Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

2º Domingo do Advento

2º Domingo do Advento

Converter-se ao Cristo, que vem

 

Pe. Johan Konings

Uma atitude fundamental para o tempo do Advento e para a vida inteira é a conversão: para nos encontrar com Cristo, devemos corresponder ao que ele espera de nós. O enviado de Deus, o Messias, assume o projeto de Deus: a justiça e a felicidade do povo. Ele julgará com retidão em favor dos pobres (1ª leitura). O Messias se alinha com os pobres. Será que nós estamos alinhados com ele?

O cristão reconhece Jesus como o Messias ou Cristo (o “descendente de Davi” anunciado por Isaías). A Escritura se cumpre, o projeto de Deus entra em fase de realização. João Batista é o profeta que prepara a sua chegada. Como porta-voz de Deus, ele convida para a conversão (evangelho). E depois da vinda de Cristo, o apóstolo Paulo exorta os fiéis a imitarem o exemplo de Cristo: como ele assumiu nossa salvação, executando o projeto do Pai, cabe a nós assumir-nos mutuamente (2ª leitura).

A conversão deve continuar sempre. Comporta dois momentos: 1) O momento da consciência: reconhecer o que está errado, conceber o propósito de mudar e pedir perdão. Assim faziam os que recebiam o batismo de João “para a conversão” (Mt 3, 11). Hoje podemos fazer isso, com a garantia da Igreja, no sacramento da reconciliação; 2) O momento da prática. A verdadeira conversão se comprova na prática: viver a vida que Jesus nos ensina por sua palavra e exemplo, assumir-nos mutuamente no amor fraterno, como o Messias assume a causa dos fracos. Essa prática será o fruto que comprova nossa conversão e um ato de louvor a Deus, que nos enviou seu Filho como Messias.

Celebrar a proximidade do Messias, como fazemos no Advento, implica reaquecer nossa caridade. Quando uma família espera a visita de uma pessoa querida, seus membros começam a melhorar seus relacionamentos …  Mas talvez falte a consciência desta proximidade. Precisamos de uma voz profética, como a do Batista, para proclamar que o Messias e o Reino estão próximos, pois Jesus nos convida cada dia a assumir a sua causa (cf. domingo passado). Converter-se a Jesus continua sendo necessário também para o “bom católico”. Sempre de novo devemos abandonar nossa vida egoísta, para viver a justiça e a caridade que Jesus Messias veio ensinar e mostrar.

Conversão na alegria

Não são apenas os outros que devem converter-se! A perspectiva cristã (cf. domingo passado) exige conversão permanente de todos os fiéis: desistir de nossa autossuficiência, para participar da salvação que vem de Deus. O evangelho apresenta João Batista, que, em “estilo apocalíptico”, com as imagens conhecidas no judaísmo daquele tempo, anuncia o Reino de Deus. Por trás dessas imagens devemos descobrir a mensagem: não há prerrogativa humana (p.ex., ser “filho de Abraão”) que fique em pé diante de Deus. A necessidade de conversão é gritante: nosso mundo não corresponde de modo algum à “utopia messiânica” (1ª leitura) ou à justiça que se espera do rei messiânico (salmo responsorial). O “broto de Jessé”, o novo Davi messiânico, deve reinar em prol dos fracos e oprimidos; o Reino de Deus se manifesta em “frutos dignos da conversão” (evangelho).

Paulo lembra essa mensagem das antigas Escrituras para mostrar a obra da reconciliação em Cristo, cujo fruto é a unidade de fracos e fortes, judeus e gentios – unidade de todos. Na obra salvífica de Cristo a “utopia” já teve início, como se verifica no mútuo acolhimento (2ª leitura).

A realização da justiça como Deus a concebe em prol dos pobres e oprimidos não é mera obra humana: por isso Deus envia seu Ungido (Messias). Para correspondermos a essa iniciativa vamos deixar para trás o que nos amarra e correr ao encontro do Messias que vem (cf oração do dia), usando as coisas terrenas como meios, não como fins, para aderir às coisas que realmente são de Deus (oração final).

Note-se que, apesar do tema da conversão e do tom ameaçador do evangelho, a liturgia de hoje é marcada pela alegria por causa do Senhor que vem (canto da entrada), tendo em vista os dons do Messias (1ª leitura). Conversão significa mudança, mudar o coração. Custa, mas não é algo triste, pelo contrário, é felicidade, é libertar-se para correr sem impedimento ao encontro do Senhor que vem.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas para este domingo

Primeira Leitura: Isaías 11,1-10

Naqueles dias, 1nascerá uma haste do tronco de Jessé e, a partir da raiz, surgirá o rebento de uma flor. 2Sobre ele repousará o espírito do Senhor: espírito de sabedoria e discernimento, espírito de conselho e fortaleza, espírito de ciência e temor de Deus; 3no temor do Senhor encontra ele seu prazer. Ele não julgará pelas aparências que vê nem decidirá somente por ouvir dizer, 4mas trará justiça para os humildes e uma ordem justa para os homens pacíficos; fustigará a terra com a força da sua palavra e destruirá o mau com o sopro dos lábios. 5Cingirá a cintura com a correia da justiça e as costas com a faixa da fidelidade. 6O lobo e o cordeiro viverão juntos, e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito; o bezerro e o leão comerão juntos e até mesmo uma criança poderá tangê-los. 7A vaca e o urso pastarão lado a lado, enquanto suas crias descansam juntas; o leão comerá palha como o boi; 8a criança de peito vai brincar em cima do buraco da cobra venenosa; e o menino desmamado não temerá pôr a mão na toca da serpente. 9Não haverá danos nem mortes por todo o meu santo monte: a terra estará tão repleta do saber do Senhor quanto as águas que cobrem o mar. 10Naquele dia, a raiz de Jessé se erguerá como um sinal entre os povos; hão de buscá-la as nações, e gloriosa será a sua morada.

Palavra do Senhor.


Salmo Responsorial: 71(72)

Nos seus dias, a justiça florirá.

1. Dai ao rei vossos poderes, Senhor Deus, / vossa justiça ao descendente da realeza! / Com justiça ele governe o vosso povo, / com equidade ele julgue os vossos pobres. – R.

2. Nos seus dias, a justiça florirá / e grande paz, até que a lua perca o brilho! / De mar a mar estenderá o seu domínio, / e desde o rio até os confins de toda a terra! – R.

3. Libertará o indigente que suplica / e o pobre ao qual ninguém quer ajudar. / Terá pena do indigente e do infeliz, / e a vida dos humildes salvará. – R.

4. Seja bendito o seu nome para sempre! / E que dure como o sol sua memória! / Todos os povos serão nele abençoados, / todas as gentes cantarão o seu louvor! – R.


Segunda Leitura: Romanos 15,4-9
Irmãos, 4tudo o que outrora foi escrito, foi escrito para nossa instrução, para que, pela nossa constância e pelo conforto espiritual das Escrituras, tenhamos firme esperança. 5O Deus que dá constância e conforto vos dê a graça da harmonia e concórdia uns com os outros, como ensina Cristo Jesus. 6Assim, tendo como que um só coração e a uma só voz, glorificareis o Deus e Pai do Senhor nosso, Jesus Cristo. 7Por isso, acolhei-vos uns aos outros, como também Cristo vos acolheu, para a glória de Deus. 8Pois eu digo: Cristo tornou-se servo dos que praticam a circuncisão para honrar a veracidade de Deus, confirmando as promessas feitas aos pais. 9Quanto aos pagãos, eles glorificam a Deus em razão da sua misericórdia, como está escrito: “Por isso, eu vos glorificarei entre os pagãos e cantarei louvores ao vosso nome”.

– Palavra do Senhor.


Evangelho: Mateus 3,1-12

1Naqueles dias, apareceu João Batista, pregando no deserto da Judeia: 2“Convertei-vos, porque o Reino dos céus está próximo”. 3João foi anunciado pelo profeta Isaías, que disse: “Esta é a voz daquele que grita no deserto: preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas!” 4João usava uma roupa feita de pelos de camelo e um cinturão de couro em torno dos rins; comia gafanhotos e mel do campo. 5Os moradores de Jerusalém, de toda a Judeia e de todos os lugares em volta do rio Jordão vinham ao encontro de João. 6Confessavam os seus pecados e João os batizava no rio Jordão. 7Quando viu muitos fariseus e saduceus vindo para o batismo, João disse-lhes: “Raça de cobras venenosas, quem vos ensinou a fugir da ira que vai chegar? 8Produzi frutos que provem a vossa conversão. 9Não penseis que basta dizer: ‘Abraão é nosso pai’, porque eu vos digo: até mesmo destas pedras Deus pode fazer nascer filhos de Abraão. 10O machado já está na raiz das árvores, e toda árvore que não der bom fruto será cortada e jogada no fogo. 11Eu vos batizo com água para a conversão, mas aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu. Eu nem sou digno de carregar suas sandálias. Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo. 12Ele está com a pá na mão; ele vai limpar sua eira e recolher seu trigo no celeiro, mas a palha ele a queimará no fogo que não se apaga”.

– Palavra da salvação.

Não há Natal sem conversão

Frei Clarêncio Neotti

A conversão olha para a santidade. Somos santos à medida que nossos critérios de ação e nossos atos se igualam aos critérios e atos de Deus. Assim como a santidade tem por limites a santidade de Deus, que é sem limites, a conversão nunca chega ao ponto final durante a vida terrena, que é essencialmente um tempo de conversão, de um voltar-se para Deus, de um encontrar-se sucessivamente com a pessoa de Cristo e seus ensinamentos.

Haverá um encontro definitivo na hora da morte. Dele fala Jesus com o mesmo rigor e pedindo as mesmas precauções de João Batista (Mt 24,37-44). A prática de obras boas provará, no encontro definitivo, que Jesus não passou em vão por nós; que o Espírito Santo conseguiu transformar os corações de pedra em corações sensíveis à graça; que o fogo do amor extremado de Cristo conseguiu consumir todos os pecados.

Ao pôr esse Evangelho no 2° Domingo do Advento, a Igreja nos está lembrando a necessária repercussão do Natal de Jesus sobre o homem. Receber Jesus não é apenas aplaudi-lo ou admirar sua vida. É largar todos os interesses pessoais e segui-lo até que não haja mais diferença entre o que eu penso, amo e faço e o que Jesus pensa, ama e faz. Ou o Natal de Jesus me muda e me faz assumir compromissos de bondade, justiça, verdade, santidade e paz, ou o Natal será como as águas de um rio que passam longínquas do terreno da minha história, fecundam outras terras que se abrem para elas, deixando a minha seca, estéril e, talvez, amaldiçoada. O batismo de João, de que fala o Evangelho de hoje, pode bem lembrar essas águas que devem lavar-nos e fecundar-nos; lavar o pecado da infidelidade para com Deus, lavar o pecado do orgulho e da autossuficiência, arraigado no homem desde Adão; e fecundar nosso propósito de vida nova, fecundar

nossas ações e nossos trabalhos para que sejam frutos de redenção e não apenas espigas floridas destinadas à chochice.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

A terra será repleta do saber de Deus

Frei Almir Guimarães

Continuamos nossa caminhada no tempo do Advento. Todo este mês tem a tônica da esperança. O mundo não está envelhecido demais, podemos nos vestir de ânimo e de entusiasmo para caminhar. Deus não esquece os corações que o buscam.

Há, é verdade, sombras que nos preocupam  em todos os campos e em todos os cantos. Há essa violência expressa por tantas formas: manifestações raivosas e brutais, barricadas, balas perdidas, gestos de terrorismo, mulheres espancadas, gritaria  ensurdecedora, falta de cortesia, novos  governantes sem o carisma do governo, escolhidos sem critério, falta de patriotismo, corrupção e desvios morais, financeiros e tantos outros.

Há paróquias cansadas, burocratizadas, preocupadas apenas em conservar, em cumprir uma agenda depois do carnaval até o final de novembro. Há cristãos rotineiros, burocratas, funcionais. Falta sopro e capacidade de interpretar os sinais dos tempos, de iluminar os caminhos dos homens nesta terra azul.

Há mocinhos e mocinhas libertados de todo autocontrole, há uma multiplicação de informações superficiais. As pessoas roçam os corpos das pessoas, mas não conseguem criar laços de profunda comunhão. Há solidões cruéis. Há uma comunicação ininterrupta que não consegue levar à comunhão.

As leituras deste domingo, no entanto, fazem com que entremos numa atmosfera de esperança.

Isaías antevê tempos novos: um rebento, um tronco novo da haste de Jessé, que virá da parte de Deus, o Messias. Sobre ele o espírito de sabedoria, de fortaleza e de discernimento. Espírito que ele, posteriormente daria aos seus, derramaria como água em seus corações. Tempos novos, caminhos novos rasgados pela força do Espírito.

Tempos de confraternização: lobo e cordeiro vivendo juntos, vaca e urso pastando lado a lado, o menino desmamado colocando a mão na  toca da víbora.

O tempo do Advento pede conversão, transformação do coração, revisão de nossa escala de valores. Quando o Batista começou sua pregação muitos vieram ao seu encontro. Criou-se uma aura de esperança em torno de sua pessoa. Não basta ser apenas alguém dizer-se religioso. Não basta ser filho de Abraão. É necessário que as pessoas se tornem boas, transparentes, mudadas, pessoas novas que cantem a ladainha das bem-aventuranças.

Vamos adiante, coragem. A luz no Natal não pode deixar de nos iluminar.

Um dia a paz virá. Mulheres não serão violentadas. Não haverá mais operação “lava jato” porque todos procurarão ser honestos e as pessoas escolherão como governantes homens vacinados contra toda corrupção, prefeitos e governadores que percorrerão as ruas, durante a noite, levando os caídos para hospitais limpos, apetrechados, com médicos satisfeitos e felizes de poderem curar as feridas dos homens.

Naquele tempo a terra estará repleta do saber do Senhor.


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFMingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Sem caminhos para Deus

José Antonio Pagola

São muitas as pessoas que não são crentes nem descrentes. Simplesmente se instalaram numa forma de vida na qual não pode aparecer a pergunta pelo sentido último da existência. Em vez de falar de descrença, deveríamos falar nestes casos de uma falta de condições indispensáveis para que a pessoa possa adotar uma postura crente ou descrente.

São homens e mulheres que carecem de uma “infraestrutura interior”. Seu estilo de vida os impede de pôr-se em contato mais profundo consigo mesmos. Não chegam nunca ao fundo de seu ser. Não são capazes de escutar as perguntas que surgem de seu interior.

Não obstante, para adotar uma postura responsável diante do mistério da vida é indispensável chegar até o fundo de si mesmo, ser sincero e abrir-se à vida honestamente até o final.

Será que por trás da crise religiosa de muitas pessoas não se encerra com frequência uma crise anterior? Se tantos parecem afastar-se hoje de Deus, será que não é porque antes se afastaram de si mesmos e se instalaram num nível de existência onde Deus já não pode ser ouvido?

Quando alguém se contenta com um bem-estar feito de coisas, e seu coração está agarrado só às preocupações de ordem material, será que é possível fazer a si mesmo lucidamente a pergunta por Deus?

Quando uma pessoa vive buscando sempre a satisfação imediata e o prazer a qualquer preço, será que ela pode abrir-se com profundidade ao mistério último da existência?

Quando se vive privado de interioridade, esforçando-se para aparentar e ostentar uma determinada imagem de si mesmo diante dos outros, pode-se pensar sinceramente no sentido último da vida?

Quando uma pessoa vive sempre voltada para o exterior, perdendo-se nas mil formas de evasão e divertimento que esta sociedade oferece, pode ela encontrar-se realmente consigo mesma e perguntar-se por seu último destino?

“Preparai o caminho do Senhor”: este clamor de João Batista não perdeu sua atualidade. Tenhamos ou não consciência disto, Deus está sempre vindo a nós. Podemos de novo encontrar-nos com Ele. A fé pode ser despertada outra vez em nosso coração. Mas primeiro devemos encontrar-nos conosco mesmos com mais profundidade e sinceridade.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

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