Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

5º Domingo da Páscoa

5º Domingo da Páscoa

A novidade amorosa que é o Reino de Deus

 

Frei Gustavo Medella

“Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,5a)

“Eu vos dou um novo Mandamento” (Jo 13,34a)

O tema da novidade se faz presente com bastante ênfase nas leituras deste 5º Domingo da Páscoa. Pensando-se no significado do adjetivo “novo(a)” e dos diferentes sentidos que o termo pode assumir, vêm as perguntas: “O que garante a novidade de um mandamento apresentado por Cristo há mais de dois mil anos? Se um carro, uma casa ou uma roupa adquiridos como “novos”, depois de um ou poucos anos o deixa de ser, por que um ensinamento apresentado há tantos séculos ainda não pereceu?”

Talvez a resposta para estas dúvidas esteja na capacidade divina descrita no trecho do livro do Apocalipse, quando Aquele que está sentado no trono garante: “Eis que faço nova todas as coisas”. O caminho da novidade é, portanto, um caminho de compromisso “artesanal”. “Fazer nova todas as coisas” é um atributo de Deus que ele deseja partilhar com o ser humano, manifestando-o na capacidade de se re-encantar, na disposição para superar a provação, na coragem para vencer o sofrimento em vista de um bem maior, conforme constatam Paulo e Barnabé na 1ª Leitura, dos Atos dos Apóstolos: “É preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus” (At 14, 21b-27).

Cada vez alguém se propõe a um ato de amor, o mandamento de Cristo se faz verdadeiramente novo, nas atitudes mais simples, na disposição mais singela de quem, consciente de seus limites, se doa por inteiro num gesto amoroso, seja ele de perdão, de partilha, de acolhida, de serviço desinteressado e gratuito. Com sua Ressurreição, Jesus Cristo chama a todos para serem, com ele, construtores da novidade amorosa que é o Reino de Deus.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011. 


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Textos bíblicos para este domingo

Primeira Leitura: At 14,21b-27

Naqueles dias, Paulo e Barnabé 21bvoltaram para as cidades de Listra, Icônio e Antioquia. 22Encorajando os discípulos, eles os exortavam a permanecerem firmes na fé, dizendo-lhes: “É preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus”.

23Os apóstolos designaram presbíteros para cada comunidade. Com orações e jejuns, eles os confiavam ao Senhor, em quem haviam acreditado.

24Em seguida, atravessando a Pisídia, chegaram à Panfília. 25Anunciaram a palavra em Perge, e depois desceram para Atália. 26Dali embarcaram para Antioquia, de onde tinham saído, entregues à graça de Deus, para o trabalho que haviam realizado.

27Chegando ali, reuniram a comunidade. Contaram-lhe tudo o que Deus fizera por meio deles e como havia aberto a porta da fé para os pagãos.


Responsório: Sl 144

— Bendirei o vosso nome, ó meu Deus, meu Senhor e meu Rei para sempre.

— Bendirei o vosso nome, ó meu Deus, meu Senhor e meu Rei para sempre.

— Misericórdia e piedade é o Senhor,/ ele é amor, é paciência, é compaixão./ O Senhor é muito bom para com todos,/ sua ternura abraça toda criatura.

— Que vossas obras, ó Senhor, vos glorifiquem,/ e os vossos santos com louvores vos bendigam!/ Narrem a glória e o esplendor do vosso reino/ e saibam proclamar vosso poder!

— Para espalhar vossos prodígios entre os homens/ e o fulgor de vosso reino esplendoroso./ O vosso reino é um reino para sempre,/ vosso poder, de geração em geração.


Segunda Leitura: Ap 21,1-5a

Eu, João, 1vi um novo céu e uma nova terra. Pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. 2Vi a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, de junto de Deus, vestida qual esposa enfeitada para o seu marido.

3Então, ouvi uma voz forte que saía do trono e dizia: “Esta é a morada de Deus entre os homens. Deus vai morar no meio deles. Eles serão o seu povo, e o próprio Deus estará com eles. 4Deus enxugará toda lágrima dos seus olhos. A morte não existirá mais, e não haverá mais luto, nem choro, nem dor, porque passou o que havia antes”.

5aAquele que está sentado no trono disse: “Eis que faço novas todas as coisas”. Depois, ele me disse: “Escreve, porque estas palavras são dignas de fé e verdadeiras”.


A expressão de fé em Jesus é o amor

Evangelho – Jo 13,31-33a.34-35

31Depois que Judas saiu, do cenáculo disse Jesus: ‘Agora foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele.

32 Se Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo, e o glorificará logo. 33 a Filhinhos, por pouco tempo estou ainda convosco.

34 Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. 35 Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros.’.


* 31-38: O mandamento novo supera todos os outros mandamentos. Deus e o homem são inseparáveis. E é somente amando ao homem que amamos a Deus. Em Jesus, Deus se fez presente no homem, tornando-o intocável. Tal mandamento novo gera uma comunidade, que oferece uma alternativa de vida digna e liberdade perante a morte e a opressão.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexão do exegeta Frei Ludovico Garmus

5º Domingo da Páscoa

 Oração: “Ó Deus, Pai de bondade, que nos redimistes e adotastes como filhos e filhas, concedei aos que creem no Cristo a liberdade verdadeira e a herança eterna”.

  1. Primeira leitura: At 14,21b-27

Contaram à comunidade tudo o que Deus fizera por meio deles. 

Antes de concluir a primeira viagem missionária, Paulo e Barnabé tornaram a visitar as comunidades fundadas para encorajá-los e exortá-los a “permanecerem firmes na fé”. E diziam: “É preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus”. Os apóstolos sentem-se solidários com os fiéis recém-convertidos ao cristianismo. Mas o sofrimento e a oposição, o desprezo e a perseguição eram o caminho a ser percorrido para entrar no Reino de Deus. A conversão muitas vezes exigia romper com a família, com os costumes e vícios pagãos. Para dar solidez às novas igrejas, “designaram presbíteros para cada comunidade e os confiavam ao Senhor”, com jejuns e orações. Em seguida, voltaram a Antioquia a fim de prestar conta na comunidade reunida do sucesso da missão a eles confiada. Em Antioquia é que foram escolhidos pelo Espírito Santo e, depois de um jejum, orações e imposição das mãos, enviados para a missão. Os apóstolos não consideraram como sucesso pessoal os belos frutos da missão, mas “contaram tudo o que Deus fizeram por meio deles e como havia aberto a porta da fé para os pagãos”. O Espírito Santo é a “força” prometida por Jesus para serem testemunhas suas “em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, até os confins da terra” (At 1,8). É o mesmo Espírito que nos impulsiona, ainda hoje, a anunciar o Evangelho e dar testemunho de nossa fé.

Salmo responsorial: Sl 144

       Bendirei o vosso nome, ó meu Deus,

            meu Senhor e meu Rei para sempre.

  1. Segunda leitura: Ap 21,1-5a

Deus enxugará toda lágrima dos seus olhos.

 A segunda leitura inicia a visão que contêm a última revelação do livro do Apocalipse, recebida pelo vidente. O texto caracteriza-se pela palavra novo/nova, repetida quatro vezes. Ele vê um “novo céu e uma nova terra”. Na concepção bíblica, a expressão “céu e terra” engloba toda a realidade que existe entre estes dois pontos extremos. Indica a totalidade do até então conhecido. A nova realidade substitui a anterior, marcada pelo pecado, pela violência e pela morte, derrotadas pelo Cordeiro. A nova realidade caracteriza-se pela ausência do mal e presença do bem. A nova Jerusalém desce do céu, isto é, vem de Deus, e está vestida como uma noiva, para celebrar o casamento com o Cordeiro. Uma voz que sai do trono (Deus) explica o que é este casamento: “Esta é a morada de Deus entre os homens” (cf. Ap 7,15: 2ª leitura do 4º Domingo da Páscoa). “Deus vai morar no meio deles”, como já morou em Jesus de Nazaré (cf. Jo 1,14; Mt 1,23). “Eles serão o seu povo, e o próprio Deus estará com eles”. É a imagem da união conjugal que melhor expressa a comunhão de amor entre Deus e o seu povo (cf. Ef 5,21-33). Nessa nova realidade não haverá mais lágrimas, morte, luto nem dor. Será a plena realização do Reino de Deus anunciado por Jesus. Ele, o Cordeiro imolado, agora sentado no trono, é a garantia deste novo céu e nova terra: “Eis que faço novas todas as coisas” (Evangelho).

Aclamação ao Evangelho: Jo 13,34

    Eu vos dou novo preceito: que uns aos outros vos ameis:

            Como eu vos tenho amado.

  1. Evangelho: Jo 13,31-33a.34-35

Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros.

O Evangelho que acabamos de ouvir é o testamento de Jesus, sua última vontade antes de enfrentar a morte. Jesus encaminha-se para sua glorificação, pelo caminho da exaltação na cruz. Em vida, Jesus dizia: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas” (10,11). Durante a última ceia disse: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos”. Chegando a hora de mostrar este amor, Jesus nos deixa o mandamento do amor. Fala aos discípulos com a ternura de um pai: “Filhinhos”. Este novo mandamento que nos dá ultrapassa o mandamento do amor ao próximo como a si mesmo. O mandamento do amor que Jesus deixa aos discípulos é o amor capaz de dar a vida pelos que ama: “Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”. É assim que seremos reconhecidos como discípulos de Jesus.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Não é fácil viver o Cristianismo

Frei Clarêncio Neotti

Essa entrega de si mesmo aos outros, sem nada pedir em troca, Jesus a chamou de amor. E é desse amor de que fala hoje (v. 34). Compreendemos, então, porque ele o chama de novo. O amor pode ter mil faces, desde que seu motor seja “como eu vos amei” (v.34), isto é, seja como o amor com que Cristo glorificou o Pai, um amor gratuito, que nada pede em troca a não ser a alegria de que o Pai receba essa expressão de amor como glorificação. Não é qualquer gesto caritativo que distingue o cristão nem um amor genérico, que é mais sinônimo de gosto que de entrega. Ninguém dirá que Jesus gostou da paixão e da cruz, por isso gostou de ser nela pregado. Isso seria sadismo e não amor. No amor ensinado por Jesus não há lugar para simpatias e antipatias, que tanto condicionam nossos gestos.

Esse ‘mandamento novo’ de Jesus é duro de se entender e mais duro de se praticar. Assemelha-se ao discurso em que promete dar de comer seu corpo e de beber seu sangue (Jo 6,53-56). Muitos discípulos disseram: “Estas palavras são duras. Quem as pode aceitar?” (Jo 6,60). Jesus não retirou sua promessa. Como não há de retirar suas palavras da Última Ceia. Não são as medalhas que levamos ao peito nem o número de comunhões que fazemos que garantem a genuinidade do nosso Cristianismo, mas sim a gratuidade de nossos gestos de caridade.

A gratuidade é uma virtude rara na sociedade de hoje, tão sensível a pagamentos e recompensas. Além do mais a vida de cada dia ensina que vencem os espertos, os dribladores das leis. O que conta não é meu próximo, mas meus interesses. Ao que não me traz vantagens dou indiferença. Também hoje a pregação do amor gratuito, marcado pelo desapego, pela renúncia consciente, amor pautado no Cristo crucificado soa como grande novidade. Quem tem coragem de ser discípulo de Jesus (v. 35)?


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

O que conta mesmo é o amor e nada mais!

Frei Almir Guimarães

Precisamente porque faz o ser humano enraizar-se em seu verdadeiro ser, o amor dá cor à vida, alegria, sentido interno. Quando falta o amor a pessoa pode conhecer o êxito, o prazer, a satisfação do trabalho bem feito, mas não a alegria e o sabor que só o amor pode trazer.
José Antonio Pagola

♦ Continuamos nossa caminhada ao longo do tempo pascal e vamos deixando que o Mestre Ressuscitado modele o coração da Igreja e de cada um. Não há dúvida: o que importa de verdade é amar de verdade. Não qualquer “aquecimento sentimental” do coração, mas uma existência aberta, voltada para os outros. E será precisamente pelo amor que os discípulos serão reconhecidos como sendo do Senhor.

♦ Tudo começa no seio da Trindade. As pessoas divinas se amam, se entregam num jogo irrestrito de dom. Um da Trindade, o Filho, o Verbo veio até nós para viver do amor e dar a sua vida pela vida de muitos. Nós somos resultados de um sonho e de um projeto de amor de Deus que deseja nos fazer participantes desse jogo de bem querer, dessa imensa alegria de existirmos para os outros. Inventados pelo amor somos fadados a ser homens e mulheres do dom.

Vede como eles se amam

◊ No entardecer de nossas vidas seremos julgados pela qualidade de nosso amor pelos outros. Os cristãos, segundo as Escrituras, eram reconhecidos devido ao amor que exprimiam e viviam. Como se vive concretamente o amor?

♦ Amar, antes de mais nada, significa respeitar o outro, respeito que vai se manifestar de muitos modos: acolhida, nunca provocar situações que diminuam sua grandeza e de sua nobreza de ser humano. Fazer lugar para escutar e olhar.

♦ Respeito pela dignidade de ser humano e porque o homem é imagem de Deus.

♦ Amar significa (que bom que seja assim) acolher o diferente e a diferença na cor, na cultura, na formação, na religião, na maneira de estruturar-se como pessoa.

♦ O amor se traduz em gestos de serviço desde os mais simples até o mais complexos: dar banho num doente, visitar os doentes, fazer com que descansem nossos queridos cansados e assumir o seu fardo.

♦  Em nível mais amplo o amor significa a criação e defesa de políticas que zelem para dignidade do outro: pão para a mesa, casa digna de um filho de Deus, instrução das escolas, descanso para os que trabalham. Amar é buscar o outro por causa do outro em vista do bem do outro.

♦ Amar significa não ser conivente com tudo aquilo que banaliza o ser humano, todo hedonismo tolo, toda existência açodada sem pensamento, sem silêncio, sem vida interior.

♦ Amar é fazer com que as pessoas redescubram sua verdade mais profunda e deixem de trilhar caminhos de superficialidade que farão com que a médio prazo vão se dar conta de que perderam a viagem da vida.

♦ Amar quer dizer preservar a boa fama do outro, nas conversas, nos escritos, na mensagens eletrônicas.

♦ Amar é adivinhar aquilo que o outro precisa com urgência independentemente de meus interesses pequenos.

♦ Amar é desistir de fazer a vida uma eterna luta para competir com o outro. Amar é, pois, não viver em espírito de competição.

♦ Amar é gostar de estarmos juntos com outros diante do Senhor. Mesmo esses outros diferentes.

♦ Amar é eliminar da vida todo sectarismo, guetos e fortalezas para se proteger.

♦ “Vede como eles se amam…”

Campos prioritários

♦ Os cristãos não podem ser inertes.

♦ Na vida cristã há três trilhas a serem percorridas: oração, estudo e ação.

♦ Cuidar dos mais próximos e cuidar bem: o cônjuge, os filhos, os filhos que chegam do outro numa segunda união.

♦ Os familiares mais abandonados porque têm uma ficha suja.

♦ Os idosos e os doentes.

♦ Os que precisam ser ajudados a morrer humana e dignamente.

♦ Ter a capacidade de olhar os vizinhos.

♦ As crianças: os que nascem e são apenas tolerados, os sem família, os que crescem sem alma e abertura para o Mistério.

♦ Os mais fragilizados dessa sociedade de exclusão.


Oração

Senhor, neste mundo insolidário e frio
queremos buscar-te.
Nos bairros marginais e zonas periféricas
queremos encontrar-te.
Nos que a sociedade esconde e esquece
queremos ver-te.
Nos que não contam para a cultura dominante
queremos descobrir-te.
Nos que carecem do básico e do necessário
queremos acolher-te.
Nos que pertencem a reverso da história
queremos abraçar-te.

F. Ulíbarri


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Comunidade de amizade

José Antonio Pagola

Jesus compartilha com seus discípulos os últimos momentos antes de voltar ao mistério do Pai. O relato de João recolhe cuidadosamente seu testamento: o que Jesus quer deixar gravado para sempre em seus corações: “Eu vos dou um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei”.

O evangelista João tem sua atenção voltada para a comunidade cristã. Não está pensando nos de fora. Quando Jesus faltar, em sua comunidade terão que amar-se como “amigos”, porque assim quis Jesus: “Vós sois meus amigos”; “já não vos chamo servos, mas chamei-vos amigos”. A comunidade de Jesus será uma comunidade de amizade.

Esta imagem da comunidade cristã como “comunidade de amigos” bem depressa foi esquecida. Durante muitos séculos, os cristãos se viram a si mesmos como uma “família” onde alguns são “pais” (o papa, os bispos, os sacerdotes, os abades … ); outros são “filhos” (os fiéis), e todos hão de viver como “irmãos”. Entender assim a comunidade cristã estimula a fraternidade, mas tem seus riscos. Na “família cristã” tende-se a sublinhar lugar que corresponde a cada um. Destaca-se o que nos diferencia, não que nos une; dá-se muita importância à autoridade, à ordem, à unidade, à subordinação. E se corre o risco de promover a dependência, o infantilismo e a irresponsabilidade de muitos.

Uma comunidade baseada na “amizade cristã” enriqueceria e transformaria hoje a Igreja de Jesus. A amizade promove o que nos une, não o que nos diferencia. Entre amigos se cultiva a igualdade, a reciprocidade e o apoio mútuo. Ninguém está acima de ninguém. Nenhum amigo é superior a outro. Respeitam-se as diferenças, mas se cuida da proximidade e da relação.

Entre amigos é mais fácil sentir-se responsável e colaborar. E não é difícil estar abertos aos estranhos e diferentes, aos que necessitam de acolhida e amizade. De uma comunidade de amigos é difícil sair. De uma comunidade fria, rotineira e indiferente, a gente vai embora, e os que ficam dificilmente sentem a nossa falta.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

Um Mandamento novo para um mundo novo

Pe. Johan Konings

Muitas pessoas hoje demonstram desânimo. As notícias são deprimentes. Guerras intermináveis, que sempre de novo inflamam por baixo das brasas. Populações africanas que se apagam pela fome, pelas epidemias. Cruéis guerras religiosas na Ásia, na Indonésia. Extermínio das crianças meninas na China. Violência em nossos bairros, corrupção em nossas instituições. E mesmo na Igreja …

Existe alguém que possa dar um rumo a este mundo? A resposta é: você mesmo, mas não sozinho. Alguém faz aliança com você. Ou melhor: com vocês, como comunidade. E em sinal dessa aliança, deixou-lhes um exemplo e modo de proceder: um novo mandamento. “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei” – isto é, até o fim, até o dom da própria vida, seja vivendo, seja morrendo. É o que nos recorda o evangelho de hoje.

Não há governo ou poder que nos possa eximir deste mandamento. Só se o assumirmos como regra de nossa vida, o mundo vai mudar. Não existe um mundo tão bom e tão bem governado, que possamos deixar de nos amar mutuamente com ações e de verdade. Mas, por mais desgovernado que o mundo seja, se nos amarmos mutuamente como Jesus nos tem amado, o mundo vai mudar. Por que, então, depois de dois mil anos de cristianismo, o mundo está tão ruim assim? A este respeito podem-se fazer diversas perguntas, por exemplo: Será que os homens se têm amado suficientemente com o amor que Jesus nos mostrou? E como seria o mundo se não tivesse existido um pouco de amor cristão? Não seria bem pior ainda?

O Apocalipse, lido nas liturgias deste tempo pascal, muitas vezes é considerado um livro de terror e de medo. Mas, na realidade, ele termina numa visão radiante da nova criação, da nova Jerusalém, simbolizando a indizível felicidade, a “paz” que Deus prepara para os que são fiéis ao novo mandamento de seu Filho (2ª leitura). A nova Jerusalém é o povo de Deus envolvido pelo esplendor, ainda escondido, do amor de Cristo, que o torna radiante, como o amor do noivo torna radiante a sua amada. Quem é amado e se entrega ao amor, torna-se amor!

É isso que deve acontecer entre nós. Jesus nos amou até o fim. Nossa comunidade ec1esial deve transformar-se em amor, irradiando um mundo infeliz e desviado por interesses egoístas e mortíferos. Ao invés de ver somente o lado ruim da Igreja – talvez porque nosso olho é ruim -, vamos tratar de ver a Igreja como uma moça um tanto desajeitada e acanhada, mas que aos poucos vai sentindo quanto ela está sendo amada e, por isso, se torna cada dia mais amável e radiante. Ora, para isso, é preciso que deixemos penetrar em nós o amor de Deus e o façamos passar aos nossos irmãos, não em palavras, mas com ações e de verdade.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella