Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Solenidade de Todos os Santos

Solenidade de Todos os Santos

A Feira da Santidade

 

Frei Gustavo Medella

Imaginemos o Reino dos Céus como uma grande “Feira de Santidade”, os Santos seriam os feirantes que, em suas barraquinhas oferecem a quem passa um modo característico de servir a Deus. Na barraca dos Apóstolos, São Pedro e seus companheiros, além de peixe fresquinho, oferecem a graça e o privilégio de seguir o Cristo de carne, de partilhar o prato, as caminhadas, de ouvir o Mestre em viva voz. Na barraca dos mártires, de onde escorre o sangue deles mesmos, o grito corajoso da dor de quem foi fiel até o fim, com coragem e convicção.

Profetas e confessores se uniram numa só barraca, onde a voz se faz ouvir ao longe, dizendo o que deve ser dito a fim de que as pessoas se aproximem de Deus. Mais adiante uma barraca mais silenciosa, onde estudam, ensinam, leem e escrevem os Doutores da Igreja, que se empenham na bela tarefa de buscar as razões da fé e apresenta-las de modo cada vez mais acessível e sedutor.

Andando mais em nossa feira, a barraca dos pastores, gente de Igreja, Papas, bispos, padres, fundadores de ordens e congregações, mostrando que o caminho institucional também pode ser um percurso de santidade. Seguindo adiante, uma série de barracas, com cores, sabores e culturas diferentes, dos santos e santas que inspiraram as famílias carismáticas, buscando encarnar o testemunho de Cristo em diferentes épocas e sob diferentes perspectivas, no cuidado aos doentes, na acolhida dos pobres, no olhar atento aos órfãos e abandonados, na vida de oração mais recolhida, na educação da juventude, na pregação da Palavra de Deus. Ali encontramos Bento, Francisco, Domingos, Inácio de Loyola, Bosco, Teresas diversas, de Ávila à de Calcutá, Paulina, Dulce etc.

Existem ainda as barracas dos homens e mulheres simples, pais de família, profissionais exemplares que entregaram sua vida em favor do Reino.

Caminhando na Feira da Santidade, quando a estrada parece terminar, um novo caminho começa a se abrir pela frente. Novas barracas e feirantes começam a surgir. À medida que seguimos, também nós percebemos que podemos ter lugar nesta Feira que nunca termina.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas deste domingo

Primeira leitura: Apocalipse 7,2-4.9-14
Eu, João, 2vi um outro anjo, que subia do lado onde nasce o sol. Ele trazia a marca do Deus vivo e gritava, em alta voz, aos quatro anjos que tinham recebido o poder de danificar a terra e o mar, dizendo-lhes: 3“Não façais mal à terra, nem ao mar, nem às árvores, até que tenhamos marcado na fronte os servos do nosso Deus”. 4Ouvi então o número dos que tinham sido marcados: eram cento e quarenta e quatro mil, de todas as tribos dos filhos de Israel. 9Depois disso, vi uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, que ninguém podia contar. Estavam de pé diante do trono e do Cordeiro; trajavam vestes brancas e traziam palmas na mão. 10Todos proclamavam com voz forte: “A salvação pertence ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro”. 11Todos os anjos estavam de pé, em volta do trono e dos anciãos e dos quatro seres vivos, e prostravam-se, com o rosto por terra, diante do trono. E adoravam a Deus, dizendo: 12“Amém. O louvor, a glória e a sabedoria, a ação de graças, a honra, o poder e a força pertencem ao nosso Deus para sempre. Amém”. 13E um dos anciãos falou comigo e perguntou: “Quem são esses, vestidos com roupas brancas? De onde vieram?” 14Eu respondi: “Tu é que sabes, meu senhor”. E então ele me disse: “Esses são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro”.

Palavra do Senhor.


Sl 23(24)
É assim a geração dos que procuram o Senhor!
Ao Senhor pertence a terra e o que ela encerra, / o mundo inteiro com os seres que o povoam; /
porque ele a tornou firme sobre os mares / e, sobre as águas, a mantém inabalável. – R.

“Quem subirá até o monte do Senhor, / quem ficará em sua santa habitação?” /
“Quem tem mãos puras e inocente coração, / quem não dirige sua mente para o crime. – R.

Sobre este desce a bênção do Senhor / e a recompensa de seu Deus e salvador”. /
“É assim a geração dos que o procuram / e do Deus de Israel buscam a face.” – R.


Segunda leitura:  1 João 3,1-3
Caríssimos, 1vede que grande presente de amor o Pai nos deu: de sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos! Se o mundo não nos conhece, é porque não conheceu o Pai. 2Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos! Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é. 3Todo o que espera nele purifica-se a si mesmo, como também ele é puro.

Palavra do Senhor.


Bem-aventuranças: anseio por um mundo novo

Evangelho: Mt 5, 1-12

-* 1 Jesus viu as multidões, subiu à montanha e sentou-se. Os discípulos se aproximaram, 2 e Jesus começou a ensiná-los: 3 «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. 4 Felizes os aflitos, porque serão consolados. 5 Felizes os mansos, porque possuirão a terra. 6 Felizes os que têmfome e sede de justiça, porque serão saciados. 7 Felizes os que são misericordiosos, porque encontrarão misericórdia. 8 Felizes os puros de coração, porque verão a Deus. 9 Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. 10 Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu. 11 Felizes vocês, se forem insultados e perseguidos, e se disserem todo tipo de calúnia contra vocês, por causa de mim. 12 Fiquem alegres e contentes, porque será grande para vocês a recompensa no céu. Do mesmo modo perseguiram os profetas que vieram antes de vocês.»

* 5-7: O Sermão da Montanha é um resumo do ensinamento de Jesus a respeito do Reino e da transformação que esse Reino produz. Moisés tinha recebido a Lei na montanha do Sinai; agora Jesus se apresenta como novo Moisés, proclamando sobre a montanha a vontade de Deus que leva à libertação do homem.

* 5,1-12: As bem-aventuranças são o anúncio da felicidade, porque proclamam a libertação, e não o conformismo ou a alienação. Elas anunciam a vinda do Reino através da palavra e ação de Jesus. Estas tornam presente no mundo a justiça do próprio Deus. Justiça para aqueles que são inúteis ou incômodos para uma estrutura de sociedade baseada na riqueza que explora e no poder que oprime.

Os que buscam a justiça do Reino são os «pobres em espírito.» Sufocados no seu anseio pelos valores que a sociedade injusta rejeita, esses pobres estão profundamente convictos de que eles têm necessidade de Deus, pois só com Deus esses valores podem vigorar, surgindo assim uma nova sociedade.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

Todos os Santos 

Oração: “Deus eterno e todo-poderoso, que nos dais celebrar numa só festa os méritos de todos os Santos, concedei-nos por intercessores tão numerosos a plenitude da vossa misericórdia”.

  1. Primeira leitura: Ap 7,2-4.9-14

Vi uma multidão imensa de gente

de todas as nações, tribos, povos e línguas.

Quando o autor do Apocalipse escreve, os cristãos sofriam grandes perseguições por parte do Império Romano. O embate não se dá entre romanos e cristãos, mas entre o Império e seu imperador, simbolizados no dragão voraz, e o Cordeiro Imolado, Jesus Cristo. O vidente recebe a ordem de Cristo para escrever em seu livro “as coisas presentes e as que acontecerão depois”. No presente, um anjo, com “a marca do Deus vivo”, pede que os anjos exterminadores esperem até que ele tenha assinalado os que serão salvos, antes da batalha final do Cordeiro imolado contra o dragão voraz. O visionário, por sua vez, “vê” o triunfo final dos que estão vestidos de branco, porque “lavaram e alvejaram suas roupas no sangue do Cordeiro”. São 144 mil, 12 mil de cada tribo de Israel; são os mártires que deram testemunho da fé cristã pelo sacrifício da própria vida. Para o futuro, vê uma imensa multidão, representantes de nações, tribos, povos e línguas que participarão da vitória do Cordeiro ressuscitado.

Salmo responsorial: Sl 23

É assim a geração dos que procuram o Senhor.

  1. Segunda leitura: 1Jo 3,1-3 Veremos Deus tal como é.

O autor desta Carta se encanta com o “presente de amor que o Pai nos deu: de sermos chamados filhos de Deus” e o somos de fato. Viver conscientes dessa fé enche-nos de uma alegre esperança, porque “quando Cristo se manifestar, seremos semelhantes a ele, pois o veremos tal como ele é”. O caminho para chegarmos a esta comunhão com Cristo, o Filho de Deus, foi seguido pelos Santos. É o caminho das bem-aventuranças: “Bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus” (Evangelho). Para “ver a Deus” é preciso seguir o caminho de Jesus Cristo: aprender a vê-lo presente nos pobres, famintos, sedentos de justiça, perseguidos, presos injustamente, desabrigados e enfermos que necessitam de nosso amor (cf. Mt 25,31-40).

Aclamação ao Evangelho

    Vinde a mim, todos vós que estais cansados

            e penais a carregar pesado fardo,

           e descanso eu vos darei, diz o Senhor.

  1. Evangelho: Mt 5,1-12a

Alegrai-vos e exultai,

porque será grande a vossa recompensa nos céus.

Hoje, Festa de todos os Santos, o evangelista Mateus explicita nas bem-aventuranças o programa do Caminho a seguir nesta vida, para ganharmos a “grande recompensa nos céus (v. 10 e 12). Antes de tudo é preciso ter presente que “Reino dos Céus” em Mateus equivale a “Reino de Deus” em Marcos e em Lucas. Portanto, “Reino dos Céus” não se identifica com a recompensa final da vida eterna em Deus (cf. Mc 10,17-30). Antes, é o caminho que Jesus preparou para o cristão percorrer, aqui na terra, a fim de ganhar a vida eterna. Mateus escreve para cristãos de origem judaica. Por isso, em respeito à tradição judaica, evita pronunciar a palavra “Deus” e a substitui pela palavra “Céus”.

Entre os bem-aventurados Mateus cita três grupos (Raul Ruijs). O primeiro grupo é dos sofredores: os pobres, os aflitos, os mansos (humildes) e os que têm fome e sede de justiça (v. 3-6). O segundo grupo é dos que socorrem os necessitados do primeiro grupo: são os misericordiosos, os puros de coração e os que promovem a paz (v. 7-9). O terceiro grupo é composto pelos do primeiro e do segundo grupo, que vivem o projeto do Reino de Deus, anunciado e vivido por Jesus. São perseguidos porque são solidários com os pobres, os aflitos, os humildes e injustiçados e os defendem. São caluniados e perseguidos pelo simples fato de serem cristãos.

Não podemos pensar que a formulação de algumas bem-aventuranças no futuro signifique algo que Deus vai realizar, sem a nossa participação, somente na vida eterna. Deus enviou seu Filho ao mundo para nos trazer o Reino de Deus, o Reino que pedimos no Pai-Nosso. Jesus pôs em prática o programa deste Reino que veio anunciar. Quem quer seguir o caminho de Jesus deve assumir também o seu programa. Assim, os aflitos serão consolados quando nós os consolarmos. Os mansos possuirão a terra quando nós lutarmos com eles. Os que têm fome e sede de justiça serão saciados quando nós os ajudarmos. Os miseráveis e pobres alcançarão misericórdia quando nós tivermos compaixão deles. Os Santos que hoje festejamos seguiram o exemplo de Jesus e colocaram em prática as bem-aventuranças. Ele é o modelo para todos nós: “Jesus percorria todas as cidades e aldeias ensinando nas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando toda enfermidade e doença. Vendo o povo, Jesus sentiu compaixão dele porque estava cansado e abatido como ovelhas sem pastor” (Mt 9,35-36).

Jesus, o Bom Pastor, que deu a vida pelas suas ovelhas, depois de nos ter alimentado pela Palavra de Deus, vai agora nos alimentar pela Eucaristia. Assim alimentados, vamos também nós cuidar de nossos irmãos sofredores, manifestando-lhes o amor misericordioso de nosso Bom Pastor. Aos que assim o fizerem, Jesus Cristo como justo juiz os acolherá na vida eterna: “Vinde, abençoados por meu Pai… porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, estive nu e me vestistes…” (Mt 25,34-35).


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Jesus de Nazaré: modelo de felicidade

Frei Clarêncio Neotti

O Evangelho nos propõe as bem-aventuranças proferidas por Jesus ao abrir o Sermão da Montanha. Elas são, por um lado, o retrato de Jesus. Por outro, um ideal a nosso alcance. Um ideal que não se mede por critérios humanos, mas pelos novos critérios divinos com os quais se avaliam as coisas e os fatos do Reino de Deus. Por isso mesmo, por mais concretas e atuais que sejam as bem-aventuranças, só serão alcançáveis pelos que creem na pessoa e na mensagem de Jesus. Os santos creram e foram capazes de medir sua vida por elas, ora ressaltando uma, ora se penitenciando para alcançar outra.

A felicidade proposta por Jesus é diferente da felicidade imaginada por muitos, que pensam ser felizes quando têm muito, ou quando se livraram de contrariedade ou quando têm multidões a seus pés para servi-los. A felicidade que Jesus prega envolve o passado, porque se enraíza na doutrina que ele deixou; o presente, porque é dinâmica e exigente; e o futuro, porque é base do Reino dos Céus, que começa aqui e plenifica-se na eternidade.

As criaturas foram criadas para a felicidade, não para a desgraça. Isso equivale a dizer que fomos criados para Deus e não para o inferno. O desejo de felicidade é congênito às criaturas. As bem-aventuranças proclamam a felicidade per feita que, com toda a certeza, não se radica em bens materiais e glórias esfumadas. Felicidade que abarca em primeiro lugar a vida presente. A plenitude da felicidade depende da vivência feliz neste mundo, porque o Reino dos Céus começa e se constrói na vida presente. Jesus de Nazaré é o modelo de quem viveu na terra a plenitude das bem-aventuranças. Por isso é ele também o modelo da felicidade eterna.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

O belíssimo cortejo dos Santos

Frei Almir Guimarães

A santidade é uma grande paixão. Nela há qualquer coisa da loucura do amor, a própria loucura da cruz que desconsidera os cálculos e a sabedoria dos homens. (Pierre Claverie).

Os santos são pessoas que se viram livres de si mesmas, de tanto se doarem aos outros (Ambroise-Marie Carré, op).

Existe apenas uma tristeza: a de não ser santo (Léon Bloy)

Novembro dos agapantos, da comemoração dos falecidos que deixaram tanta saudade em nossos corações, festa de todos os santos, desses habitantes do país onde o sol brilha sempre e onde todas as lágrimas serão enxugadas, onde a terra e o céu se encontram. João Crisóstomo, Terezinha de Lisieux, Pedro de Alcântara, Francisco de Assis, Edith Stein, João Paulo II, Isabel da Hungria, Oscar Romero. E tantos outros santos anônimos: Dona Cremilda, seu Zezinho, Ana Lucia. Jovens de coração reto, casais impecáveis, sacerdotes zelosos, médicos dedicados, motoristas atenciosos, plantadores de soja, enfermeiros balconistas. Muitos nunca terão imagens nas igrejas, nem serão padroeiros de paróquias, mas já circulam hoje nos espaços da glória de Deus.

Nós, discípulos de Jesus, somos chamados à santidade. Não fomos feitos para um cristianismo de rotina, de ritos, do frio elenco de doutrinas. A santidade não tem a ver com “halterofilismo espiritual”. Não é resultado de meros empenhos pessoais. É o Senhor que nos santifica porque só ele é santo. Temos as marcas do pecado que torna seres dilacerados. Os santos são obras primas do amor de Deus.

É o Altíssimo que nos santifica. Aos poucos homens de todos os tempos, todas as raças e nações foram deixando espaço para que Deus deles se apossassem. Foram se achegando a Cristo e deixaram o amor do Senhor manifestado no peito aberto no alto da cruz e na água que saiu do peito do Senhor os lavasse.

As bem-aventuranças de Mateus, de alguma forma, traçam o perfil do santo segundo o coração de Deus.

Os pobres de coração são aqueles se colocam na dependência do Senhor. Eles foram se libertando e se livrando de todas as coisas que atravancavam sua vida. Foram sendo libertados de vaidades, complacências e riquezas de toda sorte. Pobres de ideias fixas. Capazes de acolher o diferente. Pobres por dentro e por fora. Pobres que vivem na dependência de Deus. Seres leves e transparentes. Capazes de dar aos outros a plenitude de sua atenção.

Os não violentos, os mansos possuirão a terra. Quanta violência! Violência de prisões arbitrárias de ladrões de galinha, atentados, torturas, assassinatos. Cenas horríveis. Os que buscam ser fiéis à ação de Deus neles vão se livrando da cólera, da agressividade. Os mansos procuram convencer e não vencer. Aprendem a se desarmar. Sabem que existe uma força nos meios frágeis.

Os que choram serão consolados. Certamente o olhar do Senhor se volta para os que choram. No Evangelho vemos Jesus ter imensa compaixão pela viúva de Naim que enterrava seu filho único. As lágrimas dizem a alma não se enrijeceu. Os santos mostram ternura para com os aflitos, ajudam-nos a carregar seus fardos. Recolhemos as lágrimas de Deus no rosto dos que sofrem. Todos os soluços através dos tempos serão recolhidos no mundo definitivo do Reino.

Os santos não se contentam com isso ou aquilo, este alimento meio leve e essa água não tão transparente. São famintos e sedentos de plenitude, de santidade. Os santos, na fé, contemplam a Face do Senhor. Nunca estão plenamente satisfeitos. A samaritana que encontrou Jesus no poço tinha dentro dela uma sede diferente daquela que é apaziguada pela água. Felizes os que têm fome e sede de Deus. Felizes os santamente inquietos.

Deus é misericórdia. Ele se volta para os corações pequenos e carentes de tudo. Misericórdia é o nome de Deus. Nós, pobres mortais e viandantes errantes calculamos, julgamos, condenamos. Contabilizamos as ofensas e preparamos revanches. Deus perdoa, confia. Não conhece o dar quando se recebe.

Profunda e encantadora esse pensamento-oração de Gilbert Cesbron: “Tu que, alegremente acolhes o filho pródigo, que tudo deixas de lado para buscar a ovelha perdida, que prestas atenção no operário da undécima hora num fantástico ato de fé, esperança e caridade. Deus de ternura e generosidade, do sorriso e da gratuidade, dá-nos a loucura da Misericórdia”.

Os santos lutam por manter a transparência do olhar. O coração deixa de ser puro pela inveja, ambição, hipocrisia e desejo de posse das pessoas. Deseja que seu coração seja como água pura. Pureza e transparência. Nada de preconceitos, nem espírito de cálculo. Puros de coração, de corpo e de mente. Uma tal transparência que as pessoas podem ver no olhar do santo, ou do que tende à santidade, a claridade do olhar de Deus.

Os santos, os que buscam ser santos, trabalham pela paz e são chamados filhos de Deus. A paz precisa, antes de tudo, ser estabelecida em nosso interior, não como um armistício mas como conquista de nossas fraquezas e contradições. Reconciliando-nos conosco mesmos procuramos os outros e lutamos com nossas forças contra privilégios, opressão e desordens estabelecidas. Os santos batalham pela busca da paz inseparável da justiça. Num mundo de tantos conflitos os santos mais bonitos são certamente são aqueles que trabalham pela reconciliação.

Há ainda a bem-aventurança dos perseguidos por causa do nome de Jesus. E quantos!!! Esses todos lembram Jesus, o justo que sofreu. Esses têm em seu rosto fortes traços do semblante dep jesus.


Oração

Felizes os que têm espírito de pobre, os que sabem viver com pouco.
Terão menos problemas, estarão mais atentos aos necessitados e viverão com mais liberdade.

Felizes os mansos porque esvaziaram o coração da violência e da agressividade. Constituem uma dádiva para nosso mundo violento

Felizes os que choram por verem os outros sofrer. São pessoas boas. Com elas podemos construir um mundo mais fraterno e solidário.

Felizes os que têm fome e sede de justiça porque não perderam o desejo de serem justos, nem a vontade de construir uma sociedade mais digna.

Felizes os misericordiosos porque sabem perdoar do fundo do coração. Só Deus conhece sua luta interior e sua grandeza. Eles nos ensinam a lição da reconciliação.

Felizes os que mantêm o coração limpo de ódios, falsidades e interesses ambíguos. Neles se pode confiar para construir o futuro.

Felizes os que trabalham pela paz sem desanimar.

Felizes os que são perseguidos, eles nos ajudam a vencer o mal com o bem.


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Escutar de perto as bem-aventuranças

José Antonio Pagola

Quando Jesus sobe o monte e se senta para anunciar as bern-aventuranças, há uma multidão de gente naquelas imediações, mas só “os discípulos se aproximam” dele para escutar melhor sua mensagem. E nós, discípulos de Jesus, o que ouvimos hoje, se nos aproximamos dele?

Felizes “os que têm espírito de pobre” os que sabem viver com pouco, confiando sempre em Deus. Feliz uma Igreja com alma de pobre, porque terá menos problemas, estará mais atenta aos necessitados e viverá o Evangelho com mais liberdade. Dela é o Reino de Deus.

Felizes “os sofridos”, os que vivem com coração benévolo e clemente. Feliz uma Igreja cheia de mansidão, pois será uma dádiva para este mundo cheio de violência. Ela herdará a terra prometida.

Felizes “os que choram”, porque padecem injustamente sofrimentos e marginalização. Com eles pode-se criar um mundo melhor e mais digno. Feliz a Igreja que sofre por ser fiel a Jesus. Um dia será consolada por Deus.

Felizes “os que têm fome e sede de justiça”, os que não perderam o desejo de ser mais justos nem o afã de construir um mundo mais digno. Feliz a Igreja que busca com paixão o Reino de Deus e sua justiça. Nela surgirá o melhor do espírito humano. Um dia seu desejo ardente será saciado.

Felizes “os misericordiosos” que atuam, trabalham e vivem movidos pela compaixão. São os que, na terra, mais se parecem com o Pai do céu. Feliz a Igreja que Deus lhe arranca o coração de pedra e lhe dá um coração de carne. Ela alcançará misericórdia.

Felizes “os que trabalham pela paz” com paciência e fé, buscando o bem para todos. Feliz a Igreja que introduz no mundo paz e não discórdia, reconciliação e não enfrentamento. Ela será “filha de Deus”.

Felizes os que, “perseguidos por causa da justiça” respondem com mansidão às injustiças e ofensas. Eles nos ajudam a vencer o mal com o bem. Feliz a Igreja perseguida por seguir a Jesus. Dela é o Reino de Deus.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

A comunhão dos Santos

Pe. Johan Konings

Atualmente pouco se ouve falar na “comunhão dos santos”. Além disso, muitos fiéis talvez tenham uma ideia muito restrita a respeito de quem são os santos … Nas suas cartas, Paulo chama os fiéis em geral de “santos”. Todos os que pertencem a Cristo e seu Reino constituem uma comunidade viva e real, a “Comunhão dos Santos”.

As bem-aventuranças (evangelho) proclamam a chegada do Reino de Deus e, por isso, a boa ventura daqueles que “combinam com ele”. Assim, caracterizam a comunidade dos “santos”, os “filhos do Reino”, e proclamando a sua felicidade e salvação. Jesus felicita os “pobres de Deus”, os que confiam mais em Deus do que na prepotência, os que produzem paz, os que vêem o mundo com a clareza de um coração puro etc. Sobretudo os que sofrem por causa do Reino, pois sua recompensa é a comunhão no “céu”, isto é, em Deus. Dedicando sua vida à causa de Deus, eles “são dele”. É o que diz S. João (2ª leitura): já somos filhos de Deus, e nem imaginamos o que seremos! Mas uma coisa sabemos: seremos semelhantes a ele, realizaremos a vocação de nossa criação (Gn 1,26). O amor de Deus tomará totalmente conta de nosso ser, ao ponto de nos tornar iguais a ele.

A santidade não é o destino de uns poucos, mas de uma imensa multidão (1ª leitura): todos aqueles que, de alguma maneira, até sem o saber, aderiram e aderirão à causa de Cristo e do Reino: a comunhão ou comunidade dos santos.

Ser santo significa ser de Deus. Não é preciso ser anjo para isso. Santidade não é angelismo. Significa um cristianismo libertado e esperançoso, acolhedor para com todos os que “procuram Deus com um coração sincero” (Oração Eucarística IV). Mas significa também um cristianismo exigente. Devemos viver mais expressamente a santidade de nossas comunidades (a nossa pertença a Deus e a Jesus), por uma prática da caridade digna dos santos e por uma vida espiritual sólida e permanente.

Sobretudo: santidade não é beatice, não é medo de viver. É uma atitude dinâmica, uma busca de pertencer mais a Deus e assemelhar-se sempre mais a Cristo. Não exige boa aparência!

Desprezar os pobres é desprezar os santos! Mas exige disponibilidade para se deixar atrair por Cristo e entrar na solidariedade dos fiéis de todos os tempos, santificados e unidos por ele.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella