Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

10º Domingo do Tempo Comum

10º Domingo do Tempo Comum

Deus ou o dinheiro

 

José Antonio Pagola

Uma das exortações mais decisivas de Jesus e, ao mesmo tempo, mais escandalosas foi recolhida por Mateus com estes termos: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”.

O pensamento de Jesus é de uma lógica contundente. Deus não pode reinar entre nós, a não ser preocupando-se com todos e fazendo justiça aos que ninguém faz. Portanto, Deus só pode ser servido por aqueles que promovem a solidariedade e a fraternidade.

Por conseguinte, os ricos e privilegiados são chamados a compartilhar seus bens com os necessitados. O Pai, que ama todos os seus filhos e filhas, não pode ser servido por quem vive dominado pelo dinheiro e esquecido de seus irmãos.

Precisamente por isso, Jesus vai condenar duramente, ao longo de sua vida, aqueles que acumulam e possuem mais do que o necessário para viver, sem preocupar-se com os que, junto deles, padecem necessidade. Enquanto continuar havendo pobres e necessitados, toda a riqueza que a pessoa acumula para si mesma, sem necessidade, é “injusta”, porque está privando a outros do que necessitam.

No fundo, a riqueza de alguns pode manter-se e crescer à custa da pobreza de outros. por isso, quem trabalha excessivamente para aumentar seu próprio capital, sem preocupar-se com os necessitados, está impedindo o nascimento dessa sociedade fraterna querida por Deus Ou se serve ao Deus que quer fraternidade entre todos os seus filhos, ou se serve ao próprio interesse econômico.

É inútil a pessoa afirmar que vive em atitude de desapego interior de bens, se ela desfruta deles comodamente, sem maior preocupação com os outros. Quando se tem “espírito de pobre” e verdadeiro desapego interior, busca-se compartilhar de alguma maneira o que se tem para libertar os necessitados de uma pobreza desumanizadora.

Também não adianta pensar que os ricos são sempre os outros. Muitos de nós também o somos, num grau ou noutro, pois rico é, em última análise, quem continua tendo só para si mais do que necessita, enquanto outros carecem do indispensável.

Alguma coisa está errada na nossa vida cristã, quando somos capazes de viver desfrutando despreocupadamente de nossas coisas, sem jamais sentir-nos interpelados pela mensagem de Jesus e pelas necessidades dos pobres.


JOSÉ ANTONIO PAGOLA cursou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversas obras de teologia, pastoral e cristologia. Atualmente é diretor do Instituto de Teologia e Pastoral de São Sebastião. Este comentário é do livro “O Caminho Aberto por Jesus”, da Editora Vozes.


Imagem ilustrativa de Frei Fábio Melo Vasconcelos

Textos bíblicos para este domingo

PRIMEIRA LEITURA
Oseias 6,3-6
3É preciso saber segui-lo para reconhecer o Senhor. Certa como a aurora é a sua vinda, ele virá até nós como as primeiras chuvas, como as chuvas tardias que regam o solo. 4“Como vou tratar-te, Efraim? Como vou tratar-te, Judá? O vosso amor é como nuvem pela manhã, como orvalho que cedo se desfaz. 5Eu os desbastei por meio dos profetas, arrasei-os com as palavras de minha boca, como luz, expandem-se meus juízos; 6quero amor e não sacrifícios, conhecimento de Deus mais do que holocaustos”.

Palavra do Senhor.


Sl 49(50)
A todo homem que procede retamente / eu mostrarei a salvação que vem de Deus.
Falou o Senhor Deus, chamou a terra, / do sol nascente ao sol poente a convocou. /
“Eu não venho censurar teus sacrifícios, / pois sempre estão perante mim teus holocaustos. – R.

Não te diria, se com fome eu estivesse, / porque é meu o universo e todo ser. /
Porventura comerei carne de touros? / Beberei, acaso, o sangue de carneiros? – R.

Imola a Deus um sacrifício de louvor / e cumpre os votos que fizeste ao Altíssimo. /
Invoca-me no dia da angústia, / e então te livrarei e hás de louvar-me.” – R.


SEGUNDA LEITURA
Romanos 4,18-25
Irmãos, 18Abraão, contra toda a humana esperança, firmou-se na esperança e na fé. Assim, tornou-se pai de muitos povos, conforme lhe fora dito: “Assim será a tua posteridade”. 19Não fraquejou na fé, à vista de seu físico desvigorado pela idade – cerca de cem anos – ou considerando o útero de Sara já incapaz de conceber. 20Diante da promessa divina, não duvidou por falta de fé, mas revigorou-se na fé e deu glória a Deus, 21convencido de que Deus tem poder para cumprir o que prometeu. 22Essa sua atitude de fé lhe foi creditada como justiça. 23Afirmando que a fé lhe foi creditada como justiça, a Escritura visa não só à pessoa de Abraão, 24mas também a nós, pois a fé será creditada também para nós, que cremos naquele que ressuscitou dos mortos Jesus, nosso Senhor. 25Ele, Jesus, foi entregue por causa de nossos pecados e foi ressuscitado para nossa justificação.

Palavra do Senhor.


EVANGELHO
Mateus 9,9-13
Naquele tempo, 9partindo dali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria de impostos, e disse-lhe: “Segue-me!” Ele se levantou e seguiu a Jesus. 10Enquanto Jesus estava à mesa, em casa de Mateus, vieram muitos cobradores de impostos e pecadores e sentaram-se à mesa com Jesus e seus discípulos. 11Alguns fariseus viram isso e perguntaram aos discípulos: “Por que vosso mestre come com os cobradores de impostos e pecadores?” 12Jesus ouviu a pergunta e respondeu: “Aqueles que têm saúde não precisam de médico, mas, sim, os doentes. 13Aprendei, pois, o que significa: ‘Quero misericórdia e não sacrifício’. De fato, eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores”.

Palavra da salvação.

 

Misericórdia: uma condição para o apóstolo

Jesus não apenas se aproximou de Mateus. Não apenas mostrou tolerância. Jesus foi além e pede-nos para irmos além.

Sentou-se à mesa de Mateus e ceou com ele. Comer com alguém, na Sagrada Escritura e na cultura antiga do Oriente, significava ser amigo, ser íntimo, ser da família. Por isso Jesus comparou o Reino dos Céus a um banquete (Ap 19,9), em que todos formam uma ‘comunhão’ entre si e com Deus. Compreende-se o escândalo dos fariseus (v. 11). E Jesus apressou-se em dar a explicação. Comparou-se ao médico, cuja função é curar. Se, ao julgamento dos fariseus, os ‘publicanos e pecadores’ assentados à mesa com Jesus eram pessoas de religião impura, seria exatamente para eles que Jesus viera. E, como para os fariseus valia muito a autoridade dos profetas, Jesus citou Oseias, cujas profecias giravam em torno da justiça, da fidelidade e do amor: “Quero amor e não holocaustos” (Os 6,6).

A frase do profeta vem dentro de um contexto de conversão, de retorno do povo ao Senhor. Ora, a medicina trazida por Jesus é exatamente a conversão que, de forma nenhuma, se resume em atos rituais externos, mas em um reconhecimento interior do pecado que fizemos e da graça que nos é oferecida por Deus. É um ato do coração, isto é, de nossa pessoa inteira. Só depois desse reconhecimento, poderão vir um rito, um sinal externo e até público, que nos ajudem na fidelidade a Deus. O Senhor se aproxima de nós como Jesus de Mateus. Ceia conosco, abre seu coração.

Seja essa a segunda grande lição de hoje: Deus se aproxima de nós sem dedo acusador, ama-nos, abre-nos seu coração à espera de que nos voltemos para ele e nos lavemos na sua graça. Esse comportamento de Jesus se chama misericórdia. O mesmo comportamento devemos ter nós para com o próximo. Não segregar ninguém, não medir sua maldade com o metro da santidade que pensamos ter. Aproximar-se, acolher o outro. Essa atitude de ternura vale mais que holocaustos. A solidariedade, que o Evangelho chama ‘misericórdia’, é o mais eficiente remédio para a alma e para o corpo.


FREI CLARÊNCIO NEOTTI, OFMentrou na Ordem Franciscana no dia 23 de dezembro de 1954. Durante 20 anos, trabalhou na Editora Vozes, em Petrópolis. É membro fundador da União dos Editores Franciscanos e vigário paroquial no Santuário do Divino Espírito Santo (ES). Escritor e jornalista, é autor de vários livros e este comentário é do livro “Ministério da Palavra – Comentários aos Evangelhos dominicais e Festivos”, da Editora Santuário.

Jesus chama os pecadores

Pe. Johan Konings, sj

Há quem diga que o evangelho de hoje é auto-retrato do evangelista Mateus. De fato, o trecho conta a vocação do publicano Mateus – ou Levi, como é chamado nos outros evangelhos – por Jesus, enquanto estava exercendo sua função na coletoria de taxas, espécie de posto de pedágio (terceirizado) do Império Romano na terra de Israel (Mt 9,9-13). Os cobradores eram chamados “publicanos”; eram funcionários públicos a serviço do imperialismo estrangeiro e terrivelmente desprezados pelos “bons judeus”. Jesus chama alguém dessa categoria para ser seu discípulo. Pior: vai jantar com ele e seus colegas, considerados pecadores. Os fariseus criticam-no. Jesus, então, responde com uma parábola: um médico não vem para pessoas sadias, mas para doentes. E acrescenta um argumento da Sagrada Escritura: “Misericórdia eu quero, não saerificios”, texto do profeta Oséias, que critica uma religiosidade externa e meramente ritual da parte de pessoas que desconhecem a misericórdia, primeira qualidade de Deus e primeira exigência nas relações entre as pessoas (1ª leitura).

Os pecadores notórios convidam Jesus à mesa; em contraposição, os considerados justos acham isso um desacato. Consideram a justiça monopólio deles. Assim fazendo, perdem a “justiça” que só o Deus da misericórdia nos pode atribuir, por pura bondade, sem que o mereçamos. A vocação dos pecadores revela a gratuidade divina de nossa salvação. Deus nos dá seu amor porque precisamos dele, não porque o merecemos. Deus não exclui ninguém, nem mesmo aquele que se apresenta diante dele com as mãos vazias, mas com verdadeira vontade de conversão no coração (é o que faltava aos fariseus).

A melhor maneira de entender a lógica de Deus é fazer como ele: superar o fonnalismo e dar a cada um o mesmo crédito que Jesus deu a Mateus … A comunidade eclesial deve se tornar o instrumento da “misericórdia convidativa” de Cristo. E os pecadores que aceitarem o convite devem por sua vez convidar os outros (como fez Mateus).
Portanto, não é preciso ser santo para ser chamado por Cristo. Deus nos chama para tornar-nos santos. Ninguém é justo por si mesmo. Jesus chamou os pecadores, para mostrar que todos devem converter-se para receber a misericórdia de Deus.

Com essa lição combina muito bem a 2ª leitura. Paulo explica que Abraão foi considerado justo por Deus não por causa de sua vida exemplar – teve as fraquezas humanas de todo mundo -, mas por causa de sua fé, quando Deus lhe prometeu um filho na sua velhice. Nessa confiança, ele se mostrou “amigo de Deus” (Rm 4,18-25, cf. Gn 15,5-6).

O problema hoje é que muitos vivem uma vida tão ambígua quanto a dos publicanos, mas não admitem de modo algum que precisam de conversão….


PE. JOHAN KONINGS nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colégio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (Jesuítas) e, desde 1986, atuou como professor de exegese bíblica na FAJE, Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte. Faleceu no dia 21 de maio de 2022.  Este comentário é do livro “Liturgia Dominical, Editora Vozes.

Reflexão em vídeo de Frei Gustavo Medella