Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Viagem Apostólica do Papa Francisco ao Continente Africano

No Quênia, Papa pede para proteger jovens

Nairóbi – “A vossa nação é também uma nação de jovens. A juventude é o recurso mais valioso de qualquer nação”. Nesses termos, o Papa Francisco dirigiu suas primeiras palavras à nação queniana, no início de sua primeira viagem ao continente africano.

Na visita de cortesia ao presidente do Quênia – na State House de Nairóbi –, no encontro com as autoridades da nação africana e com o corpo diplomático, teve lugar a execução dos hinos, as honras militares com a tradicional execução das 21 salvas de canhão e a apresentação das duas delegações.

Antes do discurso, o Santo Padre plantou uma oliveira, na esteira da tradição existente no país – por parte dos alunos – de plantarem árvores para a posteridade.

Futuro

Após expressar sua expectativa, neste dias, de encontrar muitos jovens e falar com eles a fim de encorajar suas esperanças e aspirações para o futuro, Francisco disse que “proteger os jovens, investir neles e dar-lhes uma mão amiga é o modo melhor para garantir um futuro digno da sabedoria e dos valores espirituais queridos aos seus anciãos, valores que são o coração e a alma de um povo”.

Tendo agradecido pela calorosa recepção em sua primeira visita à África, o Papa disse olhar com esperança a sua estada entre eles. Reconhecendo no Quênia uma comunidade com ricas diversidades, que desempenha um papel significativo na região, o Pontífice disse tratar-se de “uma nação jovem e vigorosa.”

País abençoado

Evidenciando as riquezas do país, Francisco disse que “o Quênia foi abençoado não só com uma beleza imensa nas suas montanhas, rios e lagos, nas suas florestas, savanas e regiões semidesertas, mas também com a abundância de recursos naturais. “A grave crise do meio ambiente, que o mundo enfrenta, exige uma sensibilidade ainda maior pela relação entre os seres humanos e a natureza. Temos a responsabilidade de transmitir a beleza da natureza, na sua integridade, às gerações futuras e a obrigação de exercer uma justa administração dos dons que recebemos”, disse o Papa.

Estes valores estão profundamente arraigados na alma africana. Num mundo que continua mais a explorar do que proteger a nossa casa comum, tais valores devem inspirar os esforços dos governantes para promover modelos responsáveis de desenvolvimento econômico, acrescentou.

Dito isso, Francisco evidenciou que há uma ligação clara entre a proteção da natureza e a construção duma ordem social justa e equitativa. “Não pode haver renovação da nossa relação com a natureza, sem uma renovação da própria humanidade”, disse o Santo Padre, citando a Laudato sí (118).

A busca do bem comum deve ser um objetivo primário na obra de construção duma ordem democrática sã, fortalecendo a coesão e a integração, a tolerância e o respeito pelos outros, disse o Papa, acrescentando: “A experiência demonstra que a violência, os conflitos e o terrorismo se alimentam com o medo, a desconfiança e o desespero que nascem da pobreza e da frustração. Em última análise, a luta contra estes inimigos da paz e da prosperidade deve ser conduzida por homens e mulheres que, destemidamente, acreditam e, honestamente, dão testemunho dos grandes valores espirituais e políticos que inspiraram o nascimento da nação.”

Em seu primeiro discurso em terras africanas, o Papa fez, por fim, uma premente exortação: “Peço-vos, de modo particular, que manifesteis uma autêntica preocupação com as necessidades dos pobres, as aspirações dos jovens e uma distribuição justa dos recursos naturais e humanos com que o Criador abençoou o vosso país. Garanto-vos a prossecução dos esforços da comunidade católica, através das suas obras educacionais e caritativas, procurando oferecer a sua contribuição específica nestas áreas.”

O Papa Francisco concluiu invocando abundantes bênçãos ao povo queniano.


ÍNTEGRA DO DISCURSO

Senhor Presidente,
Ilustres membros do Governo e Autoridades Civis,
Distintos membros do Corpo Diplomático,
Amados Irmãos Bispos,
Senhoras e Senhores!

Estou muito grato pela vossa calorosa recepção nesta minha primeira visita à África. Agradeço-lhe, Senhor Presidente, as amáveis palavras que me dirigiu em nome do povo queniano, e olho com esperança a minha estadia entre vós. O Quénia é uma nação jovem e vigorosa, uma comunidade com ricas diversidades, que desempenha um papel significativo na região. A vossa experiência de moldar uma democracia é compartilhada de vários modos por muitas outras nações africanas. Como o Quénia, também elas trabalham por construir, sobre as bases sólidas do respeito mútuo, do diálogo e da cooperação, uma sociedade multiétnica que seja verdadeiramente harmoniosa, justa e inclusiva.

A vossa é também uma nação de jovens. Nestes dias, espero encontrar muitos deles e falar com eles a fim de encorajar as suas esperanças e aspirações para o futuro. A juventude é o recurso mais valioso de qualquer nação. Proteger os jovens, investir neles e dar-lhes uma mão amiga é o modo melhor para garantir um futuro digno da sabedoria e dos valores espirituais queridos aos seus anciãos, valores que são o coração e a alma dum povo.

O Quénia foi abençoado não só com uma beleza imensa nas suas montanhas, rios e lagos, nas suas florestas, savanas e regiões semi-desertas, mas também com a abundância de recursos naturais. O povo queniano nutre grande apreço por estes tesouros que Deus lhe deu, sendo reconhecido por uma cultura de conservação que o honra. A grave crise do meio ambiente, que o mundo enfrenta, exige uma sensibilidade ainda maior pela relação entre os seres humanos e a natureza. Temos a responsabilidade de transmitir a beleza da natureza, na sua integridade, às gerações futuras e a obrigação de exercer uma justa administração dos dons que recebemos. Estes valores estão profundamente arraigados na alma africana. Num mundo que continua mais a explorar do que proteger a nossa casa comum, tais valores devem inspirar os esforços dos governantes para promover modelos responsáveis de desenvolvimento económico.

Com efeito, há uma ligação clara entre a protecção da natureza e a construção duma ordem social justa e equitativa. Não pode haver renovação da nossa relação com a natureza, sem uma renovação da própria humanidade (cf. Laudato si’, 118). Enquanto as nossas sociedades experimentarem divisões, sejam elas étnicas, religiosas ou económicas, todos os homens e mulheres de boa vontade são chamados a trabalhar pela reconciliação e a paz, pelo perdão e a cura dos corações. Na obra de construção duma ordem democrática sã, fortalecendo a coesão e a integração, a tolerância e o respeito pelos outros, a busca do bem comum deve ser um objectivo primário. A experiência demonstra que a violência, os conflitos e o terrorismo se alimentam com o medo, a desconfiança e o desespero que nascem da pobreza e da frustração. Em última análise, a luta contra estes inimigos da paz e da prosperidade deve ser conduzida por homens e mulheres que, destemidamente, acreditam e, honestamente, dão testemunho dos grandes valores espirituais e políticos que inspiraram o nascimento da nação.

Senhoras e Senhores, a promoção e a salvaguarda destes grandes valores estão especialmente confiados a vós que guiais a vida política, cultural e económica do vosso país. Esta é uma grande responsabilidade, uma verdadeira vocação ao serviço de todo o povo queniano. O Evangelho diz-nos que, «a quem muito foi dado, muito será exigido» (Lc 12, 48). À luz disto, encorajo-vos a trabalhar, com integridade e transparência, para o bem comum e a fomentar um espírito de solidariedade a todos os níveis da sociedade. Peço-vos, de modo particular, que manifesteis uma autêntica preocupação com as necessidades dos pobres, as aspirações dos jovens e uma distribuição justa dos recursos naturais e humanos com que o Criador abençoou o vosso país. Garanto-vos a prossecução dos esforços da comunidade católica, através das suas obras educacionais e caritativas, procurando oferecer a sua contribuição específica nestas áreas.

Queridos amigos, foi-me dito que aqui no Quénia há a tradição dos alunos plantarem árvores para a posteridade. Possa este eloquente sinal de esperança no futuro e de confiança no crescimento que Deus dá, sustentar-vos a todos nos esforços por cultivar uma sociedade solidária, justa e pacífica no território pátrio e em todo o grande continente africano. Agradeço-vos mais uma vez o vosso caloroso acolhimento e invoco, sobre vós, vossas famílias e todo o amado povo queniano, abundantes bênçãos do Senhor.

Mungu abariki Kenya! [Deus abençoe o Quénia!]


Nairóbi – Na Nunciatura de Nairóbi, aonde passou a noite, o Papa presidiu na manhã desta quinta-feira (26/11) um Encontro Ecumênico e Inter-religioso, com a presença de líderes das diferentes confissões cristãs (anglicana, evangélica, metodista, pentecostal e outras) e das diversas crenças religiosas professadas no país. Também participaram algumas personalidades civis engajadas na promoção do diálogo interreligioso.

Em seu discurso, Francisco advertiu que a religião “jamais deve ser usada para justificar o ódio e a violência” e lamentou que muitas vezes, “os jovens se tornam extremistas em nome da religião para semear discórdia e terror, para dilacerar o tecido das nossas sociedades”.

O Pontífice ressaltou, por outro lado, a importância do diálogo “neste mundo tão ferido por conflitos e divisões”. A este respeito, recordou os quatro atentados mais graves ocorridos no Quênia nos últimos quatro anos, cometidos pelo grupo jihadista Al Shabab: o ataque ao centro comercial de Westgate (com 67 mortos), os dois na cidade de Mandera (com 64 mortos) e o massacre na Universidade de Garissa (que deixou 148 mortos).

Segundo Francisco, o diálogo ecumênico e inter-religioso “não é um luxo, nem algo exterior ou opcional”, mas algo de que “nosso mundo tem cada vez mais necessidade”. “Num mundo cada vez mais interdependente, vemos sempre mais claramente a necessidade da compreensão inter-religiosa, da amizade e da cooperação na defesa da dignidade e o seu direito de viver em liberdade e felicidade”.

Neste sentido, lembrou que este ano, “se comemora o cinquentenário do encerramento do Concílio Vaticano II, no qual a Igreja Católica se comprometeu no diálogo ecumênico e inter-religioso ao serviço da compreensão e da amizade”.
Depois deste Encontro, o Papa presidiu uma missa na Universidade de Nairóbi, aonde os fiéis já o aguardavam desde a madrugada.


DISCURSO DO SANTO PADRE

Queridos amigos!

Agradeço a vossa presença aqui hoje e a oportunidade de partilhar estes momentos de reflexão convosco. De modo particular, quero agradecer a D. Kairo, ao Arcebispo Wabukala e ao Professor El-Busaidy as palavras de boas-vindas que me dirigiram em nome pessoal e das respectivas comunidades. Considero importante que, ao visitar os católicos duma Igreja local, sempre tenha ocasião de encontrar os líderes doutras comunidades cristãs e doutras tradições religiosas. Tenho esperança de que este tempo transcorrido em conjunto possa ser um sinal da estima da Igreja pelos seguidores de todas as religiões; possa este encontro ajudar a fortalecer os laços de amizade que já existem entre nós.

A bem da verdade, esta relação coloca-nos perante um desafio; põe-nos questões. Mas o diálogo ecumênico e inter-religioso não é um luxo. Não é algo exterior ou opcional, mas é essencial, algo de que o nosso mundo, ferido por conflitos e divisões, tem cada vez mais necessidade.

Com efeito, as crenças religiosas e a maneira de as praticar influem sobre aquilo que somos e a compreensão do mundo que nos rodeia. São, para nós, fonte de iluminação, sabedoria e solidariedade, enriquecendo assim as sociedades onde vivemos. Ao cuidar do crescimento espiritual das nossas comunidades, ao formar as mentes e os corações para a verdade e os valores ensinados pelas nossas tradições religiosas, tornamo-nos uma bênção para as comunidades onde vive o nosso povo. Numa sociedade democrática e pluralista como o Quênia, a cooperação entre os líderes religiosos e as suas comunidades torna-se um importante serviço ao bem comum.

À luz disto e num mundo cada vez mais interdependente, vemos cada vez mais claramente a necessidade da compreensão interreligiosa, da amizade e da cooperação na defesa da dignidade conferida por Deus a cada um dos indivíduos e aos povos, e o seu direito de viver em liberdade e felicidade. Ao defender e respeitar tal dignidade e tais direitos, as religiões desempenham um papel essencial para se formar as consciências, incutir nos jovens os valores espirituais profundos das nossas respectivas tradições, formando bons cidadãos, capazes de impregnar a sociedade civil de honestidade, integridade e uma visão do mundo que valorize a pessoa humana no que diz respeito ao poder e ao ganho material.

Penso aqui na importância da nossa convicção comum segundo a qual, o Deus a quem procuramos servir, é um Deus de paz. O seu Nome Santo não deve jamais ser usado para justificar o ódio e a violência. Permanece viva, em vós, a memória deixada pelos bárbaros ataques ao Westgate Mall, ao Garissa University College e a Mandera. Com muita frequência, tornam-se os jovens extremistas em nome da religião para semear discórdia e terror, para dilacerar o tecido das nossas sociedades. Como é importante que nos reconheçam como profetas de paz, pacificadores que convidam os outros a viver em paz, harmonia e respeito mútuo! Que o Todo-Poderoso toque os corações de quantos estão envolvidos nesta violência e conceda a sua paz às nossas famílias e comunidades.

Queridos amigos, comemora-se este ano o cinquentenário do encerramento do Concílio Vaticano II, no qual a Igreja Católica se comprometeu no diálogo ecumênico e inter-religioso ao serviço da compreensão e da amizade. Pretendo reiterar este compromisso, que nasce da nossa convicção da universalidade do amor de Deus e da salvação que Ele oferece a todos. O mundo espera, e com razão, que os crentes trabalhem juntamente com as pessoas de boa vontade para enfrentar os numerosos problemas da família humana. Com os olhos no futuro, rezemos para que todos os homens e mulheres se considerem irmãos e irmãs, unidos pacificamente nas suas diferenças e através delas. Rezemos pela paz!

Agradeço a vossa atenção, e peço a Deus Todo-Poderoso que vos conceda, a vós e às vossas comunidades, a abundância das suas bênçãos.

Salão da Nunciatura Apostólica, Nairobi (Quênia)
Quinta-feira, 26 de Novembro de 2015

“A alma de um sacerdote que não reza é feia”

Nairóbi – O Papa Francisco encontrou-se nesta quinta-feira (26/11), com o clero, religiosos, religiosas e seminaristas do Quênia. O evento realizou-se na Escola de Santa Maria, em Nairóbi.
“Alguns não sabem porque Deus os chamou, mas sentem que Deus os chamou. Existem outros que seguem o Senhor por interesse”, disse o pontífice.

“No seguimento de Jesus não há espaço para aqueles com ambições de poder e riqueza, e que querem ser uma pessoa importante no mundo. O Senhor os escolheu todos, iniciou a sua obra no dia em que nos olhou. Na sequela de Jesus no sacerdócio e na vida consagrada se entra pela porta e a porta é Cristo. Foi ele quem iniciou o caminho, não nós”, disse Francisco.

O Papa recordou que a “Igreja não é uma empresa, não é uma ONG. A Igreja é um mistério, mistério do olhar de Jesus sobre cada um que Ele diz: segui-me”.

Jesus única resposta

“Todos somos pecadores, eu por primeiro, porém temos diante de nós o amor e a ternura de Jesus. Nunca deixem de chorar. Quando num sacerdote, num religioso ou religiosa as lágrimas se secam, algo não funciona. Chorar pela própria infidelidade, pela dor do mundo, chorar pelas pessoas descartadas, pelos idosos abandonados, pelas crianças assassinadas, pelas coisas que não entendemos”, disse ainda Francisco.

“Jesus é a única resposta para certas situações da vida”, frisou o Papa. “Cada vez que eu saúdo uma criança com uma doença rara, me pergunto: por que aquela criança? Não tenho resposta, somente olho para Jesus”, disse.
O Papa convidou os consagrados a não deixarem de rezar. A se colocarem diante de Jesus. Se um consagrado deixa a oração de lado a alma se seca e fica com uma aparência feia. “A alma de um sacerdote que não reza é feia”, sublinhou.

Francisco recordou aos sacerdotes e consagrados que eles foram escolhidos por Jesus para servir. “Servir ao povo de Deus, aos pobres, aos descartados, servir as crianças e os idosos, e servir também as pessoas que não são conscientes da soberba. Servir e não servir-se da Igreja”, disse ainda o Papa.

Aos seminaristas Francisco disse: “se algum de vocês não tem vocação para esse caminho, não perca tempo. Procure um trabalho, se case e forme uma família”.

O Papa agradeceu aos consagrados do Quênia por seguirem Jesus, por todas as vezes que se sentem pecadores, por toda carícia de ternura que eles dão e pelas vezes que ajudaram alguém a morrer em paz. “Obrigado por darem esperança na vida. Obrigado por ajudar, corrigir e perdoar a cada dia”, concluiu.

Papa na favela de Nairóbi: “Aqui me sinto em casa”

Nairóbi – O Papa Francisco iniciou o terceiro dia de atividades em Nairóbi, capital do Quênia, com uma visita a Kangemi, uma das grandes favelas da capital. “Na verdade, me sinto em casa ao partilhar este momento com irmãos e irmãs que – não tenho vergonha de dizer – ocupam um lugar especial na minha vida e nas minhas opções. Estou aqui, porque quero que saibam que suas alegrias e esperanças, angústias e sofrimentos não me são indiferentes. Sei das dificuldades que enfrentam, todos os dias! Como não denunciar as suas injustiças”?, questionou o Pontífice.

Desta forma, o Papa se deteve em um aspecto que os discursos de exclusão não conseguem reconhecer ou parecem ignorar: a sabedoria dos bairros populares. Citando a sua Encíclica “Laudato Si”, o Pontífice explicou que “se trata de uma sabedoria que “brota da resistência obstinada do que é autêntico, dos valores evangélicos que a sociedade opulenta, entorpecida pelo consumo desenfreado, parece ter esquecido”.

Vocês, acrescentou Francisco, são capazes de “tecer laços de pertença e de convivência que transformam a sua existência em uma experiência comunitária, onde são abatidos os muros e as barreiras do egoísmo”. E ponderou: “A cultura dos bairros populares, permeada por esta sabedoria particular, tem características muito positivas, que são uma contribuição para o tempo em que vivemos; ela se exprime mediante valores concretos de solidariedade, dar a vida pelo outro, preferir o nascimento à morte, dar sepultura cristã aos seus mortos, oferecer hospitalidade aos doentes, partilhar o pão com quem tem fome, ter paciência e fortaleza nas grandes adversidades. Esses valores são baseados nisto: todo ser humano é mais importante do que o deus dinheiro. Obrigado por nos lembrar que existe este outro tipo de cultura!”

Neste sentido, o Papa quis começar a reivindicar estes valores, que não são cotados na Bolsa de Valores,  não são objeto de especulação e nem têm preço de mercado. O caminho de Jesus teve início na periferia, entre os pobres e pelos pobres. Reconhecer isso não significa ignorar a terrível injustiça da marginalização urbana. As feridas provocadas pelas minorias concentram o poder, a riqueza e esbanjam egoisticamente enquanto a crescente maioria deve se refugiar em periferias abandonadas, contaminadas, descartadas.

Isto se agrava ainda mais, frisou Francisco, diante da injusta distribuição do terreno que, em muitos casos, leva inteiras famílias a pagarem aluguéis abusivos por habitações em condições imobiliárias completamente inadequadas. O Papa recordou ainda o grave problema da sonegação de terras por parte de “empresários privados” sem rosto.

Aqui, o Santo Padre referiu-se a outro grave problema: a falta de acesso às infraestruturas e serviços básicos, de modo particular, à água potável: “O acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas. Negar a água a uma família, sob qualquer pretexto burocrático, é uma grande injustiça”.

Este contexto de indiferença e hostilidade, de que sofrem os bairros populares, se agrava, disse o Papa, quando a violência se espalha e as organizações criminosas, ao serviço de interesses econômicos ou políticos, utilizam crianças e jovens como “bala de canhão” para os seus negócios sangrentos. E exortou: “Peço a Deus que as autoridades assumam em conjunto o caminho da inclusão social, da educação, do esporte, da ação comunitária e da tutela das famílias, porque esta é a única garantia de uma paz justa, verdadeira e duradoura. Estas realidades são uma consequência de novas formas de colonialismo, que pretendem que os países africanos sejam peças de um mecanismo e de uma engrenagem gigantesca. Na verdade, não faltam pressões para que sejam adotadas políticas de descarte, como a redução da natalidade”.

Por fim, Francisco propôs retomar a ideia de uma respeitosa integração urbana, sem erradicação e paternalismo, sem indiferença e mero confinamento. A dívida social e ambiental para com os pobres das cidades pode ser paga com o direito sagrado dos três “T”: terra, teto e trabalho.

O Papa concluiu seu discurso com o seguinte apelo: “Quero chamar a atenção de todos os cristãos, especialmente dos Pastores, para que renovem o impulso missionário; tomem iniciativas contra as tantas injustiças; envolvam-se nos problemas dos vizinhos e os acompanhem nas suas lutas; salvaguardem os frutos do seu trabalho comunitário e celebrem juntos todas as vitórias, pequenas ou grandes. Esta é uma tarefa talvez a mais importante, porque os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho”.

Rezemos, trabalhemos e nos comprometamos, disse por fim o Papa, para que cada família tenha um teto digno, acesso à água potável, energia para iluminar, cozinhar e melhorar suas casas; que todo o bairro tenha ruas, praças, escolas, hospitais, espaços desportivos, recreativos e artísticos; que todos possam gozar da paz e da segurança que merecem.

O bairro de Kangemi

Kangemi é um bairro onde se encontra uma das favelas de Nairóbi, situada em um pequeno vale, que confina com a favela de Kalangware. Kangemi conta com uma população multiétnica de mais de 100 mil pessoas, cuja maioria pertence à tribo Lubya. A paróquia local conta com cerca de 20 mil fiéis e é dedicada a São José Operário. Confiada aos Padres Jesuítas, possui um ambulatório, um Instituto Técnico Superior e um Centro de Assistência às mães mais necessitadas e diversas iniciativas profissionais.


DISCURSO DO SANTO PADRE

Obrigado por me terdes acolhido no vosso bairro. Obrigado ao Senhor Arcebispo Kivuva e ao Padre Pascal pelas suas palavras. Na realidade, sinto-me em casa partilhando este momento com irmãos e irmãs que ocupam – não tenho vergonha de o dizer – um lugar especial na minha vida e nas minhas opções. Estou aqui, porque quero que saibais que as vossas alegrias e esperanças, as vossas angústias e sofrimentos não me são indiferentes. Conheço as dificuldades que enfrentais dia a dia! Como não denunciar as injustiças que sofreis?

Antes de mais nada, queria deter-me num aspecto que os discursos de exclusão não conseguem reconhecer ou parecem ignorar. Refiro-me à sabedoria dos bairros populares. Uma sabedoria que brota da «obstinada resistência daquilo que é autêntico» (Laudato si’, 112), de valores evangélicos que a sociedade opulenta, entorpecida pelo consumo desenfreado, parecia ter esquecido. Vós sois capazes de «tecer laços de pertença e convivência que transformam a superlotação numa experiência comunitária, onde se derrubam os muros do eu e superam as barreiras do egoísmo» (ibid., 149).

A cultura dos bairros populares, permeada por esta sabedoria particular, «tem características muito positivas, que são uma contribuição para o tempo em que vivemos, exprime-se em valores como a solidariedade, dar a vida pelo outro, preferir o nascimento à morte, dar sepultura cristã aos seus mortos; oferecer um lugar para os doentes na própria casa, partilhar o pão com o faminto: “onde comem 10, comem 12”; a paciência e a fortaleza nas grandes adversidades, etc» (Equipa de Sacerdotes para as «Villas de Emergência» (Argentina), Reflexiones sobre la urbanización y la cultura villera, 2010). Valores baseados nisto: cada ser humano é mais importante do que o deus dinheiro. Obrigado por nos lembrardes que há outro tipo de cultura possível.

Queria começar por reivindicar estes valores que vós praticais, valores que não aparecem cotados na Bolsa, valores que não são objecto de especulação nem têm preço de mercado. Congratulo-me convosco, acompanho-vos e quero que saibais que o Senhor nunca Se esquece de vós. O caminho de Jesus começou na periferia, vai dos pobres e com os pobres para todos.

Reconhecer estas manifestações de vida boa que crescem diariamente entre vós não significa, de forma alguma, ignorar a terrível injustiça da marginalização urbana. São as feridas provocadas pelas minorias que concentram o poder, a riqueza e esbanjam egoisticamente enquanto a crescente maioria deve refugiar-se em periferias abandonadas, contaminadas, descartadas.

Isto agrava-se quando se vê a injusta distribuição do terreno (talvez não neste bairro, mas noutros) que, em muitos casos, leva famílias inteiras a pagarem aluguéis abusivos por habitações em condições imobiliárias completamente inadequadas. Sei também do grave problema da sonegação de terras por «empresários privados» sem rosto, que pretendem apropriar-se até do pátio da escola dos próprios filhos. Sucede isto porque se esquece que «Deus deu a terra a todo o gênero humano, para que ela sustente todos os seus membros sem excluir nem privilegiar ninguém» (João Paulo II, Centesimus annus, 31).

Nesta linha, um grave problema é a falta de acesso às infra-estruturas e serviços básicos. Refiro-me a balneários, fossas, esgotos, recolha de lixo, energia eléctrica, estradas, mas também escolas, hospitais, centros recreativos e desportivos, ateliês artísticos. Mas de modo particular refiro-me à água potável. «O acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos. Este mundo tem uma grave dívida social para com os pobres que não têm acesso à água potável, porque isto é negar-lhes o direito à vida radicado na sua dignidade inalienável» (Laudato si’, 30). Negar a água a uma família, sob qualquer pretexto burocrático, é uma grande injustiça, sobretudo quando se lucra com essa necessidade.

Este contexto de indiferença e hostilidade, de que sofrem os bairros populares, agrava-se quando a violência se espalha e as organizações criminosas, ao serviço de interesses econômicos ou políticos, utilizam crianças e jovens como «carne de canhão» para os seus negócios ensanguentados. Conheço também os sofrimentos das mulheres que lutam heroicamente para proteger os seus filhos e filhas destes perigos. Peço a Deus que as autoridades assumam juntamente convosco o caminho da inclusão social, da educação, do desporto, da ação comunitária e da tutela das famílias, porque esta é a única garantia duma paz justa, verdadeira e duradoura.

Estas realidades, que enumerei, não são uma combinação casual de problemas isolados. São, antes, uma consequência de novas formas de colonialismo que pretendem que os países africanos sejam «peças de um mecanismo, partes de uma engrenagem gigantesca» (João Paulo II, Ecclesia in Africa, 52). Na realidade, não faltam pressões para que se adoptem políticas de descarte, como a da redução da natalidade que pretende «legitimar o modelo distributivo atual, no qual uma minoria se julga com o direito de consumir numa proporção que seria impossível generalizar» (Laudato si’, 50).

Neste sentido, proponho que se retome a ideia duma respeitosa integração urbana. Nem erradicação nem paternalismo, nem indiferença nem mero confinamento. Precisamos de cidades integradas e para todos. Precisamos de ir além da mera proclamação de direitos que, na prática, não são respeitados, e promover acções sistemáticas que melhorem o habitat popular e projectar novas urbanizações de qualidade para acolher as futuras gerações. A dívida social, a dívida ambiental para com os pobres das cidades paga-se tornando efetivo o direito sagrado aos «três T»: terra, tecto e trabalho. Isto não é filantropia, é um dever moral de todos.

Quero apelar a todos os cristãos, especialmente aos Pastores, para que renovem o impulso missionário, tomem iniciativa contra tantas injustiças, envolvam-se nos problemas dos vizinhos, acompanhem-nos nas suas lutas, salvaguardem os frutos do seu trabalho comunitário e celebrem juntos cada vitória pequena ou grande. Sei que já fazeis muito, mas peço-vos para recordardes que não é uma tarefa mais, mas é talvez a mais importante, porque «os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho» (Bento XVI, Encontro com o Episcopado Brasileiro, Catedral de São Paulo/Brasil, 11 de Maio de 2007, 3).

Queridos vizinhos, queridos irmãos! Rezemos, trabalhemos, comprometamo-nos juntos para que cada família tenha um tecto digno, tenha acesso a água potável, tenha um banheiro, tenha energia segura para iluminar, cozinhar e melhorar as suas casas… para que todo o bairro tenha estradas, praças, escolas, hospitais, espaços desportivos, recreativos e artísticos; para que os serviços básicos cheguem a cada um de vós; para que sejam ouvidas as vossas reclamações e o vosso grito por melhores oportunidades; para que todos possais gozar da paz e segurança que mereceis de acordo com a vossa dignidade humana infinita.

Mungu awabariki [Deus vos abençoe].

E peço, por favor, que não vos esqueçais de rezar por mim.

Aos jovens: “Não aceitem o açúcar da corrupção!”

Nairóbi – O momento mais emblemático da visita do Papa a Nairóbi, até então, aconteceu durante o encontro com os jovens quenianos, no Estádio de Kasarani, na manhã da sexta-feira, (27/11). Francisco pediu aos 70 mil jovens presentes para dar-se as mãos contra o tribalismo, que afasta e divide e formar uma grande corrente humana, que representa toda a nação queniana.

Aos milhares de jovens, Francisco exortou a rejeitar o “açúcar da corrupção” que dissipa a alegria e a paz interior; o excesso da corrupção leva nações e instituições a sofrer de diabetes. A corrupção é um capítulo dramático para a África, mas também para numerosos países, como o próprio Vaticano.

Cicatrizes

Este foi um dos aspectos que os jovens apresentaram ao Papa, além das grandes questões da sua terra, do tribalismo à chaga da corrupção, mas também os desafios das redes sociais, com sua influência nem sempre positiva, como também o drama das guerras, as crianças-soldado, as trágicas pressões internacionais que destroem a alma da África, as famílias, as sociedades, o ambiente.

Para ilustrar seu pensamento, o Santo Padre tirou do bolso o rosário e um livrinho preto com as 14 estações da Via Sacra, “instrumentos que dão sempre esperança”; a Via Sacra leva à Ressurreição!

Neste sentido, Francisco questionou: “Por que os jovens, cheios de ideais, se deixam arrastar pelo radicalismo religioso? Por que se distanciam da família, dos amigos, da pátria e da vida? Por que aprendem a matar? Perguntou ainda: “Se um jovem ou uma jovem não tiver trabalho e não pude estudar o que poderia fazer?” E respondeu: “Poderia correr o risco de cair na dependência da droga, praticar atividades criminosas e até se suicidar”.

Então, o Pontífice propôs: “A primeira coisa que um jovem deveria fazer, para evitar de cair em tais erros, é “ter uma boa educação e um trabalho”. Se não tiver trabalho qual futuro terá? Se não tiver educação ou qualquer atividade o que poderá ser? Eis o perigo social que depende de um sistema injusto, cujo centro não é Deus, mas o dinheiro.


DISCURSO DO SANTO PADRE

Muito obrigado pelo terço que rezastes por mim. Obrigado, muito obrigado!

Obrigado pela vossa presença, pela vossa entusiasta presença aqui! Obrigado, Linette e Manuel, pelas vossas reflexões.

Há uma pergunta que está na base de todas as perguntas que me fizeram Linette e Manuel: «Por que acontecem as divisões, as lutas, a guerra, a morte, o fanatismo, a destruição entre os jovens? Por que há este desejo de nos autodestruirmos? Nas primeiras páginas da Bíblia, depois de todas as maravilhas que Deus fez, um irmão mata o seu próprio irmão. O espírito do mal leva-nos à destruição; o espírito do mal leva-nos à desunião, leva-nos ao tribalismo, à corrupção, à dependência da droga… Leva-nos à destruição através do fanatismo.

FANATISMO RELIGIOSO

Manuel perguntava-me: «Que fazer para que um fanatismo ideológico não nos roube um irmão, não nos roube um amigo?» Há uma palavra que pode parecer incômoda, mas não a quero evitar, porque vós a usastes antes de mim: usaste-la quando me trouxestes os terços, contando os terços que rezastes por mim; usou-a também o Bispo, quando vos apresentou, dizendo que vos preparastes para esta visita com a oração. A primeira coisa que eu diria é que um homem perde o melhor do seu ser humano, uma mulher perde o melhor da sua humanidade, quando se esquece de rezar, porque se sente onipotente, porque não sente necessidade de pedir ajuda ao Senhor à vista de tantas tragédias.

A vida está cheia de dificuldades, mas há duas maneiras de olhar as dificuldades: ou se olham como algo que te bloca, que te destrói, que te paralisa, ou se olham como uma oportunidade real. A escolha depende de vós: para mim, uma dificuldade é caminho de destruição ou oportunidade para superar a minha situação, a da minha família, da minha comunidade, do meu país?

Moços e moças, não vivemos no céu; vivemos na terra. E a terra está cheia de dificuldades. A terra está cheia não só de dificuldades, mas também de atrativos para o mal. Mas há algo que todos vós, jovens, tendes e que dura por certo tempo, um período mais ou menos longo: a capacidade de escolher qual caminho quero seguir, qual destas duas coisas quero escolher: deixar-me vencer pela dificuldade ou transformar a dificuldade numa oportunidade, para que o vencedor seja eu?

Algumas das dificuldades que mencionastes são verdadeiros desafios. Assim, primeiro, impõe-se uma pergunta: quereis superar estes desafios ou deixar-vos vencer pelos desafios? Quereis ser como os atletas que, quando vêm jogar aqui no estádio, querem ganhar, ou como aqueles que já venderam a vitória aos outros e meteram o dinheiro ao bolso? A escolha é vossa!

TRIBALISMO

Um desafio que mencionou Linette é o do tribalismo. O tribalismo destrói uma nação; o tribalismo significa ter as mãos escondidas atrás das costas com uma pedra em cada uma delas para jogá-la contra o outro. O tribalismo só se vence com o ouvido, com o coração e com a mão. Com o ouvido, escutando: Qual é a tua cultura? Por que és assim? Por que tem a tua tribo este hábito, este costume? A tua tribo sente-se superior ou inferior? Com o coração: depois de ter escutado a resposta com os ouvidos, abro o meu coração; e, depois, estendo a mão para continuar o diálogo. Se não dialogardes entre vós e não vos ouvirdes, então haverá sempre o tribalismo, que é como um verme que corrói a sociedade. O dia de ontem – para vós, fazemo-lo hoje – foi declarado dia de oração e de reconciliação. Agora quero convidar a todos vós, jovens –a Linette e ao Manuel para virem aqui – a darmo-nos as mãos uns aos outros; pomo-nos de pé e damo-nos as mãos como sinal contra o tribalismo. Todos formamos uma única nação! Somos, todos, uma única nação! Assim deve ser o nosso coração. Para superar o tribalismo não basta levantar a mão hoje; isto é o desejo, é a decisão. Mas superar o tribalismo é um trabalho de todos os dias. Vencer o tribalismo é um trabalho de todos os dias; é um trabalho do ouvido: escutar o outro; um trabalho do coração: abrir o coração ao outro; um trabalho da mão: dar-se as mãos uns aos outros… E agora demo-nos as mãos uns aos outros…. «Não ao tribalismo!»

CORRUPÇÃO

Sentai-vos!

Outra pergunta que fez Linette é sobre a corrupção. No fundo, perguntava-me: «Pode-se justificar a corrupção simplesmente com o fato de que todos estão pecando, que todos são corruptos? Como podemos ser cristãos e combater o mal da corrupção?»

Lembro-me que, na minha pátria, um jovem de 20-22 anos queria dedicar-se à política; estudava, estava cheio de entusiasmo, sempre em movimento de um lado para o outro… Encontrou trabalho num Ministério. Um dia teve de decidir a propósito de uma compra que era preciso fazer; então pediu três preventivos, estudou-os e escolheu o mais econômico. Depois foi ao escritório do chefe para que o assinasse. «Por  que escolheste este?» – «Porque é preciso escolher o mais conveniente para as finanças do país». – «Não, e não! É preciso escolher aquele que mais te enche os bolsos» – disse. Então, o jovem respondeu ao chefe: «Eu vim fazer política para ajudar a pátria, para fazê-la crescer». E o chefe respondeu-lhe: «E eu faço política para roubar». Isto é apenas um exemplo; e não acontece apenas na política, mas em todas as instituições, incluindo o Vaticano, há casos de corrupção. A corrupção é algo que penetra dentro. É como o açúcar: é doce, gostamos, é fácil… e depois? Acabamos mal. Temos um fim desastrado. Com tanto açúcar fácil, acabamos diabéticos e também o nosso país se torna diabético.

Sempre que aceitamos uma «nota por baixo da mesa», um suborno, sempre que aceitamos uma «nota por baixo da mesa» e a metemos ao bolso, destruímos o nosso coração, destruímos a nossa personalidade e destruímos a nossa pátria. Por favor, não ganheis gosto a este «açúcar» que se chama corrupção. «Mas, Padre, eu vejo muitos que são corruptos, vejo tantas pessoas que se vendem por um punhado de dinheiro, sem se preocuparem com a vida dos outros». Como em todas as coisas, é preciso começar: se não queres a corrupção no teu coração, na tua vida, na tua pátria, começa tu… agora! Se não começas tu, também o teu vizinho não começará. A corrupção rouba-nos também a alegria, rouba-nos a paz. A pessoa corrupta não vive em paz.

Uma vez (isto que vos conto, é um fato histórico), na minha cidade, morreu um homem. Todos sabiam que era um grande corrupto. Então, alguns dias depois, perguntei: Como foi o funeral? E uma senhora, que tinha um grande sentido de humor, respondeu-me: «Padre, não conseguiam fechar o caixão, a urna, porque ele queria levar todo o dinheiro que roubara». Aquilo que roubais com a corrupção, ficará aqui e qualquer outro se aproveitará dele. Mas ficará também – tenhamo-lo bem em mente – no coração de tantos homens e mulheres que foram feridos pelo teu exemplo de corrupção. Ficará na falta de bem que poderias ter feito e não fizeste. Ficará nos adolescentes doentes, esfomeados, porque o dinheiro que era para eles, por causa da tua corrupção, gozaste-lo tu. Moços e moças, a corrupção não é um caminho de vida; é um caminho de morte.

MEIOS DE COMUNICAÇÃO

Havia depois uma pergunta sobre o modo como usar os meios de comunicação para difundir a mensagem de esperança de Cristo e promover iniciativas justas para que se veja a diferença. O primeiro meio de comunicação é a palavra, é o gesto, é o sorriso. O primeiro gesto de comunicação é a proximidade. O primeiro gesto de comunicação é procurar a amizade. Se falardes bem entre vós, se sorrirdes uns para os outros, se vos aproximardes como irmãos; se vos aproximardes uns dos outros, mesmo pertencendo a tribos diferentes; se vos aproximardes de quem precisa, daqueles que são pobres, dos abandonados, dos idosos que ninguém visita, se estiverdes perto deles, estes gestos de comunicação são mais contagiosos do que qualquer rede de televisão.

Repassando todas estas perguntas, espero ter-vos dito algo que vos possa ajudar. Mas rezai muito a Jesus, suplicai ao Senhor que vos dê a força para destruir o tribalismo, para serdes todos irmãos; que vos dê a coragem para não vos deixardes corromper, que vos dê o desejo de poderdes comunicar entre vós como irmãos, com um sorriso, com uma palavra amável, com um gesto de ajuda e com a proximidade.

TRABALHO E ESTUDO

Também o Manuel fez perguntas incisivas no seu testemunho. Preocupa-me a primeira coisa que disse: «Que podemos fazer para impedir o recrutamento dos nossos entes queridos? Que podemos fazer para conseguir que regressem? Para responder a isto, devemos saber por que motivo um jovem, cheio de esperanças, se deixe recrutar ou se ofereça para ser recrutado. Afasta-se da sua família, dos seus amigos, da sua tribo, da sua pátria; afasta-se da vida, porque aprende a matar… Esta é uma pergunta que deveis pôr a todas as autoridades. Se um jovem, um moço ou uma moça, um homem ou uma mulher não têm emprego, não conseguem estudar, que podem fazer? Podem fazer-se delinquentes, cair numa forma de dependência, suicidar-se (na Europa, não se publicam as estatísticas de suicídios), ou arrolar-se numa atividade que lhes dê um objetivo na vida…, enganando-se.

A primeira coisa que devemos fazer para evitar que um jovem seja recrutado ou procure fazer-se recrutar é proporcionar-lhe instrução e trabalho. Se um jovem não tem trabalho, que futuro o espera? Daí provém a ideia de se deixar recrutar. Se um jovem não tem possibilidades de receber uma educação, mesmo uma educação de emergência, de pequenos encargos, que pode fazer? Aqui está o perigo! É um perigo social, que nos ultrapassa, que ultrapassa o próprio país, porque depende dum sistema internacional que é injusto, que não coloca a pessoa no centro da economia, mas o deus dinheiro. E que posso fazer para o ajudar ou trazê-lo de volta? Antes de mais nada, rezar; mas com força! Deus é mais forte que qualquer campanha de recrutamento. E depois? Falai-lhe com afeto, com ternura, com amor e com paciência. Convidai-o para ver um jogo de futebol, convidai-o para dar um passeio, convidai-o para estar junto no grupo. Não o deixeis sozinho. Isto é o que agora me vem à mente.

Com certeza há comportamentos – é a tua segunda pergunta – que prejudicam, comportamentos em que se procuram felicidades passageiras, que acabam depois por vos prejudicar. A pergunta que me fizeste, Manuel, é uma pergunta digna de um professor de teologia: «Como podemos compreender que Deus é nosso Pai? Como podemos ver a mão de Deus nas tragédias da vida? Como podemos encontrar a paz de Deus?» Esta pergunta, põem-na, duma forma ou doutra, os homens e mulheres de todo o mundo. E não encontram uma razão. Há perguntas a que, por mais que nos esforcemos em responder, não se consegue encontrar uma resposta. «Como posso ver a mão de Deus numa tragédia da vida?» Haverá ao menos uma resposta? Não, não há resposta. Só há uma estrada: olhar para o Filho de Deus. Deus entregou-O para nos salvar a todos. O próprio Deus fez-Se tragédia. O próprio Deus deixou-Se destruir na cruz. E, quando vier um momento incompreensível, quando estiverdes desesperados, quando o mundo vos cair em cima, olhai para a Cruz! Ali há o falimento de Deus; ali há a destruição de Deus. Mas ali há também um desafio à nossa fé: a esperança. Porque a história não acabou naquele falimento: houve a Ressurreição que nos renovou a todos.

Tenho uma confidência a fazer-vos… (Tendes fome? É meio-dia? Não…) Então vou fazer-vos uma confidência. No bolso, trago sempre duas coisas [tira-as para fora do bolso e mostra-as]: um terço, um terço para rezar; e outra coisa, que parece estranha… Que é isto? É a história do falimento de Deus, é uma Via-Sacra, uma pequena Via-Sacra [mostra uma caixa que se abre e contém pequenas imagens]: como Jesus sofreu desde quando foi condenado à morte até que foi sepultado… E, com estas duas coisas, procuro fazer o melhor que posso. Mas, graças a estas duas coisas, não perco a esperança.

FAMÍLIAS

Uma última pergunta do «teólogo» Manuel: «Que diria aos jovens que não experimentaram o amor nas suas famílias? É possível sair desta experiência?» Por todo o lado há adolescentes abandonados, ou porque foram abandonados ao nascer ou porque, na vida, os abandonaram a família, os pais, não sentindo o carinho da família. Por isso é tão importante a família. Defendei a família. Defendei-a sempre. Por todo o lado há não apenas crianças abandonadas, mas também idosos abandonados, que se encontram sem ninguém que os visite, sem ninguém que lhes queira bem. Como se pode sair desta experiência negativa de abandono, de falta de amor? Existe apenas um remédio para sair destas experiências: dar aquilo que eu não recebi. Se não recebestes compreensão, sede compreensivos com os outros; se não recebestes amor, amai os outros; se sentistes a tristeza da solidão, aproximai-vos daqueles que estão sozinhos. A carne cura-se com a carne! E Deus fez-Se carne para nos curar. Façamos também nós o mesmo com os outros.

Bem, creio que sejam horas de concluir, antes que o árbitro apite o fim. De coração vos agradeço por terdes vindo, por me terdes permitido falar na minha língua materna… Agradeço-vos por terdes rezado tantos terços por mim. E, por favor, peço que rezeis por mim, porque também eu preciso… e muito! E antes de partirmos, peço-vos para os levantardes todos e rezarmos juntos ao nosso Pai do Céu, que tem apenas um defeito: não pode deixar de ser Pai! [recitação do Pai Nosso e a Bênção].

CHEGADA A UGANDA

Campala  – O Papa Francisco chegou a Uganda, nesta sexta-feira (27/11), segunda etapa de sua 11ª viagem apostólica internacional. Logo após aterrissar, o Pontífice se encontrou com as autoridades ugandenses e com o corpo diplomático na sala de conferências da State House de Entebbe. “Estou feliz de estar em Uganda. A minha visita tem como objetivo principal comemorar o cinquentenário da canonização dos Mártires de Uganda feita pelo meu predecessor, o Beato Papa Paulo VI. Espero que a minha presença seja vista também como um sinal de amizade, estima e encorajamento para todos os habitantes desta grande nação”, disse Francisco.

Após o encontro com as autoridades de Uganda e com o Corpo Diplomático, o Papa Francisco dirigiu-se à Munyonyo, distante 38 km de Entebe, para o encontro com os catequistas. No local foram mortos, por ordem do Rei Mwanga, os primeiros quatro mártires ugandenses (25 e 26 de maio 1886), entre os quais Santo André Kaggwa, Padroeiro dos catequistas.

No encontro festivo com o Santo Padre estavam presentes catequistas e representantes dos professores e do Conselho Nacional Ugandense de Leigos, à luz do papel fundamental desempenhado pelos fieis leigos na evangelização do país.

O Santo Padre foi acolhido na proximidade do Adro pelo Superior dos Franciscanos Conventuais – responsáveis pelo Santuário –  que o apresentou ao Superior Provincial acompanhado por cinco líderes da Comunidade de Munyonyo. O Papa então seguiu até a entrada da igreja onde abençoou a pedra da nova igreja, para então dirigir-se ao palco para uma breve saudação aos catequistas.

Francisco agradeceu aos catequistas, verdadeiros “mestres” dados por Jesus à sua Igreja para edificar o Corpo inteiro na fé e no amor e que têm “parte relevante na missão de levar a Boa Nova a todas as aldeias e lugares do vosso país”. “Ensinais o que Jesus ensinou, instruís os adultos e ajudais os pais a fazer crescer os seus filhos na fé e, a todos, levais a alegria e a esperança da vida eterna”, disse o Papa. “Obrigado especialmente por ensinardes as crianças e os jovens a rezar”.

Ao reconhecer que o trabalho dos catequistas, mesmo sendo gratificante “não é fácil”, o Papa encorajou-os a perseverar, “pedindo aos vossos bispos e sacerdotes que vos ajudem com uma formação doutrinal, espiritual e pastoral capaz de vos tornar mais eficazes na vossa ação. Mesmo quando a tarefa se apresenta gravosa, os recursos pouquíssimos e os obstáculos enormes, far-vos-á bem lembrar que o vosso é um trabalho santo”.

O Papa permanece no país até domingo, quando partirá para a República Centro-Africana, onde abrirá o Ano Santo da Misericórdia.

‘Herança dos mártires não deve ser peça de museu’

Campala – O ponto alto das atividades do Papa Francisco em Campala, Uganda, neste sábado (28/11), foi a celebração Eucarística em memória dos Mártires de Uganda no Santuário católico de Namugongo. O Papa advertiu: “Queridos irmãos e irmãs, não devemos conservar a herança que receberam dos mártires ugandeses como uma peça preciosa de museu. Mas levemos seu testemunho aos nossos lares, vizinhanças, trabalho e sociedade civil e até aos cantos mais remotos do mundo.

Antes da Santa Missa, o Papa visitou o Santuário Anglicano dos Mártires construído no lugar da morte dos 25 mártires de Uganda, católicos e anglicanos (1884-1887), cujas relíquias são veneradas em uma Capela vizinha.

Acolhido pelo Arcebispo Anglicano local, na presença de outros 40 Bispos anglicanos, o Bispo de Roma inaugurou uma placa comemorativa e visitou o lugar onde os 25 mártires foram condenados, torturados e assassinados.

Após alguns momentos de oração silenciosa, Francisco se transferiu de papamóvel ao Santuário Católico dos Mártires ugandenses, a cerca de 3 km.
O Santuário Nacional católico de Namugongo surge no grande parque natural. Sob o altar-mor encontra-se o lugar onde São Carlos Lwanga foi queimado vivo, em 3 de junho de 1886, junto com seus Companheiros mártires, durante as perseguições anticristãs em Uganda.

Neste Santuário Nacional, o Santo Padre celebrou a Missa votiva de São Carlos Lwanga e Companheiros Mártires por ocasião do seu 50° aniversário de Canonização. Participaram da celebração, além dos milhares de fiéis, também o Chefe de Estado e o descendente da dinastia dos Soberanos de Buganda, rei Ronald Muwenda Mutebi XI.

Homilia

Na homilia que pronunciou em italiano e traduzida em inglês, o Papa partiu do trecho dos Atos dos Apóstolos (1,8): «Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo».

Desde a Idade Apostólica até aos nossos dias, disse o Pontífice, surgiu um grande número de testemunhas que proclamaram Jesus e manifestaram a força do Espírito Santo:
“Hoje recordamos, com gratidão, o sacrifício dos mártires ugandeses, cujo testemunho de amor a Cristo e à sua Igreja chegou, justamente, até «aos confins do mundo». Recordamos também os mártires anglicanos, cuja morte por Cristo testemunha o ecumenismo de sangue. Todas estas testemunhas cultivaram o dom do Espírito Santo na sua vida e, livremente, deram testemunho da sua fé em Jesus Cristo, a ponto de pagar com a própria vida, muitos em idade ainda jovem”.

Como estes santos, o Papa frisou que “também nós recebemos o dom do Espírito para sermos filhos e filhas de Deus e dar testemunho de Jesus, tornando-o conhecido e amado em todos os lugares. Não recebemos o dom do Espírito só para nós, mas para edificarmos uns aos outros na fé, na esperança e no amor”.

“Penso nos Santos José Mkasa e Carlos Lwanga que, sendo instruídos na fé, quiseram transmitir aos outros o dom que receberam e o fizeram em tempos perigosos: não estava ameaçada só a vida deles, mas também a dos mais novos, confiados aos seus cuidados. Dado que tinham cultivado a fé e crescido no amor a Deus, não tiveram medo de levar Cristo aos outros até dar a própria vida. A fé deles tornou-se testemunho e o seu exemplo continua a inspirar muitas pessoas no mundo”.

Abertura

Se reavivarmos o dom do Espírito, ponderou o Papa, seremos discípulos-missionários de Cristo em nossas famílias, entre os amigos e os que não conhecemos e até os que nos são hostis. A abertura aos outros começa na família e nos lares, onde aprendemos a caridade, o perdão, a misericórdia e o amor de Deus.

Os mártires de Uganda, concluiu o Santo Padre, nos apontam o caminho para sermos discípulos-missionários mediante a fidelidade a Jesus, que significa misericórdia e pureza de coração, humildade e pobreza de espírito, sede de justiça e de esperança.

O testemunho dos mártires ugandenses nos ajuda a ir ao encontro dos necessitados, a cooperar com os outros em prol do bem comum e a construir uma sociedade mais justa, que promova a dignidade humana, sem excluir ninguém; que defenda a vida, dom de Deus, e proteja as maravilhas da natureza, a criação, a nossa casa comum. Por fim o Papa advertiu: “Queridos irmãos e irmãs, esta é a herança que receberam dos mártires ugandeses. Não devemos conservar a sua herança como uma peça preciosa de museu. Mas levemos seu testemunho aos nossos lares, vizinhanças, trabalho e sociedade civil e até aos cantos mais remotos do mundo.
‘Omukama Abawe Omukisa’: Deus os abençoe”!


NÃO ESQUEÇAM DOS POBRES

Campala – O Papa visitou, na tarde de sábado (28/11), a Casa de caridade de Nalukolongo, fundada em 1978 e confiada às Irmãs do Bom Samaritano. A casa Mapeera Bakateyamba abriga, atualmente, 100 pessoas, entre idosos, portadores de deficiências e sem-teto – independentemente de religião.

Na origem da fundação da Bakateyamba está o ideal do falecido cardeal ugandense Dom Emmanuel Kikwanuda Nsubuga, por muitos anos arcebispo de Campala, que o Papa Francisco recordou em seu rápido discurso cuja íntegra publicamos abaixo:

***
Queridos amigos!
Obrigado pela recepção calorosa. Grande era o meu desejo de visitar esta Casa da Caridade, que o Cardeal Nsubuga fundou aqui em Nalukolongo. Este lugar sempre apareceu associado com o empenho da Igreja a favor dos pobres, dos deficientes e dos doentes. Aqui, nos primeiros tempos, crianças foram resgatadas da escravidão e mulheres receberam uma educação religiosa. Saúdo as Irmãs do Bom Samaritano, que continuam esta obra estupenda, e agradeço os seus anos de serviço silencioso e feliz no apostolado.

Saúdo também os representantes de muitos outros grupos de apostolado, que cuidam das necessidades dos nossos irmãos e irmãs em Uganda. Penso, em particular, no grande e frutuoso trabalho feito com as pessoas doentes de Aids. Sobretudo saúdo a quem habita nesta Casa e noutras como esta, e a quantos beneficiam das obras da caridade cristã. É que esta é mesmo uma casa! Aqui pode-se encontrar carinho e solicitude; aqui pode-se sentir a presença de Jesus, nosso irmão, que ama a cada um de nós com um amor que é próprio de Deus.

Apelo do Pontífice
A partir desta Casa, quero hoje dirigir um apelo a todas as paróquias e comunidades presentes em Uganda – e no resto da África – para que não esqueçam os pobres. O Evangelho impõe-nos sair para as periferias da sociedade a fim de encontrarmos Cristo na pessoa que sofre e em quem passa necessidade.

O Senhor nos diz, em termos inequívocos, que nos julgará sobre isto. É triste quando as nossas sociedades permitem que os idosos sejam descartados ou esquecidos. É reprovável quando os jovens são explorados pela escravidão atual do tráfico de seres humanos.

Se olharmos atentamente para o mundo ao nosso redor, parece que, em muitos lugares, prevalecem o egoísmo e a indiferença. Quantos irmãos e irmãs são vítimas da cultura atual do ‘usa e joga fora’, que gera desprezo sobretudo para com crianças nascituras, jovens e idosos.

Como cristãos, não podemos ficar simplesmente olhando. Alguma coisa tem de mudar! As nossas famílias devem se tornar sinais ainda mais evidentes do amor paciente e misericordioso de Deus não só pelos nossos filhos e os nossos idosos, mas por todos aqueles que passam necessidade.

As nossas paróquias não devem fechar as portas e os ouvidos ao grito dos pobres. Trata-se da via-mestra do discipulado cristão. É assim que damos testemunho do Senhor que veio, não para ser servido, mas para servir. Assim mostramos que as pessoas contam mais do que as coisas, e que aquilo que somos é mais importante do que o que possuímos. De fato, é justamente naqueles que servimos que Cristo Se nos revela cada dia a Si mesmo e prepara a recepção que esperamos ter um dia no seu Reino eterno.

Queridos amigos, com gestos simples, com atos simples e devotos que honram a Cristo nos seus irmãos e irmãs mais pequeninos, fazemos entrar a força do seu amor no mundo para mudá-lo realmente. Mais uma vez agradeço a generosidade e pela a caridade. Lembrarei de vocês nas minhas orações e peço, por favor, que rezem por mim. Confio todos à terna proteção de Maria, nossa Mãe, e concedo a todos a minha bênção.
Omukama Abakuume! [Deus os proteja!]

CONSOLO PARA OS JOVENS

– A região do antigo aeroporto da capital de Uganda foi o palco para o encontro de milhares de jovens ugandeses com o Papa Francisco, no início da tarde de sábado (28/11).

“Uma experiência negativa pode servir para algo na vida?”, questionou-se o Papa ao iniciar seu discurso improvisado após ouvir o testemunho de dois jovens.
“Sim”, afirmou o Pontífice.

“Diante de uma experiência negativa, sempre há a possibilidade de abrir um novo horizonte, de abrir com a força de Jesus. Transformar a amargura em esperança. Isso não é mágica, é obra de Jesus, que tudo pode. Ele é o Senhor. Jesus sofreu a experiência mais negativa da história: foi insultado, rechaçado e assassinado. E Jesus, com o poder de Deus, ressuscitou. Ele pode fazer em cada um de nós o mesmo com cada uma das experiências negativas”.

“Nossa vida é como uma semente” – prosseguiu o Papa –, “é preciso morrer para viver. E se eu transformo o negativo em positivo, sou um vencedor. Mas isso só pode ser feito por meio de Jesus”.

“Vocês estão prontos a transformar o ódio em amor? Estão dispostos a transformar a guerra em paz? Vocês tem consciência que são um povo de mártires?”, perguntou o Papa à multidão.

“Nas veias de vocês corre o sangue dos mártires, e por isso têm a fé e a vida que têm agora”. Abram as portas dos seus corações e deixem Jesus entrar, exortou o Papa.

“Quando Jesus entra na sua vida ele ajuda a lutar contra todos os problemas, contra uma depressão, contra a Aids. Pedir ajuda para superar esta situação. Mas sempre lutar. Lutar com meu desejo, e lutar com minha oração”.

“Estão dispostos a lutar? Estão dispostos a desejar o melhor para vocês? Estão dispostos a pedir e rezar a Jesus para ajudá-los nessa luta?”, lançou novamente à multidão, antes de concluir.

“Somos todos parte da Igreja, e essa Igreja tem uma mãe. Rezemos a nossa Mãe”.

Por fim, o discurso improvisado adquiriu a característica própria de Francisco articulada em um trinômio: “Superar as dificuldades, transformar o negativo em positivo e terceiro: oração”.

MÁRTIR SIGNIFICA TESTEMUNHO

A Igreja em Uganda não pode viver de “renda”, deve seguir dando testemunho e ser fiel à memória dos mártires do passado. Esse foi um dos principais apelos que o Papa fez no seu último discurso em Campala, durante o encontro com os religiosos, na catedral da capital ugandense, na noite de sábado, 28 de novembro.

Francisco dividiu sua reflexão em três pontos. Em primeiro lugar, exortou aos religiosos que peçam a graça da memória: “O principal inimigo da memória é o esquecimento, mas não é o mais perigoso. O inimigo mais perigoso da memória é se acostumar a herdar os bens dos maiores. A Igreja em Uganda não pode se acostumar à longínqua recordação dos mártires. Mártir significa testemunho”, destacou o Pontífice.

Ao afirmar que a memória dos mártires do passado deve ser honrada, Francisco ponderou que as glórias deles foram o princípio, mas que os consagrados em Uganda hoje devem ser promotores das glórias vindouras: “Esta é a tarefa que a Igreja dá a vocês: sejam testemunhas como o foram os mártires ugandenses”.

Contudo, para serem testemunhas, o Papa advertiu que é preciso ter fidelidade. “Fidelidade significa fazer o que fizeram os que vieram antes: ser missionários”. Enfatizando que não falava somente aos sacerdotes, mas também aos religiosos, o Papa quis destacar a questão da missionariedade. “Que as dioceses com muito clero se ofereçam às que têm menos, assim Uganda seguirá sendo missionário”.

Por fim, Francisco evocou a oração: “Memória significa fidelidade, e fidelidade que somente é possível com a oração. “Oração também significa humilhação, disse o Pontífice.

“Se um sacerdote deixa de rezar ou reza pouco, porque diz que tem muito trabalho, já começou a perder a memória e já começou a perder a fidelidade”, alertou Francisco.
Não podemos viver uma vida dupla, finalizou o Papa. “Se és um pecador ou uma pecadora, peçais perdão”.

Ano Santo é aberto no “Coração da África”

Bangui – O Papa Francisco inaugurou oficialmente o Ano Santo da Misericórdia na República Centro-Africana ao abrir, no início da noite de domingo (29/11), a Porta Santa na Catedral de Nossa Senhora da Conceição de Bangui.

“Hoje, Bangui se transforma na capital espiritual do mundo. O Ano Santo da Misericórdia chega antes à esta terra, uma terra que há muitos anos sofre com a guerra, o ódio, a incompreensão, a falta de paz”, disse o Pontífice antes de abrir a Porta Santa, de madeira e vidro.

“Nesta terra sofredora – continuou o Papa – estão todos os países que viveram a cruz da guerra. Bangui se transforma na capital espiritual da oração pela misericórdia do Pai. Todos pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão, amor. Por Bangui, por toda a República Centro-Africana e por todos os países que sofrem com a guerra, pedimos a paz!”.

Em seguida, falando em idioma local, Francisco pediu a todos os fiéis para que repetissem com ele a seguinte oração: “Ndoye siriri, (Todos juntos pedimos) amor e paz!”.

“E agora, prosseguiu o Papa, com esta oração começamos o Ano Santo aqui, nesta capital espiritual do mundo hoje”. O Pontífice então voltou-se à porta principal da catedral, abrindo-a e, por alguns instantes, permaneceu com os braços abertos, enquanto dentro da igreja fiéis aplaudiam e se ajoelhavam.

Já em sua homilia, dirigindo-se aos sacerdotes, religiosos, religiosas e seminaristas, Francisco destacou que “os agentes de evangelização devem ser, antes de mais nada, artesãos do perdão, especialistas da reconciliação, peritos da misericórdia”.

E acrescentou:
“Mesmo quando se desencadeiam as forças do mal, os cristãos devem responder ao apelo, de cabeça erguida, prontos a resistir nesta batalha em que Deus terá a última palavra. E será uma palavra de amor”.

ÍNTEGRA DA HOMILIA

Neste 1º Domingo de Advento, tempo litúrgico da expectativa do Salvador e símbolo da esperança cristã, Deus guiou os meus passos até junto de vocês, nesta terra, enquanto a Igreja no mundo inteiro se prepara para inaugurar o Ano Jubilar da Misericórdia.

E sinto-me particularmente feliz pelo fato de a minha visita pastoral coincidir com a abertura em seu país deste Ano Jubilar. A partir desta Catedral, com o coração e o pensamento, quero alcançar afetuosamente todos os sacerdotes, os consagrados, os agentes pastorais deste país, que estão espiritualmente unidos conosco neste momento.

Em vocês, quero saudar todos os centro-africanos, os doentes, as pessoas idosas, os feridos pela vida. Talvez alguns deles estejam desesperados e já não tenham força sequer para reagir, esperando apenas uma esmola, a esmola do pão, a esmola da justiça, a esmola de um gesto de atenção e bondade.

Mas, como os apóstolos Pedro e João que subiam ao templo e não tinham ouro nem prata para dar ao paralítico indigente, venho oferecer-lhes a força e o poder de Deus que curam o homem, fazem-no levantar e tornam-no capaz de começar uma nova vida, «passando à outra margem» (cf. Lc 8, 22).

Jesus não nos envia sozinhos para a outra margem, mas convida-nos a fazer a travessia juntamente com Ele, respondendo cada qual a uma vocação específica. Devemos, pois, estar cientes de que esta passagem para a outra margem só se pode fazer com Ele, libertando-nos das concepções de família e de sangue que dividem, para construir uma Igreja-Família de Deus, aberta a todos, que cuida dos mais necessitados.

Proximidade
Isto pressupõe a proximidade aos nossos irmãos e irmãs, isto implica um espírito de comunhão. Não se trata primariamente de uma questão de recursos financeiros; realmente basta compartilhar a vida do Povo de Deus, dando a razão da esperança que está em nós (cf. 1 Ped 3, 15), sendo testemunhas da misericórdia infinita de Deus, que – como sublinha o Salmo Responsorial deste domingo – «é bom e (…) ensina o caminho aos pecadores» (Sal 25/24, 8). Jesus ensina-nos que o Pai celeste «faz com que o Sol se levante sobre os bons e os maus» (Mt 5, 45).

Depois de nós mesmos termos feito a experiência do perdão, devemos perdoar. Aqui está a nossa vocação fundamental: «Portanto, sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste» (Mt 5, 48). Uma das exigências essenciais desta vocação à perfeição é o amor aos inimigos, que protege contra a tentação da vingança e contra a espiral das retaliações sem fim. Jesus fez questão de insistir sobre este aspecto particular do testemunho cristão (cf. Mt 5, 46-47).

Consequentemente, os agentes de evangelização devem ser, antes de mais nada, artesãos do perdão, especialistas da reconciliação, peritos da misericórdia. É assim que podemos ajudar os nossos irmãos e irmãs a «passar à outra margem», revelando-lhes o segredo da nossa força, da nossa esperança, e da nossa alegria que têm a sua fonte em Deus, porque estão fundadas na certeza de que Ele está conosco no barco. Como fez com os Apóstolos na altura da multiplicação dos pães, é a nós que o Senhor confia os seus dons para irmos distribuí-los por todo o lado, proclamando a sua palavra que garante: «Eis que virão dias em que cumprirei a promessa favorável que fiz à casa de Israel e à casa de Judá» (Jr 33, 14).

Nos textos litúrgicos deste domingo, podemos descobrir algumas características desta salvação anunciada por Deus, que servem igualmente como pontos de referência para nos guiar na nossa missão. Antes de mais nada, a felicidade prometida por Deus é anunciada em termos de justiça. O Advento é o tempo para preparar os nossos corações a fim de acolher o Salvador, isto é, o único Justo e o único Juiz capaz de dar a cada um a sorte que merece. Aqui, como em outros lugares, muitos homens e mulheres têm sede de respeito, justiça, equidade, sem avistar no horizonte qualquer sinal positivo.

Vinda do Salvador
Para eles, o Salvador vem trazer o dom da sua justiça (cf. Jr 33, 15). Vem tornar fecundas as nossas histórias pessoais e coletivas, as nossas esperanças frustradas e os nossos votos estéreis. E manda-nos anunciar sobretudo àqueles que são oprimidos pelos poderosos deste mundo, bem como a quantos vivem vergados sob o peso dos seus pecados: «Judá será salvo e Jerusalém viverá em segurança. Este é o nome com o qual será chamada: “Senhor-nossa justiça”» (Jr 33, 16). Sim, Deus é Justiça! Por isso mesmo nós, cristãos, somos chamados a ser no mundo os artesãos duma paz fundada na justiça.

A salvação que esperamos de Deus, tem igualmente o sabor do amor. Na verdade, preparando-nos para o mistério do Natal, assumimos de novo o caminho do povo de Deus para acolher o Filho que nos veio revelar que Deus não é só Justiça mas é também e antes de tudo Amor (cf. 1 Jo 4, 8).

Em todos os lugares, mas sobretudo onde reinam a violência, o ódio, a injustiça e a perseguição, os cristãos são chamados a dar testemunho deste Deus que é Amor.

Reconhecimento humilde
Ao encorajar os sacerdotes, as pessoas consagradas e os leigos que, neste país, vivem por vezes até ao heroísmo as virtudes cristãs, reconheço que a distância, que nos separa do ideal tão exigente do testemunho cristão, às vezes é grande.

Por isso faço minhas, sob a forma de oração, estas palavras de São Paulo: «O Senhor vos faça crescer e superabundar de caridade uns para com os outros e para com todos» (1 Ts 3, 12). A este respeito, deve permanecer presente no nosso horizonte como um farol o testemunho dos pagãos sobre os cristãos da Igreja Primitiva: «Vede como se amam, amam-se verdadeiramente» (Tertuliano, Apologético, 39, 7).

Por fim, a salvação anunciada por Deus reveste o carácter de uma força invencível que triunfará sobre tudo. De fato, depois de ter anunciado aos seus discípulos os sinais tremendos que precederão a sua vinda, Jesus conclui: «Quando estas coisas começarem a acontecer, cobrai ânimo e levantai a cabeça, porque a vossa redenção está próxima» (Lc 21, 28). E, se São Paulo fala de um amor «que cresce e superabunda», é porque o testemunho cristão deve refletir esta força irresistível de que se trata no Evangelho.

Assim, é também no meio de convulsões inauditas que Jesus quer mostrar o seu grande poder, a sua glória incomparável (cf. Lc 21, 27) e a força do amor que não recua diante de nada, nem diante dos céus transtornados, nem diante da terra em chamas, nem diante do mar revolto. Deus é mais forte que tudo. Esta convicção dá ao crente serenidade, coragem e a força de perseverar no bem frente às piores adversidades. Mesmo quando se desencadeiam as forças do mal, os cristãos devem responder ao apelo, de cabeça erguida, prontos a resistir nesta batalha em que Deus terá a última palavra. E será uma palavra de amor.

A todos aqueles que usam injustamente as armas deste mundo, lanço um apelo: deponde esses instrumentos de morte; armai-vos, antes, com a justiça, o amor e a misericórdia, autênticas garantias de paz. Discípulos de Cristo, sacerdotes, religiosos, religiosas ou leigos comprometidos neste país de nome tão sugestivo, situado no coração da África e que é chamado a descobrir o Senhor como verdadeiro Centro de tudo o que é bom, a vossa vocação é encarnar o coração de Deus no meio dos vossos concidadãos. Oxalá o Senhor nos torne a todos «firmes (…) e irrepreensíveis na santidade diante de Deus, nosso Pai, por ocasião da vinda de Nosso Senhor Jesus com todos os seus santos» (1 Ts 3, 13). Assim seja!

“Nós temos que trabalhar para a paz”

Bangui – Por volta das 12h30 locais de domingo (29/11), o Papa visitou o Campo de Refugiados “Carmelo” de São Salvador, um dos cinco campos da capital da República Centro-Africana.

O campo da Paróquia de São Salvador, dividido em 12 bairros, abriga ao menos 7,5 mil pessoas, em grande parte crianças. Foram elas que receberam o Pontífice, com cantos e danças.

Uma refugiada fez uma rápida saudação ao Papa, a quem agradeceu pela presença e disse esperar que a visita possa trazer reconciliação para todo o país.

Francisco, por sua vez, improvisou algumas palavras.
“Nós temos que trabalhar para a paz. A paz sem amor, sem amizade, sem tolerância, sem perdão, não é possível. Cada um de nós deve fazer algo. Eu desejo a vocês e todos os centro-africanos, a paz. Uma grande paz entre vocês. Que vocês possam viver em paz qualquer que seja a etnia, a cultura, a religião, o estado social, mas em paz, porque todos somos irmãos. Eu gostaria que, todos juntos, repetíssemos. ‘Somos todos irmãos’. É por isso, porque todos somos irmãos, que queremos a paz”, concluiu.
Atualmente, cerca de 75 mil pessoas vivem em campos de refugiados no país, gravemente afetado pelo conflito civil de fundo religioso.
Papa se encontra com os evangélicos: “A divisão dos cristãos é um escândalo”.


Bangui – Na tarde de domingo (29/11), o Papa foi até a Faculdade de Teologia Evangélica da capital da República Centro-Africana, onde encontrou as comunidades evangélicas do país.

Francisco incentivou os presentes a seguirem no trabalho e evangelização num país duramente provado e citou o “ecumenismo de sangue” que une todos os cristãos. Nesse ponto, o Pontífice reiterou mais uma vez que “a divisão dos cristãos é contrária à vontade de Deus”.


ÍNTEGRA DO ENCONTRO COM OS EVANGÉLICOS

Queridos irmãos e irmãs!
Sinto-me feliz por ter ocasião de encontrar vocês nesta Faculdade de Teologia Evangélica. Agradeço ao Decano da Faculdade e ao Presidente da Aliança dos Evangélicos na África Central as suas amáveis palavras de boas-vindas. Saúdo a cada um de vocês e, por seu intermédio, também a todos os membros das suas comunidades, num profundo sentimento de amor fraterno.

Estamos todos aqui ao serviço do mesmo Senhor ressuscitado, que hoje nos reúne; e, pelo Batismo comum que recebemos, somos convidados a anunciar a alegria do Evangelho aos homens e mulheres deste amado país da África Central.

Há muito tempo que o seu povo é atingido pelas provações e pela violência que causam tantos sofrimentos. Isto torna ainda mais necessário e urgente o anúncio do Evangelho. Porque é a carne do próprio Cristo que sofre nos seus membros prediletos: os pobres do seu povo, os doentes, os idosos e os abandonados, as crianças que já não têm os pais ou estão abandonadas a si mesmas, sem guia nem educação. E são também todos aqueles que a violência e o ódio feriram na alma ou no corpo; aqueles que a guerra privou de tudo: do trabalho, da casa, das pessoas queridas.

Ecumenismo de sangue
Deus não faz diferença entre aqueles que sofrem. Com frequência, tenho designado isto como o ecumenismo do sangue. Todas as nossas comunidades, sem distinção, sofrem com a injustiça e o ódio cego que o diabo desencadeia; quero, nesta circunstância, exprimir a minha proximidade e a minha solidariedade ao Pastor Nicolas, cuja casa foi recentemente saqueada e queimada, bem como a sede da sua comunidade.

Neste contexto difícil, o Senhor não cessa de nos enviar para manifestar toda a sua ternura, a sua compaixão e a sua misericórdia. Este sofrimento comum e esta missão comum são uma oportunidade providencial para nos fazer avançar juntos pelo caminho da unidade, sendo, para isso mesmo, um meio espiritual indispensável. Como poderia o Pai recusar a graça da unidade, embora ainda imperfeita, aos seus filhos que sofrem juntos e que, nas mais diversas circunstâncias, se dedicam juntos ao serviço dos irmãos?

Contrária à vontade do Senhor
Queridos amigos, a divisão dos cristãos é um escândalo, porque contrária, antes de mais nada, à vontade do Senhor. Mas é também um escândalo perante tanto ódio e tanta violência que dilaceram a humanidade, perante tantas contradições que levantam ao Evangelho de Cristo. Por isso, com apreço pelo espírito de respeito mútuo e colaboração que existe entre os cristãos do seu país, encorajo todos a avançar por este caminho num serviço comum da caridade. É um testemunho prestado a Cristo, que constrói a unidade.

Possam vocês, em medida sempre maior e com coragem, juntar, à perseverança e à caridade, o serviço da oração e da reflexão em comum, procurando um melhor conhecimento recíproco, uma maior confiança e amizade rumo à plena comunhão de que conservamos a firme esperança.

Asseguro que a minha oração a todos acompanha neste caminho fraterno de serviço, reconciliação e misericórdia, um caminho longo mas cheio de alegria e esperança.
Que Deus os abençoe, e abençoe as suas comunidades.

VISITA AO HOSPITAL DE CRIANÇAS

Antes de chegar à Catedral de Bangui para a abertura da Porta Santa, na noite de domingo (29/11), o Papa fez uma breve parada em um hospital pediátrico de Bangui ao qual doou algumas caixas com medicamentos provenientes do hospital “Bambino Gesù” de Roma. A notícia foi confirmada por Pe. Federico Lombardi. “Não estava previsto no programa oficial”, disse o porta-voz do Vaticano.

PAPA PEDE SERENIDADE AOS LÍDERES DO PAÍS

O primeiro discurso proferido pelo Papa na República Centro-Africana foi na presença das Autoridades e do Corpo Diplomático. Diante da Chefe de Estado da Transição, Catherine Samba-Panza. Francisco expressou seu desejo pelo sucesso das próximas eleições para que o país possa “empreender serenamente uma nova fase da sua história”.

Confira, abaixo, a íntegra do discurso do Pontífice.
***
Senhora Chefe de Estado da Transição,
Distintas Autoridades,
Ilustres membros do Corpo Diplomático,
Dignos representantes das Organizações Internacionais,
Amados Irmãos Bispos,
Senhoras e Senhores!

Feliz por estar aqui convosco, quero em primeiro lugar manifestar o meu vivo apreço pela calorosa recepção que me reservastes e agradeço à Senhora Chefe de Estado da Transição pela sua amável saudação de boas vindas. Deste lugar que, de certo modo, é a casa de todos os centro-africanos, tenho a satisfação de exprimir, por seu intermédio e através das outras Autoridades do país aqui presentes, a minha estima e proximidade espiritual a todos os vossos cidadãos. Quero igualmente saudar os membros do Corpo Diplomático, bem como os representantes das Organizações Internacionais, cujo trabalho nos recorda o ideal de solidariedade e cooperação que deve ser cultivado entre os povos e as nações.

Com a República Centro-Africana que, não obstante as dificuldades, se encaminha gradualmente para a normalização da sua vida sociopolítica, piso pela primeira vez esta terra, depois do meu predecessor São João Paulo II. É como peregrino de paz que venho, e apóstolo de esperança que me apresento. Por isso mesmo, me congratulo com os esforços feitos pelas várias Autoridades nacionais e internacionais, a começar pela Senhora Chefe de Estado da Transição, para guiar o país nesta fase. O meu desejo ardente é que as diferentes consultas nacionais que serão realizadas dentro de algumas semanas permitam ao país empreender serenamente uma nova fase da sua história.

Para iluminar o horizonte, temos o lema da República Centro-Africana, que reflete a esperança dos pioneiros e o sonho dos pais fundadores: «Unidade – Dignidade – Trabalho». Hoje, mais do que ontem, esta trilogia exprime as aspirações de cada centro-africano e constitui, consequentemente, uma bússola segura para as Autoridades, que têm o dever de guiar os destinos do país. Unidade, dignidade, trabalho! Três palavras densas de significado, cada uma das quais representa seja um canteiro de obras seja um programa nunca concluído, um compromisso a executar constantemente.

Primeiro, a unidade. Esta é, como se sabe, um valor fulcral para a harmonia dos povos. Trata-se de viver e construir a partir da maravilhosa diversidade do mundo circundante, evitando a tentação do medo do outro, de quem não nos é familiar, de quem não pertence ao nosso grupo étnico, às nossas opções políticas ou à nossa confissão religiosa. A unidade exige, pelo contrário, que se crie e promova uma síntese das riquezas que cada um traz consigo. A unidade na diversidade é um desafio constante, que requer criatividade, generosidade, abnegação e respeito pelo outro.

Depois, a dignidade. É precisamente este valor moral – sinônimo de honestidade, lealdade, garbo e honra – que caracteriza os homens e mulheres conscientes tanto dos seus direitos como dos seus deveres e que os leva ao respeito mútuo. Cada pessoa tem a própria dignidade. Soube, com prazer, que a República Centro-Africana é o país do «Zo kwe zo», o país onde cada pessoa é uma pessoa. Então, que tudo se faça para tutelar a condição e a dignidade da pessoa humana. E quem tem os meios para levar uma vida decente, em vez de estar preocupado com os privilégios, deve procurar ajudar os mais pobres a terem, também eles, acesso a condições de vida respeitosas da dignidade humana, nomeadamente através do desenvolvimento do seu potencial humano, cultural, econômico e social. Por conseguinte, o acesso à instrução e à assistência sanitária, a luta contra a malnutrição e o empenho por garantir a todos uma habitação decente deveriam aparecer na vanguarda dum desenvolvimento cuidadoso da dignidade humana. Em última análise, a dignidade do ser humano é trabalhar pela dignidade dos seus semelhantes.

Por último, o trabalho. É pelo trabalho que podeis melhorar a vida das vossas famílias. São Paulo disse: «Não compete aos filhos entesourar para os pais, mas sim aos pais para os filhos» (2 Cor 12, 14). O esforço dos pais exprime o seu amor pelos filhos. E também vós, centro-africanos, podeis melhorar esta terra maravilhosa, explorando sensatamente os seus abundantes recursos. O vosso país situa-se numa área considerada como um dos dois pulmões da humanidade, por causa da sua excepcional riqueza de biodiversidade. A tal propósito, a que já me referi na Encíclica Laudato si’, tenho particularmente a peito chamar a atenção de todos – cidadãos, responsáveis do país, parceiros internacionais e sociedades multinacionais – para a grave responsabilidade que vos cabe na exploração dos recursos ambientais, nas opções e projectos de desenvolvimento que, duma forma ou doutra, afetam a terra inteira. O trabalho de construção duma sociedade próspera deve ser uma obra solidária. Desde há muito tempo que a sabedoria do vosso povo compreendeu esta verdade, traduzindo-a neste provérbio: «As formigas são pequenas, mas, em grande número, conseguem trazer a presa para o seu buraco».

É supérfluo, sem dúvida, sublinhar a importância crucial do comportamento e administração das Autoridades públicas. Estas deveriam ser as primeiras a encarnar, coerentemente, na sua vida os valores da unidade, da dignidade e do trabalho, para servir de modelo aos seus compatriotas.

A história da evangelização desta terra e a história sociopolítica do país dão testemunho do compromisso da Igreja na linha destes valores da unidade, da dignidade e do trabalho. Ao mesmo tempo que faço memória dos pioneiros da evangelização na República Centro-Africana, saúdo os meus irmãos Bispos que detém presentemente a responsabilidade daquela. Com eles, renovo a disponibilidade da Igreja presente nesta nação a contribuir cada vez mais para a promoção do bem comum, nomeadamente através da busca da paz e reconciliação. Tenho a certeza de que as Autoridades centro-africanas atuais e futuras terão solicitamente a peito garantir à Igreja condições favoráveis ao cumprimento da sua missão espiritual. Assim ela poderá contribuir cada vez mais para «promover todos os homens e o homem todo» (Populorum progressio, 14), para usar a feliz expressão do meu predecessor, o Beato Paulo VI, que foi o primeiro Papa dos tempos modernos que, há cerca de 50 anos, veio à África encorajá-la e confirmá-la no bem ao despontar duma nova alvorada.

Por minha vez, quero neste momento congratular-me com os esforços envidados pela comunidade internacional, aqui representada pelo Corpo Diplomático e os membros de várias Missões das Organizações Internacionais. Encorajo-a vivamente a avançar sempre mais pelo caminho da solidariedade, fazendo votos de que a sua obra, unida à ação das Autoridades centro-africanas, ajude o país a progredir sobretudo na reconciliação, no desarmamento, na consolidação da paz, na assistência sanitária e no cultivo duma sã administração a todos os níveis.

Ao concluir, gostaria de reafirmar a minha alegria por visitar este país maravilhoso, situado no coração da África, pátria dum povo profundamente religioso, com um rico patrimônio natural e cultural. Nele vejo um país cumulado dos benefícios de Deus. Possa o povo centro-africano, bem como os seus dirigentes e todos os seus parceiros apreciar, no seu justo valor, estes benefícios, trabalhando sem cessar pela unidade, a dignidade humana e a paz fundada na justiça. Deus vos abençoe a todos. Obrigado.

Papa se despede do continente africano

Cidade do Vaticano – O Papa Francisco presidiu a celebração eucarística nesta segunda-feira (30/11), no Estádio Barthélémy Boganda de Bangui, terceira e última etapa de sua 11ª viagem apostólica internacional, a primeira do pontífice ao continente africano.

O pontífice disse aos centro-africanos que cada um deles é chamado a ser, com a perseverança da sua fé e com o seu compromisso missionário, artesão da renovação humana e espiritual de seu país. Francisco os convidou a se comprometerem na construção de uma sociedade mais justa e fraterna, onde ninguém é abandonado.


ÍNTEGRA DA HOMILIA

Ao ouvir a primeira Leitura, podemos ter ficado maravilhados com o entusiasmo e o dinamismo missionário presente no apóstolo Paulo. «Que bem-vindos são os pés dos que anunciam as boas novas!» (Rm 10, 15). Estas palavras são um convite a darmos graças pelo dom da fé que recebemos destes mensageiros que no-la transmitiram. E são também um convite a maravilhar-nos à vista da obra missionária que trouxe, pela primeira vez – não há muito tempo –, a alegria do Evangelho a esta amada terra da África Central. É bom, sobretudo quando os tempos são difíceis, quando não faltam as provações e os sofrimentos, quando o futuro é incerto e nos sentimos cansados e com medo de falir, é bom reunir-se ao redor do Senhor, como fazemos hoje, rejubilando pela sua presença, pela vida nova e a salvação que nos propõe, como outra margem para a qual nos devemos encaminhar.

Esta outra margem é, sem dúvida, a vida eterna, o Céu onde nos esperam. Este olhar voltado para o mundo futuro sempre sustentou a coragem dos cristãos, dos mais pobres, dos mais humildes, na sua peregrinação terrena. Esta vida eterna não é uma ilusão, não é uma fuga do mundo; é uma realidade poderosa que nos chama e compromete a perseverar na fé e no amor.

Mas, a outra margem mais imediata que procuramos alcançar, esta salvação adquirida pela fé de que nos fala São Paulo, é uma realidade que transforma já a nossa vida presente e o mundo em que vivemos: «É que acreditar de coração leva a obter a justiça» (cf. Rm 10, 10). O crente acolhe a própria vida de Cristo, que o torna capaz de amar a Deus e amar os outros duma maneira nova, a ponto de fazer nascer um mundo renovado pelo amor.

Demos graças ao Senhor pela sua presença e pela força que nos dá no dia a dia da nossa vida, quando experimentamos o sofrimento físico ou moral, uma pena, um luto; pelos atos de solidariedade e generosidade de que nos torna capazes; pela alegria e o amor que faz brilhar nas nossas famílias, nas nossas comunidades, não obstante a miséria, a violência que às vezes nos circunda ou o medo do amanhã; pela coragem que infunde nas nossas almas de querer criar laços de amizade, de dialogar com aqueles que não são como nós, de perdoar a quem nos fez mal, de nos comprometermos na construção duma sociedade mais justa e fraterna, onde ninguém é abandonado. Em tudo isso, Cristo ressuscitado toma-nos pela mão e leva-nos a segui-Lo. Quero dar graças convosco ao Senhor de misericórdia por tudo aquilo que vos concedeu realizar de bom, de generoso, de corajoso nas vossas famílias e nas vossas comunidades, durante os acontecimentos que há muitos anos se têm verificado no vosso país.

Todavia é verdade também que ainda não chegamos à meta, de certo modo estamos no meio do rio, e devemos decidir-nos com coragem, num renovado compromisso missionário, a passar à outra margem. Cada batizado deve romper, sem cessar, com aquilo que ainda há nele do homem velho, do homem pecador, sempre pronto a reanimar-se ao apelo do diabo (e como age no nosso mundo e nestes tempos de conflito, de ódio e de guerra!) para o levar ao egoísmo, a fechar-se desconfiado em si mesmo, à violência e ao instinto de destruição, à vingança, ao abandono e à exploração dos mais fracos…

Sabemos também quanta estrada têm ainda de percorrer as nossas comunidades cristãs, chamadas à santidade. Todos temos, sem dúvida, de pedir perdão ao Senhor pelas numerosas resistências e relaxamentos em dar testemunho do Evangelho. Que o Ano Jubilar da Misericórdia, agora iniciado no vosso país, seja ocasião para isso! E vós, queridos centro-africanos, deveis sobretudo olhar para o futuro e, fortes com o caminho já percorrido, decidir resolutamente realizar uma nova etapa na história cristã do vosso país, lançar-vos para novos horizontes, fazer-vos mais ao largo para águas profundas. O apóstolo André, com seu irmão Pedro, não hesitaram um momento em deixar tudo à chamada de Jesus para O seguir: «E eles deixaram as redes imediatamente e seguiram-No» (Mt 4, 20). Ficamos maravilhados, também aqui, com tanto entusiasmo por parte dos Apóstolos: de tal maneira os atrai Cristo a Si que se sentem capazes de poder empreender tudo, e tudo ousar com Ele.

Assim cada um pode, no seu coração, fazer a pergunta tão importante acerca da sua ligação pessoal com Jesus, examinar o que já aceitou – ou recusou – a fim de responder à sua chamada para O seguir mais de perto. O grito dos mensageiros ressoa mais forte do que nunca aos nossos ouvidos, precisamente quando os tempos são duros; aquele grito que «ressoou por toda a terra e até aos confins do mundo» (cf. Rm 10, 18; Sal 19/18, 5).

E ressoa aqui, hoje, nesta terra da África Central; ressoa nos nossos corações, nas nossas famílias, nas nossas paróquias, em qualquer parte onde vivemos, e convida-nos à perseverança no entusiasmo da missão; uma missão que precisa de novos mensageiros, ainda mais numerosos, ainda mais generosos, ainda mais jubilosos, ainda mais santos. E somos chamados, todos e cada um de nós, a ser este mensageiro que o nosso irmão de qualquer etnia, religião, cultura espera, muitas vezes sem o saber. De fato, como poderá este irmão acreditar em Cristo – pergunta-se São Paulo –, se a Palavra não for ouvida nem proclamada?

Também nós, a exemplo do Apóstolo, devemos estar cheios de esperança e entusiasmo pelo futuro. A outra margem está ao alcance da mão, e Jesus atravessa o rio conosco. Ele ressuscitou dos mortos; desde então, se aceitarmos ligar-nos à sua Pessoa, as provações e os sofrimentos que vivemos sempre constituem oportunidades que abrem para um futuro novo. Cristãos da África Central, cada um de vós é chamado a ser, com a perseverança da sua fé e com o seu compromisso missionário, artesão da renovação humana e espiritual do vosso país.

A Virgem Maria, que, depois de ter compartilhado os sofrimentos da paixão, partilha agora a alegria perfeita com o seu Filho, vos proteja e encoraje neste caminho de esperança. Amém.