Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

30º Domingo do Tempo Comum

30º Domingo do Tempo Comum

Digestão e conversão na busca do amor a si mesmo

 

Frei Gustavo Medella

No Evangelho deste 30º Domingo do Tempo Comum, mais uma vez recebe destaque o tema do Amor a Deus, ao próximo e a si mesmo. É o núcleo de prática cristã que Jesus apresenta a partir do próprio testemunho do amor incondicional que o Senhor nutre pela humanidade. São três versículos (Lc 22,37-39) que servem como base da vida e da atuação de todo aquele que se decide pelo seguimento de Cristo. Nesta breve reflexão, gostaria de propor um olhar mais atento sobre a última parte da prescrição apresentada: “… como a ti mesmo”. O que significa propriamente este “amor a si mesmo”?

O amor próprio não pode ser confundido com autopiedade ou autocomplacência, muito menos com a postura egoísta de quem se torna viciado em olhar apenas para o próprio umbigo, defendendo com unhas e dentes os próprios interesses e conveniências. Também não se confunde com uma vaidade alienada daquele que vive se autoincensando e que gasta uma energia imensa para sempre se apresentar como alguém bem-sucedido e sem defeitos. Todas estas manifestações poderiam ser enquadradas como uma espécie de caricatura do chamado amor próprio.

Na perspectiva cristã, portanto, o amor a si mesmo se aproxima de uma postura marcada por duas atitudes complementares: a autoaceitação e o espírito de conversão. A primeira consiste numa atitude grata e positiva diante da própria existência quando, pela fé, a pessoa se descobre amada por Deus do jeito que é, com suas qualidades, dificuldades, alegrias, angústias, tristezas, possíveis condicionamentos, acolhendo com humildade todos os passos da própria história. Mais do que fantasmas a serem expulsos e exorcizados, a autoaceitação faz a pessoa enxergar os próprios defeitos e fragilidades como realidades a serem digeridas e trabalhadas internamente.

E aqui, neste momento, adquire protagonismo a segunda atitude, a conversão. É hora de aproveitar positivamente os nutrientes advindos do “processo digestivo” da autoaceitação. A pergunta de base, neste processo, pode ser: “De que forma minhas características de personalidade, a história que vivi, as dores e alegrias que passei podem me tornar uma pessoa melhor?”. Desta forma, unindo autoaceitação e conversão, o discípulo de Cristo vai crescendo no amor a si mesmo e passa a perceber neste trabalho consigo mesmo elemento fundamental de seu engajamento missionário no testemunho do amor a Deus e ao próximo.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas deste domingo

Primeira Leitura: Êx 22,20-26

Assim diz o Senhor: 20 Não oprimas nem maltrates o estrangeiro, pois vós fostes estrangeiros na terra do Egito. 21 Não façais mal algum à viúva nem ao órfão. 22Se os maltratardes, gritarão por mim, e eu ouvirei o seu clamor. 23 Minha cólera, então, se inflamará e eu vos matarei à espada; vossas mulheres ficarão viúvas e órfãos os vossos filhos.

24 Se emprestares dinheiro a alguém do meu povo, a um pobre que vive ao teu lado, não sejas um usurário, dele cobrando juros. 25 Se tomares como penhor o manto do teu próximo, deverás devolvê-lo antes do pôr-do-sol. 26 Pois é a única veste que tem para o seu corpo, e coberta que ele tem para dormir. Se clamar por mim, eu o ouvirei, porque sou misericordioso.


Salmo Responsorial: Sl 17

— Eu vos amo, ó Senhor,/ sois minha força e salvação.

— Eu vos amo, ó Senhor,/ sois minha força e salvação.

— Eu vos amo, ó Senhor!/ Sois minha força,/ minha rocha, meu refúgio e Salvador!/ Ó meu Deus, sois o rochedo que me abriga,/ minha força e poderosa salvação.

— Ó meu Deus,/ sois o rochedo que me abriga,/ sois meu escudo e proteção: em vós espero! Invocarei o meu Senhor:/ a ele a glória!/ E dos meus perseguidores serei salvo!

— Viva o Senhor!/ Bendito seja o meu Rochedo!/ E louvado seja Deus, meu Salvador!/ Concedeis ao vosso rei grandes vitórias/ e mostrais misericórdia ao vosso Ungido.


Segunda Leitura: 1Ts 1,5c-10

Irmãos: 5c Sabeis de que maneira procedemos entre vós, para o vosso bem. 6 E vós vos tornastes imitadores nossos e do Senhor, acolhendo a Palavra com a alegria do Espírito Santo, apesar de tantas tribulações. 7 Assim vos tornastes modelo para todos os fiéis da Macedônia e da Acaia.

8 Com efeito, a partir de vós, a Palavra do Senhor não se divulgou apenas na Macedônia e na Acaia, mas a vossa fé em Deus propagou-se por toda parte. Assim, nós já nem precisamos falar, 9 pois as pessoas mesmas contam como vós nos acolhestes e como vos convertestes, abandonando os falsos deuses, para servir ao Deus vivo e verdadeiro, 10 esperando dos céus o seu Filho, a quem ele ressuscitou dentre os mortos: Jesus, que nos livra do castigo que está por vir.


O centro da vida
Evangelho: Mt 22,34-40

-* 34 Os fariseus ouviram dizer que Jesus tinha feito os saduceus se calarem. Então eles se reuniram em grupo, 35 e um deles perguntou a Jesus para o tentar: 36 «Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?» 37 Jesus respondeu: «Ame ao Senhor seu Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma, e com todo o seu entendimento. 38 Esse é o maior e o primeiro mandamento. 39 O segundo é semelhante a esse: Ame ao seu próximo como a si mesmo. 40 Toda a Lei e os Profetas dependem desses dois mandamentos.»

* 34-40: Cf. nota em Mc 12,28-34.[ * 28-34: Jesus resume a essência e o espírito da vida humana num ato único com duas faces inseparáveis: amar a Deus com entrega total de si mesmo, porque o Deus verdadeiro e absoluto é um só e, entregando-se a Deus, o homem desabsolutiza a si mesmo, o próximo e as coisas; amar ao próximo como a si mesmo, isto é, a relação num espírito de fraternidade e não de opressão ou de submissão. O dinamismo da vida é o amor que tece as relações entre os homens, levando todos aos encontros, confrontos e conflitos que geram uma sociedade cada vez mais justa e mais próxima do Reino de Deus.]

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus

30º Domingo do Tempo Comum

Oração: “Deus eterno e todo-poderoso, aumentai em nós a fé, a esperança e a caridade e dai-nos amar o que ordenais para conseguirmos o que prometeis”.

Primeira leitura: Ex 20,20-26

Se fizerdes algum mal à viúva e ao órfão,
Minha cólera se inflamará contra vós.

Após a destruição de Samaria (722 a.C.) e a anexação do Reino do Norte (Israel) pela Assíria, muitos israelitas refugiaram-se em Judá, especialmente, em Jerusalém. Quando Samaria foi destruída, os refugiados do reino de Israel tornaram-se “estrangeiros” em Judá, e passaram a receber a mesma proteção que já recebiam as viúvas e os órfãos. Neste contexto surge a lei que os protege. O motivo para este gesto de solidariedade é que também “vós fostes estrangeiros na terra do Egito”. Tanto em Judá como em Israel havia a crença que Javé (o Senhor) libertou o povo hebreu da escravidão do Egito e fez com eles uma Aliança. O mesmo Deus libertador apresenta-se como o defensor da viúva e do órfão. Por isso quem pertence ao povo da Aliança deve também proteger “o estrangeiro, o órfão e a viúva” (Dt 14,28-29; 16,11-14; 24,19-21). Motivo: “porque sou misericordioso”, isto é, sofre junto com os mais pobres. Jesus dirá: “Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36). Jesus coloca o amor ao próximo como a si mesmo como o segundo maior mandamento (Evangelho).


Salmo responsorial: Sl 17 (18)

Eu vos amo, ó Senhor, sois minha força e salvação.

Segunda leitura: 1Ts 1,5c-10

Vós vos convertestes, abandonando os falsos deuses,
Para servir a Deus, esperando o seu Filho.

Paulo se alegra com os cristãos de Tessalônica, que acolheram “a Palavra com a alegria do Espírito Santo”. Abandonaram os falsos deuses e se converteram à mensagem do Evangelho, “para servir o Deus vivo e verdadeiro”. Em meio às perseguições que sofriam, tornaram-se imitadores de Paulo e do próprio Cristo. O que os anima é a fé na ressurreição dos mortos e a esperança na vinda próxima do Senhor. A vivência nesta vida de fé e esperança fez deles um exemplo, conhecido de todos na região. Era uma comunidade fervorosa, um modelo para outras comunidades na difusão do reino de Deus. Acolheram com alegria a Palavra e colocaram-se à serviço de Jesus Cristo e dos irmãos. – Nos tempos difíceis que estamos passando, o texto nos convida a mantermos firme nossa fé e esperança, servindo com amor a Deus e ao próximo.


Aclamação ao Evangelho

Se alguém me ama, guardará a minha palavra,
E meu Pai o amará, e a ele nós viremos.

Evangelho: Mt 22,34-40
Amarás o Senhor teu Deus, e ao teu próximo como a ti mesmo.

A pergunta dos fariseus reflete o embaraço que eles mesmos sentiam diante das 248 prescrições e 365 proibições em que especificavam as obrigações da Lei de Moisés. Na resposta Jesus extrai o primeiro e maior mandamento do Xemá Yisrael (“Escuta, Israel”), oração oficial que o judeu devia recitar duas vezes ao dia: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento” (Dt 6,4-5). Jesus responde que este é o maior dos mandamentos, mas o aproxima do segundo maior mandamento, que considera “semelhante ao primeiro”, citando Lv 19,8: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Destes dois grandes mandamentos – diz Jesus – dependem toda a Lei e os profetas. Os dez mandamentos do Catecismo da Igreja Católica também se resumem nos mandamentos do amor a Deus (1º ao 3º mandamento) e do amor ao próximo (4º ao 10º mandamento). Em Mc 12,32-34 um escriba confirma o modo como Jesus resume toda a Lei em dois mandamentos. E o texto paralelo de Lucas termina com a pergunta do fariseu: “E quem é o meu próximo?”, pois em Lv 19,8 o próximo é alguém do próprio povo. E Jesus lhe responde com a parábola do Bom Samaritano: o próximo é aquele de quem eu me aproximo, podendo ser um estrangeiro ou alguém desconhecido, que precisa do meu cuidado.

Mateus, ao dizer “o segundo mandamento é semelhante ao primeiro” equipara os dois mandamentos. Com ele concorda a Primeira Carta de João: “Quem não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (1Jo 4,20). É uma contradição dizer “eu amo a Deus” se não amar o próximo!


FREI LUDOVICO GARMUS, OFM,é professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

O amor é o cumprimento da lei

Frei Clarêncio Neotti

Por que a pergunta do fariseu era uma armadilha? A pergunta não era nova. Todos os rabinos procuravam respondê-la para seus discípulos. Tratava-se de resumir em uma norma tudo o que significava bom comportamento. Os rabinos haviam compilado uma lista de 613 preceitos. Deles, 248 eram ‘positivos’ (mandavam fazer alguma coisa); e 365 eram ‘negativos’ (proibiam fazer alguma coisa). Além disso, muitos obrigavam gravemente, outros obrigavam levemente. Era a esses preceitos que Jesus se referia, quando repreendeu os fariseus com as duras palavras: “Amarram pesadas cargas e as põem nas costas do povo e vocês nem com o dedo querem tocá-las” (Mt 23,4).

Jesus responde com palavras da Escritura, de textos que os fariseus sabiam de cor. A primeira frase é do Deuteronômio 6,5; e a segunda é do Levítico 19,18. Com elas, Jesus resume todas as leis e todos os ensinamentos. Mais tarde, o Apóstolo Paulo dirá: “Todos os preceitos se resumem nesta palavra: amarás o próximo como a ti mesmo. O amor é o cumprimento da lei” (Rm 13,9-10).

Jesus não disse palavras novas na sua resposta. Aproximou duas frases que todos sabiam de cor e com isso confirmou que é irrepreensível aquele que tem vivas as dimensões para Deus, para o próximo e para dentro de si mesmo. No equilíbrio dinâmico dessas dimensões, resumem-se todos os ensinamentos, tanto os divinos (profetas) quanto os humanos (legislação). A armadilha da pergunta consistia na provável omissão de algum preceito importante, que facilitasse a acusação de desleixo, ignorância ou ensinamento errado, que possibilitaria chamá-lo de ‘falso mestre’.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFM, entrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

O amor precisa de mandamento?

Frei Almir Guimarães

♦ Tema do amor, mandamento e testamento do Senhor. Somos discípulos daquele que, por amor, deu a vida no alto do madeiro. Ressoa sempre diante de nossos ouvidos as palavras Daquele que amou até o fim: amar a Deus de todo o coração, amor ao próximo como a nós mesmo, não há maior amor do que dar a vida pelos seus. Amor, palavra gasta, colocada em tudo tantas vezes sem critério. O amor é o que é de mais importante numa existência. Ele nos arranca da banalidade de anos em que se podemos ter dançado a dança macabra em torno de nós mesmos num pequeno e tacanho universo.

♦ A Trindade, essa fornalha de dom, de entrega, de ventura de amor. Mistério dos Mistérios. Não conseguimos imaginar. O amor é difuso. Não fica em si. Quer expandir. O fogo do amor trinitário a tudo cria por amor. Os espaços, os planetas, a terra, o sol, os colibris, a chuva e o bom tempo, o homem e a mulher: expressões de um amor que se difunde da fogueira de amor da Trindade. E quando chegou a plenitude dos tempos o amor se manifesta nos olhinhos de um garoto na Palestina e de um homem estira os braços na cruz do Gólgota. Tudo dom. Tudo excesso de amor. Dois amores num amor: ao Senhor e ao irmão. Três amores: amar a si mesmo.

♦ Ao Senhor toda honra e toda glória. Fonte, mistério, destino, rochedo, baluarte. Um Tu a nos sustentar. O que queres de mim? Reconhecimento. Ele nos inventou. Valemos para ele com a pupila de seus olhos. Vivemos nele e nele somos. Fundamental privar de sua intimidade em nossa verdade mais profunda. Saborear os salmos. Desobstruir todos os canais para que a escuta de sua voz se faça ouvir. Não ser surdo ao que ele pede. Deixa-se seduzir por seu mistério. Permitir que ele nos leve ao deserto para nos sussurrar: “Vamos caminhar juntos… tu vales aos meus olhos!”

♦ Querer bem ao outro. Aos de perto e aos de longe. Aos peregrinos e aos mais próximos. Não se trata apenas de gestos de civilidade, de boas maneiras. Significa existir para. Colocar o outro no centro: o filho, os pais, os colegas de trabalho, o diferente, o certinho e o ‘erradinho’, os refugiados, do infectados. O amor requer previdência e providências. Fidelidade à verdade do outro e paciência com suas lentidões. Amar o outro é desejar que ele seja… Esse amor fraterno tem muitos nomes. Somos convidados a ler e reler o cap. 13 da 1ª. aos Coríntios.

♦ Muitas vezes esse amor fraterno é paciência, sempre firmeza, fidelidade. Por vezes tolerância. Em outras ocasiões, perdão. Sofrer com seus sofrimentos e rir com seu rir. Por vezes é feito de silêncio respeitoso e a decisão de não espalhar aos quatro ventos aquilo que o torna menos belo. E, contudo, isso o amor corrige, pode mudança.

♦ Missal dominical e festivo da Paulus: “A atenção a Deus e a atenção ao homem não são tão facilmente separáveis. O cultivo da “vida interior” é um valor cristão, um valor permanente, como a necessidade de recolhimento. Mas a “vida interior”, quando é cristã, não é monólogo nem é falar com Deus só. Encontrando Deus na oração, o cristão, mais cedo ou mais tarde, encontra inevitavelmente os homens que Deus cria e quer salvar. Ele não pode deixar de subscrever estas linhas de Paul Ricoeur: “Minha fonte interior é a fonte de minhas relações exteriores. Contrariamente à sabedoria meditativa e contemplativa do fim do paganismo grego ou do Oriente, a pregação cristã jamais opôs o ser ao fazer, o interior ao exterior, a teoria à práxis, a oração à vida, a fé às obras, Deus ao próximo. E sempre no momento em que a comunidade cristã se desfaz ou a fé decai, que ela abandona o mundo e suas responsabilidades, reconstruindo o mito da interioridade. Então o Cristo não é mais reconhecido na pessoa do pobre, do exilado e do prisioneiro”.

Oração

Senhor, ama-me

Ama-me Tu, Senhor,
ainda que eu não seja amável,
ainda que seja pobre,
ainda que não o mereça,
ainda que te ame pouco,
ama-me Tu, Senhor.

Quando me levanto pela manhã, cheio de sonhos,
quando me deito à noite, cheio de desilusões,
quando trabalho por inércia,
quando repouso e me sinto vazio,
quando rezo distraído,
quando não tenho vontade de te amar,
ama-me Tu, Senhor.

Quando penso amar-te
sem amar os homens,
quando me iludo de amar os homens
sem te amar
quando temo mar demasiado
ama-me tu, Senhor.

Quando tenho de me comprometer,
e tenho responsabilidades,
quando fujo do amor
quando ninguém me ama
ama-me Tu, Senhor.

Adriana Zarri


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Paixão por Deus e compaixão pelo ser humano

José Antonio Pagola

Quando as religiões esquecem o essencial, facilmente se adentram por caminhos de mediocridade piedosa ou de casuística moral, que não só incapacitam para uma sã relação com Deus, mas podem até prejudicar gravemente as pessoas. Nenhuma religião escapa deste risco.

A cena narrada nos evangelhos tem como pano de fundo uma atmosfera religiosa em que sacerdotes e mestres da Lei classificam centenas de mandamentos da Lei divina em “fáceis” e “difíceis”, “graves” e “leves”, “pequenos” e “grandes”. É quase impossível mover-se com um coração saudável nessa rede.

A pergunta que fazem a Jesus procura recuperar o essencial, descobrir o “espírito perdido”. Qual é o mandamento principal? O que é o essencial? Onde está o núcleo de tudo? A resposta de Jesus, como a de Hillel e outros mestres judeus, resume a fé básica de Israel: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu ser”. “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”.

Que ninguém pense que, ao falar do amor a Deus, se está falando de emoções ou sentimentos para com um Ser imaginário, nem de convites a orações e devoções. “Amar a Deus com todo o coração” é reconhecer humildemente o Mistério último da vida; orientar confiantemente a existência de acordo com sua vontade: amar a Deus como Pai, que é bom e nos quer bem.

Tudo isto marca decisivamente a vida, pois significa louvar a existência a partir de sua raiz; participar na vida com gratidão; optar sempre pelo bom e pelo belo; viver com coração de carne e não de pedra; resistir a tudo o que trai a vontade de Deus negando a vida e a dignidade de seus filhos e filhas.

Por isso o amor de Deus é inseparável do amor aos irmãos. Assim o lembra Jesus: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. O amor real a Deus não é possível sem dar atenção ao sofrimento de seus filhos e filhas.

Que religião seria aquela em que a fome dos desnutridos ou o excesso dos satisfeitos não provocasse nenhuma pergunta nem preocupação aos crentes? Não estão desencaminhados aqueles que resumem a religião de Jesus como “paixão por Deus e compaixão pela humanidade”.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

Amar a Deus e ao próximo

Pe. Johan Konings

Jesus resume a Lei, a norma ética, em “amar Deus e o próximo”. Tendo claro que “amar”, neste contexto, não significa mero sentimento, mas opção ética, podemos desdobrar este ensinamento em duas perguntas:

1) Pode-se amar Deus sem amar ao próximo? Não. Já na antiga “Lei da Aliança”, mil anos antes de Cristo, “amar a Deus” significa, concretamente, ajudar ao próximo: a viúva, o órfão, o estrangeiro, o povo em geral: o direito do pobre clama a Deus (1ª leitura).

Na mesma linha, Jesus, interrogado sobre qual é o maior mandamento, vincula o amor a Deus ao amor ao próximo, e acrescenta que desses dois mandamentos dependem todos os outros (evangelho). Todas as normas éticas devem ser interpretadas à luz do amor a Deus e ao próximo, que são inseparáveis. É impossível optar por Deus sem ser solidário com seus filhos (1Jo 4,20). A verdadeira religião é dedicar-se aos necessitados (Tg 1,27). Na prática, o “amor a Deus” (a religião) passa necessariamente pelo “sacramento do pobre e do oprimido”, ou seja, pela opção por aqueles cuja miséria clama a Deus, seu “Defensor”. Entre Deus e nós está o necessitado. Só se dedicando a este, temos acesso a Deus. Mas não basta uma esmola. Com a nossa atual compreensão da sociedade e da história, a dedicação ao empobrecido não se limita à escola, mas exige novas estruturas. Importa trabalhar as estruturas da sociedade e transforma-las de tal modo que o bem-estar do fraco e do pobre estejam garantido pela solidariedade de todos, numa estrutura política e social que seja eficaz.

2) Pode-se amar o próximo sem amar a Deus? Nosso mundo é, como se diz, “secularizado”. Não dá muito lugar a Deus. Não nos enganem as aparências, os shows religiosos que aparecem em teatro e televisão, pois esse tipo de religiosidade, muitas vezes, não passa de um produto de consumo, no meio de tantos outros. Não é compromisso com Deus. Ao mesmo tempo, pessoas com profundo senso ético dizem: já não precisamos de Deus para explicar o universo. Será que ainda precisamos dele para sermos éticos, para respeitar nosso semelhante, para “amar o próximo?” Será que não basta ser bom para com os outros, sem apelar a Deus? Para que “amar a Deus”? Para que a religião? Eis a resposta: para amar bem o irmão, devemos também “amar a Deus”, aderir a ele (embora não necessariamente por uma religião explícita). Isso, porque o que entendemos por Deus é o absoluto, o incondicional, aquele que tem a última palavra, que sempre nos transcende e está acima de nossos interesses pessoais. Se não buscamos ouvir essa palavra última, pode acontecer que nos ocupemos com o próximo para nos amar a nós mesmos (amor pegajoso, interesseiro, sufocante etc.)

Como cristão, conhecendo “Deus” como Pai de Jesus Cristo e como a fonte do amor que este nos manifestou, devemos perguntar sempre se nossa prática de solidariedade é realmente orientada pelo absoluto, por Deus, aquele que Jesus chama de Pai. Senão, vamos conceber nosso amor de acordo com a nossa medida, que é sempre pequena demais…


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

 

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella