilíbrio psíquico.

Qual o primeiro passo a ser dado para ser clarissa?
Entrar em contato com algum Mosteiro, escrevendo, telefonando ou visitando pessoalmente.

Quais as etapas para ser clarissa?
Candidata – A jovem vocacionada deve manter contato com o mosteiro até o ingresso. É uma fase importante de discernimento em que terá um acompanhamento vocacional, e poderá fazer um pequeno curso vocacional. A jovem pode escrever, telefonar ou visitar o Mosteiro. Este tempo perdura quanto for necessário, e a jovem não tem nenhum compromisso com o Mosteiro, pois está discernindo a vocação.

Estágio ou experiência – Se quer mesmo viver a vida clariana, ao ingressar no Mosteiro, fará um mês de estágio ou de experiência dentro do claustro. Concluído este tempo, decidirá se deseja avançar. A comunidade também faz a sua avaliação em relação à jovem, depois deste período.

Postulante – O postulantado marca um tempo de preparação para o início da vida religiosa clariana, e tem a duração de um ano, em geral; pode ser prolongado, se for necessário.

Noviça: Concluído o tempo do postulantado, numa cerimônia familiar, a jovem recebe o hábito clariano, marrom, com o véu branco, a corda sem os nós, e a coroa franciscana. Inicia o noviciado, que é um tempo de aprofundamento na espiritualidade e no ideal abraçado, e uma preparação mais intensa para a profissão dos votos na Ordem de Santa Clara. A Irmã noviça já faz parte da família clariana.

Profissão temporária (juniorista) – Terminado o noviciado, que dura dois anos (e pode ser prolongado por algum tempo), a noviça, com plena liberdade, fará os votos temporários de pobreza, castidade e obediência e clausura, por três anos. Este período de juniorato poderá ser prolongado por mais três anos.

Profissão perpétua de votos solenes: Enfim, chega a última etapa. Com este período a irmã é integrada definitivamente na Ordem de Santa Clara, prometendo perpétua fidelidade como resposta ao amor incondicional de Deus. A irmã costuma permanecer até o fim de suas vidas no mosteiro que ingressou. Somente deixa o local no caso de ser transferida para uma nova fundação ou prestar auxílio em outro mosteiro.


Texto do livro “Nas pegadas de Clara de Assis”, das Clarissas do Mosteiro de Nazaré em Lages (SC)

A Graça da Fraternidade

O dom mais alto que a experiência contemplativa de Clara ofertou à Igreja e a todo o mundo, é o testemunho de uma fraternidade evangélica comparada intensamente àquela vivida pela primeira comunidade cristã, feita “um só coração e uma só alma” (At 4,32) no apaixonado seguimento do Senhor Jesus.

Francisco e Clara propriamente não pensam em seguidores;  agarrados pelo idêntico Amor, formados um nele, deixaram-se suspender pelo vento impetuoso do Espírito, e só de repente se apercebem que se estendeu o contágio de sua utopia.

Entre “as irmãs que o Senhor lhe deu”(Testamento de Santa Clara 25), Clara se põe então como serva, irmã e mãe, consciente de que verdadeiramente  no interior daquela humanidade concreta e variada se encarna para ela o Verbo amante e crucificado. Contemplar não é sentimentalismo ou poesia, não é perder-se em representações vazias de um relacionamento romântico,  pessoa a pessoa com o Onipotente, como se fosse possível atingi-lo em comunicação direta.

Não, Deus não se deixa tocar como um objeto, nem pelos sentidos humanos. Ele caminha sobre a terra, mas como um incógnito; o ser humano O pode encontrar somente no ser humano desde que, em Cristo, assim escolheu encontrar-se com Ele.

E é sob aqueles despojos miseráveis e grandes que solicita a fé e o amor de cada um.

Alguém pode crer de amar a Deus embalando-se nas imagens de sua fantasia religiosa ou nos ardores da sensibilidade facilmente emocionável diante do “magnífico” natural como do “sacro” litúrgico, mas não está seguro do engano de que seja somente a projeção de seu desejo de grandeza e beleza e potência e infinidade.

Clara, crescida na escola de Francisco, sabe que quando se consegue ler na criatura humana – talvez desfigurada pelos limites  inevitáveis do egoísmo, da superficialidade, da ignorância, do pecado –o rosto do Amor traído, “desprezado, injuriado, e em todo o corpo repetidamente flagelado” (Segunda Carta a Santa Inês de Praga, 20) e posto à morte, então se pode gritar com certeza: “Nós temos conhecido e crido no amor”. (IJo 4,16).

Não há muito para crer se a pessoa a quem se diz “te amo”, com a qual se reparte com alegria o pão da vida e se inebria do vinho da familiaridade, é aquela que parece saciar plenamente o vazio da existência e que gratifica com a evidente, incessante oferta de si.

Mas há tudo para crer quando se diz “te amo”, lá onde não há algo de amável, onde parece perder o próprio dom numa mão furada e de desperdiçar a água da generosidade; é ali que se aprende verdadeiramente o que é o “dispêndio amoroso”, o segredo da pródiga liberalidade do Amor.

Sobre esta fé, Clara não teme de lançar-se com as irmãs no único fogo devorador da paixão de Deus, que dos diversos elementos aos quais se une faz uma só chama incandescente para a festa de todos.

E porque não se pode conservar escondido um incêndio nem conter o respirar do bem no seu efundir-se, Clara pede às irmãs de serem uma para a outra uma manifestação de Deus: “aquele amor que tendes no coração demonstrai-o externamente com os atos”. (Testamento de Santa Clara 59) Mas a vida fraterna é uma graça.não tanto por aquilo que dá a cada uma,  de segurança, de sustento imediato, de ajuda física e moral; é uma graça sobretudo por aquilo que pede de si.

Se é somente no relacionamento que o ser humano conhece a si mesmo, se é pela ação dos outros que se livra da casca limitada em que se esconde a pérola da verdade, como não render graças a quem, estando perto, o provoca àquele amor que, exigindo o tudo e o em toda parte do dom silencioso e gratuito da vida, o faz autenticamente viver e saborear a sua liberdade?

A fraternidade é o termômetro que verifica o grau em que uma criatura é pobre, casta, obediente, porque alguém não sabe, até que é só, se está andando para cima ou descendo pelo caminho. Mas é quando o vizinho o despoja das forças e do tempo, dos bens exteriores e das pretensões interiores de bem, que pode medir a densidade de sua pobreza. É quando a fome de amor do outro o arranca à satisfeita pureza de um coração mantido em gelo e lhe pede o comprometimento até o espasmo, que aprende a conhecer o valor da castidade.

É quando obriga-o a ver com os olhos de um míope aquilo que ele crê de perscrutar com lucidez, que sabe as exigências abismais de sua obediência. E ignora o que seja a beatitude exaltante de alcançar somente os solitários cumes do espírito quem não desce a se aquecer na lareira da fraternidade.

Clara, porém, é demasiado mulher amante e concreta para iludir-se que uma semelhante graça não custe o esforço paciente e renovado de toda uma vida. Por isso, quer as irmãs “solícitas em conservar sempre reciprocamente a unidade da incansável caridade”(Forma de Vida de Santa Clara 10,7)

Então, fraternidade é alegria de condivisão total, onde isto não significa dizer que tudo “é meu”, mas é dizer do próprio, também o mais íntimo, `é teu’. É alegria de fazer-se novos todo dia um para o outro no generoso perdão recebido e doado. É alegria de ser continuamente salvos pelo Amor e de ascender juntos no tempo, mantendo cada uma bem viva a pequena chama de sua fidelidade, rumo ao reino dos céus onde o amor não tem mais sombras nem demoras.

Do livro “Como Fonte Selada”, tradução de Ir. Sandra Maria, das Irmãs Clarissas do Mosteiro Nazaré de Lages (SC)

União com Deus em Santa Clara de Assis

Por Chiara Lubich

Santa Clara encontrou o seu caminho de união com Deus acima de tudo amando.

Ela fez a experiência da promessa de Jesus: «Quem me ama, será amado por meu Pai. Eu o amarei (…) e a ele iremos e nele estabeleceremos morada» (Jo 14, 21-23). A alma que ama, para Santa Clara, tornou-se morada de Deus e passou a ser, pela graça, maior do que o céu. Ela escreveu: «Pois os céus, com as outras criaturas, não podem conter o Criador: só a alma fiel é sua mansão e sede. E isso só pela caridade (…)»(1).

Segundo um autor da Legenda de Santa Clara(2), «a abundância da graça divina» esteve presente nela desde o seu nascimento. Mãe Hortolana estava para dar à luz; enquanto «rezava intensamente para o Crucifixo, pedindo proteção dos perigos do parto, escutou uma voz misteriosa que dizia: “Nada temas! Com felicidade serás mãe de uma filha. E essa filha há de aclarar o mundo inteiro com seu esplendor”».(3) Por isso, a recém-nascida se chamou Clara.

Crescendo – está escrito –, «gostava de cultivar a santa oração (…). Como não dispunha de contas para recitar os pais-nossos, usava muitas pedrinhas para numerar suas pequenas orações ao Senhor. » (4).

«Ela se enlevava no amor a Deus» (5)(…), e toda Assis falava da sua bondade. Ela tinha 18, 19 anos quando conheceu Francisco( 6). Conhecendo Francisco, Clara não só encontrou a resposta ao que buscava, ou seja, a união com Deus, mas esta explodiu com toda a sua intensidade. Santa Clara se sentiu amada por Deus com o mesmo amor que uma mãe ama a sua filha menor, e, desejando responder com o seu amor, escolheu Deus como único ideal de sua vida. Ela tinha preferência pelo amor a Ele e pelos seguintes modos de se chegar à união com Deus: a oração, a escuta da Palavra, o amor a Jesus pobre e crucificado, o amor por Jesus Eucaristia e a penitência.

Dizia-se que Santa Clara era assídua na oração dia e noite. Para ela, o estudo, o trabalho, a observância, tudo era uma santa atividade, fruto do amor.

E as irmãs testemunhavam: «Quando terminava a oração, seu rosto parecia mais claro e mais bonito que o Sol »(7).
Aliás, afirma-se que o Papa Gregório IX gostava de ir visitá-la «para ouvir dela celestes e divinos colóquios, pois era o sacrário do Espírito Santo»(8).

Experimentou a união com Deus também ouvindo a sua Palavra na pregação, da qual sentia grande sede. Irmã Inês Opórtulo contou uma visão que teve, enquanto ouvia com Santa Clara um sermão. Viu ao lado dela uma criança belíssima, de mais ou menos 3 anos, (…) e ouviu uma voz: «Eu estou no meio deles” (cfr. Mt 18,20), significando com isso que o menino era Jesus Cristo, que está no meio dos pregadores e dos ouvintes, quando estão atentos e ouvem como se deve a Palavra de Deus»(9).

Para a santa, o vértice da união com Deus era a experiência nupcial. Apresentou Cristo às irmãs como o esposo mais nobre, garantindo que as esposas do Cordeiro poderiam acompanhá-lo por onde Ele fosse.

“Cursando” a escola de Francisco, ela se apaixonou por Cristo crucificado e quis, por sua vez, que outras pessoas se apaixonassem por ele. Escreveu numa carta: «Contemple, minha nobilíssima rainha, o seu esposo – que se tornou, para que fosse salva o mais vil de todos (…) –, com o desejo de imitá-lo. Se você sofrer com Ele, com Ele vai reinar; se chorar com Ele, com Ele vai se alegrar; se morrer com Ele na cruz da tribulação, vai ter com Ele mansão celeste nos esplendores dos santos».(10) As dores físicas a enchiam de alegria.

Quanto a Jesus Eucaristia, no Processo testemunham que ela se confessava com freqüência e muitas vezes recebia o Santíssimo Sacramento tremendo(11).

Os Sarracenos, certa vez, entraram no mosteiro, e Clara rezou diante da Eucaristia para que protegesse as suas servas; «logo soou em seus ouvidos uma voz de menininho: “Eu sempre vos defenderei ”».(12)

Outra maneira experimentada pela Santa de Assis para chegar à união com Deus foi o caminho de penitência.

Os primeiros anos de século XIII foram caracterizados por uma “cultura da penitência”. Dava-se muito valor às atitudes exteriores de penitência: ao modo de se vestir, de jejuar, de mortificar-se fisicamente e o sofrimento era considerado como um valor em si.

Para São Francisco e Santa Clara, a penitência não era pela penitência, mas era um modo de seguir Jesus de forma mais radical, de imitá-lo por amor. Ele se humilhou, fez-se pobre, deixou-se flagelar, percorreu a via-sacra até morrer na cruz.

Para recordar os sofrimentos de Cristo, Clara não comia nem bebia nada durante três vezes por semana.

Tudo era bom para mortificar o corpo: as túnicas de tecido grosseiro, o cilício, dormir no chão com um travesseiro de pedra. Mais tarde, ela dormia numa esteira forrada com um pouco de palha.

Durante a doença, essa vida tão severa, que durou 29 anos, foi mitigada por São Francisco e pelo bispo de Assis, que a obrigaram a comer pelo menos «meio pedaço de pão por dia»(13).

E «mesmo em meio a mortificações, Clara conservava um aspecto alegre e sereno (…). Transbordava nela a santa felicidade que abundava em seu íntimo»(14), verdadeira novidade trazida por São Francisco e por Santa Clara no âmbito da experiência penitencial do tempo.

Clara sintetizava assim, para Irmã Inês, os efeitos experimentados, por quem segue Cristo crucificado: «Desse modo, também você vai experimentar o que sentem os amigos quando saboreiam a doçura escondida, que o próprio Deus reservou desde o início para os que o amam. »(15).

Caríssimos,
Santa Clara, seguindo o seu caminho, foi uma santa tão grande que a Igreja, na bula de canonização, faz-lhe um grande elogio: tudo é luz, tudo é luz. Luz para muitos e também para nós.
E o que Clara nos ensina?
Em primeiro lugar, ela nos ensina que, embora a nossa estrada seja bem diferente da sua, devemos vivê-la perfeitamente, sem nos pouparmos em nada.
Qual é a diferença entre os dois caminhos?
Santa Clara viveu no século XIII.
O caminho da unidade foi anunciado a nós pelo nosso carisma na primeira metade do século XX, se prolongará no Terceiro Milênio e irá mais além…
Séculos e séculos, portanto, dividem as duas estradas; no entanto, uma e outra estão em sintonia com o próprio tempo.
Quando Santa Clara viveu, estava no auge a vida retirada. Clara fundou conventos e conventos. Era um estilo de viver o cristianismo, que ainda hoje e sempre será seguido. Os leigos, que permaneciam no mundo, não tinham um destaque particular na Igreja, pelo contrário! Essa situação perdurou por muitos séculos.
Mas o tempo avança e a Igreja segue o ritmo do tempo.
O nosso século é caracterizado por ter, como protagonista, o laicato, que Deus enobrece e coloca em relevo, enriquecendo-o de carismas.
A Igreja toma consciência de si como Corpo místico de Cristo e como Povo de Deus. Jesus indicou o lugar em que este povo deve viver: o mundo. «Não peço que os tire do mundo, mas que os proteja do maligno» (Jo 17,15).

O mundo é, porém, um ambiente caracterizado pela necessidade de viver, o dia inteiro, em contato com outros homens, mulheres, adultos e jovens, quer tenham a nossa fé ou não.

É um mundo, onde o discípulo de Jesus, circundado por pessoas e não por paredes, deve encontrar o relacionamento justo com todos para poder chegar à própria realização.

Jesus, não querendo tirar o cristão do mundo, apresenta-lhe exatamente o irmão, não só como companheiro de viagem, mas até mesmo como caminho para a união com Deus.

Falamos sobre isso de modo aprofundado no ano passado.

O nosso caminho é totalmente diferente. Ele era desconhecido pelos santos, como Santa Clara, que, ainda assim, também sabia reconhecer Jesus nos irmãos e manter um constante amor recíproco na comunidade das irmãs.

Vimos que nós também podemos encontrar a união, vivendo com fidelidade as nossas práticas de piedade.

Também para nós, a vida de comunhão com Jesus Eucaristia nas nossas capelas, por exemplo, é fonte de união com Deus, e a Palavra, não só ouvida, mas praticada, é fonte de alegria, fruto da união com Deus, por meio da qual se reconhecem os focolarinos.

Também nós encontramos a união com Deus amando o Crucificado e, particularmente, o Abandonado, elemento da nossa penitência.

A união com Deus é plenitude de alegria graças à alquimia que conhecemos.

Todavia o que é e será sempre característico do nosso caminho, é o amor ao irmão, que tem como medida o mandamento novo de Jesus.

Amor ao irmão que, se correspondido, é Paraíso para a alma; e, se não, é purgatório antecipado, a nossa típica penitência que devemos amar até o fim.

É por amor ao irmão que temos a possibilidade de contribuir na realização do plano de Deus para a humanidade: uma única família, com Deus como Pai, a fraternidade universal.

Podemos fazê-lo, pois o amor é uma tal potência que atrai o Irmão por excelência entre nós: Jesus no nosso meio.

Pelo menos do nosso ponto de vista, que caminho melhor para chegar a Deus, para nos unirmos a Ele do que esse que chega até Aquele que é o caminho por excelência? «Eu sou o caminho» (Jo 14, 6), Jesus disse.

É Ele o objetivo do nosso morrer a nós mesmos que realizamos no cotidiano, do nosso viver diário.

Agradeçamos a Santa Clara pelo exemplo luminoso de fidelidade ao chamado de Deus que ela nos deu, ao seguir o seu caminho, e peçamos-lhe, nesta sua festa, que doe também a nós a possibilidade de atingir, como ela, a perfeição, a santidade. E, possivelmente, a santidade coletiva, de povo.

Traduzione di Iracema Amaral, Ufficio Traduzioni, 11/08/2004

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(1) III Carta, 10-26; FF. 2887-2893; http://san-francesco.org/santachiara/lettereagnese_pt.html#3;
(2) Um relato de sua vida (n.d.t.);
(3) http://www.sca.org.br/biografias/bsc17.htm;
(4) Cf Legenda Sta Clara; FF 3158 FF 3159/nota 11; http://san-francesco.org/santachiara/leggenda_pt.html;
(5) Processo, XI, 5; FF: 3084;
(6) Legenda 4; FF: 3161;
(7) Processo II, 10:III, 3; FF 2953-2969; http://san-francesco.org/santachiara/cano1_pt.html#2;
(8) Actus beati Francisci et sociorum eius, Paris 1902, c. 43, p. 136;
(9) Processo X, 8; FF: 3076; http://san-francesco.org/santachiara/cano2_pt.html#10;
(10) II Carta 20; Ff:2879; http://san-francesco.org/santachiara/lettereagnese_pt.html#2;
(11) Cf. Processo FF: 2954;
(12) Legenda 22 FF: 3202; http://san-francesco.org/santachiara/leggenda_pt.html;
(13) Cf. Processo II, III, IV;
(14) Vida, 18; FF: 3196;
(15) III Carta 14; FF: 2889; http://san-francesco.org/santachiara/lettereagnese_pt.html#3;

Francisco e Clara, dois enamorados, mas de quem?

Pe. Raniero Cantalamessa

Fez-se comum falar da amizade entre Clara e Francisco em termos de amor humano. Em seu conhecido ensaio sobre apaixonar-se e amar, Francisco Alberoni escreve que «a relação entre Santa Clara e São Francisco tem todas as características de um enamoramento transferido (ou sublimado) à divindade». «Francisco e Clara», de Fabrizio Costa, a série televisiva transmitida em Rai Uno nos dias 6 e 7 de outubro, melhor talvez que «Irmão Sol e Irmã Lua», de Zeffirelli, soube evitar esta alusão ao romântico, sem tirar nada da beleza também humana de um encontro assim.

Como qualquer homem, ainda que seja santo, Francisco pode ter experimentado a atração pela mulher e o sexo. As fontes referem que para vencer uma tentação deste tipo, uma vez, o santo se jogou em pleno inverno na neve. Mas não se tratava de Clara! Quando entre um homem e uma mulher há união em Deus, se é autêntica, exclui toda atração de tipo erótico, sem que exista sequer luta. É como refugiar-se. É outro tipo de relação. Entre Clara e Francisco havia certamente um fortíssimo vínculo também humano, mas de tipo paterno e filial, não esponsal. Francisco chamava Clara de sua «plantinha», e Clara chamava Francisco de «nosso pai».

O entendimento extraordinariamente profundo entre Francisco e Clara que caracteriza a epopéia franciscana não vem «da carne e do sangue». Não é, por exemplo, igualmente célebre, como aquele entre Heloísa e Abelardo. Se assim tivesse sido, teria deixado talvez uma marca na literatura, mas não na história da santidade. Com uma conhecida expressão de Goethe, poderíamos chamar a de Francisco e Clara uma «afinidade eletiva», com a condição de entender «eletiva» não só no sentido de pessoas que se elegeram reciprocamente, mas no sentido de pessoas que realizaram a mesma eleição.

Antoine de Saint-Exupéry escreveu que «amar não quer dizer olhar um ao outro, mas olhar juntos na mesma direção». Clara e Francisco na verdade não passaram a vida olhando um ao outro, estando bem juntos.

Trocaram pouquíssimas palavras, quase só as referidas nas fontes. Havia uma estupenda discrição entre eles, tanta que o santo, às vezes, era amavelmente reprovado por seus irmãos por ser demasiado duro com Clara.

Só ao final da vida vemos atenuar este rigor nas relações e Francisco buscar cada vez com maior freqüência consolo e confirmação junto a sua «Plantinha». É em São Damião onde se refugia próximo à morte, devorado por enfermidades, e está perto dela quando entoa o canto de Irmão Sol e Irmã Lua, com aquele elogio de «Irmã Água», «útil e humilde e preciosa e casta», que parece ter escrito pensando em Clara.

Em lugar de olhar um ao outro, Clara e Francisco olharam na mesma direção. E se sabe qual foi para eles esta «direção». Clara e Francisco eram como olhos que olham sempre na mesma direção. Dois olhares que contemplam o objeto desde ângulos diversos dão profundidade, relevância ao objeto, permitem «envolvê-lo» com o olhar. Assim foi para Clara e Francisco. Contemplaram o mesmo Deus, o mesmo Senhor Jesus, o mesmo Crucificado, a mesma Eucaristia, mas desde «ângulos» diferentes, com dons e sensibilidade próprios: os masculinos e os femininos. Juntos perceberam mais do que teriam podido fazer dois Franciscos e duas Claras.

Se existe uma lacuna na série sobre Francisco e Clara é talvez a insuficiente relevância prestada à oração, e com ela à dimensão sobrenatural de suas vidas. Uma lacuna provavelmente inevitável quando a vida dos santos se leva à tela. A oração é silêncio, quietude, solidão, enquanto que a palavra «cinema» vem do grego kinema, que significa movimento! A exceção é o filme «O grande silêncio» sobre a vida dos cartuchos, mas não resistiria na pequena tela.

No passado se tendia a apresentar a personalidade de Clara demasiado subordinada à de Francisco, precisamente como a «irmã Lua» que vive do reflexo da luz do «irmão Sol». O exemplo neste sentido é o livro publicado no verão passado sobre «a amizade entre Francisco e Clara» (John M. Sweeney, the Friendship of Francis and Clare of Assisi, Paraclete Press 2007).

Tanto mais é de elogiar, na série televisiva, a eleição de apresentar Francisco e Clara como duas vidas paralelas, que se entrecruzam e se desenvolvem em sincronia, com igual espaço dado a um e outro. É a primeira vez que ocorre desta forma. Isso responde à sensibilidade atual orientada a evidenciar a importância da presença feminina na história, mas em nosso caso corresponde à realidade e não é algo forçado.

A cena que mais me impactou ao ver a pré-estréia de «Francisco e Clara» é a inicial, emblemática, uma espécie de chave de leitura de toda a história. Francisco caminha em um prado, Clara o segue introduzindo seus pés, quase brincando, nas pegadas que Francisco deixa, e, diante da pergunta dele: «Estás seguindo minhas pegadas?», responde luminosa: «Não, outras muito mais profundas»

O Jubileu do Mosteiro da Gávea

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Em 19 de maio de 1855, o Ministério da Justiça do Império proibia, em absoluto, a recepção de noviços em todas as ordens religiosas no Brasil. A Ordem de Santa Clara (OSC), que estava no Brasil desde 1677, não ficou de fora desta perseguição até o falecimento da última Clarissa em 1915. Mas há 90 anos, as Damas Pobres de São Damião estavam de volta ao país com a fundação do Mosteiro da Gávea. Como conta nesta entrevista a Abadessa do Mosteiro de Nossa Senhora dos Anjos, Madre Maria Pacífica, esse retorno se deu no dia 25 de setembro de 1928. As celebrações deste Jubileu de 90 anos da restauração do Carisma Clariano no Brasil já começaram em 2017 e continuaram até o domingo, 12 de agosto de 2018. A restauração da Ordem de Santa Clara no Brasil, segundo a Abadessa, foi possível graças a oito irmãs Clarissas da Alemanha: Madre Maria Seráfica, Irmã Maria Juliana, Irmã Maria

Boaventura, Irmã Maria Clara, Irmã Maria Agnela, Irmã Maria Columba, Irmã Maria Imaculada e Irmã Maria Terezinha, sendo que Irmã Maria Rosária veio se juntar-se às fundadoras em 1934.gavea_020118_2

Foi a partir deste Mosteiro que a espiritualidade de Santa Clara floresceu no país. Essa construção no morro da Gávea é hoje um oásis de paz em meio à insegurança promovida pelo tráfico na vizinha Rocinha. O reflexo está no aumento de pedidos de orações que chegam às 26 irmãs que formam a Fraternidade da Rua Jequitibá.

A rotina da vida contemplativa é feita de muita oração e trabalho. “A partir das 21 horas nos revezamos na adoração ao Santíssimo”, conta Madre Maria Pacífica. Das irmãs, apenas quatro têm permissão para sair do claustro para ir ao banco, à farmácia, ao mercado ou ao correio, por exemplo. No interior da clausura, só médicos estão autorizados a entrar e os frades, como o guardião do Convento Santo Antônio, Frei José Pereira, e o assistente espiritual, Frei Almir Guimarães. Hoje, elas também aproveitam a facilidade do mundo virtual, através de e-mail, site e mais recentemente o aplicativo Whatsapp, que ajudam na marcação de consultas com o médico e auxilia nos problemas urgentes. Rádio, jornais e TV raramente estão no cotidiano das irmãs. Madre Maria Pacífica conta com a ajuda de duas irmãs secretárias para auxiliá-la. A verdade é que o mundo virtual não chega a encantar as Clarissas: “Preferimos estar conectadas com o mundo espiritual”, decreta Madre Maria Pacífica.

No trabalho, as irmãs se revezam para limpar o vertical prédio do mosteiro – no centro do claustro há um cemitério com 12 jazigos -, cuidam da horta, de onde tiram parte do sustento e produzem artesanatos, como velas, para ajudar nas finanças, que também são completadas com doações de amigos e benfeitores do Mosteiro.

Madre Maria Pacífica de Jesus Crucificado completou no último dia 13 de maio 62 anos de vida religiosa. Nasceu em 1934, há 83 anos, na cidade de Andradas, no Sul de Minas Gerais, onde foi batizada como Gláucia Garcia de Almeida. Ingressou na Ordem de Santa Clara em 1955, aos 20 anos.

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Site Franciscanoss – Como a Ordem de Santa Clara chegou ao Brasil?
Madre Maria Pacífica – As Clarissas foram as primeiras religiosas a se estabelecerem no Brasil, solicitadas pela Câmara, nobreza e povo da Bahia, que desejavam religiosas de São Francisco, pois suas filhas aspiravam ou eram encaminhadas para a vida consagrada. Viajar para Portugal, atravessar o mar, implicava nos perigos de naufrágio, pirataria etc… Aos 9 de março de 1677, chegaram de Évora (Portugal) as quatro monjas fundadoras do Imperial Convento de Santa do Desterro, que em breve floresceu, tornando-se uma comunidade numerosa. A perseguição religiosa contra os Institutos Religiosos, que atingiu o auge em 1855, fechando os noviciados das casas religiosas em todo o território nacional, fez com que se extinguisse o Mosteiro. Em 1915 falecia a última Clarissa. Por treze anos não houve nenhum mosteiro clariano em nosso país, até que, em 1928, o antigo tronco refloresceu com a fundação, no Rio de Janeiro, cujos 90 anos estamos celebrando.

gavea_020118_4Site Franciscanos – Como nasceu o Convento da Gávea? Qual sua importância para o carisma clariano e franciscano no Brasil?
Madre Maria Pacífica – No dia 25 de setembro de 1928, por iniciativa da Província Franciscana da Imaculada, após uma longa e feliz viagem de navio, aportaram no Rio de Janeiro as oito Irmãs – vindas de Düsseldorf, Alemanha – escolhidas para restaurar a Ordem de Santa Clara no Brasil, com a fundação do Mosteiro Nossa Senhora dos Anjos da Porciúncula. Foram recebidas festivamente pelos frades, religiosos e religiosas de numerosas Congregações e por várias senhoras da sociedade carioca, que as levaram para a Igreja paroquial de Ipanema, onde se oficiou o solene “Te Deum”.
Estabeleceram-se, inicialmente, em uma pequena casa no Leblon, onde hoje se localiza a Paróquia Santa Mônica, dos Padres Agostinianos. Depois, com muita dificuldade, adquiriram esse terreno numa área então rural, à Rua do Jequitibá, 41, na Gávea, onde, com o passar dos tempos, conseguiram erguer na colina, com grandes sacrifícios, o atual e singular Mosteiro vertical. Deste lugar, brotaram 5 novas fundações monásticas que, com suas filiais e ramificações, somam hoje 20 claustros clarianos no Brasil, na maioria descendendo praticamente de nossa Porciúncula.

Site Franciscanos – Qual a importância deste Mosteiro para o carisma clariano e franciscano no Brasil?
Madre Maria Pacífica – Penso que a importância deste nosso Mosteiro é justamente de ser o primeiro da restauração da Ordem e, por isso, muitas madres e formadoras continuam a nos consultar a respeito de tradições e costumes. Aqui renovou-se a chama seráfica, que, com a bênção do Altíssimo, desdobrou-se em novas fundações e tem ajudado a tantos irmãos e irmãs da I e da III Ordem a experimentar a riqueza desse carisma iniciado pela Mãe Santa Clara, pois como ela escreve em seu Testamento: “O Senhor nos chamou a ser exemplo e espelho”.

Site Franciscanos – Qual o significado de celebrar o Jubileu?
Madre Maria Pacífica – Celebrar o Jubileu dos 90 anos de fundação desse nosso querido Mosteiro significa para nós, primeiramente, render graças e glória a Deus, de Quem procede, na expressão da Mãe Santa Clara, toda dádiva e todo dom perfeito. Depois, gratidão às nossas queridas Irmãs fundadoras, que deixaram pátria, família, mosteiro e tudo o que lhes era mais caro para nunca mais retornar. Em meio a tantos sacrifícios, compraram este terreno, construíram este Mosteiro e nos deixaram sólido alicerce na tradição de tão preciosa espiritualidade. Gratidão também por tantas irmãs queridas, que ao longo desses 90 anos, aqui deixaram a marca de seu trabalho, de sua oração, de sua imolação, pensando muito especialmente nas que daqui saíram para fundar outros Mosteiros, construindo novos tronos de adoração para Jesus e irradiando a espiritualidade clariana. Também, gratidão por todos os amigos e benfeitores que, nessas nove décadas ajudaram e continuam ajudando a manter essa casa de oração, nomeadamente os queridos padres que aqui celebram e nos alimentam com o Pão da Vida e da Palavra.

Site Franciscanos – Hoje, como é a vida no convento: quantas Irmãs fazem parte da Fraternidade; como é a vida de oração e trabalho?
Madre Maria Pacífica – Somos 26 Irmãs. Uma anciã de 96 anos está hospitalizada e bem fragilizada. No mais, todas trabalham, na medida de suas possibilidades, mesmo as octogenárias. No Mosteiro, ninguém se aposenta!
A Mãe Santa Clara cultivou profundo amor a Jesus Sacramentado! São João Paulo II escreveu: “Na verdade, toda a vida de Clara era uma Eucaristia!”. A seu exemplo, as Clarissas cultivam a devoção eucarística, revezando-se em adoração ao Santíssimo Sacramento, exposto, diariamente em nossos mosteiros. Oram e intercedem por toda a humanidade, nomeadamente pelos que se recomendam às preces da comunidade. São sete horas de oração, intercaladas com os trabalhos. As irmãs aplicam-se em ganhar o necessário para seu sustento e a manutenção da casa com seu trabalho humilde de cada dia. Dedicam-se à confecção de alfaias, imagens, velas, cartões, convites e lembranças para casamentos, batizados, Primeira Eucaristia e bodas, além de outros trabalhos manuais em pintura, bordado e artesanato. As mesmas mãos que trabalham na enxada, plantando e cultivando a terra pela manhã, à tarde bordam, pintam e exercitam seus talentos nos mais delicados trabalhos. Contudo, sempre contam com o auxílio de amigos dedicados e generosos benfeitores que, pela misericórdia divina, nunca faltam.

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Local na Gávea, onde foi adquirida a residência para a construção do Mosteiro

Site Franciscanos – Como o Convento sobreviveu e sobrevive nestes 90 anos?
Madre Maria Pacífica – No início, para comprar o terreno e pagar as prestações, bem como para a construção, as irmãs faziam longos serões, confeccionando paramentos para uma fábrica de São Paulo. Naturalmente que a Divina Providência sempre veio em auxílio, através de amigos e benfeitores. Particularmente, Frei Rogério Neuhaus, OFM, de santa memória. Em tempos de grandes necessidades, pudemos contar, mais especificamente, com muitos outros frades, nomeadamente, Frei Heliodoro Müller, Frei Leovigildo Balestiere, Frei Fortunato Sturm, Frei Bernardo Hoelscher, Frei Eckart Höfling, e todos os nossos padres guardiães do Convento Santo Antônio, nas últimas décadas, têm sido muito atenciosos e solícitos: Frei Edgar Weist, Frei Ivo Theiss, Frei Clarêncio Neotti e Frei José Pereira.
As Irmãs Pobres de Santa Clara, em fidelidade à santa pobreza, vivem cada dia como as aves do céu e os lírios do campo, totalmente entregues à Providência do Pai, que a todos sustenta e ampara com ternura. É verdadeiro milagre do bom Deus. Trabalham, como todos os pobres, para ganhar o pão de cada dia, e, quando lhes é possível, seguindo a perfeição evangélica, partilham com os mais necessitados as doações que recebem.

Site Franciscanos – Como é feito o trabalho vocacional para a vida contemplativa?
Madre Maria Pacífica – Jesus disse: “Vinde e vede!”. Não temos fórmula pronta! Costumo dizer que cada vocação é um romance divino! O saudoso Frei Desidério Kalverkamp dizia que é necessário conviver para saber. Temos um folder vocacional bem simples. Normalmente, as candidatas têm um primeiro contato por e-mail, carta, ou telefone. Ao responder convidamos para conhecer o Mosteiro, passar um dia, rezar com as irmãs, conversar. Assim vamos nos conhecendo e podemos ter noção se há sinais autênticos de vocação. Quando a jovem já participa de encontro vocacional, tem orientação de um diretor espiritual, ou do pároco, fica mais fácil. Vamos dando a conhecer o carisma através de colóquios, de livros. Assim vamos acompanhando e, conforme o desenvolvimento de cada uma, marcamos o ingresso. Depois, são 6 anos de formação, tempo suficiente para discernir, aprofundar, decidir e a comunidade saber se a candidata está apta.

Site Franciscanos – Como a vida contemplativa se relaciona com o mundo virtual?
Madre Maria Pacífica – Praticamente é só o estritamente necessário. Temos apenas um site e um e-mail que serve também para divulgar nossa Ordem e nossos trabalhos. Agora, também por questões de economia, aceitamos um celular com whatsapp. Para falar com médicos, resolver assuntos urgentes, facilita muito. Muitas pessoas nos escrevem pedindo orações pelo site, por e-mail ou pelo whatsapp. Na medida do possível, respondo, tendo duas irmãs que ajudam na Secretaria. Se não há uma necessidade maior, abrimos e-mail pela manhã e à noite; respondemos o que é possível, e colocamos junto aos demais pedidos de intercessão. Usamos a internet para pesquisas, no tocante à formação. Acompanhamos um pouco os pronunciamentos e todas as viagens do Papa. Diariamente, abrimos o site da Província da Imaculada para enriquecer-nos com a espiritualidade e ter conhecimento das notícias, já que devemos estar sempre na intercessão pelos irmãos. No mais, preferimos estar conectadas com o mundo espiritual.

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Site Franciscanos – Como a Sra. define a Vida Contemplativa?
Madre Maria Pacífica – A Mãe Santa Clara apresenta Jesus como um Espelho. No Testamento escreve que “o próprio Filho de Deus fez-se para nós o Caminho e foi este Caminho que nosso bem-aventurado Pai São Francisco nos ensinou por palavras e exemplos. Penso que a vida contemplativa é espelhar-se nesse Modelo; seguir o Mestre, observar seus mandamentos, viver com Ele e Nele! É acessível para todos! Costumo escrever para as postulantes quando chegam, em forma de oração: “Pensai em mim, Jesus … É viver em Cristo Jesus, nosso adorável e muito amado Salvador”.

Site Franciscanos – Concluindo, deixe-nos uma mensagem sobre este Jubileu e a importância da espiritualidade clariana para o mundo de hoje.
Madre Maria Pacífica– Celebrar um Jubileu, como tempo de graça, é sempre um chamado à renovação. Esta é a graça que peço para nossa comunidade, a fim de que possamos testemunhar ao mundo de hoje a alegria do Evangelho do Amor misericordioso de Jesus.
A espiritualidade clariana para o mundo de hoje é o que foi no século XIII. No mundo de então havia guerras, injustiças, cobiça, desamor, rivalidades, etc. Clara fez a sua parte. Escolheu viver o Evangelho. E tornou-se uma fonte cristalina no seio da Igreja. Quebrou o vaso de alabastro de seu corpo frágil, na oração, penitência e recolhimento do seu Mosteiro e seu perfume inundou toda a Igreja. A humanidade contemporânea sofre dos mesmos males. Está farta de belos discursos. Acredito que a importância de nossa espiritualidade é marcada na medida em que nos esforçamos para viver com maior autenticidade nossa vocação. Somos sinais de esperança para o mundo. Em seu encontro com as Clarissas, na Fazenda Esperança, em Guaratinguetá, o Papa Bento XVI nos pediu para sermos “embaixadoras da esperança!” É sendo o que a Igreja nos pede que cumpriremos nossa missão. “como sustentáculos dos membros frágeis e abatidos do Corpo Místico de Cristo”, como se expressa a Mãe Santa Clara.

Federação Sagrada Família

A Federação Sagrada Família teve seu início no Mosteiro Nazaré – Lages, no VI Encontro Oficial dos Mosteiros do Brasil, no período de 22 a 29 janeiro de 1989. O Encontro contou com a assistência de Frei Bernardo Hoelscher, ofm e Frei Desidério Kalverkamp, ofm; coordenação de Madre Maria Pacífica de Jesus Crucificado, osc (Gávea) e como secretária Irmã Maria Cecília (Porto Alegre).

GOVERNO ATUAL:
(Assembleia realizada dia 23 de outubro de 2019)
Presidente: Madre Maria Francisca – Mosteiro S. Damião – Porto Alegre/RS.
Primeira Conselheira: Madre Maria Auxiliadora do Pai Eterno – Mosteiro Frat. São Francisco De Assis – Mossoró/RN
Segunda Conselheira e Secretária: Irmã Isabela de Santa Maria dos Anjos – Mosteiro Mãe da Providência – Cascavel/PR
Terceira Conselheira: Madre Agnes Maria da Sagrada Família – Mosteiro Santíssima Trindade – Colatina/ES
Quarta Conselheira: Madre Francis Lara de Jesus Hóstia – Ceilândia / DF

MOSTEIROS FEDERADOS E FUNDAÇÕES

REGIONAL “NOSSA SENHORA DE NAZARÉ”:

– Mosteiro Nossa Senhora de Guadalupe – CAICÓ / RN
– Mosteiro Santa Clara – CAMPINA GRANDE / PB
– Mosteiro do Santíssimo Sacramento – CANINDÉ / RN
– Mosteiro Fraternidade São Francisco de Assis – MOSSORÓ / RN
– Mosteiro da Imaculada Conceição da Santa Mãe de Deus – FEIRA DE SANT’ANA / BA

REGIONAL “MENINO JESUS”:

– Mosteiro Nossa Senhora dos Anjos da Porciúncula – GÁVEA / RJ
– Mosteiro Santa Clara – NOVA IGUAÇU / RJ
– Mosteiro da Sagrada Face e Reparação – ARARUAMA / RJ
– Mosteiro Santíssima Trindade – COLATINA / ES
– Mosteiro Santa Clara – BELO HORIZONTE / MG
– Mosteiro Santa Clara – ANÁPOLIS / GO
– Mosteiro Santa Clara de Deus Trino – BRAZLÂNDIA / DF

REGIONAL “SÃO JOSÉ”:

– Mosteiro São Damião – PORTO ALEGRE / RS
– Mosteiro Nazaré – LAGES / SC
– Mosteiro Mãe da Providência – CASCAVEL / PR
– Mosteiro Santa Maria dos Anjos – DOURADOS / MS
– Mosteiro Maria Imaculada – MARÍLIA / SP
– Mosteiro Mater Christi – GUARATINGUETÁ / SP

Missa de Santa Clara

Letra: dos Escritos de Santa Clara
Adaptação métrica e Música de  Frei José Luiz Prim

1 – ENTRADA
1. “Plantinha do nosso santo pai Francisco”
Quisestes chamar-vos com graça e ternura.
No caminho estreito seguistes o Cristo
Humilde e pobre e de coração puro.
Refr.: Senhor, vos louvamos por nossa mãe Clara,
Porque de Francisco seguindo o exemplo
Em Santa Maria  dos Anjos prostrada
Entregou sua vida a Vós consagrada.
2. Deus vos enfeitou com as gemas mais lindas.
Vos deu a coroa de ouro marcada
Com a santidade, sinal dos eleitos
E vos recebeu em sua santa morada.
3.  A grande  humildade e a força da fé
Bem como os braços da alta pobreza
Levaram a esposa de Cristo a abraçar
Tesouro escondido de rara beleza.
4. Que troca melhor e o que  mais louvável?
Deixar deste mundo as honras terrenas
Pra então receber esperadas  riquezas:
Do céu recompensa e a vida perene.

 

2. – ATO PENITENCIAL
Cel.: Ame com todo coração a Deus e a seu Filho Jesus, crucificado por nós pecadores, sem permitir que se ausente de sua recordação. Trate de meditar sempre nos mistérios da cruz e nas dores de sua Santa Mãe, que estava ao pé da cruz. (Pausa)
Recitado:
Cel. –  1 – O homem, pela tentação das glórias passageiras e falazes, tenta aniquilar o que é maior que o céu – a vida interior em Deus, que nele habita. Por isso pedimos perdão.
Cantado: Senhor, tende piedade de nós.
2 –  O orgulho causa a perdição da natureza humana e a vaidade torna estultos os corações. Por isso pedimos perdão.
Cristo, tende piedade de nós.
3 – Muitos perdem a cabeça com as imagens vazias do mundo enganador. Outros são envolvidos pela amargura e o desânimo. Por isso pedimos perdão.
Senhor, tende piedade de nós.
Cel.: – Deus todo poderoso tenha compaixão de nós, perdoe os nossos pecados e nos conduza à vida eterna.
Todos: Amém.

 

HINO DE LOUVOR:  À escolha.

3. – SALMO DE RESPOSTA  (Sl 44)
Refrão: Eis que vem o esposo / ide ao encontro do Cristo Senhor.
1. Escutai, minha filha, olhai, ouvi isto:
“Esquecei vosso povo e a casa paterna!
Que o Rei se encante com vossa beleza!
Prestai-lhe homenagem: é  vosso Senhor!
2. O povo de Tiro vos traz seus presentes.
Os grandes do povo vos pedem favores.
Majestosa, a princesa real vem chegando,
Vestida com ricos brocados de ouro.
3. Em vestes vistosas ao Rei se dirige,
E as virgens amigas lhe formam cortejo;
Entre cantos de festa e com grande alegria,
Ingressam então no palácio real ”.

 

4. – ACLAMAÇÃO AO EVANGELHO
Aleluia, aleluia, aleluia.
V/ –  Vinde, vós que sois / esposa digníssima de Jesus Cristo, / e  por isso rainha nobilíssima.

 

5. – CANTO DAS OFERENDAS
Refrão: Esta é a sublimidade
Da altíssima pobreza
Que vos fez do céu herdeiras:
Contemplai esta riqueza.
1. Pobres sois , não tendes bens,
Sublimadas em virtudes.
Consagradas como ofertas
Proclamai: “Meu Deus, meu tudo”.
2. Esta é a forma de vida
Que Francisco nos doou:
Viver a santa pobreza
Que aos eleitos coroou.
3. Esta é  a santa oferta
Que por Deus sempre é querida.
Ao Amor, vocação certa,
Consagramos nossa vida.

 

6. – CANTO DE COMUNHÃO
Refrão: Abrace o Cristo pobre,
Você, de estirpe nobre.
E não perca de vista
Seu ponto de partida.
1.   Jesus é o esplendor,
Do Pai eterno a glória.
Seu brilho, puro amor
Já é nossa vitória.
2. Quem  ama o Cristo é casto
E quem o toca é limpo.
O seu poder é forte
Sua graça, elegante.
3. Pois Ele tem beleza
Que sol e lua admiram.
Seus prêmios todos
grandes
São belos, preciosos.
4. Esta doçura infinda
Por Deus foi escondida,
Por Ele reservada
Pra aqueles que O amam.
5. Na Santa Eucaristia
Encontro meu Esposo.
Ele é minha alegria
E meu eterno gozo.
6  Um dia,  que perigo!
Invade o inimigo.
Mas o Cristo apresento
E fogem como vento.
7.  Coloque a sua alma
No esplendor da glória.
Transforme-se inteira
Pela contemplação.
8.  Olhe bem no espelho
Que é o próprio Cristo
E sempre veja nele
Seu rosto que é bem-quisto.
9. Pois nele resplandecem
Pobreza e humildade,
Amor do próprio Deus
Infinda caridade.
10. Contemple este espelho
Por toda a eternidade.
E no esplendor da glória
Feliz seja em verdade.

 

7. – LOUVOR FINAL
1. Seja pois fiel pra sempre
Pois está comprometida.
Será Ele  a coroá-la
Ao chegar à eterna vida.
2.  Aqui, nossa dor é breve
No além, o prêmio eterno.
Cristo que deu o começo
Acompanha de olhar terno.
3. E contemple apaixonada
Obra que já começou.
Não será abandonada:
Deus por filha a adotou.

 

8. –  CANTANDO COM CLARA DE ASSIS
Para celebrações, meditações e encontros
1. Ao Crucificado bem firmes servi
Pois lhe consagrastes vosso amor ardente.
Por nós suportou a paixão e a cruz
Venceu o inimigo e levou-nos à frente.
2. Tomemos cuidado, portanto porque
Se em Cristo escolhemos o caminho estreito
Não nos afastemos por qualquer motivo,
Nem por nossa culpa, nem passo mal feito.
3. Bem-aventurada é a santa pobreza
Pois aos que a amam, àqueles que a abraçam,
Concede o Pai a eterna riqueza
A glória e a vida que nunca mais passam.
4. Sabeis que o Reino dos Céus Deus promete
Àquele que é pobre e  que nele confia.
Pois quando amamos as coisas do mundo
Perdemos o tempo e o dano é profundo.
5. Só uma das coisas nos é necessária,
E esta confirmo pro seu bem viver.
Esposa escolhestes ser de Jesus Cristo,
E assim sois rainha de nobre saber.
6. Desprezível veja como Ele se fez
Por você e todos que o amor  seduz.
Agora você desprezível se faça
E o siga no duro caminho da cruz.
7. E  com o desejo de só imitá-lo
Contemple, observe seu querido esposo
Ele é o mais belo dos filhos dos homens
E para salvá-la aceitou forma vil.
8. E por nós ferido ele foi desprezado
Seu corpo chagado por nós entregou
Na cruz imolado por nossos pecados
Tormentos horríveis por nós suportou.
9. Com ele sofrer é com ele reinar.
Quem chora, com ele se vai  alegrar.
Com ele na cruz e na tribulação
Terá recompensa e a celeste mansão.
10. Porque os bens terrenos que são transitórios
Deixando-os no mundo você desprezou,
Terá sua parte no reino da glória
Pois bens já maiores você conquistou.
11. Seguir com valor da virtude os caminhos
A Deus entregar fielmente a promessa.
Olhar para o céu, aceitar os espinhos,
Seguindo o caminho de Cristo depressa.
12. Verdade, me alegro, e agora ninguém
A minha alegria vai poder tirar.
Porque já alcancei  este meu maior bem:
Ser a sua Esposa e só  Ele amar.

9. – CONTEMPLANDO COM CLARA DE ASSIS
Para celebrações, meditações e encontros
1. Conserve o que tem
Faça o que está fazendo
Em rápida corrida
Com passo bem ligeiro.
2. E se alguém quiser
Desviá-la do caminho,
Do Deus que a tem chamado:
Não siga o seu conselho.
3. Mas em ninguém confie,
E não consinta em nada
Se alguém quer afastá-la
Dessa proposta amada.
4. Contemple seu espelho
Por toda a eternidade.
No esplendor da glória
Feliz seja em verdade.
5. Preste muita atenção
No começo do espelho:
Contemple a  pobreza
De quem ‘stá  no presépio.
6. Que grande humildade
Eloquente pobreza:
O Rei dos Anjos pobre
Repousa em manjedoura.
7. No meio do espelho
Contemple a humildade
A vida em pobreza
De quem pregava o Reino.
8. “Raposas têm suas tocas
E as aves têm seus ninhos.
Mas o Filho do Homem
Sem nada no caminho.”
9. E no fim desse espelho
Contemple a caridade
Com que quis padecer
Na cruz por nós pregado.
10. A todos que passavam
Deixava este clamor:
“Oh vinde, vede todos
Se há tamanha dor?”
11. E todos respondamos
Ao que gritando está:
“Quero lembrar-te sempre
Contigo desmaiar.”
12. E ame por inteiro
A quem se entregou
E inteiro por amor
A vida consumou.
13. Amando umas às outras
Com vossas boas obras
Vós mostrareis ao mundo
O vosso amor profundo.
14. E a Virgem, a Mãe santa
Que o Cristo ao mundo trouxe
Ensina e nos encanta:
Que o mundo inteiro a ouça.
15. Arrasta-me, Senhor
Atrás de teu amor.
Eu quero teu perfume
Esposo, meu amor.
16. E sempre vou correr
Atrás de ti, Senhor,
Até me introduzires
Na adega, em teu amor.
17. Então tua mão esquerda
Repousará em mim
Enquanto a direita
Abraça-me sem fim.
18. E em toda a eternidade
Terei felicidade
Porque meu bom Senhor
Será meu grande Amor.

Observações sobre esta Missa:

– Os escritos de Santa Clara de onde foi extraída a letra foram:
As Cartas a Santa Inês de Praga, o Testamento,  a Forma de Vida  (Regra) e a Legenda de Santa Clara.
– Muitos pensamentos que Clara dedicou a Santa Inês de Praga estão aqui dirigidos a ela mesma, devido às semelhanças de ideal e de vida.   
– As melodias e ritmos são inspirados em “constâncias da Música Brasileira”: cantigas de roda, toadas sertanejas, canções do folclore. Dali a “simplicidade franciscana” de certas melodias, que podem até parecer ingênuas. Mas o trabalho foi feito de forma consciente, pensando  também em facilitar o aprendizado.
– Foi respeitado o texto  original. Por isso  o tratamento das pessoas muitas vezes está na forma  feminina. Nada impede que a Missa seja cantada por fraternidades masculinas, bastando mudar o gênero de  adjetivos e pronomes, quando for o caso.

Pequeno Oratório de Santa Clara

Cecília Meirelles

SERENATA
UMA VOZ CANTAVA
 ao longe
entre o luar e as pedras.
E nos palácios fechados,
entregues às sentinelas,
– exaustas de tantas mortes,
de tantas guerras! –
estremeciam os sonhos
no coração das donzelas.
Ah! Que estranha serenata,
eco de invisíveis festas!
A quem se dirigiriam
palavras de amor tão belas,
tão ditosas
(de que divinos poetas?)
como as que andavam lá fora,
pelas ruas e vielas,
diáfanas, à lua,
graves, nas pedras…?

CONVITE
FECHAI OS OLHOS,
 donzelas,
sobre a estranha serenata!
Não é por vós que suspira,
enamorada…
Fala com Dona Pobreza,
o homem que na noite passa.
Por ela se transfigura,
– que é a sua Amada!
Por ela esquece o que tinha:
prestígio, família, casa…
Fechai os olhos, donzelas!
(Mas, se sentis perturbada
pela grande voz de noite
a solidão da alma,
– abandonai o que tendes,
e segui também sem nada
essa flor de juventude
que canta e passa)

ECO
CANTADA AO LONGE
 Francisco
jogral de Deus deslumbrado.
Quem se mirara em seus olhos,
seguira atrás de seu passo!
(Um filho de mercadores
pode ser mais que um figaldo,
Se Deus o espera
com seu comovido abraço…)
Ah! Que celeste destino,
Ser pobre e andar a seu lado!
Só de perfeita alegria
Levar repleto o regaço!
Beijar leprosos,
sem se sentir enojado!
Converter homens e bichos!
Falar com os anjos do espaço!
(Ah! Quem fora a sombra, ao menos,
desse jogral deslumbrado!)

CLARA
VOZ LUMINOSA
 da noite,
feliz de quem te entendia!
(Num palácio mui guardado,
levantou-se uma menina:
já não pode ser quem era,
tão bem guarnida,
com seus vestidos bordados,
de veludo e musselina;
já não quer saber de noivos:
outra é a sua vida.
Fecha as portas, desce a treva,
que com seu nome ilumina
Que são lágrimas?
Pelo silêncio caminha…)
Um vasto campo deserto,
a larga estrada divina!
Ah! Feliz itinerário!
Sobrenatural partida!

FUGA
ESCUTAI
, nobres figalgos:
a menina que criates
é uma vaga sombra
fora de vossa vontade
livre de enganos
e traves.
É uma estrela que procura
outra vez a Eternidade!
Despida de suas jóias
e de seus faustosos trajes,
inclina a cabeça
com terna humildade.
Cortam-lhe as tranças:
ramo de luz nos altares.
Mais clara do que seu nome,
no fogo da Caridade,
queima o que fora e tivera:
– ultrapassa a que criates!

PERSEGUIÇÃO
JÁ PARTIRAM
 cavaleiros
no encalço da fugitiva.
– Não rireis, ó mercadores,
não rireis da fidalguia!
Iremos buscá-la à força,
morta ou viva!
(Dão de esporas aos cavalos,
entre injúria e zombaria,
com os olhos acesos de ira.
– Não leveis a mão à espada!
Grande pecado seria!)
E vem a monja.
Só de renúncias vestida!
Ah! Clara, se não falasses,
Quem te reconheceria?
Para onde vais tão sem nada,
Nessa alegria?

VOLTA
VOLTARAM
 os cavaleiros
com grande espanto na cara.
Palácios tristes…
Inútil espada…
Que grandes paixões ocultas
nas altas muralhas!
Pasmado, o povo contempla
aquela chegada…
(Longe ficara a menina
que servir a Deus sonhara,
de glórias vãs esquecida,
da família separada.
Força nenhuma
a seus votos se arrancara.
Aos pés de Cristo caía:
não desejava mais nada.)
Olhavam-se os mercadores,
com grande espanto na cara.

VIDA
DO PANO 
mais velho usava.
Do pão mais velho comia.
Num leito de vides secas,
e de cilícios vestida,
em travesseiro de pedra,
seu curto sono dormia.
Cada vez mais pobre
tinha de ser sua vida,
entre orações e trabalhos
e milagres que fazia,
a salvar a humanidade
dolorida.
Mãos no altar, a acender luzes,
pés na pedra fria.
Humilde, entre as companheiras;
diante do mal, destemida,
Irmã Clara, em seu mosteiro,
tênue vivia.

MILAGRES
UM DIA 
veio o Anticristo,
com seus cavalos acesos.
Flechas agudas,
na aljava de cada arqueiro.
Vêm matar e arrasar tudo,
com duros engenhos.
“Irmã Clara, vede, há escadas
sobre o muro do mosteiro!
Soldados de ferro!
Negros sarracenos!”
(Tomou da Hóstia consagrada,
rosto de Deus verdadeiro,
– levantou-a no alto
do parapeito…)
E, na cidade assaltada,
Não se viu mais um guerreiro:
ou fugiram a cavalo
ou caíram de joelhos.

FIM
JÁ QUARENTA ANOS
 passaram:
é uma velhinha, a menina
que, por amor à pobreza,
se despojou do que tinha,
fez-se monja,
E foi com tanta alegria
servir a Deus nos altares,
E, entre luz e ladainha,
Rogar pelos pecadores
em agonia.
Já passaram quarenta anos:
e hoje a morte se avizinha.
(tão doente, o corpo!
A alma, tão festiva!
Os grandes olhos abertos
uma lágrima sustinham:
não se perdesse no mundo
o seu sonho de menina!)

VOZ
E A NOITE INTEIRA
, baixinho
murmurara:
“Levas bom guia contigo,
Não te arreceies de nada:
guarde-te o Senhor nos braços,
– e em seus braços estás salva!
Bendito e louvado seja
Deus, por quem foste criada!…”
E nesse falar, morria
Irmã Clara,
Tão feliz de ter vivido,
tão de amor transfigurada,
que era a morte no seu rosto
como a estrela dalva.
(“Com quem falais tão baixinho,
Bem-aventurada?”
“Com minha alma estou falando…”)
Ah! Com sua alma falava…

LUZ
POR UM SANTO
 que encontra,
há tanto tempo,
alegremente deixara
o mundo, de estranho enredo,
Para viver pobrezinha,
No maior contentamento,
longe de maldades,
Livre de rancor e medo,
A vencer pecados,
A servir enfermos…
Já está morta. E é tão ditosa
como quem sai de um degredo.
O Papa Inocêncio IV
põe-lhe o seu anel no dedo.
Cardeais, abades, bispos
Fazem o mesmo.
(Mais que as grandes jóias, brilha
seu nome, no tempo!)

GLÓRIA
JÁ SEUS OLHOS
 se fecharam.
E agora rezam-lhe ofícios.
(Tecem-lhe os anjos grinaldas,
No divino Paraíso.
“Pomba argêntea!” – cantam.
“Estrela claríssima!”)
– Irmã Clara, humilde foste,
Muito além do que é preciso!…
– O Caminho me ensinaste:
o que fiz, foi vir contigo…
(Assim conversam, gloriosos,
Santa Clara e São Francisco.
Cantam os anjos alegres:
Vede o seu sorriso!)
Que assim partem deste mundo
os santos, com seus serviços.
Entre os humanos tormentos,
são exemplo e aviso,
Pois estamos tão cercados

De ciladas e inimigos!
“Santa! Santa! Santa Clara!”
os anjos cantam.
( E aqui com Deus, finalizo)

“Pequeno Oratório de Santa Clara”, Cecília Meirelles. Obra Poética, Rio de Janeiro. Companhia José Aguiar Editora. 1967 2ª ed., p623-631.

Oração a Santa Clara

Clara, coração transbordante,
acende a alegria.

Clara, louca de amor,
orienta a nossa ternura.

Clara, de nome e de vida,
guia-nos na noite.

Clara, fervor do Espírito,
dissipa nossos temores.

Clara, candeia sobre a mesa,
une-nos em família.

Clara, dos olhos límpidos,
tira o pó de nossas pálpebras.

Clara, mãe e irmã,
Roga por nós.
Roga por estas mãos
que por vezes se equivocam.
Roga por estes olhos
que por vezes se fecham.
Roga por este coração
que não ama como deveria.

Clara, mãe e irmã
roga pela paz que nos falta,
pela esperança que não temos
pela alegria que se esvai.

Clara, mãe e irmã,
roga ao Senhor para que nos conceda
o dom da fidelidade
e o dom de novos irmãos e novas irmãs.

Frei José Rodríguez Carballo, Ministro Geral da OFM

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