Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

28º Domingo do Tempo Comum

28º Domingo do Tempo Comum

Festa: expressão da liberdade do Reino

 

Frei Gustavo Medella

De casamento, aniversário, formatura, inauguração, despedida, do santo padroeiro etc. Com as despesas pagas pelo anfitrião, com a divisão dos custos pelos convidados (a popular “vaquinha”), improvisada num rápido “junta prato”. Festa é ocasião do encontro pelo encontro, da alegria de estar juntos, de tornar presente e evidente o fato ou a memória para onde converge a alegria daqueles que ali convivem com entusiasmo. Melhor festa é a que se vai por gosto e gratidão, gratuitamente. Festa por obrigação perde a graça, tanto para quem oferece quanto para aquele que dela participa.

Na parábola deste 28º Domingo do Tempo Comum (Mt 22,1-14), Jesus compara o Reino de Deus a uma festa, preparada solenemente pelo rei. No entanto, os convidados não se sentiram atraídos o bastante pelo convite e antepuseram o “não querer” e alguns compromissos para não marcarem presença no evento. Outros ainda agiram com violência e, além da recusa, decidiram matar os emissários reais. Perderam a festa e ganharam a ira do rei que, furioso, mandou estes últimos fossem capturados e tratados com violência proporcional à que praticaram.

Em seguida, promoveu uma nova rodada de convites, desta vez abertos a todos que fossem encontrados pelo caminho. Conseguiu encher o salão e a festa ocorreu. No entanto, mais um incidente: um dos convidados, sem a veste adequada, foi expulso do recinto pelo próprio rei.

História movimentada, cheia de altos e baixos, não tão fácil de se compreender. Por que Jesus se utiliza da imagem de um rei que age com violência diante da injustiça cometida contra seus mensageiros? O desejo do mestre era apresentar justamente uma imagem forte e impactante para que seus interlocutores (sumos sacerdotes e anciãos) encontrassem o próprio lugar na história e, caindo em si, pudessem abraçar uma nova postura, reconhecendo em Jesus a realização plena da Aliança entre Deus e seu Povo.

Jesus apresenta uma noção aberta e universal do Reino, acessível a todos por conta de generosidade do Pai. Dizer não ao convite ou privilegiar outros valores está no âmbito da liberdade humana. Quanto à veste que o convidado de última hora não portava adequada, escreve São Gregório Magno: “Portanto, o que devemos entender por veste nupcial, senão a caridade? Entra, pois, nas bodas, mas não leva a veste nupcial, aquele que pertencendo à Igreja Católica [entenda-se Povo de Deus] tem fé, mas lhe falta a caridade” (Sermão sobre os evangelhos 38).


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas para este domingo

Primeira Leitura: Is 25,6-10a

6O Senhor dos exércitos dará neste monte, para todos os povos, um banquete de ricas iguarias, regado com vinho puro, servido de pratos deliciosos e dos mais finos vinhos. 7Ele removerá, neste monte, a ponta da cadeia que ligava todos os povos, a teia em que tinha envolvido todas as nações.

8 O Senhor Deus eliminará para sempre a morte e enxugará as lágrimas de todas as faces e acabará com a desonra do seu povo em toda a terra; o Senhor o disse.

9Naquele dia, se dirá: “Este é o nosso Deus, esperamos nele, até que nos salvou; este é o Senhor, nele temos confiado; vamos alegrar-nos e exultar por nos ter salvo”. 10aE a mão do Senhor repousará sobre este monte.


Salmo Responsorial (Sl 22)

— Na casa do Senhor habitarei, eternamente.

— Na casa do Senhor habitarei, eternamente.

— O Senhor é o pastor que me conduz;/ não me falta coisa alguma./ Pelos prados e campinas verdejantes/ ele me leva a descansar./ Pelas águas repousantes me encaminha,/ e restaura as minhas forças.

— Ele me guia no caminho mais seguro,/ pela honra de seu nome./ Mesmo que eu passe pelo vale tenebroso,/ nenhum mal eu temerei; estais comigo com bastão e com cajado;/ eles me dão a segurança!

— Preparais à minha frente uma mesa,/ bem à vista do inimigo,/ e com óleo vós ungis minha cabeça;/ o meu cálice transborda.

— Felicidade e todo bem hão de seguir-me/ por toda a minha vida;/ e na casa do Senhor habitarei/ pelos tempos infinitos.


Segunda Leitura: Fl 4,12-14.19-20

Irmãos: 12Sei viver na miséria e sei viver na abundância. Eu aprendi o segredo de viver em toda e qualquer situação, estando farto ou passando fome, tendo de sobra ou passando necessidade. 13Tudo posso naquele que me dá força. 14No entanto, fizestes bem em compartilhar as minhas dificuldades.

19O meu Deus proverá esplendidamente com sua riqueza a todas as vossas necessidades, em Cristo Jesus. 20Ao nosso Deus e Pai a glória pelos séculos dos séculos. Amém.


O novo povo de Deus
Evangelho: Mt 22, 1-14
* 1 Jesus voltou a falar em parábolas aos chefes dos sacerdotes e aos anciãos do povo. 2 Ele dizia: «O Reino do Céu é como um rei que preparou a festa de casamento do seu filho. 3 E mandou seus empregados chamar os convidados para a festa, mas estes não quiseram ir. 4 O rei mandou outros empregados, dizendo: ‘Falem aos convidados que eu já preparei o banquete, os bois e animais gordos já foram abatidos, e tudo está pronto. Que venham para a festa’. 5 Mas os convidados não deram a menor atenção; um foi para o seu campo, outro foi fazer os seus negócios, 6 e outros agarraram os empregados, bateram neles, e os mataram. 7 Indignado, o rei mandou suas tropas, que mataram aqueles assassinos, e puseram fogo na cidade deles.

8 Em seguida, o rei disse aos empregados: ‘A festa de casamento está pronta, mas os convidados não a mereceram. 9 Portanto, vão até as encruzilhadas dos caminhos, e convidem para a festa todos os que vocês encontrarem’. 10 Então os empregados saíram pelos caminhos, e reuniram todos os que encontraram, maus e bons. E a sala da festa ficou cheia de convidados. 11 Quando o rei entrou para ver os convidados, observou aí alguém que não estava usando o traje de festa. 12 E lhe perguntou: ‘Amigo, como foi que você entrou aqui sem o traje de festa?’ Mas o homem nada respondeu. 13 Então o rei disse aos que serviam: ‘Amarrem os pés e as mãos desse homem, e o joguem fora na escuridão. Aí haverá choro e ranger de dentes’. 14 Porque muitos são chamados, e poucos são escolhidos.»

* 22,1-14: É em Jesus que Deus convoca os homens para uma nova aliança, simbolizada pela festa de casamento. Os que rejeitam o convite são aqueles que se apegam ao sistema religioso que defende seus interesses e, por isso, não aceitam o chamado de Jesus. Estes serão julgados e destruídos juntamente com o sistema que defendem. O convite é dirigido então aos que não estão comprometidos com tal sistema, mas, ao contrário, são até marginalizados por ele. Começa na história novo povo de Deus, formado de pobres e oprimidos. Os vv. 11-14, porém, mostram que até mesmo estes últimos serão excluídos, se não realizarem a prática da nova justiça (traje de festa).

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus

28º Domingo do Tempo Comum

Oração: “Ó Deus, sempre nos preceda e acompanhe a vossa graça para que estejamos sempre atentos ao bem que devemos fazer”.

Primeira leitura: Is 25,6-10a

O Senhor dará um banquete
E enxugará as lágrimas de todas as faces.

O texto da primeira leitura faz parte do assim chamado “pequeno apocalipse” do livro de Isaías (cap. 24 a 27). São textos elaborados por discípulos do Profeta após o exílio da Babilônia. A leitura de hoje é precedida por um hino que ilustra a destruição por ação divina (25,1-5) de uma cidade anônima, símbolo da violência; e é seguida por um canto de ação de graças no qual Israel glorifica a realeza de Deus (25,9-12). Deus não perdeu o controle dos eventos históricos. Pelo contrário, armou o braço de Ciro, rei dos persas, que pôs fim ao domínio dos babilônios e permitiu o retorno dos exilados à sua terra. Israel voltou a “este monte” (três vezes!), isto é, ao monte Sião, símbolo de Jerusalém e de seu templo que estavam sendo reconstruídos. O profeta anima os que voltaram do exílio a colaborar neste algo novo que Deus planejou para todos os povos, a partir do monte Sião. O símbolo deste novo é o banquete esplêndido que Deus prepara para todos os povos e vai celebrar “neste monte” sagrado de Sião. No monte, Deus vai presentear os convidados com dois presentes: O primeiro é o próprio Deus que se revela a todos os povos como o único Deus e rei universal, ao retirar o véu que os cobria na ignorância. O segundo presente é mais maravilhoso ainda: não haverá mais morte nem lágrimas e a vergonha de Israel acabará. E todos reconhecerão a Deus como salvador: “Este é o nosso Deus, esperamos nele, até que nos salvou; este é o Senhor, nele temos confiado até que nos salvou: vamos alegrar-nos e exultar por nos ter salvo”. – Nos tempos difíceis em que estamos vivendo renovemos nossa fé e esperança em Jesus Cristo, nosso Salvador.

Salmo responsorial: Sl 22

Na casa do Senhor habitarei eternamente.

Segunda leitura: Fl 4,12-14.19-20
Tudo posso naquele que me dá força.

Nos últimos três domingos a segunda leitura foi extraída da Carta de Paulo aos Filipenses, comunidade muito querida de Paulo, a primeira por ele fundada na Europa. O Apóstolo está encarcerado por causa do Evangelho que pregava. O Apóstolo retoma o que já havia falado no cap. 1 (25º Domingo) e reafirma seu modo de evangelizar, vivendo de seu próprio trabalho (cf. At 18,1-4; 1Cor 4,12). Mas na prisão estava impossibilitado de trabalhar. Paulo sabe viver na abundância e na miséria porque Cristo o fortalece: “Tudo posso naquele que me conforta”; no entanto mostra-se grato pelo gesto solidário dos filipenses, inclusive financeiro. Em outras palavras: ‘Não precisava’! Mas “fizestes bem em compartilhar as minhas dificuldades”. E conclui com um ‘Deus lhes pague’: “O meu Deus proverá esplendidamente com sua riqueza as vossas necessidades, em Cristo Jesus”. No presente recebido Paulo reconhece o dom de Deus, que une a todos os cristãos no mesmo amor. Por isso glorifica a Deus: “Ao nosso Deus e Pai a glória pelos séculos dos séculos”.

Aclamação ao Evangelho: Ef 1,17-18

Que o Pai do Senhor Jesus Cristo nos dê do saber o espírito;
Conheçamos assim a esperança à qual nos chamou como herança.

Evangelho: Mt 22,1-14
Convidai para a festa todos os que encontrardes.

Jesus está em Jerusalém para celebrar a Páscoa com seus discípulos. Na entrada triunfal em Jerusalém foi aclamado pela multidão como o Messias esperado: “Hosana ao Filho de Davi” (21,1-11). Purificou o Templo, derrubando as mesas dos cambistas e as cadeiras dos vendedores de pombas. No dia seguinte Jesus volta ao Templo e continua ensinando; mas é contestado pelos sumos sacerdotes e anciãos do povo por causa do incidente no dia anterior. Eles o interpelam: “Com que autoridade fazes estas coisas? Quem te deu este direito”? E Jesus lhes diz: se vocês me responderem de onde vinha o batismo de João Batista: “do céu ou dos homens”? Eu lhes darei a resposta sobre minha autoridade (v. 18-27.

Na parábola que hoje ouvimos Jesus compara o reino dos Céus a um rei que preparou a festa para o casamento de seu filho. Mandou que os escravos chamassem os convidados, mas eles não quiseram vir. Mandou novamente os escravos, que repetiram o convite com mais insistência: “Está tudo pronto para o banquete, vinde para a festa”. Mas não lhes deram ouvidos, ao contrário, agarraram os escravos, bateram neles e os mataram. O rei ficou indignado e mandou incendiar a cidade destes convidados (alusão à destruição de Jerusalém no ano 70). Como o banquete estava pronto, o rei mandou chamar para o banquete todos que encontrassem pelos caminhos e encruzilhadas, bons e maus. E a sala ficou repleta de convidados. – Na parábola o rei simboliza Deus e o seu filho noivo é Jesus; curiosamente, quando Jesus responde aos sumos sacerdotes que contestavam sua autoridade, Mateus cita João Batista (Mt 21,23-27), que considera Jesus como o noivo da festa e ele é apenas o amigo do noivo (Jo 3,22-30; Mt 9,15). No passado, Israel perseguiu os profetas (Mt 5,12) e até matou alguns deles (Mt 23,29-37). Agora, os chefes religiosos da Judeia perseguem a Jesus e planejam condená-lo à morte. Assim como os convidados à festa de casamento do filho do rei se excluíram do banquete, agora os judeus que não creem no Filho de Deus se auto-excluem do reino de Deus, anunciado por Jesus. Os novos convidados para a festa, bons e maus, são recolhidos nas praças, ruas e encruzilhadas, são os pagãos. Isso, porém, não garante a participação definitiva no reino de Deus.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFM,é professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Amar a Deus sobre todas as coisas

Frei Clarêncio Neotti

Os primeiros convidados simplesmente não quiseram ir ao banquete. A liberdade de querer ou não querer é própria da criatura humana e é um dos maiores dons que Deus lhe deu. Na história da salvação, Deus respeita a liberdade de suas criaturas em escolher o bem ou o mal. Mas a criatura, exatamente por ser criatura, não pode arrogar-se o direito de ignorar seu criador ou ter a pretensão de ocupar seu lugar como Senhor. Seria a repetição de Lúcifer no paraíso: “Lúcifer, dizias em teu coração: subirei até o céu, acima das estrelas de Deus estabelecerei o meu trono. Serás lançado nas profundezas dos abismos” (Is 14,12-15). A parábola aponta o mesmo destino aos que recusam o convite de Deus.

Os segundos convidados não tiveram tempo: foram trabalhar no campo, foram atrás de seus negócios e interesses. É obrigação nossa ocupar-nos e até preocupar-nos com o nosso trabalho, nossos planos. Mas sempre pondo acima de tudo e em primeiro lugar nossas obrigações de criaturas para com o Criador. Mais vezes, no Evangelho, Jesus nos advertiu sobre o perigo de não amar o Pai “sobre todas as coisas” (Mt 10,37; 22,37-38). Na parábola do Semeador (Mt 13,1-23), Jesus falou da semente caída entre espinhos e explicou: “A semente caída entre os espinhos representa quem ouviu a palavra, mas os cuidados do mundo e a sedução das riquezas a sufocam e a tornam estéril” (v. 22).

Talvez esteja aqui o maior de todos os perigos para a criatura. A fome de ter e de poder verga a criatura para os bens materiais. Ocupar-se dos bens materiais não é um mal, é uma obrigação. Mas sem esquecer a afirmação de Paulo: “Tudo é vosso, vós sois de Cristo e Cristo é de Deus” (lCor 3,22-23). Com os bens que temos, com os nossos afazeres devemos louvar o Senhor, não perder sua presença, não esquecer que ele é nossa finalidade, ficar atento ao seu convite de comunhão com ele.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFM, entrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

No final de tudo, uma festa de casamento

Frei Almir Guimarães

Um dos inimigos mais insidiosos e difusos da fé, mais temível que o ateísmo e a oposição aberta é a indiferença.
Luciano Manicardi

Neste período do tempo litúrgico, eis-nos ouvindo parábolas recolhidas pelo evangelista Mateus. Algumas são claras e meridianas. Outras requerem amplo e profundo conhecimento da história do Povo de Israel para serem corretamente compreendidas. A historieta da vez fala da festa de casamento do filho do rei. O rei quer ver a sala cheia. Trata-se da convocação para um banquete final.

O que está por detrás da imagem do banquete? Reunião de pessoas que se estimam e fazem juntas uma refeição diferente, festiva. Para descrever e dar ideia do final, Jesus fala de uma imensa mesa de refeição: júbilo pelo encontro, uns perto dos outros, a alegria do vinho, o convívio carinhoso. Um final feliz.

De início, uma nota negativa. Deus, o belo, o generoso, o amor quer reunir homens e mulheres em torno de si. Ele os convoca por meio de seus enviados. Os empregados voltam dizendo que as pessoas não aceitaram o convite. Que se repita o convite, afinal contas os animais cevados já foram abatidos. A comida está pronta. Que venham à festa do amor daquele que a todos ama e sonha com o banquete. Nada de respostas: um foi para o campo, outro para seus negócios. Pior ainda: houve os que mataram os enviados do rei. Mortos são os profetas…os mensageiros do Amor.

O Senhor tem seus caminhos para chegar ao coração das pessoas. Há momentos em que o apelo acontece quando o coração do homem experimenta um vazio. Outras vezes no meio de uma alegria incontida. Outras vezes ainda numa viagem feita ao silêncio ou depois de sair de uma terrível tempestade. Ele tem seus caminhos. Chama-nos também pelos profetas de hoje e pelos sinais dos tempos.

Tudo indica que a porta está aberta para a festa do amor quando há uma sede que não se consegue dessedentar. Os autores de espiritualidade costumam lembrar que as respostas ao convite à intimidade e o labor evangelizador acontece quando o homem tem o coração contrito. Seres sequiosos de ventura, mas conscientes de suas incoerências. Estes balbuciam baixinho: “Olha Senhor para a fragilidade de teu amigo”. Nesses seres sinceros a Palavra produz seus frutos. É o começo da festa.

O desgosto do rei foi tão grande em ver a sala vazia que mandou que seus mensageiros convidassem todos os que encontrassem. Forçassem a entrar na sala. Talvez aqueles que nunca frequentaram religiões e templos, os que não tinham muito valor aos olhos de ninguém. Gente solta no espaço.

Sempre entusiasmante e ao mesmo tempo desafiador é o trabalho evangelizar, de chamar homens e mulheres para a sala do banquete. Se o Senhor não fizer seu trabalho em muitos corações nada acontece. Chamamos a atenção para alguns obstáculos. Há os que não quiseram, simplesmente porque não quiseram. Não basta que as pessoas sejam convidadas, mas é preciso corresponder por sua vontade ao serviço do chamamento. Há a negligência e a superficialidade, de quem não estima, não dá valor ao dom oferecido ou proposto. A pessoa fecha-se em seus afazeres e a vida passa. A parábola fala de pessoas que chegaram a matar os que lhe trouxeram o convite em mãos.

“Um dos inimigos mais insidiosos e difusos na fé, mais temível mesmo que o ateísmo e a oposição aberta, é a indiferença”. Não dar peso algum ao convite, preferir a rotina cotidiana, seus negócios, seus interesses. O grave é que esta indiferença deixa o que crê numa crise aguda porque denota que para ele a vida de fé é irrelevante e insignificante. Seriam, em parte, os mornos de que fala o Apocalipse.
Pode ser que muitos de nós tenhamos sido chamados e aceito o convite, mas circulemos nos espaços da sala do banquete sem a veste nupcial, quer dizer, não basta apenas ser chamado. O convite é gratuito, mas é preciso correspondência ao dom ao longo da vida. Deixar que a graça atue.

Fidelidade, reconhecimento, vontade de sempre começar tudo de novo.

Oração

Quando meu pecado me desanimar,
ajuda-me a crer que tu não deixas nunca
de semear no barro de minha mediocridade.
Quando o sofrimento me deixar sem forças,
ajuda-me a crer que tu estás semeando em mim
uma secreta fecundidade.
Quando a morte próxima me causar medo,
ajuda-me a crer que o grão que morre é semente
de uma espiga dourada.
Quando a desgraça dos oprimidos me entristecer
ajuda-me a crer que nosso amor solidário
é semente de justiça e liberdade.
Quando eu vir teus servidores infiéis à nossa missão,
ajuda-me a crer Tu semeias
no coração de nossas contradições.

Inspirado em Michel Hubaut


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

O convite de Deus

José Antonio Pagola

Ao que parece, a Parábola do Banquete foi muito popular entre as primeiras gerações cristãs, pois consta no Evangelho de Lucas, Mateus e também no evangelho apócrifo de Tomé. Mas as versões são tão diferentes e as aplicações extraídas dela tão diversas que só podemos abordar os elementos essenciais do relato original.

Deus está preparando uma última festa para todos os seus filhos, pois a todos quer ver sentados, junto com Ele, em torno de uma mesma mesa, desfrutando para sempre de uma vida plena. Esta foi certamente uma das imagens mais queridas por Jesus para “sugerir” o desfecho final da história humana. Ele não se contentava só em dizê-lo com palavras, mas se sentava à mesa com todos e comia até com pecadores e indesejáveis, pois queria que todos pudessem ver figurativamente algo do que Deus desejava levar a cabo.

Por isso Jesus entendeu sua vida como um grande convite em nome de Deus. Não impunha nada, não pressionava ninguém. Anunciava a boa notícia de Deus, despertava a confiança no Pai, acabava com os medos, avivava a alegria e o desejo de Deus. A todos devia chegar seu convite, sobretudo aos mais necessitados de esperança.

Jesus era realista. Sabia que o convite podia ser recusado. Na versão de Mateus são descritas diversas reações. Uns o recusam de maneira consciente: “não queremos ir”. Outros respondem com a indiferença: “não fizeram caso”. Importam-lhes mais suas terras e negócios. Houve também aqueles que reagiram de maneira hostil contra os criados.

São muitos os que já não escutam mais algum convite de Deus. Basta-lhes responder de si para si mesmos. Sem talvez tomar consciência disto, vivem uma vida “solitária”, encerrados num monólogo perpétuo consigo mesmos. O risco é sempre o mesmo: viver cada dia mais surdos a todo apelo que possa transformar radicalmente sua vida.

Talvez uma das tarefas mais importantes da Igreja hoje seja criar espaços e facilitar experiências onde as pessoas possam escutar de maneira simples, transparente e alegre o convite de Deus proclamado no Evangelho de Jesus.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

“Poucos são escolhidos”…

Pe. Johan Konings

Há quem ensine que o número dos “eleitos” é limitado, preestabelecido. Os eleitos vivem conforme sua eleição, e os outros … se danem. Mas a Bíblia acentua a universalidade da salvação. Todos são chamados. O profeta Isaías descreve a felicidade do fim dos tempos como um banquete universal na montanha de Deus, em Jerusalém (1ª leitura). Inspirando-se nesta imagem, Jesus, no evangelho, fala de um rei que oferece um banquete para o casamento do seu filho (o Messias “esposo do povo”). Manda vir primeiro os convidados de praxe (os chefes de Israel), mas estes se esquivam. Então manda convidar todo o mundo: miseráveis, estropiados, aleijados … (a Igreja convocada entre toda espécie de gente). Depois, porém, Jesus acrescenta uma segunda parábola: um dos convidados não vestiu traje de festa … é expulso.

Todos são convidados, e os que declinam o convite perdem sua vez. Agora convidam-se até os mais pobres, mas isso não quer dizer que podem se apresentar dum jeito qualquer. No mínimo têm que vestir a melhor roupa: a fé e a prática que Cristo espera de nós. O convite é universal, feito sem acepção de pessoas, mas não sem exigências!

Os que recusam o convite não são apenas os chefes de Israel, mas todos aqueles que, bem instalados e satisfeitos consigo mesmos, são incapazes de se alegrarem com o convite universal. Ficam de cara feia, agora que a Igreja convida os pobres para serem realmente “sujeitos” na comunidade eclesial.

Por outro lado, até dos mais simples se exige que “vistam a camiseta”. Trata-se de combinar a disponibilidade para o convite do Senhor (a simplicidade, a alegria), com o empenho por corresponder à sua expectativa. O traje mais bonito que temos é a caridade. Quantas pessoas usam este traje para participar do “banquete eucarístico”?

“Muitos são chamados, nem todos são escolhidos”. Jesus quer dizer que o fato de ser chamado – que vale para todos – não é suficiente para contar com a eleição. Ora, o que decide se seremos eleitos ou não é a nossa disposição. Quem se alegra com o que Deus faz e revela em Jesus, quem na prática adere a esse modo de viver, sem dúvida poderá participar da festa. Deus convida a todos, mas os admitidos são aqueles que, por sua vida, correspondem ao convite. A “seleção” não é preestabelecida por Deus, mas é o efeito de nosso modo de responder dignamente ao apelo universal.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

 

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella