Carisma - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

São Pedro Alcântara

São Pedro de Alcântara

Frei Pedro nasceu em Alcântara (Cáceres, Espanha) em 1499. Filho de Alonso Garabito e de Maria Vilela, recebeu no batismo o nome de Juan de Sanabria. Depois de três anos de estudos em Salamanca (1511-1515), entrou na Ordem Franciscana, na Custódia do Santo Evangelho (1516), que mais tarde, em 1520, se converteria em Província de São Gabriel. Em Majarretes (Badajoz), lugar de seu noviciado, nasceu um novo homem: Juan de Sanabria se transformou em Pedro de Alcântara.

Pouco depois, em 1519, um pouco antes de ser ordenado sacerdote, foi enviado como superior para fundar o Convento de Badajoz. Completados os estudos de filosofia, teologia, direito canônico, moral e homilética, conforme as determinações da época, foi ordenado sacerdote em 1524. Tornou-se superior em Robledillo, depois em Placencia e novamente em Badajoz, até que em 1532 obteve permissão para recolher-se a uma vida mais contemplativa no convento de Santo Onofre da Lapa. Em 1538 foi eleito Ministro Provincial da Província de São Gabriel.

São Pedro de Alcântara no
altar-mor do Convento São Francisco (SP)

Durante o período em que foi ministro provincial redigiu para seus religiosos estatutos muito severos, aprovados no Capítulo de Placencia, em 1540. Mas o começo de sua reforma teve lugar em 1544 quando, com o consentimento de Julio III, retirou-se para a pequena igreja de Santa Cruz de Cebollas, próximo de Coira. Em 1555 construiu o célebre convento de Pedroso, seguido de outros. A partir deste momento, a reforma prosperou amplamente e, em 8 de maio de 1559, obteve a aprovação de Paulo IV, que permitiu sua difusão também no exterior.

Pedro de Alcântara, com sua reforma, queria trazer de volta a Ordem Franciscana à genuína observância da Regra. Mediante a suma pobreza, a rígida penitência e um sublime espírito de oração alcançou os mais altos graus de contemplação e pode atrair numerosos franciscanos por aquele caminho de reforma que se propunha fazer reviver em seu século o franciscanismo dos primeiros tempos.

Foi confessor e diretor espiritual de Santa Teresa de Ávila e ajudou na reforma da Ordem Carmelita. Santa Teresa escreveu sobre ele: “Modelo de virtudes era Frei Pedro de Alcântara! O mundo de hoje já não é capaz de uma tal perfeição. Este homem santo é de nosso tempo, mas seu fervor é forte como de outros tempos. Tem o mundo a seus pés. Que valor deu o Senhor a este santo para fazer durante 47 anos tão rígida penitência!”.

Depois de uma grande atividade eremítica e apostólica, morreu em Arenas de San Pedro (Ávila), no dia 18 de outubro de 1562, aos 63 anos. Em 1622 foi beatificado por Gregório XV e, em 1669, foi canonizado por Clemente IX. Em 1826 foi declarado Padroeiro do Brasil.


Imagem maior: São Pedro de Alcântara (Museo de El Greco, Toledo,(Wikimedia Commons) 

“Para dentro e para fora da Ordem”

Sua vida tem duas vertentes bem diferenciadas e, ao mesmo tempo, complementares: para dentro e para fora da Ordem. Para dentro, foi homem de governo, desempenhando o ofício de guardião, mestre de noviços, definidor provincial e ministro provincial; e reformador da vida franciscana em seus aspectos fundamentais. Para fora, foi homem de conselho e de discernimento, acompanhando espiritualmente homens e mulheres que, sabedores de sua santidade e vida espiritual, a ele recorriam: Carlos V, que o chamou a Yuste para falar de sua alma; reis e infantes de Portugal; condes de Oropesa; Rodrigo de Chaves, a quem dedicou seu Tratado da oração e meditação; Santa Teresa de Ávila e São Francisco Borja.

Frei Pedro viveu um momento histórico, um tempo marcado por intensa inquietude espiritual e grande desejo de renovação de vida. Tempo, como diz um cronista da época, “em que todo o mundo queria entrar no paraíso”. Eram tempos carregados de intensa vida eclesial: celebração de dois Concílios ecumênicos: o Latrão V e o de Trento; três anos santos: o de 1500, com Alexandre VI, o de 1525, com Clemente VII, e o de 1550, com Júlio III; nascimento de numerosas Ordens religiosas: mínimos, barnabitas, teatinos, jesuítas, irmãos de São João de Deus, ursulinas. Tempos de grandes iniciativas missionárias, particularmente na América por obra dos mendicantes, e na Ásia, pelos jesuítas. Eram tempos também de grandes reformas ao interno da Igreja, particularmente a reforma teresiana, e de muitas outras reformas contra a Igreja: a de Martinho Lutero, na Alemanha; a de Henrique VIII, na Inglaterra e Irlanda; a de Calvino, na Escócia; a da igreja nacional na Holanda.

A Ordem dos Frades Menores participou plenamente dessas ânsias de profunda renovação e de dinamismo missionário: início da reforma capuchinha; fortaleceu-se o trabalho missionário da Ordem no Novo Mundo, iniciado pelos chamados “XII Apóstolos”, que saíram para o México em 1523, renovou-se e cresceu com a chegada de mais 150 missionários; na Espanha consolidou-se a reforma dos descalços, iniciada por Frei Juan de Puebla e Frei Juan de Guadalupe e estruturada definitivamente por Frei Pedro de Alcântara com suas Ordenações. Uma reforma que logo se estendeu pela Espanha inteira, Portugal, Brasil, México e Filipinas e que tinha como motor a “estreitíssima observância” da Regra Bulada de São Francisco, lida à luz do Testamento, sem glosas nem comentários acomodatícios.

Como Provincial, Frei Pedro entregou-se aos ofícios humildes, dedicou-se com carinho aos irmãos leigos. Cuidou dos doentes e adotou como lema de sua vida o pensamento de São Pascoal Bailón: “É preciso ter para com Deus um coração de menino, para com o próximo um coração de mãe, e para consigo mesmo um coração de juiz.”

A espiritualidade de São Pedro de Alcântara era de uma profundidade tão grande, que sem interromper a contemplação dedicava-se aos seus deveres de estado. Acima de todos os êxtases ele colocava as obras de misericórdias, o servir Cristo na pessoa dos pobres. Frei Pedro escreveu o “Tratado da Oração e Meditação”.

Frei Pedro foi testemunha privilegiada de todos esses acontecimentos e participou ativamente em muitos deles. Apesar de seu gosto pela solidão e pela oração, não se recusou aos pedidos de conselho e orientação que pequenos e grandes, nobres e plebeus, santos e pecadores lhe faziam para se sentirem seguros nos caminhos da santidade.

São Pedro, consciente de que no seguimento de Cristo nunca se pode dizer que se tenha alcançado a meta e que sempre se pode bater o próprio recorde, se lançou atrás da mais alta santidade, sem olhar o preço que isso lhe pudesse custar, atraindo a si os que, como ele, se sentiam inquietos e desejosos de alcançar a perfeição. No momento em que muitos de seus conterrâneos se lançavam à descoberta e conquista de novos mundos e glórias humanas, Frei Pedro de Alcântara, como um dia fizeram Paulo de Tarso e Francisco de Assis, deixou tudo para ganhar Cristo e viver nele (cf. Fl 3,8).

Sua memória histórica continua viva por onde passou: El Palancar (Cáceres), lugar despojado, rico de solidão e recolhimento, pedra angular de sua reforma, modelo e referência de todas as outras fundações. Frei Pedro, que considerava a alegria espiritual “remo sem o qual não se pode navegar”, começou aqui a última etapa de sua vida; Arrábida, em Portugal, experiência de vida penitente e contemplativa, na qual o importante era manter vivo o “espírito de oração e devoção” com gestos concretos, com a busca intensa da presença de Deus, com “a mente e o coração voltados para o Senhor” (Rnb 22,19); Solitudine, em Piedimonte Matese (Itália), lugar de rigoroso silêncio, de intensa oração e penitência; Arenas de San Pedro (Ávila), com suas ermidas e capelas para recolhimento e solidão orante, onde repousam os restos mortais deste homem que, apesar de sua “áspera penitência – no dizer de Santa Teresa era muito afável… e de privilegiada inteligência”.

Frei Giacomo Bini, então Ministro Geral da OFM, em outubro de 1999, por ocasião do V Centenário de Nascimento de São Pedro de Alcântara.

Atualidade de São Pedro de Alcântara

Pode um homem como São Pedro de Alcântara dizer-nos alguma coisa a nós, que fazemos parte de uma sociedade que não gosta de perguntas, e muito menos de respostas, sobre o único necessário? Pode um homem como Pedro de Alcântara, em cuja vida se manifesta “suma pobreza, profunda humildade, desprezo e afastamento de tudo o que parecesse estar sendo dado de presente, comodidade pessoal e temporalidade” , dizer alguma coisa aos homens do final deste século e particularmente a nós, frades menores?

Apesar da distância, que aparentemente parece existir entre São Pedro de Alcântara e nós, há aspectos de sua vida extremamente atuais. Entre todos, quero sublinhar três: homem de profunda contemplação, homem de constante busca e discernimento, homem a serviço dos outros como mestre espiritual.

1) Homem de profunda contemplação

São Pedro de Alcântara é um homem de Deus, é um gigante do espírito, porque deixou Deus crescer nele. A oração e a contemplação são o selo, o fundamento, a alma, o coração … é o tudo de sua vida. O espírito de oração e devoção constitui a grande prioridade – qualitativamente falando – do projeto de vida da reforma alcantarina: tudo está em função dela e a seu serviço. A penitência e a mortificação encontram seu sentido mais profundo como disposição para uma oração confiante de abandono, na qual o ser humano se coloca por completo nas mãos de Deus. Sua grande atividade apostólica brota da profunda comunhão com Deus, nascida e alimentada pela “oração de mais horas”. Este primado qualitativo, porém, traz consigo também o primado prático da oração. Esta há de ser a primeira ocupação e preocupação dos Irmãos.

Os homens de hoje, sobretudo nós frades menores, como São Pedro de Alcântara, precisamos redescobrir a beleza do “coração e mente voltados para o Senhor”. O mundo de hoje, marcado por um ateísmo favorável ao religioso, está nos pedindo aos gritos que sejamos testemunhas de Deus, que criemos lugares de experiência de Deus. Nosso futuro dependerá, em grande parte, da capacidade de testemunhar aos outros a presença de Deus. Como nos preparamos, pessoal e comunitariamente, para esse futuro? Como respondemos à vocação de sermos testemunhas de Deus numa sociedade marcada pela secularização?

2) Homem em constante busca e discernimento

Pedro de Alcântara foi um homem em caminho, “peregrino e forasteiro” (1Pd 2,11), não só em sentido físico, mas também, e sobretudo, por sua constante atitude de discernimento e de busca da vontade do Senhor. Porque foi pobre e livre, viveu sempre e inteiramente disponível para o Senhor; porque experimentou a eficácia libertadora da pobreza, se sentiu sempre itinerante, disposto a abandonar atividades, ofícios e estruturas que não respondiam à sua vocação de frade menor.

Os homens de hoje, particularmente os frades menores, precisamos recuperar a liberdade que a pobreza nos dá; recomeçar a itinerância que estimula a criatividade; reacender o anseio pela pátria que nos força a deixar estruturas envelhecidas; abandonar seguranças que nos amarram e certezas que nos imobilizam. Como São Pedro de Alcântara, o discernimento do que o Senhor nos está pedindo aqui e agora há de ser a nossa constante preocupação. Não basta sermos fiéis: o Senhor nos pede uma fidelidade criativa. São Pedro de Alcântara nos ensina a viver abertos àquilo que o Espírito nos pede hoje para sermos fiéis a Cristo, que nos chamou, fiéis a Francisco, que é nosso modelo no seguimento, fiéis ao homem de hoje, a quem temos de testemunhar, com palavras e obras, “que só Ele é onipotente” (CtaO 9).

3) Homem a serviço dos outros como mestre espiritual

São Pedro de Alcântara foi um homem que pôs a serviço dos outros os dons que tinha recebido do Senhor. Um homem em quem a graça do Senhor não foi vã e que fez frutificar os talentos recebidos não só em próprio benefício, mas também em favor dos outros, ajudando a todos que lhe pediam conselho nas coisas que agradam ao Senhor.

São Pedro de Alcântara foi um grande mestre espiritual, porque foi um homem de Deus. Ensinou os caminhos de Deus a partir de sua experiência de Deus. Teresa, a grande, disse de Frei Pedro: “Desde o começo vi que me entendia por experiência própria, e isto era tudo o de que eu precisava … ” E isto, porque “da vida de perfeição – afirma ainda Santa Teresa na sua Autobiografia – só se pode falar com aqueles que a vivem”. Só quem vive na luz pode “iluminar tudo”. Só pode comunicar Deus quem nele vive.

No mundo de hoje há muitas pessoas, sobretudo jovens, que têm grande fome de Deus. Cabe a nós saciar essa fome a partir de uma profunda experiência daquele que é amor. Cabe a nós conduzi-los aos poços de água viva para saciar sua sede de eternidade. Cabe a nós acompanhá-los para que descubram que aquele, a quem buscam, caminha a seu lado; que aquele, por quem suspiram, pede para permanecer em sua casa.

Celebrar significa fazer memória, e fazer memória significa atualizar aquilo que celebramos e aquilo de que fazemos memória. Celebrar e fazer memória de São Pedro de Alcântara exige de todos nós colocar-nos a caminho para viver, encarnando-as em nosso tempo, as prioridades de seu projeto de vida, que não são diferentes das do projeto de vida de Francisco de Assis.

Isto é o que imploramos da Virgem Mãe, a quem invocamos com a mesma oração que lhe dirigia São Pedro de Alcântara: “Ó Virgem Santíssima, Mãe de Deus e Rainha do céu, Senhora do mundo, Sacrário do Espírito Santo, Lírio de pureza, Rosa de paciência, Paraíso de delícias, Espelho de castidade, Modelo de inocência! Rogai por estes pobres desterrados e peregrinos e derramai sobre eles as sobras de vossa superabundante caridade!”

Trecho da Carta do então Ministro Geral da OFM, Frei Giacomo Bini, em outubro de 1999, por ocasião do V Centenário de Nascimento de São Pedro de Alcântara.

O “Padroeiro do Brasil”

Logo após a Independência, Dom Pedro I entendeu que o Brasil precisava ter um santo padroeiro oficialmente autorizado pelo Papa, embora ele, Dom Pedro I, já tivesse feito a consagração do Brasil a Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida do Norte, em sua vinda de São Paulo para o Rio, logo após o 7 de Setembro. Assim, solicitou ao Papa que fizesse de São Pedro de Alcântara o Padroeiro do Brasil, tendo o Papa concordado.

Com a proclamação da República, São Pedro de Alcântara foi discretamente esquecido, provavelmente porque seu nome lembrava o dos imperadores e, além disso, mostrava o quanto havia de positiva ligação entre o Império e a religião. Porém, seu nome ainda continuou, por muito anos a ser lembrado nos missais mais tradicionais. E foi num destes missais, mais tradicionais, que se encontra a oração transcrita a seguir, a São Pedro de Alcântara, Padroeiro do Brasil, conforme consta no índice do missal citado (“Adoremus – Manual de Orações e Exercícios Piedosos” – Por Dom Frei Eduardo, O.F.M. – XX Edição Bahia – Tipografia de São Francisco – 1942).

Oração a São Pedro de Alcântara, Padroeiro do Brasil
(pág.284 do missal citado)

Ó grande amante da Cruz e servo fiel do divino Crucificado, São Pedro de Alcântara; à vossa poderosa proteção foi confiada a nossa querida Pátria brasileira com todos os seus habitantes. Como Varão de admirável penitência e altíssima contemplação, alcançai aos vossos devotos estes dons tão necessários à salvação. Livrai o Brasil dos flagelos da peste, fome e guerra e de todo mal. Restituí à Terra de Santa Cruz a união da fé e o verdadeiro fervor nas práticas da religião.
De modo particular, vos recomendamos, excelso Padroeiro do Brasil, aqueles que nos foram dados por guias e mestres: os padres e religiosos. Implorai numerosas e boas vocações para o nosso país. Inspirai aos pais de família uma santa reverência a fim de educarem os filhos no temor de Deus não se negando a dar ao altar o filho que Nosso Senhor escolher para seu sagrado ministério.

Assisti, ó grande reformador da vida religiosa, aos sacerdotes e missionários nos múltiplos perigos de que esta vida está repleta. Conseguí-lhes a graça da perseverança na sublime vocação e na árdua tarefa que por vontade divina assumiram.

Lá dos céus onde triunfais, abençoai aos milhares de vossos protegidos e fazei-nos um dia cantar convosco a glória de Deus na bem-aventurança eterna. Assim seja!

Oração

Ó Deus, que ilustrastes São Pedro de Alcântara com os donos de admirável penitência e de altíssima contemplação, concedei, por seus méritos, que, mortificados na carne, mereçamos participar dos bens celestes. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.