Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

5º Domingo do Tempo Comum

5º Domingo do Tempo Comum

A ousadia de pescar no profundo

 

Frei Gustavo Medella

A multidão se apertava em torno de Jesus, semelhante aos peixes numerosos que quase romperam a rede lançada sob o comando do Mestre. Aquelas pessoas comprimiam Jesus porque dentro si também se sentiam comprimidas, angustiadas, sedentas por ouvir algo novo, que lhes trouxesse esperança, alento, uma nova maneira de viver a vida e superar os desafios. A exemplo de Simão e seus companheiros, a multidão estava com as redes vazias, o coração despedaçado, as esperanças amarradas por um fio.

Na linguagem do Evangelho, repleta de símbolos, o Senhor ordena a Simão e aos companheiros, cansados e descrentes, que avancem para águas mais profundas e lancem as redes novamente. Talvez o segredo na instrução não estivesse na insistência em mais uma vez praticar algo que até então não estava sendo frutuoso, mas no local onde deveria ocorrer a nova tentativa. Assim também poderia valer para a multidão: Em que lugar aquele povo estaria lançando suas redes? Pergunta provocativa em nível pessoal e também eclesial.

Em que objetivos cada um de nós aplica as melhores forças? Certamente, os apelos são diversos e o discernimento nem sempre é fácil. Podemos nos seduzir pelo encanto da riqueza, da fama, do sucesso e da beleza. No entanto, logo percebemos que nossa rede está vazia, não encontramos um sentido capaz de nos preencher. É aí que nos sentimos convidados a aprofundar a nossa busca. É nesta direção que o Mestre nos convida a seguir. O caminho da entrega, do esquecer-se de si, da ousadia de deixar de lado as seguranças e lançar as redes com coragem.

E como Igreja, onde temos lançado as redes? Na segurança institucional, na exterioridade de vestes e rituais, nas alianças com quem tem a força e o poder? Pesca vã, rede vazia… Nossa sorte é que temos Jesus como guia e o Papa Francisco como timoneiro da Barca de Pedro. O Santo Padre, lúcido e ousado, firme e fiel ao Evangelho, tem sido o primeiro a nos provocar a fim de que vençamos a superficialidade rasa de uma fé alienante para mergulharmos com coragem em opções e ações que sejam capazes de transformar a realidade a partir do que é profundo, consistente e permanente.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011. 


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas para este domingo

Primeira Leitura (Is 6,1-2a.3-8)

1No ano da morte do rei Ozias, vi o Senhor sentado num trono de grande altura; o seu manto estendia-se pelo templo. 2aHavia serafins de pé a seu lado; cada um tinha seis asas. 3Eles exclamavam uns para os outros: “Santo, santo, santo é o Senhor dos exércitos; toda a terra está repleta de sua glória”.

4Ao clamor dessas vozes, começaram a tremer as portas em seus gonzos e o templo encheu-se de fumaça. 5Disse eu então: “Ai de mim, estou perdido! Sou apenas um homem de lábios impuros, mas eu vi com meus olhos o rei, o Senhor dos exércitos”.

6Nisto, um dos serafins voou para mim, tendo na mão uma brasa, que retirara do altar com uma tenaz, 7e tocou minha boca, dizendo: “Assim que isto tocou teus lábios, desapareceu tua culpa, e teu pecado está perdoado”.

8Ouvi a voz do Senhor que dizia: “Quem enviarei? Quem irá por nós?” Eu respondi: “Aqui estou! Envia-me”.


Responsório (Sl 137)

— Vou cantar-vos ante os anjos, ó Senhor, e ante o vosso templo vou prostrar-me.

— Vou cantar-vos ante os anjos, ó Senhor, e ante o vosso templo vou prostrar-me.

— Ó Senhor, de coração eu vos dou graças,/ porque ouvistes as palavras dos meus lábios!/ Perante os vossos anjos vou cantar-vos/ e ante o vosso templo vou prostrar-me.

— Eu agradeço vosso amor, vossa verdade,/ porque fizestes muito mais que prometestes;/ naquele dia em que gritei, vós me escutastes/ e aumentastes o vigor da minha alma.

— Os reis de toda a terra hão de louvar-vos,/ quando ouvirem, ó Senhor, vossa promessa./ Hão de cantar vossos caminhos e dirão:/ “Como a glória do Senhor é grandiosa!”

— Estendereis o vosso braço em meu auxílio/ e havereis de me salvar com vossa destra./ Completai em mim a obra começada;/ ó Senhor, vossa bondade é para sempre!/ Eu vos peço: não deixeis inacabada/ esta obra que fizeram vossas mãos!


Segunda Leitura (1Cor 15,3-8.11)

Irmãos: 3O que vos transmiti, em primeiro lugar, foi aquilo que eu mesmo tinha recebido, a saber: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras; 4que foi sepultado; que, ao terceiro dia, ressuscitou, segundo as Escrituras; 5e que apareceu a Cefas e, depois, aos Doze.

6Mais tarde, apareceu a mais de quinhentos irmãos, de uma vez. Destes, a maioria ainda vive e alguns já morreram. 7Depois, apareceu a Tiago e, depois, apareceu aos apóstolos todos juntos. 8Por último, apareceu também a mim, como a um abortivo. 11É isso, em resumo, o que eu e eles temos pregado e é isso o que crestes.


Seguimento de Jesus

Evangelho: Lc 5,1-11

* 1 Certo dia, Jesus estava na margem do lago de Genesaré. A multidão se apertava ao seu redor para ouvir a palavra de Deus. 2 Jesus viu duas barcas paradas na margem do lago; os pescadores haviam desembarcado, e lavavam as redes. 3 Subindo numa das barcas, que era de Simão, pediu que se afastasse um pouco da margem. Depois sentou-se e, da barca, ensinava as multidões. 4 Quando acabou de falar, disse a Simão: «Avance para águas mais profundas, e lancem as redes para a pesca.» 5 Simão respondeu: «Mestre, tentamos a noite inteira, e não pescamos nada. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes.» 6 Assim fizeram, e apanharam tamanha quantidade de peixes, que as redes se arrebentavam. 7 Então fizeram sinal aos companheiros da outra barca, para que fossem ajudá-los. Eles foram, e encheram as duas barcas, a ponto de quase afundarem. 8 Ao ver isso, Simão Pedro atirou-se aos pés de Jesus, dizendo: «Senhor, afasta-te de mim, porque sou um pecador!» 9 É que o espanto tinha tomado conta de Simão e de todos os seus companheiros, por causa da pesca que acabavam de fazer. 10 Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram sócios de Simão, também ficaram espantados. Mas Jesus disse a Simão: «Não tenha medo! De hoje em diante você será pescador de homens.» 11 Então levaram as barcas para a margem, deixaram tudo, e seguiram a Jesus.

* 5,1-11: A cena é simbólica. Jesus chama seus primeiros discípulos, mostrando-lhes qual a missão reservada a eles: fazer que os homens participem da libertação trazida por Jesus e que só pode realizar-se no seguimento dele, mediante a união com ele e sua missão. O convite ao seguimento é exigente: é preciso «deixar tudo», para que nada impeça o discípulo de anunciar a Boa Notícia do Reino.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

5º Domingo do Tempo Comum 

Oração: “Velai, ó Deus, sobre a vossa família, com incansável amor; e, como só confiamos na vossa graça, guardai-nos sob a vossa proteção”.

  1. Primeira leitura: Is 6,1-2a.3-8

Aqui estou, envia-me.

A primeira leitura contém a narrativa da vocação do profeta Isaías. Isaías morava em Jerusalém, próximo da elite dominante, e conhecia os abusos que praticavam contra o povo. Sua vocação acontece no Templo, durante a celebração do culto. Ele mesmo conta a visão divina que teve, as palavras que Deus lhe falava e estabelecia um diálogo com ele. Enquanto a corte estava ainda abalada pela morte do rei Ozias e sua sucessão, o profeta sente-se transportado para a corte divina. Ele vê o Senhor sentado num trono elevado. Estava vestido de um enorme manto que enchia o Templo, pronto para ouvir a corte celeste e tomar uma decisão. A corte era formada por serafins. Estes aclamavam o Senhor como três vezes “Santo”, porque sua glória enchia toda a terra. O profeta percebe que está sendo chamado para ser mensageiro de Deus. Diante do Senhor “Santo”, sente-se pecador; percebe-se como indigno e despreparado para missão de porta-voz de Deus. Então um dos serafins vem em seu socorro; com uma brasa tirada do altar do incenso purifica os lábios do profeta e comunica-lhe que seu pecado já está perdoado. Isaías ouve, então, a voz do Senhor, dizendo: “Quem enviarei? Quem irá por nós”? E Isaías responde prontamente: “Aqui estou! Envia-me”. A resposta de Isaías revela sua prontidão. Sabia, porém, que haveria de enfrentar dificuldades na missão; por isso, pergunta: “Até quando, Senhor” (Is 6,8-13)? A resposta o profeta terá uns trinta anos depois, quando os assírios invadiram Judá, arrasaram todo o território e deixaram Jerusalém isolada, como uma cabana na plantação de pepinos (cf. Is 1,2-9). 

Salmo responsorial: Sl 137

   Vou cantar-vos, ante os anjos, ó Senhor,

            e ante o vosso templo vou prostrar-me.

  1. Segunda Leitura: 1Cor 15,1-11

É isso o que temos pregado, e é isso o que crestes.

Em todas as Cartas que Paulo escreve dirige-se a comunidades por ele fundadas, menos a de Roma. Por isso suas Cartas têm um caráter mais pastoral que doutrinário. O texto que hoje ouvimos é, ao mesmo tempo, doutrinário e pastoral. Havia entre os cristãos de Corinto perguntas a serem respondidas e dúvidas de fé a esclarecer. Havia quem negasse a ressurreição dos mortos (15,12). Outros se perguntavam como os mortos ressuscitam e com que corpo (15,35). Para reforçar a fé na Ressurreição, Paulo não dá uma resposta científica, mas parte da fé, do evangelho por ele transmitido. O que Paulo recebeu da tradição constitui o núcleo mais antigo do Credo da Igreja: Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ao terceiro dia ressuscitou dos mortos, segundo as Escrituras. Depois cita uma lista de testemunhas da fé no Cristo Ressuscitado. A lista é encabeçada por Cefas (Pedro ou Simão Pedro) e pelos outros onze discípulos, seguida de centenas de testemunhas, algumas ainda vivas. Menciona, também, a aparição a Tiago e aos apóstolos, por fim, inclui-se a ele mesmo na lista das testemunhas. Considera-se apóstolo de Cristo, embora o menor e mais indigno de todos, porque perseguiu os cristãos. O encontro com o Cristo Ressuscitado marca a conversão e vocação de Paulo. 

Aclamação ao Evangelho

“Vinde após mim”! o Senhor lhes falou,

            e vos farei pescadores de homens”.

  1. Evangelho: Lc 5,1-11

Deixaram tudo e o seguiram.

Depois de falar do batismo de Jesus por João e de seu jejum e tentação no deserto, Lucas menciona de passagem sua atividade em torno do Lago. Em seguida Jesus se dirige a Nazaré, sozinho, sem os discípulos, que ainda não havia escolhido. Somente em Lc 5,1-11 o evangelista narra a escolha dos primeiros discípulos. Eles serão a nova família de Jesus. A visita à sinagoga de Nazaré marca, portanto, a ruptura de Jesus com seus familiares e patrícios, prenúncio da ruptura entre o cristianismo e o judaísmo, que acontecia quando Lucas escreve seu evangelho.

O Evangelho de hoje fala da vocação dos primeiros discípulos. Depois de ter pregado nas sinagogas da região, Jesus chega a Cafarnaum já famoso. Na margem do lago, o povo se apinhava ao redor de Jesus “para ouvir a palavra de Deus”. Jesus viu duas barcas na margem e pescadores que lavavam as redes. Entrou numa das barcas, que era de Simão e, sentado, continuou ensinando. Ao terminar o discurso, disse a Simão: “Avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca”. Simão Pedro deve ter pensado “de pesca Jesus não entende nada”, pois passaram a noite inteira e nada pescaram. Mesmo assim acolhe a sugestão e o resultado foi maravilhoso. As redes rompiam-se de tanto peixe, de modo que tiveram de chamar a outra barca. Diante do mistério da pessoa de Jesus, Simão reage, como o profeta Isaías (1ª leitura). Movido pela inesperada experiência da presença de Deus, Simão sente-se pecador, prostra-se aos pés de Jesus e diz: “Senhor, afasta-te de mim, porque sou um pecador”. Os irmãos Tiago e João, sócios de Simão, reagiram da mesma forma. Jesus apenas lhe diz: “Não tenhas medo! De hoje em diante serás pescador de homens”. Imediatamente, Simão, Tiago e João largaram tudo e seguiram a Jesus.

Os cristãos, e Lucas com eles, entenderam que as palavras de Jesus “Avança para as águas mais profundas e lançai vossas redes para pesca” significavam como a missão entre os pagãos (cf. Atos). E as palavras “Não tenhas medo! De hoje em diante serás pescador de homens”, soavam-lhes como um convite a abraçar com coragem o programa de Jesus no anúncio do Evangelho (cf. At 1,8).


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

A barca que virou Igreja

Frei Clarêncio Neotti

O episódio de hoje, com a pesca, só é contado por Lucas. Há uma evidente vontade de salientar as duas duplas de irmãos, Pedro e André, Tiago e João, que tiveram grande influência nas comunidades primitivas da Igreja. E, entre os quatro, Lucas destaca a figura de Pedro. Primeiro, faz Jesus escolher a barca de Pedro para a pregação. À altura em que Lucas escreveu o Evangelho, não havia dúvida de que a barca de Pedro simbolizava a Igreja, a cuja chefia fora conduzido o pescador da Galileia.

Depois, faz Pedro lançar as suas redes para a pesca superabundante. E, não por último, mostra, em Pedro ajoelhado diante do Senhor, uma qualidade essencial ao discípulo de Jesus: a humildade, o reconhecimento da própria pequenez.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Quanta gente às margens do lago!

Frei Almir Guimarães

Depois Jesus sentou-se, da barca, ensinava as multidões (Lc 5, 4)

♦ A primeira leitura, tirada de Isaías, poderia nos levar a fazer uma necessária, urgente e indispensável reflexão sobre a santidade de Deus. Serafins, anjos puríssimos, circundam a Beleza, o Altíssimo, Aquele que é três vezes santo. Até que ponto somos buscadores do verdadeiro Deus, aquele que pode abrasar de amor nosso coração? Quem é Deus para nós? Esta pergunta não pode deixar de ser feita? Nada de arrastar caricaturas de Deus até o fim da vida.

♦ Vamos agora nos deter na página do Evangelho de Lucas ora proclamada. Não estamos no templo, mas na cidade, no meio da vida, às margens do lago de Tiberíades, no burburinho. Carrinhos com figos e laranjas. Mães puxando seus filhos pela mão. Arrastando-os. Ancião com bengala. Cachorros bebendo água das poças. Um casal de namorados. Uma mulher preparando bolinhos de arroz. A multidão apertava Jesus. Gente perto de gente, grudados uns nos outros. Uns se tocando nos outros. Vieram para ouvir a palavra. Tudo indicava que esse Jesus tinha coisas importantes a lhes dizer. Jesus consegue se desvencilhar da multidão ao ver duas barcas paradas. Ele sobe na barca que era a de Simão. Pede que a afastem um pouco da margem… e começa a falar.

♦ Fala, palavra, comunicação. O que temos dentro de nós e queremos dizer aos outros, fazemo-lo de muitos modos como pelo olhar, por um abraço, por um fremir do semblante, as mais das vezes por palavras. Somos seres que nascemos por dentro, que alimentamos a nossa vida com a palavra que sai do coração dos outros (pais, amigos, companheiros, mestres) e morre dentro de nós. A palavra dita passa a viver e morrer dentro de nós. Até que ponto falamos e escutamos? O evangelho diz que as pessoas vieram para ouvir a palavra. Temos vontade de ouvir.

♦ José A. Pagola faz uma reflexão sobre os pregadores que poderia ser inserida aqui: “As pessoas não querem ouvir dos pregadores uma palavra qualquer; esperam uma palavra diferente, nascida de Deus, como a de Jesus. É o que se deve esperar de um pregador cristão. Uma palavra dita com fé. Um ensinamento arraigado no ensinamento de Jesus. Uma mensagem na qual se possa ver sem dificuldade a verdade de Deus e na qual se possa ouvir seu perdão, sua misericórdia insondável e também seu apelo à conversão. Provavelmente muitos esperam hoje dos pregadores cristãos essa palavra humilde, sentida, realista, tirada do Evangelho, meditada pessoalmente no coração e pronunciada com o Espírito de Jesus” (Pagola, Lucas, p. 94).

♦ E a fala de Jesus: “Estou no meio de vocês.. pelo meu modo de ser, minhas atitudes e minha fala digo o que tenho dentro de mim, no meu coração de Filho amado do Pai. Ele colocou em mim todas as suas complacências. O Pai quer bem a todos. Vocês foram inventados por ele. Procurem o Pai. Entrem em seus quartos. Não fiquem na agitação. O Pai que cuida das vestes belas dos lírios e dos pássaro se ocupa prioritariamente de vocês. Procurem mergulhar no amor do Pai. Estou aqui como presença dele. Que bom que vieram me ouvir. Sejam bons, profundamente bons. Que ninguém seja privado de suas carinhosas atenções”. Somos ouvintes atentos da Palavra?

♦ A vida nem sempre nos sorri. Nem sempre a pesca é abundante. Jesus tem uma palavra de ânimo. Vamos em frente. Avançar em águas mais profundas. Por vezes trabalhamos, lutamos mas nada de resultado… A vida parece sem gosto. Há os que desistem. Simão: “Mestre, em atenção à tua palavra vou lançar as redes”. Coragem… e a pesca foi tão numerosa que foi preciso chamar os pescadores de outras barcas. Sair de uma religião que busca ‘resultadinhos’… Profundidade pessoal, entrar num esquema de santidade.

♦ Pedro faz a experiência da falha, do pecado de não ter confiado em Jesus. Tantas provas de amor e o pescador não havia confiado no Mestre. Experiência do pecado diante do esplendor do Mestre. Pedro é um homem de coração sincero. Surpreendido pela copiosa pesca lança-se aos pés de Jesus: “Afasta-te de mim porque sou um homem pecador”. Na primeira leitura, Isaías também reconhece a grandeza de Deus e um serafim toma uma brasa ardente e vem lhe queimar os lábios e seu pecado. Belíssima postura de reconhecimento do pecado e da falta. Até que ponto nutrimos no coração sentimento de dor por termos amado tão pouco e tão mal?

♦ A frágeis pescadores Jesus confia uma missão sem igual: pescadores de peixes serão pescadores de homens. Apenas os apóstolos e seus sucessores? Ou também a nós viajantes da barca de Pedro que é a Igreja não deveríamos também avançar em águas profundas e anunciar a esperança. Palavra testemunho anunciada aos colegas de um comercio, aos vizinhos, aos amigos de nossos filhos. Como é que podemos hoje ser pescadores de homens?

♦ Os que ouviram a Jesus com todo o coração foram tocados. Lucas, assim, conclui seu texto: “Eles levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram a Jesus”.

♦ Havia muita gente à beira do lago…

Texto seleto

Dá-nos, Senhor, a capacidade de um gesto gratuito, pois o gratuito nos salva.

Há a luta pela vida, o tráfego apressado e sempre comprometido dos nossos passos, a necessidade do dinheiro, dos bens, disto e daquilo, em nome de que hipotecamos tempo, esforço, criatividade…

Mas dentro de nós permanecemos sedentos.

Falta-nos, por vezes, uma ato puro de liberdade.

Um ato que manifeste, no segredo, o que somos.

Por isso, te pedimos hoje a ousadia de um gesto gratuito: nem que seja abrir uma janela e olhar o céu; nem que seja reparara ternura no rosto dos que nos rodeiam; nem que seja um frágil minuto de silêncio diante da tua imensidão.

José Tolentino Mendonça, “Um Deus que dança”, Paulinas, p. 107


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Uma Palavra que vem de Deus

José Antonio Pagola

Ao chegar ao lago de Genesaré, Jesus vive uma experiência muito diferente da que viveu em seu povoado. As pessoas não o rejeitam, mas “se aglomeram ao seu redor”. Aqueles pescadores não procuram milagres, como os moradores de Nazaré. Querem “ouvir a Palavra de Deus”. É disso que precisam.

A cena é cativante. Não acontece dentro de uma sinagoga, mas no meio da natureza. As pessoas ouvem da margem; Jesus fala a partir das águas serenas do lago. Não está sentado numa cátedra, mas num barco. De acordo com Lucas, neste cenário humilde e simples Jesus “ensinava” às pessoas.

Esta multidão vem a Jesus para ouvir a “Palavra de Deus”. Intuem que ele lhes fala da parte de Deus. Não repete o que ouve outros dizerem; não cita nenhum mestre da lei. Essa alegria que sentem em seu coração só Deus pode despertá-la. Jesus os põe em comunicação com Deus.

Anos mais tarde, nas primeiras comunidades cristãs, diz-se que as pessoas se aproximam também dos discípulos de Jesus para ouvir a “Palavra de Deus”. Lucas volta a utilizar esta expressão audaz e misteriosa: as pessoas não querem ouvir deles uma palavra qualquer; esperam uma palavra diferente, nascida de Deus. Uma palavra como a de Jesus.

É o que se deve esperar sempre de um pregador cristão. Uma palavra dita com fé. Um ensinamento arraigado no evangelho de Jesus. Uma mensagem na qual se possa perceber sem dificuldade a verdade de Deus e na qual se possa ouvir seu perdão, sua misericórdia insondável e também seu apelo à conversão.

Provavelmente muitos esperam hoje dos pregadores cristãos essa palavra humilde, sentida, realista, extraída do Evangelho, meditada pessoalmente no coração e pronunciada com o Espírito de Jesus. Quando nos falta este Espírito, brincamos de profetas, mas na realidade não temos nada de importante a comunicar. Frequentemente acabamos repetindo com linguagem religiosa as “profecias” que se ouvem na sociedade.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

Pescar com Jesus: Igreja em missão

Pe. Johan Konings

O evangelho narra a vocação de Pedro, que ainda se chama Simão, para colaborar com Jesus. Passou a noite no lago sem apanhar nada. Na manhã seguinte, Jesus passa por aí. É o pior momento para pescar. Ainda assim, Jesus manda que lance novamente as redes. E, por incrível que pareça, Simão apanha tanto peixe que as redes começam a ceder e a barca aguenta o peso! Sente que algo extraordinário está acontecendo em sua vida. Como o profeta Isaías na presença do Senhor (1ª leitura), também Simão se sente pequeno e pecador. Joga aos pés de Jesus, que lhe faz compreender a lição do acontecimento: em vez de se esforçar inutilmente e por conta própria, Simão vai ter de pescar com Jesus! E em vez de peixes, vai apanhar gente para o Reino de Deus. Será pescador de homens, apóstolo.

Que é ser apóstolo? Essa palavra de origem grega significa missionário. O espírito do apóstolo-missionário é a disposição para pescar com Jesus. “Eis-me aqui”, disse o profeta Isaías (1ª leitura). O evangelho mostra que essa disponibilidade se prepara na vida real. Até pescar pode ser uma boa preparação.

E qual é o conteúdo dessa missão, mostra-o a 2ª leitura: o anúncio de Cristo morto e ressuscitado. Olhem só como Paulo, apóstolo de “segunda safra”, assume essa missão com a força! Para pescar na empresa de Jesus precisamos transmitir o que recebemos a seu respeito, a mensagem de sua vida, morte e ressurreição. Esta é o núcleo central do apostolado missão, da pastoral. Mas, para sermos escutados, talvez devamos abordar o assunto por outro lado, mais próprio da situação das pessoas. Pescaria, por exemplo. Ou futebol. Ou os problemas que afligem as pessoas. (Por isso, importa sermos sensíveis a esses problemas.)

De toda maneira, devemos chegar a comunicar que Jesus por sua vida e morte nos mostrou quem é Deus e qual é o sentido de nossa vida e de nossa história: amor até o fim, dom da vida. Transmitir isso é o que se chama a “tradição” cristã, a memória de Cristo que devemos manter viva (o sentido verdadeiro da palavra “tradição” é “transmissão”, não imobilidade; “vida”, não esclerose).

Essa história de Jesus valerá a pena reunir pessoas para escutá-la? Não a considerarão uma fábula? Pois bem, exatamente porque muitos estão sendo levados pelo materialismo e pelo pragmatismo, é preciso dizer-lhes que vale a pena viver para os outros e morrer por amor e fidelidade. Jesus é a prova disso: ele é a ressurreição, a vida através da morte por amor, a vitória sobre o pecado e a injustiça.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella