Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

21º Domingo do Tempo Comum

21º Domingo do Tempo Comum

Chave serve para fechar e para abrir

 

Frei Gustavo Medella

Perder a chave causa aflição. Faz com que a pessoa se sinta presa ou desprotegida, dependendo de onde ela a perde. Se dentro casa e com a porta trancada, percebe-se como prisioneira nos próprios domínios. Precisa achar a chave para poder sair. Se fora de casa e com a porta também trancada, sente-se vulnerável, especialmente num dia de frio e chuva. Revira o bolso ou a bolsa atrás do pequeno objeto metálico que vai lhe proporcionar o desejado acesso à proteção. Chave serve para abrir e para fechar.

Na primeira leitura, do Profeta Isaías, o Senhor promete entregar a chave da casa de Davi a Eliacim, filho de Helcias, que passa a ter a missão de ser um ponto de referência para os habitantes de Jerusalém e para a casa de Judá. No Evangelho, Jesus revela seus planos de entregar a São Pedro as chaves do Reino dos Céus e de fazer dele a pedra fundamental da Igreja.

Em ambos os casos, receber a chave não significa receber um poder a ser usado indistintamente, muito menos em benefício próprio. Ao contrário, consiste em assumir inteiramente uma missão cheia de responsabilidade e repleta de desafios. Ter a chave significa estar de prontidão, sempre disponível, pois há todo momento a gente precisando entrar ou sair.

Trazendo a analogia para a Igreja do tempo atual, encontra-se na figura do Papa Francisco aquele que busca abrir e fechar a Igreja nos dias de hoje. O grande esforço em abri-la se manifesta no apelo constante para que a Igreja viva em estado permanente de missão, para que sempre esteja pronta e disposta para sair, especialmente rumo às periferias geográficas e sociais. Igreja em saída, sem medo de abraçar, acolher e aliviar as dores do mundo, por mais assustadoras que possam parecer. É a Igreja acidentada e suja de lama porque não se furta em marcar presença nos lugares onde os maiores dramas humanos se apresentam.

O movimento oposto, também exigente e desafiante, é de fechá-la ao mundanismo espiritual que produz efeitos nocivos como o clericalismo, a autorreferencialidade e ao fundamentalismo. Trabalho pesado que o Santo Padre tem realizado co m maestria, não sem dor ou dificuldade. A firmeza com que Francisco conduz a Igreja, apesar de tantos ventos contrários, de dentro e de fora, fazem aumentar a certeza de que, de fato, a autoridade que exerce como serviço foi confiada pessoalmente pelo próprio Jesus Cristo.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Leituras bíblicas para este domingo

Primeira Leitura: Is 22,19-23

Assim diz o Senhor a Sobna, o administrador do palácio: 19“Eu vou te destituir do posto que ocupas e demitir-te do teu cargo. 20Acontecerá que nesse dia chamarei meu servo Eliacim, filho de Helcias, 21e o vestirei com a tua túnica e colocarei nele a tua faixa, porei em suas mãos a tua autoridade; ele será um pai para os habitantes de Jerusalém e para a casa de Judá. 22Eu o farei levar aos ombros a chave da casa de Davi; ele abrirá, e ninguém poderá fechar; ele fechará, e ninguém poderá abrir. 23Hei de fixá-lo como estaca em lugar seguro e aí ele terá o trono de glória na casa de seu pai”.


Salmo Responsorial: Sl 137

— Ó Senhor, vossa bondade é para sempre! Completai em mim a obra começada!

— Ó Senhor, vossa bondade é para sempre! Completai em mim a obra começada!

— Ó Senhor, de coração eu vos dou graças,/ porque ouvistes as palavras dos meus lábios!/ Perante os vossos anjos vou cantar-vos/ e ante o vosso templo vou prostrar-me.

— Eu agradeço vosso amor, vossa verdade,/ porque fizestes muito mais que prometestes;/ naquele dia, em que gritei, vós me escutastes/ e aumentastes o vigor da minha alma.

— Altíssimo é o Senhor, mas olha os pobres,/ e de longe reconhece os orgulhosos./ Ó Senhor, vossa bondade é para sempre!/ Eu vos peço: não deixeis inacabada/ esta obra que fizeram vossas mãos!


Segunda Leitura: Rm 1,33-36

33Ó profundidade da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus! Como são inescrutáveis os seus juízos e impenetráveis os seus caminhos! 34De fato, quem conheceu o pensamento do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? 35Ou quem se antecipou em dar-lhe alguma coisa, de maneira a ter direito a uma retribuição? 36Na verdade, tudo é dele, por ele e para ele. A ele a glória para sempre. Amém!


Evangelho
Mt 16,13-20

Jesus é o Messias

* 13 Jesus chegou à região de Cesaréia de Filipe, e perguntou aos seus discípulos: «Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?» 14 Eles responderam: «Alguns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; outros ainda, que é Jeremias, ou algum dos profetas.» 15 Então Jesus perguntou-lhes: «E vocês, quem dizem que eu sou?» 16 Simão Pedro respondeu: «Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo.» 17 Jesus disse: «Você é feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que lhe revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. 18 Por isso eu lhe digo: você é Pedro, e sobre essa pedra construirei a minha Igreja, e o poder da morte nunca poderá vencê-la. 19 Eu lhe darei as chaves do Reino do Céu, e o que você ligar na terra será ligado no céu, e o que você desligar na terra será desligado no céu.» 20 Jesus, então, ordenou aos discípulos que não dissessem a ninguém que ele era o Messias.


13-23: Cf. nota em Mc 8,27-33. Pedro é estabelecido como o fundamento da comunidade que Jesus está organizando e que deverá continuar no futuro. Jesus concede a Pedro o exercício da autoridade sobre essa comunidade, autoridade de ensinar e de excluir ou introduzir os homens nela. Para que Pedro possa exercer tal função, a condição fundamental é ele admitir que Jesus não é messias triunfalista e nacionalista, mas o Messias que sofrerá e morrerá na mão das autoridades do seu tempo. Caso contrário, ele deixa de ser Pedro para ser Satanás. Pedro será verdadeiro chefe, se estiver convicto de que os princípios que regem a comunidade de Jesus são totalmente diferentes daqueles em que se baseiam as autoridades religiosas do seu tempo.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus

21º Domingo do Tempo Comum

 Oração: “Ó Deus, que unis os corações dos vossos fiéis num só desejo, dai ao vosso povo amar o que ordenais e esperar o que prometeis, para que, na instabilidade deste mundo, fixemos os nossos corações onde se encontram as verdadeiras alegrias”.

  1. Primeira leitura: Is 22,19-23

Eu o farei levar aos ombros a chave da casa de Davi.

Isaías denuncia Sobna, administrador do palácio do rei Ezequias, descendente de Davi. O motivo da acusação era sua política externa equivocada e o desvio de bens públicos para enriquecimento pessoal (corrupção!). O profeta anuncia que Deus cassará seu ofício e transferirá o “poder das chaves” para Eliacim, que será o novo administrador. Eliacim será vestido com as insígnias próprias de seu cargo, símbolos da autoridade que lhe será confiada como prefeito do palácio real. Como novo administrador do palácio real, Eliacim carregará sobre seus ombros “a chave da casa de Davi”. Receberá o poder de abrir e fechar as portas, isto é, permitir ou proibir o acesso junto ao rei. Agirá em nome do rei e participará de seu poder. “Será um pai para os habitantes de Jerusalém e para a casa de Judá”, cuidando do bem-estar da família real e do povo da cidade. No Evangelho, Jesus dá a Pedro “as chaves do Reino dos Céus”, para agir em seu nome e cuidar de sua casa, isto é, a Igreja.

Salmo responsorial: Sl 137

Ó Senhor, vossa bondade é para sempre!

Completai em mim a obra começada!

  1. Segunda leitura: Rm 11,33-36

Tudo é dele, por ele, e para ele.

Na Carta aos Romanos (Rm 9–11), Paulo expressa dor e espanto pelo fato de o povo judeu, herdeiro legítimo das promessas, não ter acolhido Jesus como Salvador e Messias prometido. Ao mesmo tempo louva “a profundidade da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus”. Mas, segundo afirma, Deus não desiste de suas promessas de salvação feitas a Abraão e seus descendentes, os judeus (cf. 20º Domingo). No texto de hoje Paulo faz uma leitura da história da salvação. Paulo louva a sabedoria de Deus que, pelo seu ministério entre os pagãos, misteriosamente abriu o caminho da salvação para todos povos. Ninguém tinha direito à salvação, nem mesmo o judeu que observa a Lei. Tudo é graça, decisão da misericórdia divina. O texto nos convida a fazer uma leitura de como Deus age em nossa vida, para erguermos um hino de louvor ao Criador.

Aclamação ao Evangelho

Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja;

E os poderes do reino das trevas jamais poderão contra ela!

  1. Evangelho: Mt 16,13-20

Tu és Pedro, e eu te darei as chaves do Reino dos céus.

Depois de ter sido rejeitado pelos seus conterrâneos em Nazaré (13,54-58), Jesus soube da morte de João Batista e procurava estar a sós com o Pai para refletir sobre sua missão (14,1-13). Desde então há uma virada na atividade de Jesus. Desacreditado pelos escribas e fariseus (Mt 16,1-4) e mal-entendido pelos próprios discípulos (16,5-12), Jesus se retira com seus discípulos para a região isolada de Cesareia de Filipe, a fim de dedicar-se mais à formação dos discípulos. É neste “retiro” que Jesus pergunta aos discípulos sobre as expectativas do povo a seu respeito: “Quem as pessoas dizem que é o Filho do Homem?”

Na resposta, os discípulos disseram que, para alguns, Jesus era o novo João Batista, talvez porque viam uma continuidade entre a pregação de Jesus e a do Batista. Para esses, Jesus seria João Batista que ressuscitou dos mortos cf. Lc 9,7). Outros achavam que era o profeta Elias, esperado no dia do Senhor, no fim dos tempos, que traria a renovação total do povo de Deus (Ml 3,22-24). Outros, ainda, viam em Jesus um profeta, corajoso como Jeremias, que enfrentava as autoridades civis e religiosas.

Quando Jesus pergunta: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro toma a iniciativa e diz: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. – Esta confissão de fé tornou-se a pedra fundamental da Igreja de Jesus Cristo, como lhe prometeu Jesus. Nesta nova Igreja Pedro recebe o poder de “ligar a desligar” (Mt 16,19) e de “apascentar as ovelhas e os cordeiros” (Jo 21,15-17). Jesus exige dele apenas que o ame e seja fiel à sua missão. Pedro, em nome de Jesus, conduzirá a Igreja de Cristo, mas quem vai construí-la é o próprio Cristo: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja”. Pois a Igreja é constituída dos creem que Jesus é o Cristo o Filho do Deus vivo. Nós fazemos parte dessa Igreja: “E vós também, como pedras vivas, tornai-vos um edifício espiritual” (1Pd 2,5). – Pedro é um homem como nós, frágil e pecador; mas foi escolhido por Jesus para guiar a sua Igreja. Durante a última Ceia, Pedro jurou que seria sempre fiel a Jesus. Na mesma noite, porém, negou três vezes que o conhecia. Mesmo assim, Jesus escolheu Pedro e rezou por ele para que, por sua vez, confirmasse seus irmãos na fé (Lc 22,31-34). Confirmar e animar nossa fé em Cristo, o Filho do Deus vivo, é a missão de Pedro e do Papa Francisco, que se reconhece frágil e pecador e pede nossas orações. Ele nos confirma na fé pelo exemplo de humildade e serviço. Anima a vida cristã pela Encíclica Laudato Si’ (Louvados sejas) e Exortações Apostólicas, como “A alegria do Evangelho”, “A alegria do Amor” e “Querida Amazônia” etc. Esses ensinamentos e exortações nos desafiam a responder de modo prático quem é Jesus, para mim e para nós como sua Igreja, nos tempos difíceis em que vivemos.


FREI LUDOVICO GARMUS, OFM,é professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Parceira de Deus na História da Salvação

Frei Clarêncio Neotti

Muitos cristãos que vão à missa e recebem os Sacramentos não se sentem Igreja. Falam da Igreja como se Ihes fosse uma entidade da qual se servem, quando precisam, como um supermercado. Não é raro encontrar pessoas que pensam que a Igreja é propriedade dos padres como a prefeitura é do prefeito. Sabem que não é uma posse propriamente dita, porque o padre muda como pode mudar o prefeito. De toda maneira, é coisa dos outros. Não sentem a Igreja. Não se sentem protagonistas do que acontece ou deixa de acontecer na Igreja. O indiferentismo é dos maiores pecados que podem manchar a vida do cristão. Jesus chegou a dizer que teve ânsias de vômito na frente dele (Ap 3,16).

Ao fundar a Igreja, Jesus não a colocou sobre os ombros de anjos. Fê-la de homens e pôs um homem como responsável. Na Igreja – que é comunidade viva de fé, esperança e caridade -, fundem-se o divino e o humano, o celeste e o terrestre, o agora e a eternidade. Por isso, o Concílio chamou a Igreja de “realidade complexa” (Lumen Gentium, 8). Que confiança teve Jesus na criatura humana pecadora e fraca ao plantar sobre ela o Reino dos Céus, unir-se a ela e, com ela, formar um só corpo (Lumen Gentium, 3), a Igreja, a nova Família de Deus (Lumen Gentiutn, 10)!


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Na face de Jesus, o rosto de Deus

“E vós, quem dizeis que eu sou?”

Frei Almir Guimarães

Todos os cristãos, em qualquer lugar e situação que se encontrem, estão convidados a renovar hoje mesmo seu encontro pessoal com Jesus Cristo, ou ao menos, a tomar a decisão de deixar-se encontrar por ele, de procurá-lo dia a dia, sem cessar.
Papa Francisco, A alegria do Evangelho,n.3

♦ Jesus, Jesus Cristo, Cristo Jesus… quem ignora este nome? Trata-se de um nome e de uma figura familiar. Muitos de nós viemos ao mundo cercados de símbolos que para ele apontavam. Talvez, mesmo inconscientemente, deitados em nosso berço de bebê, fomos nos acostumando com um crucifixo diante dos olhos no quarto em que dormíamos. Depois nos disseram que era o “Papai do céu” (sic). Missas, quadros, crucifixos, imagens do Coração de Jesus. Ele foi entrando em nossas vidas. Bem ou não tão bem compreendido. Afeiçoamo-nos a ele. Talvez tenhamos vivido a vida toda de sua lembrança, como uma pessoa excepcional que vivera no passado e que com seus nascimento dividira as eras.

♦ Meio rapidamente fomos sendo levados a afirmar, no final da infância, que era Deus, poderoso, capaz de fazer milagres. Essa ideia daquele que opera gestos excepcionais talvez tenha ficado dentro de nós por um bom tempo. Quem sabe tenhamos nos acostumado a comungar todos os domingos. Algumas vezes com convicção. Outras vezes por costume e fomos perdendo o encanto com sua figura. Ele passou entrar na rotina da vida. Diria, quem dera que esteja enganado, muitos ficaram por ai num catolicismo de rotina, de ritos, de obrigações religiosas…em o encanto de terem abraçado a fé em Cristo.

♦ Nesse contexto é que surge a urgência de um encontro pessoal com Cristo Jesus. Verdade é que não poucos cristãos e não cristãos, em certos momentos cruciais de suas vidas, encontraram e encontram dentro de si uma sede louca de um Absoluto que apenas vislumbram. Passam a ser buscadores. Muitos encontram-se com o Evangelho e por detrás de suas páginas, dos eventos, encontros desencontros de seus personagens, começam a sentir um fascínio por Cristo Jesus e pelo Pai do qual ele fala com muito carinho. Querem conhecê-lo, juntam-se a pessoas que sinceramente buscam esse rabi da Galileia que tem palavras tão fortes, no dizer de Simão Pedro, “palavras de vida eterna”.

♦ Uns se deixam impressionar pelo diálogo de Jesus com a samaritana. Jesus insinua que tem uma água. Outros são daqueles que, como Zaqueu sobem a uma árvore para verem Jesus passar e esperam seu convite de entrar em nosso interior. Outros ainda sussurram a Jesus como o ladrão crucificado a seu lado: “Lembra-te de mim quando estiveres no teu reino”. Não posso deixar de lembrar a importância da parábola do Filho pródigo na vida de tantos e tantas. Sentem vontade de receber abraço apertado do Pai bondoso a convite da parábola contado por Jesus. Homem humano como ele não existiu. Digo bem humano: abraça as crianças, interrompe o caminho para atender a cegos, paralíticos, presta atenção na mulher que enterra seu filho único, chora a morte de Lázaro. Transpira suor e sangue. Humano. Não etéreo, não indiferente aos homens. Mas humano ao extremo. Alguém que ama, sai de si, anda atrás.

♦ Na sua fala mostra que vem do Pai, que ele e o Pai são um. Chora, dorme, senta-se à mesa, mas seu “lugar” é no Pai, com o Pai. Defende o homem, anda atrás do homem, humaniza a história porque foi mandado pelo amor do Pai. É caminho, verdade, água, pastor, pão. No alto da cruz é homem e Deus que dá a vida pelo homem. Amando até o fim diz a Adão, ali, elevado entre o céu e a terra: “Adão, homem, onde tu estás? Vê até que ponto te amo!”

♦ Somos cristãos, discípulos. Nossa vida está escondida no Ressuscitado. Vivemos, amamos, choramos, trabalhamos, sofremos, batalhamos por um mundo segundo o coração de Deus, alegram-nos com sua companhia na Palavra e no Pão, no rosto do irmãos. Ele vive…nossa vida se confunde com sua vida. Vemos em seu rosto, em seus gestos o rosto do PAI. A que teríamos a pretensão de ir se só ele tem palavras de vida eterna? Fazemos nossas as afirmações de Paulo que tem como lixo tudo o que não é Cristo Jesus e que afirma: “Pra mim, viver e Cristo”.

♦ “Antes de tudo, nós, crentes, devemos reavivar nossa adesão profunda à pessoa de Jesus Cristo. Só quando vivemos “seduzidos” por ele e trabalhados pela força regeneradora de sua pessoa, poderemos transmitir também hoje seu espírito e sua visão de vida. Do contrário, proclamaremos com os lábios doutrinas sublimes, mas continuaremos vivendo uma fé medíocre e pouco convincente” (Pagola, Mateus, p. 204).

Oração
Já que ressuscitou

Já que Cristo ressuscitou,
podemos começar uma vida nova
de mulheres e de homens ressuscitados,
e irmãos agora mesmo.
Já que Cristo ressuscitou,
temos seu Espírito entusiasta,
e queremos trazê-lo bem visível
para que contagie muitos.
Já que Cristo ressuscitou,
estamos em sua renovação permanente;
é preciso transformar o mundo
a partir dos fundamentos.
Já que Cristo ressuscitou,
é preciso construir uma cidade solidária
onde o homem não seja lobo,
mas companheiro e irmão.
Já que Cristo ressuscitou,
cremos numa terra nova
onde haverá amor e casa para todos.

P.Loidi


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Confessar a Jesus com a vida

José Antonio Pagola

“Quem dizeis vós que Eu sou?” Todos os evangelistas sinóticos citam esta pergunta dirigida por Jesus a seus discípulos na região de Cesareia de Filipe. Para os primeiros cristãos era muito importante lembrar sempre de novo a quem estavam seguindo, como estavam colaborando em seu projeto e por quem estavam arriscando sua vida.

Quando escutamos hoje esta pergunta, temos a tendência de pronunciar as fórmulas que foram sendo cunhadas pelo cristianismo ao longo dos séculos: Jesus é o Filho de Deus feito homem, o Salvador do mundo, o Redentor da humanidade … Será que basta pronunciar estas palavras para converter-nos em “seguidores” de Jesus?

Infelizmente se trata com frequência muito mais de fórmulas aprendidas numa idade infantil, aceitas de maneira mecânica, repetidas de forma ligeira e afirmadas verbalmente, do que vividas seguindo os passos de Jesus.

Confessamos a Cristo por costume, por piedade ou por disciplina, mas vivemos na maioria das vezes sem captar a originalidade de sua vida, sem escutar a novidade de seu apelo, sem deixar-nos atrair por seu amor apaixonado, sem contagiar-nos por sua liberdade e sem esforçar-nos em seguir sua trajetória. Nós o adoramos como “Deus”, mas Ele não é o centro de nossa vida.

Nós o confessamos como “Senhor’: mas vivemos de costas para seu projeto, sem saber muito bem qual era esse projeto e o que pretendia. Nós o chamamos de “Mestre”, mas não vivemos motivados pelo que motivava a vida dele. Vivemos como membros de uma religião, mas não somos discípulos de Jesus.

Paradoxalmente, a “ortodoxia” de nossas fórmulas doutrinais pode dar-nos segurança, dispensando-nos de um encontro mais vivo com Jesus. Há cristãos muito “ortodoxos” que vivem uma religiosidade instintiva, mas não conhecem por experiência o que é nutrir-se de Jesus. Sentem-se “proprietários” da fé, vangloriam-se inclusive de sua ortodoxia, mas não conhecem o dinamismo do Espírito de Cristo.

Não devemos enganar-nos. Cada um de nós deve colocar-se diante de Jesus, deixar-se olhar diretamente por Ele e escutar do fundo do seu ser esta pergunta que Ele nos faz: Quem sou eu realmente para vós? Responde-se a esta pergunta muito mais com a vida do que com palavras sublimes.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

O poder das chaves

eJohan Konings

O Papa detém o “poder das chaves”, dizemos. Mas que significa isso? A liturgia de hoje nos proporciona maior compreensão a respeito. Pela 1ª leitura aprendemos que “o poder das chaves” significa a administração da casa ou da cidade. O administrador do palácio do rei, Sobna, será substituído por Eliacim, o qual receberá “as chaves da casa de Davi”. No evangelho, Pedro, em nome dos doze apóstolos, proclama Jesus Messias e Filho de Deus. Jesus, em compensação, proclama Pedro fundamento da Igreja e confia-lhe “as chaves do Reino dos Céus”. Dá-lhe também o poder de “ligar e desligar”, o que significa obrigar e deixar livre, ou seja, o poder de decisão na comunidade (em Mt 18,18, este poder é dado à Igreja como tal).

“As chaves do Reino dos Céus” é uma figura que significa o ministério/serviço pastoral, portanto, uma realidade no nível da fé. Nesta expressão, “Reino dos Céus” não é o céu como vida do além, mas o Reino de Deus (os judeus chamavam a Deus de “os Céus”). Trata-se do Reino de Deus entendido como comunidade, contraproposta às “portas do inferno”, a cidade do Satanás, que não prevalecerá contra a comunidade da qual Pedro recebe as chaves. Trata-se, pois, de duas cidades que se enfrentam aqui na terra. Pedro é o prefeito da cidade de Deus aqui na terra.

Pedro, respondendo pelos Doze, administra as responsabilidades da fé e da evangelização. Na medida em que a Igreja realiza algo do Reino de Deus neste mundo, Jesus pode dizer que Pedro tem “as chaves do Reino dos Céus”, isto é, do domínio de Deus. Ele administra a comunidade de Deus no mundo. Quem exerce este serviço hoje é o Papa, bispo de Roma e sucessor de Pedro.

Mas já os antigos romanos diziam: o prefeito não deve se meter nas mínimas coisas. Pedro e seus sucessores não exercem sua responsabilidade sozinhos. A responsabilidade ordinária está com os bispos como pastores das “igrejas particulares” (= dioceses). Pedro e seus sucessores devem cuidar especificamente dos problemas que dizem respeito a todas as igrejas particulares. O Papa é o “servo da Unidade”.

Há quem não gosta de que se fale em “poder” na Igreja; muito menos, no poder papal. Mas quem já teve de coordenar um serviço sabe que precisa de autoridade, pois, senão, nada acontece. No desprezo da “administração pastoral” da Igreja pode haver um quê de antiautoritarismo juvenil. Aliás, os jovens de hoje, pelo menos de modo confuso, já estão cansados do antiautoritarismo e percebem a falta de autoridade. Sem cair no autoritarismo de épocas anteriores, convém ter uma compreensão adequada da autoridade como serviço na Igreja. O evangelho nos ensina que essa autoridade tem um laço íntimo com a fé. Pedro é responsável pelo governo porque “respondeu pela fé” dos Doze.

Por outro lado, se é verdade que Pedro e seus sucessores têm a última palavra na responsabilidade pastoral, eles devem também escutar as “penúltimas” palavras de muita gente. Devemos chegar a uma obediência adulta na Igreja: colaborar com os responsáveis num espírito de unidade, sabendo que se trata de uma causa comum, que não é nossa, mas de Deus. Nem mistificação da autoridade, nem anarquia.


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo e Frei Gustavo Medella