Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Solenidade de Pentecostes

Solenidade de Pentecostes

Pentecostes: a Solenidade do “Cristo em nós”

 

Frei Gustavo Medella

“Que a graça de Deus cresça em nós sem cessar. E de ti, nosso Pai, venha o Espírito Santo de Amor pra gerar e formar Cristo em nós”. Este é o Refrão de um célebre canto para a comunhão inspirado na figura de Maria. No refrão, evoca o mesmo movimento do Espírito Santo de Deus que se alojou no ventre da Virgem gerando o Salvador para a humanidade. Percorridos todos os passos dados desde a Quaresma, passando pelo Tríduo que culmina na Páscoa da Ressurreição, vivendo com intensidade os dias do Tempo Pascal, celebrando a Ascenção do Senhor, chegamos à Solenidade de Pentecostes, a Festa do “Cristo em nós”. São Francisco foi um entusiasta desta verdade teológica e, em sua Carta aos Fiéis, explica como este mistério de amor se concretiza na vida prática do cristão: “[Somos] Mães [de nosso Senhor] quando o levamos em nosso coração e em nosso corpo (Cf. 1Cor 6, 20), pelo amor divino e a consciência pura e sincera; e o damos à luz pela santa operação, que deve iluminar os outros com o exemplo (cf. Mt 5, 16).

Gerar Cristo para o mundo é, portanto, oferecer um testemunho prático (santa operação) que seja capaz de tocar o coração das pessoas, de renovar-lhes a esperança, de fazê-las mais uma vez acreditarem na força da bondade e do amor. Na certeza de que uma árvore caindo faz muito mais barulho do que toda uma floresta que nasce, o cristão é chamado deixar-se tomar pelo Espírito Santo a fim de gerar Cristo para o mundo. Ao entrar nesta dinâmica, ele passa a pensar e a agir à semelhança de Cristo, nutrindo a convicção de que, mais importante do que seus próprios interesses é o “Reino de Deus e sua justiça” (Cf. Mt 6,33).

Neste trabalho, o discernimento maior é perceber onde Deus quer e precisa nascer. Toda atenção se faz necessária neste exercício de escuta atenta da realidade. Deixar-se guiar pelo Espírito nesta procura é fundamental. Nem sempre os apelos vão estar em consonância com as nossas expectativas. Certamente com alguma frequência vão, inclusive, contrariar nossos desejos de conforto e estabilidade. No entanto, se desejamos ser geradores(as) férteis de Jesus para o mundo, parceiros eficientes do Espírito Santo, muitas vezes teremos de vencer a nós mesmos.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011. 


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Textos bíblicos para este domingo

Primeira Leitura: At 1,1-11

1No meu primeiro livro, ó Teófilo, já tratei de tudo o que Jesus fez e ensinou, desde o começo, 2até o dia em que foi levado para o céu, depois de ter dado instruções pelo Espírito Santo aos apóstolos que tinha escolhido. 3Foi a eles que Jesus se mostrou vivo depois da sua paixão, com numerosas provas. Durante quarenta dias, apareceu-lhes falando do Reino de Deus. 4Durante uma refeição, deu-lhes esta ordem: “Não vos afasteis de Jerusalém, mas esperai a realização da promessa do Pai, da qual vós me ouvistes falar: 5‘João batizou com água; vós, porém, sereis batizados com o Espírito Santo, dentro de poucos dias’”.

6Então, os que estavam reunidos perguntaram a Jesus: “Senhor, é agora que vais restaurar o Reino em Israel?”

7Jesus respondeu: “Não vos cabe saber os tempos e os momentos que o Pai determinou com a sua própria autoridade. 8Mas recebereis o poder do Espírito Santo que descerá sobre vós, para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, e até os confins da terra”. 9Depois de dizer isso, Jesus foi levado ao céu, à vista deles. Uma nuvem o encobriu, de forma que seus olhos não mais podiam vê-lo.

10Os apóstolos continuavam olhando para o céu, enquanto Jesus subia. Apareceram então dois homens vestidos de branco, 11que lhes disseram: “Homens da Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu”.


Salmo Responsorial: 103(104)

Enviai o vosso Espírito, Senhor, / e da terra toda a face renovai.

1. Bendize, ó minha alma, ao Senhor! / Ó meu Deus e meu Senhor, como sois grande! / Quão numerosas, ó Senhor, são vossas obras! / Encheu-se a terra com as vossas criaturas! – R.

2. Se tirais o seu respiro, elas perecem / e voltam para o pó de onde vieram. / Enviais o vosso espírito e renascem, / e da terra toda a face renovais. – R.

3. Que a glória do Senhor perdure sempre, / e alegre-se o Senhor em suas obras! / Hoje, seja-lhe agradável o meu canto, / pois o Senhor é a minha grande alegria! – R.


Segunda Leitura1 Coríntios 12,3-7.12-13

Irmãos, 3ninguém pode dizer: “Jesus é o Senhor”, a não ser no Espírito Santo. 4Há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. 5Há diversidade de ministérios, mas um mesmo é o Senhor. 6Há diferentes atividades, mas um mesmo Deus que realiza todas as coisas em todos. 7A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum. 12Como o corpo é um, embora tenha muitos membros, e como todos os membros do corpo, embora sejam muitos, formam um só corpo, assim também acontece com Cristo. 13De fato, todos nós, judeus ou gregos, escravos ou livres, fomos batizados num único Espírito, para formarmos um único corpo, e todos nós bebemos de um único Espírito. – Palavra do Senhor.


Evangelho: João 20,19-23

19Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”. 20Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor. 21Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. 22E depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. 23A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos”.

– Palavra da salvação.

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

Pentecostes, anos A, B e C

Oração: “Ó Deus que, pelo mistério da festa de hoje, santificais a vossa Igreja inteira, em todos os povos e nações, derramai por toda a extensão do mundo os dons do Espírito Santo, e realizai agora no coração dos fiéis as maravilhas que operastes no início da pregação do Evangelho”.

  1. Primeira leitura: At 2,1-11

Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar.

João coloca a doação do Espírito Santo no dia da Páscoa, quando Jesus ressuscitado aparece aos apóstolos reunidos no Cenáculo (Evangelho). O evangelho de Lucas (cap. 24), também, situa no mesmo dia as manifestações de Jesus Ressuscitado aos discípulos de Emaús e aos apóstolos, concluindo com a promessa do Espírito Santo e a Ascensão de Jesus ao céu. Nos Atos dos Apóstolos, porém, a Ascensão acontece quarenta dias após a Páscoa e, dez dias depois, na festa judaica de Pentecostes, a vinda do Espírito Santo. Na origem, Pentecostes era uma festa agrícola ligada à colheita do trigo, celebrada sete semanas após a festa da Páscoa. Era uma festa de peregrinação. Nesta festa o israelita devia comparecer diante de Deus e apresentar os primeiros frutos da colheita do trigo. No II século a.C., a festa de Pentecostes passou a comemorar a promulgação da Lei de Moisés no Sinai, feita 50 dias após a saída do Egito (cf. Ex 19,1-16). Na teofania do Sinai, a descida de Deus era acompanhada por “trovões, relâmpagos (…), fortíssimo som de trombetas (…) em meio ao fogo” (Ex 19,16-19). Rabi Johanan dizia a respeito: A voz divina “saiu e se repartiu em setenta vozes ou línguas, de modo que todos os povos a entendessem; e cada povo ouviu a voz em sua própria língua”. Lucas conhecia tal tradição. Por isso fala que a doação do Espírito se dá em meio a um “barulho” e “forte ventania”. Com a voz do Sinai, repartida em setenta línguas, a Lei de Moisés tornou-se conhecida em todo o mundo e unia os judeus dispersos no Império Romano. Agora, a partir de Jerusalém (At 1,8), também o Evangelho é pregado a todos os povos, citados em nosso texto. A diversidade das línguas nas quais cada um entendia a mensagem do Evangelho é um convite aos apóstolos e discípulos, impulsionados pelo Espírito Santo, a levarem a mensagem de Jesus a todos os povos e culturas. Quando Lucas escreve, de certa forma, todos os povos do Império Romano estão ouvindo a mensagem do Evangelho, levada pelos discípulos e discípulas que aprenderam ou conheciam suas línguas.

Salmo responsorial: Sl 103

         Enviai o vosso Espírito, Senhor,

            e da terra toda a face renovai.

  1. Segunda leitura: 1Cor 12,3b-7.12-13

Fomos batizados num único Espírito,

para formarmos um único corpo.

Paulo fala longamente aos cristãos de Corinto sobre os dons do Espírito Santo (1Cor 11,2-16; 12,1–14,39). Sem estes dons, nada podemos fazer, nem mesmo dizer: “Jesus é o Senhor”. Os dons ou “carismas” são “atividades”, serviços ou manifestações do Espírito “em vista do bem comum”; cada membro presta serviço para o bem do mesmo corpo. Paulo usa a imagem do corpo que tem muitos membros, mas forma uma única unidade. O Espírito nos unifica num só Corpo com o Cristo: “judeus ou gregos, escravos ou livres, fomos batizados num único Espírito”. O Espírito Santo distribui seus dons ou carismas em vista do bem da comunidade, e não para distinguir esta ou aquela pessoa. A manifestação do Espírito se dá em todos os membros da comunidade. Não é privilégio do clero, dos religiosos ou de “grupos carismáticos”. O projeto imperial de Babel era de impor o domínio, unindo todas as raças e culturas por meio de uma só língua (Gn 11,1-9: primeira leitura da Vigília). Deus, porém, pôs fim a tal domínio, multiplicando as línguas e culturas. É na diversidade de línguas e culturas que Deus quer ser louvado e adorado. Em Pentecostes Deus refaz a unidade pela mensagem do Evangelho, a ser anunciado a todos os povos, preservando, porém, as diferentes culturas e raças. O que nos une é a linguagem do amor a Deus e ao próximo (Evangelho).

Aclamação ao Evangelho:

Vinde, Espírito Divino,

 e enchei com vossos dons os corações dos fiéis;

 e acendei neles o amor como um fogo abrasador.

  1. Evangelho: Jo 20,19-23

Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio:

Recebei o Espírito Santo!

No domingo da Ascensão ouvimos, no evangelho de Lucas, que Jesus prometia aos discípulos enviar-lhes a “força do alto”, o Espírito Santo, antes de começarem a anunciar “a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações”. Hoje, segundo João, Jesus no dia de sua ressurreição, se manifesta aos discípulos e concede o dom do Espírito Santo e a paz. Depois de lhes dizer “a paz esteja convosco”, Jesus se identifica, mostrando-lhes as mãos e o lado perfurados. Ele é o mesmo Jesus crucificado, que cumpriu sua missão, a obra de nossa salvação e volta ao Pai (Jo 20,17). Antes, porém, deixa-nos a tarefa de continuar a sua missão: “Como o Pai me enviou também eu vos envio”. Ao voltar para junto do Pai, Jesus promete estar sempre conosco: “Eis que estou convosco, todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20). A presença de Cristo se dá pelo seu Espírito, o Advogado e Consolador, que estará sempre ao lado de seus discípulos. Pelo dom de sua vida Jesus nos reconciliou com Deus, manifestando o amor misericordioso do Pai. O presente da Páscoa que nos deixa é o Amor: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados”. Agora confia aos seus discípulos a missão de manifestar este mesmo amor misericordioso: “A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados…”. O perdão dado e recebido reconstrói os vínculos do Amor, reconstrói a paz. “Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”, que é Amor (Mt 5,9). Nossa missão é viver o que anunciamos aos outros. Para isso recebemos a “força do alto”, o Espírito Santo.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Pelo que faz sabemos quem é

Frei Clarêncio Neotti

É muito significativo que o Espírito Santo desça sobre os Apóstolos no mesmo lugar da instituição da Eucaristia, como se ele viesse completar o mistério do Corpo e do Sangue de Jesus. De fato, a partir de Pentecostes, os discípulos (a Igreja) formarão o corpo total de Cristo, serão os continuadores da missão de Jesus aqueles que, fazendo a Eucaristia, são por ela transformados no Corpo do Senhor. Ensina o Concílio: “Ao comunicar o seu Espírito, fez de seus irmãos, chamados de todos os povos, misticamente os componentes de seu próprio corpo” (Lumen Gentium, 7).

Numa de suas Admoestações, São Francisco de Assis faz uma afirmação que muitos julgam confusa. Na verdade, é transparente, se lembrarmos que o Espírito Santo é quem age em nós, quando nos relacionamos com Deus: “É o Espírito Santo do Senhor, que habita nos fiéis, quem recebe o santíssimo Corpo e Sangue do Senhor”. Portanto, será nula a comunhão, se não estivermos santificados pelo poder do Espírito Santo. E por menores que sejamos, seremos dignos do Senhor, porque não é a pequenez que conta, mas a grandeza do Espírito Santo de Deus em nós. Nesse sentido, São Paulo escreveu aos Coríntios: “Só quem é guiado pelo Espírito Santo pode dizer: Senhor Jesus!” (1Cor 12,3). E São Francisco escreveu na Regra da Ordem que, antes de tudo, os Frades devem possuir o Espírito Santo e seu modo de operar.

Lemos no Ano C, como Evangelho da festa de Pentecostes, dois pequenos trechos do discurso de despedida de Jesus na Ultima Ceia, em que ele promete o Espírito Santo. O Evangelista João inseriu no discurso-testamento de Jesus cinco afirmações sobre o Espírito Santo. Daquilo que o Espírito Santo faz podemos deduzir aquilo que ele é. O Espírito Santo age sempre em comunhão com Jesus e o Pai (vv. 16.23.26) em benefício da comunidade eclesial.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Um vento impetuoso e um gemido murmurante

O Espírito renova a face da terra

Frei Almir Guimarães

Vê, Senhor, desse vento que é teu próprio sopro, hálito de tua vida e de teu amor, o que andamos fazendo. O Espírito da vida tornou-se um pássaro de pedra numa parede de nossos templos.
Petrificamos o vento do Espírito.
Revista “Prier”, maio de 1988

♦ Belíssima solenidade esta do fogo, do vento violento e da brisa suave. Sopro, hálito, vento. O Espírito procede do Pai e do Filho. É o Defensor. Mais uma vez mergulhamos no mistério da Trindade. O Pai, o Filho unidos. O Filho gerado, não criado. Entre o Pai e o Verbo, o sopro do Vento, do Espírito. O Pai envia o Filho e o Espírito o unge ao sair das águas do Jordão. O Espírito está sobre Jesus. O Filho é ungido. Depois da missão do Filho o Espírito vela pela obra do mundo novo inaugurada pelo Verbo feito carne.

♦ No alto da cruz, no momento da morte, segundo o quarto evangelista, “Jesus entrega o Espirito”. Não se trata apenas de dar o espírito, com e minúsculo, mas o Sopro, o Vento, a Luz. Ele, o Espírito foi derramado em nossos corações. Depois ele seria derramado sobre os apóstolos numa radiosa manhã.

♦ É como o vento… Não é vento, mas como o vento. Vento, sopro, hálito. Vento que chega ao Cenáculo onde estavam reunidos os apóstolos com medo. Não se pode reter ou guardar o vento. Como o vento, o Espírito não pode ser “estocado”, nem percebido com as coisas palpáveis. O vento do Espírito sopra onde quiser e como quiser. Para onde sopra, em nossos dias, o Vento de Deus? Vento que mexe com as coisas paradas, mornas, estratificadas, rotineiras. Vento que não deixa o projeto de Jesus envelhecer.

♦ É como o fogo. A junção entre fogo e Espírito aparece em fala do Batista. Jesus receberia um batismo diferente daquele que o filho de Isabel e Zacarias administrava. Ele batizaria no Espirito e no fogo. “Apareceram línguas como que de fogo que se repartiram e se colocaram sobre cada um deles. E todos ficaram repletos do Espírito Santo”. Fogo: ardor, novo ardor, ardor sempre renovado. Nova evangelização, novo modo de ler a figura de Jesus. Jesus havia afirmado que, quando viesse o Paráclito, ele ensinaria todas as coisas.

♦ Sim, insistamos. O Espírito não admite os caminhos batidos. Ele é propulsor da novidade. A ele se atribui o excepcional, o extraordinário. É fonte inesgotável de criatividade. Entra em conivência com toda novidade quando esta venha a favorecer a instauração e consolidação do Reino. A presença do Espírito na Igreja faz com que ela se embrenhe pelos caminhos de um futuro não previsível.

♦ O Espírito é impregnação. É água que a tudo penetra. Ao lado das imagens do Espírito como movimento e ação ele é mostrado como impregnação. O Espirito é derramado como a água. Impregnação, interiorização, casa, habitação, morada. Nesta linha vão as imagens do óleo e da unção. Apoiado nessa imagens Santo Agostinho falará do Espirito como alma da Igreja. Dizemos que estamos “repletos” do Espírito Santo.


Para a reflexão e oração

Dá-nos teu Espirito, Senhor!
Onde não há Espírito surge o medo.
Onde não há Espírito a rotina invade tudo.
Onde não há Espírito a esperança murcha.
Onde não há Espírito não podemos reunir-nos em teu nome.
Onde não há Espírito esquece-se o essencial.
Onde não há Espírito introduzem-se normas.
Onde não há Espírito não pode brotar a vida.
Dá-nos teu Espírito, Senhor.
F.Ulíbarri

♦ Penso nos vários sentidos que a palavra Espírito tem no texto bíblico: sopro, hálito vital, vento…E é isso que me apetece rezar nesta manhã, Senhor. Sopra sobre o indeciso, venha o sussurro do teu alento íntimo renovar o hesitante, a ventania de Deus nos mova. Parecemo-nos tanto a embarcações travadas, velas erguidas sem a energia de novas praias, de intactos e aventurosos cabos… Os nossos barcos rodam apenas em torno de si próprios. Manda, Senhor, a pulsão do Espírito, o ânimo criador que incessantemente nos coloca ao encontro da novidade e da beleza de teu Reino.

José Tolentino Mendonça, Um Deus que dança, Paulinas, p. 80


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Só o Espírito de Jesus nos converte em Igreja viva

José Antonio Pagola

João teve um cuidado especial com a cena em que Jesus vai confiar a seus discípulos sua missão. Ele quer deixar bem claro o que é essencial. Jesus está no centro da comunidade, cumulando todos com sua paz e alegria. Mas aos discípulos, espera-lhes uma missão. Jesus não os convidou só para desfrutar dele, mas para fazê-lo presente no mundo.

Jesus os “envia”. Não lhes diz em concreto a quem devem ir, o que devem fazer ou como hão de atuar: “Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio”. Sua tarefa é a mesma de Jesus. Não têm outra: a que Jesus recebeu do Pai. Eles têm que ser no mundo o que Ele foi.

Eles viram de quem Ele se aproximava. Como Ele tratava os mais desvalidos, como levou adiante seu projeto de humanizar a vida, como semeou gestos de libertação e de perdão. As feridas de suas mãos e seu lado lembram-lhes sua entrega total. Jesus os envia agora para que “reproduzam” sua presença entre as pessoas do mundo inteiro.

Mas sabe que seus discípulos são frágeis. Mais de uma vez ficou surpreso com sua “pouca fé”. Precisam de seu próprio Espírito para cumprir sua missão. Por isso dispõe-se a fazer com eles um gesto muito especial. Não lhes impõe as mãos, nem os abençoa, como fazia com os enfermos e os pequenos: “Sopra sobre eles e lhes diz: “Recebei o Espírito Santo”.

O gesto de Jesus tem uma força que nem sempre sabemos captar. Segundo a tradição bíblica, Deus modelou Adão com barro; depois soprou sobre Ele seu “sopro de vida”, e aquele barro converteu-se num “vivente”. Isso é o ser humano: um pouco de barro animado pelo espírito de Deus. E a Igreja será sempre isso: barro animado pelo Espírito de Jesus.

Crentes frágeis e de pouca fé: cristãos de barro, teólogos de barro, sacerdotes e bispos de barro, comunidades de barro … Só o Espírito de Jesus nos converte em Igreja viva. As zonas em que seu Espírito não é acolhido permanecem “mortas”. Prejudicam a todos nós, pois nos impedem de atualizar sua presença viva entre nós. Muitos não podem captar em nós a paz, a alegria e a vida renovada por Cristo. Não devemos batizar só com água, mas infundir o Espírito de Jesus. Não só temos de falar de amor, mas amar as pessoas como Ele as amou.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

O Espírito do Senhor Jesus e nossa missão

Pe. Johan Konings

A 1ª leitura e o evangelho nos contam como os apóstolos viveram as últimas aparições de Jesus ressuscitado: como despedida provisória e como promessa. Jesus não voltaria até a consumação do mundo, mas deixou nas mãos deles a missão de levar a salvação e o perdão dos pecados a todos que quisessem converter-se, no mundo inteiro. E prometeu-lhes o Espírito Santo, a força de Deus, que os ajudaria a cumprir sua missão.

A vitalidade e juventude da Igreja, até hoje, tem sua raiz nesta herança que Deus lhe deixou. “É bom para vocês que eu me vá – diz Jesus no evangelho de João – porque, senão, não recebereis o Paráclito, o Espírito da Verdade” (1016,7). Jesus salvou o mundo movido pelo Espírito e dando a sua vida pelos homens. Agora, nós devemos dar continuidade a esta obra, geração após geração. O Espírito de Jesus e do Pai deve animar em nós, e através de nós, um testemunho igual ao de Jesus: deve fazer revi ver Jesus em nós. O que salva o mundo não é a presença física de Jesus para todas as gerações, mas sim o Espírito que ele gerou em nós pela morte por amor – o Espírito do Pai e dele mesmo.

A Igreja não caiu no vazio depois da Ascensão de Jesus. Antes, entrou com ele na plenitude do tempo da salvação e da reconciliação, embora não de vez e por completo. Tem que lutar para realizar o que Jesus já vive em plenitude. Ainda não está na mesma glória, na mesma união definitiva com Deus em que está o seu fundador, mas vive movida pelo mesmo Espírito, e este nunca lhe faltará até a hora do reencontro completo. A Igreja terá que expor às claras as contradições, as injustiças, as opressões que impedem a reconciliação e o perdão. Terá que urgir opção e posicionamento, e também transformação dos corações e das estruturas do mundo, para que um dia o Cristo glorioso seja a realidade de todos nós.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella