Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

21º Domingo do Tempo Comum

21º Domingo do Tempo Comum

As muitas portas estreitas da vida


Frei Gustavo Medella

“Viver é muito perigoso”. Bastante conhecida e citada a afirmação de Guimarães Rosa em “Grande Sertão: Veredas”. Na mesma obra, o autor compara a vida a uma travessia, que se aprende a atravessar atravessando, mais ou menos como a
prática de andar de bicicleta, impossível de se adquiri sem tombos, esbarrões, hematomas e arranhões. No Evangelho deste 21º Domingo do Tempo Comum, Jesus fala da “porta estreita” que dá acesso à salvação. À primeira vista, a afirmação pode dar a ideia de que Deus preferiu complicar as coisas no lugar de oferecer a seus filhos e filhas uma porta larga e alta para que entrassem facilmente na felicidade definitiva. No entanto, ao observarmos a trajetória e os
ensinamentos de Jesus, percebemos, da parte do Mestre, uma disposição inabalável de atravessar as muitas portas estreitas que a fidelidade à missão lhe reservou.

Nasceu pobre, numa família simples, sem nenhuma regalia. Até para conseguir o básico, seus pais tiveram de abusar da humilde criatividade de quem se obriga a viver no improviso. A gruta de Belém, onde o Menino nasceu, com certeza não
possuía uma entrada suntuosa ou imponente, mas uma porta estreita pela qual Deus adentra a nossa humanidade. Da mesma forma podemos pensar na rotina de uma família simples daquele tempo, desde as incertezas de um trabalhador braçal autônomo qual São José ao dia a dia do exaustivo trabalho doméstico da jovem Maria, apenas para citar algumas portas estreitas que Jesus e os seus precisaram atravessar desde muito cedo. Quando pensamos na missão, nas perseguições sofridas por Ele e pelos apóstolos, nas situações de privação e perigo, percebemos que, também para o Filho de Deus, “viver foi muito perigoso”.

Nesta mesma direção, quem procura fazer um exercício sério e transparente da própria existência, não tem dificuldade em perceber quantas portas estreitas precisou atravessar pelo caminho e quantas ainda encontrará pela frente:
relacionamentos, paternidade e maternidade, vida profissional, doenças, mudanças repentinas… Tudo isso revela que as travessias, algumas mais ou menos previstas e outras tantas totalmente imprevisíveis, são parte integrante da história
humana e ajuda a forjar o caráter de quem busca realizá-las com confiança, dando o melhor de si.

Na qualidade de batizados e batizadas, olhando para o Mestre, adquirimos coragem para atravessar as muitas portas estreitas que nos aparecem. Peçamos ao Senhor a graça de, nas travessias da vida, sejamos sempre balizados pela fé, pela
esperança e pelo amor.


FREI GUSTAVO MEDELLA, OFM, é o atual Vigário Provincial e Secretário para a Evangelização da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Fez a profissão solene na Ordem dos Frades Menores em 2010 e foi ordenado presbítero em 2 de julho de 2011.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Textos bíblicos para este domingo

Primeira Leitura: Is 66,18-21

Assim diz o Senhor: 18Eu, que conheço suas obras e seus pensamentos, virei para reunir todos os povos e línguas; eles virão e verão minha glória. 19Porei no meio deles um sinal e enviarei, dentre os que foram salvos, mensageiros para os povos de Társis, Fut, Lud, Mosoc, Ros, Tubal e Javã, para as terras distantes e para aquelas que ainda não ouviram falar em mim e não viram minha glória.

Esses enviados anunciarão às nações minha glória 20e reconduzirão, de toda parte, até meu santo monte em Jerusalém, como oferenda ao Senhor, irmãos vossos, a cavalo, em carros e liteiras, montados em mulas e dromedários, — diz o Senhor — e como os filhos de Israel levarão sua oferenda em vasos purificados para a casa do Senhor. 21Escolherei dentre eles alguns para serem sacerdotes e levitas, diz o Senhor.


Responsório (Sl 116)

— Proclamai o Evangelho a toda criatura!

— Proclamai o Evangelho a toda criatura!

— Cantai louvores ao Senhor, todas as gentes,/ povos todos, festejai-o!

— Pois comprovado é seu amor para conosco,/ para sempre ele é fiel!


Segunda Leitura: Hb 12,5-7.11-13

Irmãos: 5Já esquecestes as palavras de encorajamento que vos foram dirigidas como a filhos: “Meu filho, não desprezes a educação do Senhor, não desanimes quando ele te repreende; 6pois o Senhor corrige a quem ele ama e castiga a quem aceita como filho”. 7É para a vossa educação que sofreis, e é como filhos que Deus vos trata. Pois qual é o filho a quem o pai não corrige?

11No momento mesmo, nenhuma correção parece alegrar, mas causa dor. Depois, porém, produz um fruto de paz e de justiça para aqueles que nela foram exercitados.

12Portanto, “firmai as mãos cansadas e os joelhos enfraquecidos; 13acertai os passos dos vossos pés”, para que não se extravie o que é manco, mas antes seja curado.


A salvação é para todos
Evangelho: Lc 13, 22-30

-* 22 Jesus atravessava cidades e povoados, ensinando e prosseguindo caminho para Jerusalém. 23 Alguém lhe perguntou: «Senhor, é verdade que são poucos aqueles que se salvam?» Jesus respondeu: 24 «Façam todo o esforço possível para entrar pela porta estreita, porque eu lhes digo: muitos tentarão entrar, e não conseguirão. 25 Uma vez que o dono da casa se levantar e fechar a porta, vocês vão ficar do lado de fora. E começarão a bater na porta, dizendo: ‘Senhor, abre a porta para nós!’ E ele responderá: ‘Não sei de onde são vocês’. 26 E vocês começarão a dizer: ‘Nós comíamos e bebíamos diante de ti, e tu ensinavas em nossas praças!’ 27 Mas ele responderá: ‘Não sei de onde são vocês. Afastem-se de mim, todos vocês que praticam injustiça!’ 28 Então haverá aí choro e ranger de dentes, quando vocês virem Abraão, Isaac e Jacó junto com todos os profetas no Reino de Deus, e vocês jogados fora. 29 Muita gente virá do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar à mesa no Reino de Deus. 30 Vejam: há últimos que serão primeiros, e primeiros que serão últimos.»


* 22-30: Jesus não responde diretamente à pergunta. A salvação é universal, está aberta para todos, e não só para aqueles que conhecem a Jesus. A condição é entrar pela porta estreita, isto é, escolher o caminho de vida que cria a nova história.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

Reflexões do exegeta Frei Ludovico Garmus

21º Domingo do Tempo Comum, ano C2019

Oração: “Ó Deus, que unis os corações dos vossos fiéis num só desejo, dai ao vosso povo amar que ordenais e esperar o que prometeis, para que, na instabilidade deste mundo, fixemos os nossos corações onde se encontram as verdadeiras alegrias”.

  1. Primeira leitura: Is 66,18-21

E reconduzirão, de toda parte, vossos irmãos.

O texto da primeira leitura foi escrito quando os exilados voltavam da Babilônia. O retorno a Jerusalém se deu aos poucos, em pequenos grupos. No retorno, os exilados encontraram ruínas a serem reconstruídas, viviam enfrentaram conflitos com os que ocuparam suas propriedades. A convivência com outros povos em terra estranha abriu a mente de não poucos exilados, que aprenderam a conviver com costumes e religiões diferentes. O profeta que nos fala hoje representa este grupo de mente mais aberta. Por um lado, procura animar os que trabalhavam na reconstrução da cidade em ruínas; por outro lado, convoca os judeus dispersos entre os povos a fazerem o mesmo caminho dos que retornavam da Babilônia, em busca do monte santo de Jerusalém, onde brilha a glória do Senhor. O profeta vê os pagãos convertidos ao judaísmo na dispersão como missionários, escolhidos por Deus para anunciar sua glória entre as nações e reconduzir os judeus dispersos, a fim de prestar culto na casa do Senhor. Na visão do profeta, os pagãos convertidos ao judaísmo poderão servir como sacerdotes e levitas em Jerusalém. Estas promessas remetem para a dimensão universal da salvação preparada por Deus, em Jesus Cristo (Evangelho).

Salmo responsorial: Sl 116

Proclamai o Evangelho a toda criatura!

  1. Segunda leitura: Hb 12,5-7.11-13

O Senhor corrige a quem ele ama.

A Carta aos Hebreus não tem o estilo das cartas escritas pelo apóstolo Paulo. Na verdade, é antes uma coleção de pregações. O autor desconhecido dirige-se a judeu-cristãos de língua grega e, sobretudo, a pagãos convertidos, residentes em Alexandria, no Egito. Os cristãos pertencem à segunda geração, dos anos 80 d.C. Estes cristãos já tinham perdido o fervor inicial, fraquejavam na fé em Jesus Cristo e tendiam perigosamente à indiferença (Hb 5,11–6,12). Na leitura de hoje, o autor se dirige aos ouvintes como “irmãos” na fé. Conhece as dificuldades e sofrimentos pelos quais estão passando, num ambiente hostil. Como um sábio educador, lembra o valor da educação cristã recebida: “Não desprezes a educação do Senhor, não desanimes quando ele te repreende”. Deus é como um pai, que corrige seu filho por amor. No sofrimento percebemos melhor que Deus é nosso Pai e nos trata como filhos seus. A dor da correção é sempre desagradável. No entanto, a educação do Senhor não é apenas teórica. É uma formação permanente e, quando exercitada em meio ao sofrimento, produz frutos de paz e justiça (v. 11).

O autor conclui com uma exortação, válida para todos nós: “Firmai as mãos cansadas e joelhos enfraquecidos, acertai os passos dos vossos pés”. A vida cristã é um caminho para chegarmos a Deus, nosso Pai. No caminho não estamos sós. “Ele está no meio de nós”! Basta acertar nossos passos com os de Jesus. Ele mesmo nos diz: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida: ninguém chega ao Pai senão por mim” (Jo 14,6).

Se examinarmos nossa caminhada na vida cristã, podemos nos perguntar em que situações sentimos mais forte a presença de Deus.

Aclamação ao Evangelho

Eu sou o caminho a verdade e a Vida:

Ninguém chega ao Pai senão por mim.

  1. Evangelho: Lc 13,22-30

Virão do oriente e do ocidente,

E tomarão lugar à mesa no reino de Deus.

No Evangelho, Jesus está a caminho de Jerusalém, seguido pelos discípulos e pelo povo, onde celebraria a festa da Páscoa. Lucas coloca muitos ensinamentos de Jesus durante a grande viagem para Jerusalém (Lc 9,51–19,28). Três temas perpassam os capítulos sobre a viagem: as exigências para a salvação, o seguimento de Jesus Cristo e a acolhida ou rejeição do Reino anunciado por Jesus. No caminho, três vezes Jesus anuncia que, em Jerusalém, o Filho do Homem será entregue pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei ao poder romano e será condenado à morte; mas, ao terceiro dia ressuscitará. Depois de cada anúncio seguem ensinamentos, sempre mais exigentes, para quem se propõe a ser discípulo de Jesus. O caminho vai se tornando cada vez mais estreito. Por fim, é a porta de entrada para o banquete do Reino que se torna mais estreita ainda. Em Jerusalém havia muitas portas pelas quais os peregrinos tinham acesso à esplanada do Templo. No texto paralelo ao de Lucas, Mateus fala de duas portas: a porta larga que leva à perdição e a porta estreita que conduz ao caminho da vida (Mt 7,13-14). Lucas menciona apenas a porta estreita. À pergunta “Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam” Jesus responde: “Fazei esforço para entrar pela porta estreita. Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão”.

No entanto, esta porta, além de estreita, pode ser fechada a qualquer momento pelo dono da casa. Os que chegarem atrasados irão gritar “Senhor, abre-nos a porta” (v. 25; cf. Mt 25,15). Mas o dono da casa responderá: ”Não sei de onde sois… Afastai-vos de mim todos vós que praticais a injustiça”! Os atrasados serão excluídos do banquete do Reino. A frase se refere ao judaísmo oficial que rejeitou Jesus e o condenou à morte. No lugar deles, diz Jesus, a salvação se abrirá aos pagãos: “Virão homens do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar no baquete do Reino de Deus” (ver 1ª leitura). Se os que praticam a injustiça são excluídos do banquete do Reino de Deus, significa que a chave mais segura para abrir a porta estreita da entrada no Reino de Deus é a prática da justiça. Em outras palavras, a porta da salvação continua sempre aberta para todos os que buscam com sinceridade a Deus e praticam a justiça. Mas o esforço deverá ser contínuo. Deus aguarda nossa conversão com paciência. Ele nos dá um tempo extra para que nos deixemos corrigir (2ª leitura). Ele é um Pai que nos corrige como a seus filhos, porque nos ama (Lc 13,6-9).


FREI LUDOVICO GARMUS, OFMé professor de Exegese Bíblica do Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ). Fez mestrado em Sagrada Escritura, em Roma, e doutorado em Teologia Bíblica pelo Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém, do Pontifício Ateneu Antoniano. É diretor industrial da Editora Vozes e editor da Revista “Estudos Bíblicos”, editada pela Vozes. Entre seus trabalhos está a coordenação geral e tradução da Bíblia Sagrada da Vozes.

Esforço e perseverança

Frei Clarêncio Neotti

As palavras de Jesus assumem tom apocalíptico, próprio de quando as Escrituras falam dos últimos acontecimentos da vida humana (na teologia esse capítulo da História da Salvação se chama Escatologia). As palavras tomam sentido figurado, às vezes até mais forte do que o sentido normal. Não basta ouvir sermões sobre Jesus ou ir à mesa da Comunhão. É preciso viver a justiça, isto é, pôr em prática os ensinamentos de Jesus, entender a Paixão e sofrer com ele os fatos acontecidos em Jerusalém. E poder dizer com o Apóstolo Paulo: “Combati o bom combate. Vivi a fé!” (2Tm 4,7).

Em outra ocasião, Jesus diz a mesma coisa com outras palavras: “Nem todo aquele que diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai” (Mt 7,21). O critério, portanto, para participar da mesa divina não é o de sangue. Também não depende de títulos e grandezas humanas. Depende da conversão. Jesus é claro ao dizer: “Esforçai-vos!” (v. 24). É a palavra principal do Evangelho de hoje. Todos são chamados, do oriente e do ocidente, do norte e do sul (v. 29). Mas a resposta é individual e é dada com o esforço consciente de cada um. Fica sempre de pé e válido o convite de Jesus: “Vinde a mim, vós todos, que estais fatigados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mt 11,28). O ‘vinde’ implica um caminhar de quem é chamado. Esse caminhar, feito de esforço, luta, perseverança, fidelidade está incluído no “esforçai-vos por passar pela porta estreita”.

A salvação é uma graça, não uma conquista meritória humana. Mas a graça é dada a quem a procura, a quem a pede, a quem se apresenta como um terreno fértil para as sementes divinas. Quando Paulo se despedia das comunidades recém-fundadas, para continuar sua viagem, costumava exortar a todos à perseverança e ao esforço, “porque, para entrar no Reino, são necessárias muitas tribulações” (At 14,22). Essas tribulações podem vir de fora, como perseguições e calúnias, mas podem vir de dentro de cada um, como o desânimo, a indiferença, a ganância. Trabalhar o próprio coração, confrontá-lo com o coração de Jesus é converter-se, é morrer com Jesus.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Passar pela porta estreita

Frei Almir Guimarães

É realmente difícil os valores éticos crescerem-no homem-massa.
López Ibor

♦ Jesus é, com efeito, um Mestre diferente. Nada de lições muito teóricas e cansativas em salas fechadas. Conversava com as pessoas que ia encontrando ao longo do caminho. Encontrava-se com gente nas estradas, nas aldeias, em casas. Ia a festas de casamento e era convidado a tocar nos doentes em suas casas. Sua tarefa era comunicar o que lhe fora confiado pelo Pai: Deus quer o bem mais profundo das pessoas, Todos são convidados a expor-se a ele e assim contar com seu perdão amoroso. Os fariseus não entendiam essa linguagem já que se tinham por senhores acima de toda suspeita. Pessoas simples com vida nem sempre tão límpida como a dos certinhos doutores da religião se aproximavam de Jesus e arrancavam dele uma palavra de esperança, ganhando novo ânimo de vida. Jesus é alguém que entra em sintonia com os que o buscam com sinceridade de coração. Alguém do grupo coloca uma questão: “Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam? A pergunta dá ensejo a que Jesus converse sobre o tema da porta estreita.

♦ “Esforçai-vos por passar pela porta estreita”. Frase exigente. Quase dura. Uma lição de religião talvez dos tempos antigos se apoiava nela: dureza, sacrifícios, distanciamento até mesmo das coisas lícitas, jejum, inferno, rigor. Será que era isso que Jesus estava querendo dizer? Dar uma lição de mestre rigoroso? Nem sempre os intérpretes desta passagem se põem de acordo.

♦ Vivemos uma sociedade dita permissiva que deixa de lado todo esforço que contraria nossas tendências menos nobres. Nem tanto ao mar, nem tanto terra. Virtus in medio. Levar uma vida cristã séria, vivendo um processo de conversão, mas sem penitências exteriores e requintadas, que muitas vezes não partem de um interior sincero. No tempo do julgamento pessoas que, pensavam terem sido corretas poderão ouvir. Não basta passar de qualquer modo… É preciso viver a fé a partir do interior, o que supõe esforço, perseverança e luta.

♦ Vejamos a ponderada interpretação de José Antonio Pagola falando da “porta estreita”. Trata-se de necessária disciplina para que as pessoas possam entrar nos salões do Reino. “O afã do consumo enfraquece o núcleo moral da pessoa, colocando em primeiro lugar o valor das coisas e empobrecendo o espírito das pessoas. Leva-se a sério o supérfluo e se perde de vista o profundo. A pessoa se dispersa em muitas coisas e escapa-lhe a alma” (Pagola, Lucas p. 237-238)

♦ O esforço da disciplina é absolutamente necessário. Não podemos apostar na facilidade. Felicidade não é facilidade. Salvar-se? Fazer com que a mensagem de Jesus e sua pessoa penetrem em nós. Nascer de novo. Tentar eliminar o que em nós é semente de morte. Arregaçar as mangas e tomar as providências necessárias para que o carinho e o amor de Jesus penetre nos compartimentos mais íntimos de nós, permitir que ele tome posse de nós arredando caminho vaidades, sede de posse, veleidades, deixando de lado a mentira, o autoengano. Estas são algumas caraterísticas da porta estreita pela qual somos convidados a passar.

♦A Carta aos Hebreus, leitura da liturgia deste domingo, fala da correção. Tema também delicado ao lado da “porta estreita”. Correção necessária que devem fazer os que são colocados à frente dos filhos, das pessoas que estão à sua volta e dos amigos. A primeira modalidade de conversão se dá pelo exemplo. Há uma luz, um sal, um fermento que partem do homem de Deus e dos sinceros discípulos de Jesus. O exemplo pode corrigir rotas menos seguras da vida. Há também a palavra que corrige. Palavra carinhosa que faz com que as pessoas deixem a porta larga e enveredem por outras sendas.


Oração

QUERO SEGUIR-TE

Tu me conheces e sabes o que quero,
tanto meus projetos como minhas fraquezas.
Não posso ocultar-te nada, Jesus.
Gostaria de deixar de pensa em mim
e dedicar mais tempo a ti.
Gostaria de entregar-me inteiramente a ti.
Gostaria de seguir-te aonde fores,
Mas nem isso me atrevo a dizer-te
porque sou fraco. Tu o sabes melhor do que eu.
Sabes de que barro sou feito,
tão frágil e inconstante.
Por isso, preciso ainda mais de ti,
para que me guies sem cessar, para
que sejas meu apoio e meu descanso.
Obrigado Jesus por tua amizade.


Texto para reflexão

DOS QUE SALVAM

Salvar, salvação… Que experiência temos nós de salvação? Um cão nos ataca e alguém nos socorre, uma enchente começa a inundar a rua e um carro dos bombeiros nos livram de sermos arrastados pelo perigo, uma calúnia é levantada contra nós, conseguimos esclarecer o erro e somos salvos em nossa boa fama.

Salvar nosso viver. Não empurrar as coisas para frente sem refletir. Cuidar de não deteriorar nosso corpo, cultivar a mente por meio de estudos bem feitos, não apenas para passar de série. Gosto pela leitura. Exercício de discernimento para tomar decisões que nos tornem mais gente Seremos salvos de um incômodo isolamento existencial na medida em que cultivamos relacionamentos de dom, gratuitos, alegres. Sentimo-nos solidários dos outros e isso nos salva de um mortal isolamento.

Jesus vivo e presente em nosso meio nos cativa. Vamos nos entregando ao Evangelho, íntimos de Jesus, ele nos leva ao Pai e com isso o Espirito é derramado em nós. Somos salvos: filhos de um Pai que nos alma. E esse Jesus nosso caminho, nossa vida. Somos fadados a viver plenamente. Estamos salvos. Não esquecer: será preciso passar pela porta estreita.


FREI ALMIR GUIMARÃES, OFM, ingressou na Ordem Franciscana em 1958. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, a partir de 1966, período em que fez licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Tem diversas obras sobre espiritualidade, sobretudo na área da Pastoral familiar. É o editor da Revista “Grande Sinal”.

Rigorismo ou radicalidade?

José Antonio Pagola

Há ditos de Jesus que, se não soubermos lê-los em sua verdadeira perspectiva, podem levar a uma grave deformação de todo o Evangelho. É o que acontece com estas palavras tão conhecidas: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita”, pois podem levar-nos a um rigorismo estreito, rígido e antievangélico, em vez de orientar-nos para a verdadeira radical idade exigida por Jesus.

O pensamento genuíno de Jesus, tal como o recolhe a tradição de Lucas, é suficientemente claro. Aqueles judeus que perguntam a Jesus pela salvação recebem dele a advertência: a salvação não é algo que se produz automaticamente. Não basta ser filho de Abraão. É necessário acolher a mensagem de Jesus e suas profundas exigências.

Jesus imagina uma multidão aglomerada diante de uma porta estreita. Se não se faz um esforço não é possível entrar por ela. Quem não se esforça por entrar pela porta do Evangelho pode ficar excluído da salvação.

Este esforço por entrar pela porta não consiste no rigorismo estreito, angustiante e, definitivamente, estéril que Jesus condenou tantas vezes nos círculos fariseus. Jesus, pelo contrário, chama à radicalidade – “radical” vem de “raiz” – e nos convida a mudar a orientação do coração para viver dando primazia absoluta ao amor a Deus e aos irmãos.

Esta conversão não é algo teórico, sem repercussões práticas no comportamento diário. É uma decisão que transtorna os nossos critérios de atuação e exige uma conduta nova: um modo novo de relacionar-nos com as pessoas, com as coisas e com Deus.

Se não ouvirmos este chamado radical, corremos o risco de esvaziar de conteúdo a mensagem evangélica e fazer de Jesus um pequeno mestre de sabedoria humana, que nos ensina a viver sem grandes escândalos, mas também sem grandes exigências.

Por outro lado, o chamado radical a entrar pela porta só é ouvido corretamente quando se descobre que o próprio Jesus é a porta. “Eu sou a porta: se alguém entrar por mim, estará salvo” (Jo 10,9). Por isso, o chamado de Jesus cria tensão, mas não angústia. É fonte de exigência, mas não de perturbação estéril. A pessoa sabe que procura uma porta sempre aberta ao perdão: Jesus Cristo.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.

Cristianismo instalado ou aberto?

Pe. Johan Konings

São poucos os que vão ser salvos? Muitos cristãos vivem com esta pergunta angustiante, inculcada às vezes por pregadores insensatos. Segundo Jesus, no Evangelho, a salvação é para todos, vindos de todos os lados, dos quatro ventos, de perto e de longe. Só não é para aqueles que se fecham na autossuficiência nos seus presumidos privilégios. A 1ª leitura lembra que Deus não apenas quis salvar o povo de Israel do exílio babilônico, como também o encarregou de abrir o Templo e a Aliança a todas
as nações.

Quando Deus concede um privilégio, como foi a salvação de Israel do cativeiro babilônico, este privilégio se torna responsabilidade para com os outros. Deus rejeita a autossuficiência.

Existem muitos cristãos instalados, que se sentem seguros fazendo formalmente tudo o que lhes foi prescrito, mas não assumem com o coração aquilo que Jesus deseja que façam, sobretudo o incansável amor ao próximo. Eles ficarão de fora, se não se converterem, enquanto outros, considerados pagãos, vão encontrar lugar no Reino. Aqueles que só servem a Deus com os lábios e não com o coração e de verdade, o Senhor não os conhecerá!

Na América Latina, hoje, os que sempre foram os donos da Igreja estão se enterrando no materialismo, e os pobres – há séculos marginalizados da vida eclesial ou relegados a uma posição inferior – estão entrando nas comunidades e ocupando o lugar dos antigos donos. As catedrais dos centros se esvaziam e as capelas da periferia se enchem. Esvazia-se também o comportamento tradicional, enquanto se abre espaço para um novo modo de ser cristão, mais jovem e mais simples, mais participativo e menos fechado.

Contudo, esta chegada de um novo tipo de cristãos, aparentemente “vindo de longe”, não significa que se esteja facilitando o ser cristão. Antes pelo contrário. Exige desinstalação. Exige busca permanente daquilo que é realmente ser cristão: não apegar-se a fórmulas farisaicas, mas entregar-se a uma vida de doação e de amor, que sempre nos desinstala.

Então, a questão não é se poucos ou muitos vão ser salvos. A questão é se estamos dispostos a entrar pela “porta estreita” da desinstalação e do compromisso com os que sempre foram relegados. A questão é se abrirmos amplamente a porta de nosso coração, para que a porta estreita se torne ampla para nós também. Deus não fechou o número. A nós cabe nos incluirmos nele….


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.