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Viagem Apostólica do Papa Francisco ao Chile e ao Peru

Papa aponta desafio “apaixonante” aos chilenos: inclusão

Santiago – O primeiro discurso do Papa Francisco em terras chilenas foi às autoridades, à sociedade civil e ao corpo diplomático, reunidos no Palácio Presidencial “La Moneda”.

Depois de ouvir as boas-vindas da presidente Michelle Bachelet, o Pontífice tomou a palavra para manifestar sua satisfação de voltar à América Latina, começando sua visita nesta “amada terra chilena”, onde fez parte de sua formação juvenil.

Francisco iniciou seu discurso destacando o desenvolvimento da democracia chilena, que permitiu ao país alcançar nas últimas décadas um “notável progresso”. O Papa cita a celebração este ano do bicentenário da declaração de independência, ressaltando que cada geração deve fazer suas as lutas e as conquistas das gerações anteriores e levá-las a metas ainda mais altas.

Democracia e inclusão

Diante das situações de injustiça que ainda persistem, Francisco apontou para os chilenos um “desafio grande e apaixonante”: “continuar a trabalhar para que a democracia, o sonho de seus pais, não se limite aos aspetos formais mas seja verdadeiramente um lugar de encontro para todos. Seja um lugar onde todos, sem exceção, se sintam chamados a construir casa, família e nação. Um lugar, uma casa, uma família chamada Chile”.

A Igreja pede perdão

O Papa enalteceu a pluralidade étnica, cultural e histórica da nação, que exige ser protegida de qualquer tentativa feita de parcialidade ou supremacia. Para Francisco, é indispensável escutar: os desempregados, os povos nativos, os migrantes, os jovens, os idosos, as crianças.

“E aqui não posso deixar de expressar o pesar e a vergonha que sinto perante o dano irreparável causado às crianças por ministros da Igreja. Desejo unir-me aos meus irmãos no episcopado, porque é justo pedir perdão e apoiar, com todas as forças, as vítimas, ao mesmo tempo que nos devemos empenhar para que isso não volte a repetir-se.”

Casa Comum e povos nativos

Com esta capacidade de escuta, o Papa convidou as autoridades a a prestar uma atenção preferencial à nossa Casa Comum: “promover uma cultura que saiba cuidar da terra, não nos contentando com oferecer respostas pontuais aos graves problemas ecológicos e ambientais que se apresentem”. Francisco pediu a ousadia de um novo estilo de vida, aprendendo com a sabedoria dos povos nativos.

“Deles, podemos aprender que não existe verdadeiro desenvolvimento num povo que volta as costas à terra com tudo e todos os que nela se movem. O Chile possui, nas suas raízes, uma sabedoria capaz de ajudar a transcender a concepção meramente consumista da existência para adquirir uma atitude sapiencial em relação ao futuro.”

O Pontífice concluiu seu discurso convidando os chilenos a uma “opção radical pela vida”: “Agradeço mais uma vez o convite que me possibilitou vir encontrar-me com vocês, com a alma deste povo; e rezo para que a Nossa Senhora do Carmo, Mãe e Rainha do Chile, continue a acompanhar e fazer crescer os sonhos desta abençoada nação”.


Texto e imagem: Vatican News

Foto Reprodução Youtube – Vatican News

Desafiados a caminhar nas Bem-aventuranças

Cidade do Vaticano – “As Bem-aventuranças são aquele novo dia para quantos continuam a apostar no futuro, continuam a sonhar, continuam a deixar-se tocar e impelir pelo Espírito de Deus.

Na Missa celebrada na manhã desta terça-feira no Parque O’Higgins, em Santiago, o Papa Francisco falou das Bem-aventuranças, sublinhando as atitudes de “construir a paz” e acreditar nas possibilidades de mudança.

Foi o primeiro grande encontro de Francisco com os fiéis chilenos, no parque intitulado a um dos pais fundadores do Chile, e ocupando no centro de Santiago uma área de 770 mil m². Segundo as autoridades, 400 mil pessoas participaram da celebração.

A multidão que seguia Jesus, encontra em seu olhar “o eco das suas buscas e aspirações, disse o Papa no início de sua homilia. De tal encontro, nasce este elenco de Bem-aventuranças, o horizonte para o qual somos convidados e desafiados a caminhar”.

“A primeira atitude de Jesus é ver, fixar o rosto dos seus, observou o Papa, referindo-se ao Evangelho de Mateus. Aqueles rostos põem em movimento o entranhado amor de Deus. Não foram ideias nem conceitos que moveram Jesus; foram os rostos, as pessoas. É a vida que clama pela Vida, que o Pai nos quer transmitir”.

Francisco explica que as “Bem-aventuranças não nascem de uma atitude passiva perante a realidade, nem podem nascer de um espectador que se limite a ser um triste autor de estatísticas do que acontece”.

“Não nascem dos profetas de desgraças, que se contentam em semear decepções; nem de miragens que nos prometem a felicidade com um «clique», num abrir e fechar de olhos. Pelo contrário”: “As Bem-aventuranças nascem do coração compassivo de Jesus, que se encontra com o coração de homens e mulheres que desejam e anseiam por uma vida feliz; de homens e mulheres que conhecem o sofrimento, que conhecem a frustração e a angústia geradas quando «o chão lhes treme debaixo dos pés» ou «os sonhos acabam submersos» e se arruína o trabalho duma vida inteira; mas conhecem ainda mais a tenacidade e a luta para continuar para diante; conhecem ainda mais o reconstruir e o recomeçar.

E “como é perito o coração chileno em reconstruções e novos inícios!”, exclamou o Papa, “vocês são peritos em se levantar depois de tantas derrocadas! A este coração, faz apelo Jesus; para este coração são as Bem-aventuranças!”

Francisco prossegue explicando que “as Bem-aventuranças não nascem de atitudes de crítica fácil nem do «palavreado barato» daqueles que julgam saber tudo, mas não querem se comprometer com nada nem com ninguém, acabando assim por bloquear toda a possibilidade de gerar processos de transformação e reconstrução nas nossas comunidades, na nossa vida”.

“As Bem-aventuranças nascem do coração misericordioso, que não se cansa de esperar; antes, experimenta que a esperança «é o novo dia, a extirpação da imobilidade, a sacudidela duma prostração negativa», enfatizou, usando uma frade de Pablo Neruda.

Francisco explica que quando Jesus diz bem-aventurado “o pobre, o que chorou, o aflito, o que sofre, o que perdoou, vem extirpar a imobilidade paralisadora de quem pensa que as coisas não podem mudar, de quem deixou de crer no poder transformador de Deus Pai e nos seus irmãos, especialmente nos seus irmãos mais frágeis, nos seus irmãos descartados”:

“Jesus, quando proclama as Bem-aventuranças vem sacudir aquela prostração negativa chamada resignação que nos faz crer que se pode viver melhor, se evitarmos os problemas, se fugirmos dos outros, se nos escondermos ou fecharmos nas nossas comodidades, se nos adormentarmos num consumismo tranquilizador. Aquela resignação que nos leva a isolar-nos de todos, a dividir-nos, a separar-nos, a fazer-nos cegos perante a vida e o sofrimento dos outros”.

“As Bem-aventuranças são aquele novo dia para quantos continuam a apostar no futuro, continuam a sonhar, continuam a deixar-se tocar e impelir pelo Espírito de Deus.

“Bem-aventurados vocês que se deixam contagiar pelo Espírito de Deus, lutando e trabalhando por este novo dia, por este novo Chile, porque vosso será o reino do Céu”, disse o Papa aos fiéis chilenos.

Francisco ressalta que perante a resignação que, “como uma rude zoada, mina os nossos laços vitais e nos divide, Jesus nos diz: bem-aventurados aqueles que se comprometem em prol da reconciliação”: “Felizes aqueles que são capazes de sujar as mãos e trabalhar para que outros vivam em paz. Felizes aqueles que se esforçam por não semear divisão. Desta forma, a bem-aventurança faz-nos artífices de paz; convida a empenhar-nos para que o espírito da reconciliação ganhe espaço entre nós. Queres ser ditoso? Queres felicidade? Felizes aqueles que trabalham para que outros possam ter uma vida ditosa. Queres paz? Trabalha pela paz.”

Francisco disse não poder deixar de evocar “o grande Pastor que teve Santiago” – referindo-se ao Cardeal Raúl Silva Henríquez Silva – que em um Te Deum disse «“Se queres a paz, trabalha pela justiça” (…). E se alguém nos perguntar: “Que é a justiça?” ou se porventura consiste apenas em “não roubar”, dir-lhe-emos que existe outra justiça: a que exige que todo o homem seja tratado como homem».

“Semear a paz à força de proximidade, de vizinhança; à força de sair de casa e observar os rostos, de ir ao encontro de quem se encontra em dificuldade, de quem não foi tratado como pessoa, como um digno filho desta terra. Esta é a única maneira que temos para tecer um futuro de paz, para tecer de novo uma realidade sempre passível de se desfiar”.

O obreiro de paz – observou o Papa – sabe que muitas vezes “é necessário superar mesquinhezes e ambições, grandes ou sutis, que nascem da pretensão de crescer e «tornar-se famoso», de ganhar prestígio à custa dos outros”.

“O obreiro de paz sabe que não basta dizer «não faço mal a ninguém», pois, como dizia Santo Alberto Hurtado: «Está muito bem não fazer o mal, mas está muito mal não fazer o bem».

“Construir a paz é um processo que nos congrega, estimulando a nossa criatividade para criar relações capazes de ver no meu vizinho, não um estranho ou um desconhecido, mas um filho desta terra”.

Que a Virgem Imaculada “nos ajude a viver e a desejar o espírito das Bem-aventuranças, para que, em todos os cantos desta cidade, se ouça como um sussurro: «Bem-aventurados os obreiros de paz, porque serão chamados filhos de Deus».

Após a homilia, o Papa Francisco coroou a Imagem da Bem Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo.

Às detentas: uma pena sem reinserção é uma tortura

Cidade do Vaticano – Um dos momentos mais significativos deste primeiro dia de visita ao Chile foi o encontro do Papa com as presidiárias do Centro penitenciário feminino de Santiago. O ginásio onde ocorreu o evento estava decorado com faixas coloridas que repropunham ideais e pensamentos do Santo Padre acerca do sistema penitenciário.

Depois de ouvir a saudação da Ir. Nelly León, encarregada da Pastoral do Centro, e do testemunho da reclusa Janeth Zurita, Francisco dirigiu aos funcionários, presas e suas famílias um discurso repleto de emoção, brincadeiras e, sobretudo, encorajamento.

O Pontífice agradeceu a oportunidade deste encontro, de modo especial pelas palavras da reclusa de pedir perdão a todos os que foram feridos com os delitos. “Obrigado por nos lembrares esta atitude, sem a qual nos desumanizamos, perdemos a consciência de ter errado e de que somos chamados a recomeçar cada dia. Não se deixem coisificar. Vocês não são a presa ‘número tal’. Vocês têm um nome e sobrenome’.

Francisco pediu para superar a lógica simplória de dividir a realidade em bons e maus, para entrar numa outra dinâmica capaz de assumir a fragilidade, os limites e também o pecado, para nos ajudar a seguir em frente.

“Quando entrei, estavam à minha espera duas mães com os seus filhos e algumas flores. Assim me deram as boas-vindas, que bem se podem expressar em duaspalavras: mãe e filhos.”

Mãe

O Papa falou sobre cada uma dessas palavras, a começar por “mãe”, que significa gerar a vida.

“ A maternidade não é, e nunca será, um problema; é um presente, um dos presentes mais maravilhosos que vocês poderão ter. Hoje vocês se encontram perante um desafio muito parecido: trata-se ainda de gerar vida. Hoje lhes é pedido que deem à luz o futuro; que o façam crescer, que o ajudem a desenvolver-se. ”

As mulheres, disse ainda Francisco, têm uma capacidade incrível de se adaptar às situações e seguir em frente. “Hoje gostaria de fazer apelo à capacidade de gerar futuro que vive em cada uma de vocês. (…) Ser privadas de liberdade não é o mesmo que ser privadas de dignidade. Por isso, é necessário lutar contra todo o tipo de clichês, de rótulos que digam que não se pode mudar, ou que não vale a pena, ou que o resultado é sempre o mesmo. Não, queridas irmãs! Não é verdade que o resultado é sempre o mesmo. Todo o esforço que se fizer lutando por um amanhã melhor sempre dará fruto e será recompensado”, encorajou o Papa.

Filhos

A segunda palavra é filhos: estes são força, são esperança, são estímulo, disse Francisco. “São a memória viva de que a vida se constrói olhando para a frente e não para trás”, acrescentou, estimulando as presidiárias a levantarem sempre o olhar para o horizonte, para a frente, para a reinserção na vida comum da sociedade.

“Todos sabemos que muitas vezes, infelizmente, a pena da prisão se reduz sobretudo a um castigo, sem oferecer meios adequados para gerar processos. E isto está errado. A segurança pública não se deve reduzir apenas a medidas de maior controle, mas sobretudo deve ser construída com medidas de prevenção, com trabalho, educação e mais vida comunitária.”

 

Dignidade

O Papa insistiu na importância da reinserção. “Uma pena que não tem a reinserção na sociedade é uma tortura.” Para Francisco, as presas têm o direito de exigir programas de reinserção e, a sociedade, a obrigação de acolhê-las novamente ao convívio social. “Dignidade gera dignidade”, frisou. “Ninguém tem o direito de tirar a dignidade de vocês. Vocês estão privadas de liberdade, não de dignidade.”

O Santo Padre concluiu seu discurso saudando também os agentes de pastoral, os voluntários, os funcionários e suas famílias.

“A Maria, pedimos-Lhe que interceda por vocês, por cada um dos seus filhos, pelas pessoas que trazem no coração e os cubra com o seu manto. Estas flores que me deram de presente, as levarei a Nossa Senhora em nome de todas vocês. De novo, obrigado!”

Aos sacerdotes: “A consciência de ter chagas nos liberta”

O Papa Francisco encontrou-se, nesta terça-feira (16/01), com os sacerdotes e consagrados chilenos, na Catedral de Santiago, no âmbito de sua 22ª viagem apostólica internacional ao Chile e Peru. “Neste encontro, queremos dizer ao Senhor: «Aqui estamos» para renovar o nosso «sim». Queremos renovar, juntos, a resposta à vocação que um dia alvoroçou o nosso coração”, disse o Santo Padre aos consagrados e consagradas, presbíteros, diáconos permanentes e seminaristas ali presentes.

Francisco deteve-se no último capítulo do Evangelho de São João, lido no encontro, sublinhando três momentos de Pedro e da primeira comunidade: Pedro/comunidade abatidos, Pedro/comunidade tratados com misericórdia e Pedro/comunidade transfigurados.

“Jogo com o binômio Pedro-comunidade, porque a experiência dos apóstolos tem sempre estes dois aspectos: pessoal e comunitário. Andam de mãos dadas, e não os podemos separar. É verdade que somos chamados individualmente, mas sempre para ser parte dum grupo maior. Não existe «selfie vocacional». A vocação exige que a sua foto seja tirada por outra pessoa”, disse o Papa.

Pedro abatido

“Sempre gostei do estilo dos Evangelhos que não adornam, não mitigam os acontecimentos, nem os pintam fazendo-os mais belos. Apresentam-nos a vida como é e não como deveria ser. O Evangelho não tem medo de nos mostrar os momentos difíceis, e até conflituosos, por que passaram os discípulos.”

Jesus estava morto e algumas mulheres diziam que estava vivo. “Os discípulos voltam para a sua terra. Vão fazer o que sabiam: pescar. Porém, têm as redes vazias.”

“Os discípulos, mesmo tendo visto Jesus ressuscitado, tão grande é o acontecimento que precisarão de tempo para compreender o sucedido”. A morte de Jesus evidenciou uma espiral de conflitos no coração de seus amigos. Pedro o renegou, Judas o traiu, o restante fugiu e se escondeu.

“Ficou apenas um punhado de mulheres e o discípulo amado. O resto, foi-se. Questão de dias, e tudo ruiu. São as horas da perplexidade e do turvamento na vida do discípulo. Nos momentos «em que se levanta a poeira das perseguições, tribulações, dúvidas, etc. por causa de fatos culturais e históricos, não é fácil enxergar o caminho a seguir.

Há várias tentações que caracterizam estes momentos: discutir ideias, não prestar a devida atenção ao caso, fixar-se demasiado nos perseguidores… e – creio que a pior de todas as tentações é ficar a ruminar a desolação». Sim, ficar a ruminar a desolação”, enfatizou o Papa.

 

“A vida sacerdotal e consagrada, no Chile, atravessou e atravessa horas difíceis de turbulência e desafios sérios. Juntamente com a fidelidade da imensa maioria, cresceu também a cizânia do mal com as suas consequências de escândalo e deserção”, disse Francisco, recordando as palavras do Arcebispo de Santiago, Cardeal Ricardo Ezzati Andrello, proferidas no início do encontro.

“Momento de turbulência. Sei da dor causada pelos casos de abuso contra menores e sigo com atenção o que vocês estão fazendo para superar este grave e doloroso malefício. Dor pelo dano e sofrimento das vítimas e suas famílias, que viram traída a confiança que depunham nos ministros da Igreja. ”

“Dor pelo sofrimento das comunidades eclesiais, e dor também por vocês, irmãos, que, além do desgaste pela entrega, experimentam o dano que provoca suspeita e contestação, que pode ter insinuado – em alguns ou muitos – a dúvida, o medo e a desconfiança.

Sei que, às vezes, vocês sofreram insultos no metrô ou caminhando pela rua; que, em muitos lugares, «paga-se caro» andar vestido de padre. Por isso, convido-os a pedir a Deus que nos dê a lucidez de chamar a realidade pelo seu nome, a coragem de pedir perdão e a capacidade de aprender a ouvir o que Ele está nos dizendo.”

O Papa acrescentou outro aspecto importante: “as nossas sociedades estão mudando. O Chile de hoje é muito diferente do que conheci no tempo da minha juventude, quando estava me formando. Estão nascendo novas e variadas formas culturais, que não se enquadram nos contornos habituais. Temos de reconhecer que, muitas vezes, não sabemos como nos inserir nestas novas situações.

Frequentemente sonhamos com as «cebolas do Egito» e esquecemo-nos de que a terra prometida está à frente. Que a promessa é de ontem, mas diz respeito ao amanhã. Podemos cair na tentação de nos fecharmos e isolarmos para defender as nossas posições que acabam por ser apenas bons monólogos.

 

Podemos ser tentados a pensar que tudo está mal e, em vez de professar uma «boa nova», tudo o que professamos é apatia e decepção. Assim, fechamos os olhos perante os desafios pastorais, pensando que o Espírito não tenha nada a dizer. Deste modo esquecemo-nos de que o Evangelho é um caminho de conversão, mas não só «dos outros», também nossa”.

“Gostemos ou não, somos convidados a enfrentar a realidade como nos é apresentada: a realidade pessoal, comunitária e social. As redes – dizem os discípulos – estão vazias, e podemos compreender os sentimentos que isso gera. Regressam a casa sem grandes aventuras para contar; regressam a casa de mãos vazias; regressam a casa, abatidos.”

“O que resta daqueles discípulos fortes, corajosos, vivazes, que se sentiam escolhidos tendo deixado tudo para seguir Jesus? O que resta daqueles discípulos seguros de si, prontos a ir para a prisão e até dariam a vida pelo seu Mestre, que, para O defender, queriam mandar vir fogo sobre a terra; que, por Ele, desembainhariam a espada e combateriam? O que resta do Pedro que repreendia o seu Mestre dizendo-Lhe como é que deveria orientar a sua vida?”

Pedro tratado com misericórdia

“É a hora da verdade, na vida da primeira comunidade. É a hora em que Pedro se confrontou com parte de si mesmo: a parte da sua verdade que muitas vezes não queria ver. Experimentou a sua limitação, a sua fragilidade, o seu ser pecador.

Pedro, o instintivo, o chefe impulsivo e salvador, com uma boa dose de autossuficiência e um excesso de confiança em si mesmo e nas suas possibilidades, teve que se curvar à sua fraqueza e pecado. Era pecador como os outros, era carente como os outros, era frágil como os outros. Pedro decepcionou Aquele a quem jurara proteção. Hora crucial na vida de Pedro.”

“Como discípulos, como Igreja, pode acontecer-nos o mesmo: há momentos em que somos confrontados, não com as nossas glórias, mas com a nossa fraqueza. Horas cruciais na vida dos discípulos, mas é também nessas horas que nasce o apóstolo. Deixemos o texto levar-nos pela mão.”

«Depois de terem comido, Jesus perguntou a Simão Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?”»

Depois de comer, Jesus convida Pedro a passear um pouco e a única palavra é uma pergunta, uma pergunta de amor: Tu me amas? Jesus não censura nem condena. Tudo o que Ele quer fazer é salvar Pedro. Quer salvá-lo do perigo de ficar fechado no seu pecado, de ficar «a mastigar» a desolação, fruto da sua limitação; do perigo de desistir, por causa das suas limitações, de todas as coisas boas que vivera com Jesus. Quer salvá-lo do fechamento e do isolamento.

Quer salvá-lo daquela atitude destrutiva que é o vitimar-se ou, ao contrário, cair num «vale tudo o mesmo», acabando por fazer malograr qualquer compromisso no mais danoso relativismo. Quer libertá-lo de considerar quem se opõe a Ele como se fosse um inimigo, ou de não aceitar com serenidade as contradições e as críticas. Quer libertá-lo da tristeza e sobretudo do mau humor.

Com esta pergunta, Jesus convida Pedro a escutar o seu coração e aprender a discernir. Uma vez que «não era de Deus defender a verdade à custa da caridade, nem a caridade à custa da verdade, nem o equilíbrio à custa de ambas, Jesus quer evitar que Pedro se torne um veraz destruidor ou um caritativo mentiroso ou um perplexo paralisado», como pode acontecer conosco em tais situações.”

Jesus interpelou Pedro sobre o seu amor e insistiu nisso até ele Lhe poder dar uma resposta realista: «Senhor, Tu sabes tudo; Tu sabes que eu sou deveras teu amigo». E, deste modo, Jesus confirma-o na missão. Assim o faz tornar-se definitivamente seu apóstolo.

“O que é que fortalece Pedro como apóstolo? O que é que nos mantém a nós como apóstolos? Uma coisa só: fomos tratados com misericórdia. «Não obstante os nossos pecados, os nossos limites, as nossas faltas; não obstante as nossas numerosas quedas, Jesus Cristo viu-nos, aproximou-Se, deu-nos a mão e teve misericórdia de nós. (…).

Cada um de nós poderá recordar, pensando em todas as vezes que o Senhor o viu, que olhou para ele, que se aproximou dele e o tratou com misericórdia». Não estamos aqui por ser melhores do que os outros. Não somos super-heróis que, do alto, descem para se encontrar com os «mortais».

“Antes, somos enviados com a consciência de ser homens e mulheres perdoados. E esta é a fonte da nossa alegria. Somos consagrados, pastores segundo o estilo de Jesus ferido, morto e ressuscitado. ”

A pessoa consagrada é alguém que encontra, nas suas feridas, os sinais da Ressurreição. É alguém que consegue ver, nas feridas do mundo, a força da Ressurreição. É alguém que, segundo o estilo de Jesus, não vai ao encontro dos seus irmãos com a censura e a condenação.”

“Jesus Cristo não Se apresenta, aos seus, sem chagas; foi precisamente a partir das suas chagas que Tomé pôde confessar a fé. Somos convidados a não dissimular nem esconder as nossas chagas. Uma Igreja com as chagas é capaz de compreender as chagas do mundo atual e de assumi-las, sofrê-las, acompanhá-las e procurar saná-las. Uma Igreja com as chagas não se coloca no centro, não se considera perfeita, mas coloca no centro o único que pode sanar as feridas e que se chama Jesus Cristo.

A consciência de ter chagas, nos liberta. É verdade; liberta-nos de nos tornarmos autorreferenciais, de nos considerarmos superiores. Liberta-nos da tendência «prometeica de quem, no fundo, só confia nas suas próprias forças e se sente superior aos outros por cumprir determinadas normas ou por ser irredutivelmente fiel a um certo estilo católico próprio do passado».”

O Papa frisou que “em Jesus, as nossas chagas ficam ressuscitadas. Tornam-nos solidários; ajudam-nos a derrubar os muros que nos encerram numa atitude elitista, incitando-nos a construir pontes e ir ao encontro de tantos sedentos do mesmo amor misericordioso que só Cristo nos pode dar.

«Quantas vezes sonhamos planos apostólicos expansionistas, meticulosos e bem traçados, típicos de generais derrotados! Assim negamos a nossa história de Igreja, que é gloriosa por ser história de sacrifícios, de esperança, de luta diária, de vida gasta no serviço, de constância no trabalho fadigoso, porque todo o trabalho é “suor do nosso rosto”».

Vejo, com certa preocupação, que há comunidades que vivem acometidas pela ânsia de constar no cartaz, ocupar espaços, aparecer e se mostrar, mais do que pela vontade de arregaçar as mangas e sair para tocar a dolorosa realidade do nosso povo fiel.”

“Como nos interpela a reflexão deste Santo chileno, que advertia: «Por isso, serão métodos falsos todos os que são impostos pela uniformidade; todos os que pretendem encaminhar-nos para Deus, fazendo-nos esquecer os nossos irmãos; todos os que nos levam a fechar os olhos ao universo, em vez de nos ensinar a abri-los para elevar tudo ao Criador de todas as coisas; todos os que nos fazem egoístas e nos dobram sobre nós mesmos».

O povo de Deus não espera nem precisa de super-heróis, espera pastores, pessoas consagradas, que conheçam a compaixão, que saibam estender uma mão, que saibam parar junto de quem está caído e, como Jesus, ajudem a sair desse círculo vicioso de «mastigar» a desolação que envenena a alma.”

 

Pedro transfigurado

“Jesus convida Pedro a discernir e, assim, começam a ganhar força muitos acontecimentos da vida de Pedro, como o gesto profético do lava-pés. Pedro, que resistira a deixar-se lavar os pés, começava a compreender que a verdadeira grandeza passa por se fazer pequenino e servidor.”

“Como é grande a pedagogia de nosso Senhor! Do gesto profético de Jesus à Igreja profética que, lavada do seu pecado, não tem medo de sair para servir uma humanidade ferida”, frisou ainda o Santo Padre.

“Pedro experimentou, na sua carne, a ferida não só do pecado, mas também das suas próprias limitações e fraquezas. Mas descobriu em Jesus que as suas feridas podem ser caminho de Ressurreição. Conhecer Pedro abatido para conhecer Pedro transfigurado é o convite a deixar de ser uma Igreja de abatidos desolados para passar a uma Igreja servidora de tantos abatidos que convivem ao nosso lado.

Uma Igreja capaz de se colocar a serviço do seu Senhor no faminto, no preso, no sedento, no desalojado, no nu e no doente.

“Um serviço que não se identifica com o assistencialismo nem o paternalismo, mas com a conversão do coração. ”

“O problema não está em dar de comer ao pobre, vestir o nu, assistir o doente, mas em considerar que o pobre, o nu, o doente, o preso e o desalojado tenham a dignidade de se sentar às nossas mesas, sentirem-se «em casa» entre nós, sentirem-se família. Este é o sinal de que o Reino de Deus está no meio de nós. É o sinal duma Igreja que foi ferida pelo seu pecado, foi cumulada de misericórdia pelo seu Senhor, e tornou-se profética por vocação.”

Segundo o Pontífice, “renovar a profecia é renovar o nosso compromisso de não esperar por um mundo ideal, uma comunidade ideal, um discípulo ideal para viver ou para evangelizar, mas criar as condições para que cada pessoa abatida possa encontrar-se com Jesus. Não se amam as situações nem as comunidades ideais, amam-se as pessoas.”

“O reconhecimento sincero, contrito e orante das nossas limitações, longe de nos separar de nosso Senhor, permite-nos retornar a Jesus, sabendo que, «com a sua novidade, Ele pode sempre renovar a nossa vida e a nossa comunidade, e a proposta cristã, ainda que atravesse períodos obscuros e fraquezas eclesiais, nunca envelhece. (…)

Sempre que procuramos voltar à fonte e recuperar o frescor original do Evangelho, despontam novas estradas, métodos criativos, outras formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado significado para o mundo atual». Como nos faz bem a todos deixar que Jesus nos renove o coração!

“Ao início deste encontro, disse-lhes que vínhamos renovar o nosso «sim», com garra, com paixão. Queremos renovar o nosso «sim», mas um sim realista, porque apoiado no olhar de Jesus. Convido-lhes, quando voltar para casa, preparar em seu coração um testamento espiritual, no estilo do cardeal Raúl Silva Henríquez expresso nesta linda oração que começa dizendo:

«A Igreja que eu amo é a Santa Igreja de todos os dias… a sua, a minha, a Santa Igreja de todos os dias…

… Jesus, o Evangelho, o pão, a Eucaristia, o Corpo de Cristo humilde em cada dia. Com os rostos dos pobres e os rostos de homens e mulheres que cantavam, que lutavam, que sofriam. A Santa Igreja de todos os dias».

Como é a Igreja que você ama? Ama esta Igreja ferida, que encontra vida nas chagas de Jesus?

Obrigado por este encontro. Obrigado pela oportunidade de renovar o «sim» com vocês. A Virgem do Carmo os cubra com o seu manto.”


COM OS BISPOS

Após o encontro com os sacerdotes e consagrados, nesta terça-feira (16/01), o Papa Francisco encontrou-se com os bispos do Chile na Sacristia da Catedral, em Santiago. O Pontífice agradeceu as palavras a ele dirigidas pelo Presidente da Conferência Episcopal Chilena, Dom Santiago Silva Retamales, e a seguir, saudou Dom Benardino Piñera Carvallo, que celebra, este ano, sessenta anos de episcopado. “É o bispo mais idoso do mundo, tanto na idade como nos anos de episcopado e viveu quatro sessões do Concílio Vaticano II. Maravilhosa memória vivente”, disse Francisco.

O Papa recordou em seu discurso que, em breve, irá completar um ano da visita ad limina dos bispos chilenos ao Vaticano.
“Agora coube a mim visitá-los e fico feliz por este encontro acontecer logo depois do encontro com o «mundo consagrado», pois uma de nossas tarefas principais consiste precisamente em estar perto de nossas pessoas consagradas, dos nossos sacerdotes.”

“Se o pastor se dispersa, também as ovelhas se dispersarão e ficarão à mercê de qualquer lobo. Irmãos, a paternidade do bispo com os seus sacerdotes, com o seu presbitério! ”

“Uma paternidade que não é paternalismo nem abuso de autoridade. Eis um dom que vocês devem pedir: estar perto de seus padres, com o estilo de São José. Uma paternidade que ajuda a crescer e a desenvolver os carismas que o Espírito quis derramar em seus respectivos presbitérios.”

O Papa retomou alguns pontos do encontro realizado em Roma, resumindo-os na frase: “a consciência de ser povo”.

 

“Um dos problemas, que enfrentam atualmente as nossas sociedades, é o sentimento de orfandade, ou seja, sentir que não pertencem a ninguém. Este sentir «pós-moderno» pode penetrar em nós e no nosso clero; então começamos a pensar que não pertencemos a ninguém, esquecemo-nos de que somos parte do santo povo fiel de Deus e que a Igreja não é, e nunca será, uma elite de pessoas consagradas, sacerdotes ou bispos.

“Não poderemos sustentar a nossa vida, a nossa vocação ou ministério, sem esta consciência de ser povo. ”

Esquecermo-nos disso – como afirmei à Comissão para a América Latina – «comporta vários riscos e deformações na nossa experiência, quer pessoal quer comunitária, do ministério que a Igreja nos confiou».

A falta de consciência de pertencer ao Povo de Deus como servidores, e não como patrões, pode-nos levar a uma das tentações que mais danifica o dinamismo missionário, que somos chamados a promover: o clericalismo, que é uma caricatura da vocação recebida.”

Segundo o Papa, “a falta de consciência do fato que a missão é de toda a Igreja, e não do padre ou do bispo, limita o horizonte e – o que é pior – reduz todas as iniciativas que o Espírito pode suscitar no meio de nós. Digamos claramente: os leigos não são os nossos servos, nem os nossos empregados. Não precisam repetir, como «papagaios», o que dizemos.

«O clericalismo longe de dar impulso às diferentes contribuições e propostas, apaga pouco a pouco o fogo profético do qual a Igreja inteira é chamada a dar testemunho no coração de seus povos. O clericalismo esquece que a visibilidade e a sacramentalidade da Igreja pertencem a todo o povo de Deus e não só a poucos eleitos e iluminados»”.

Francisco convidou a vigiar “contra esta tentação, especialmente nos seminários e em todo o processo de formação. Os seminários devem pôr o acento no fato de que os futuros sacerdotes sejam capazes de servir o santo povo fiel de Deus, reconhecendo a diversidade de culturas e renunciando à tentação de toda forma de clericalismo”.

“O sacerdote é ministro de Jesus Cristo, o protagonista que Se torna presente em todo o povo de Deus. Os sacerdotes de amanhã devem formar-se olhando para o amanhã: o seu ministério se realizará num mundo secularizado, e isso exige, de nós pastores, discernir como prepará-los para realizar a sua missão nesse cenário concreto e não em nossos «mundos ou situações ideais».”

“Uma missão que se realiza em união fraterna com todo o povo de Deus. Lado a lado, impelindo e incentivando o laicato num clima de discernimento e sinodalidade, duas caraterísticas essenciais do sacerdote de amanhã.

“ Não ao clericalismo e a mundos ideais, que só entram nos nossos esquemas, mas que não tocam a vida de ninguém. ”

O Papa convidou a “rezar, pedir ao Espírito Santo o dom de sonhar e trabalhar por uma opção missionária e profética que seja capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um instrumento mais adequado para a evangelização do Chile do que para uma autopreservação eclesiástica”.

“Não tenhamos medo de nos despojar daquilo que nos afasta do mandato missionário”, concluiu o Pontífice.

Papa: A violência acaba por tornar falsa a causa mais justa

O Papa Francisco celebrou a missa pelo progresso dos povos, nesta quarta-feira (17/01), no Aeródromo de Maquehue, em Temuco, no Chile, primeira etapa de sua 22ª viagem apostólica internacional. O Pontífice iniciou a homilia dando graças a Deus por visitar “esta parte linda do nosso continente, a Araucânia: terra abençoada pelo Criador com a fertilidade de imensos campos verdes, com florestas cheias de imponentes araucárias – o quinto elogio de Gabriela Mistral a esta terra chilena –, seus majestosos vulcões cobertos de neve, seus lagos e rios cheios de vida.

“Esta paisagem eleva-nos a Deus, sendo fácil ver a sua mão em cada criatura. Muitas gerações de homens e mulheres amaram, e amam, este solo com ciosa gratidão”. “E quero deter-me aqui para saudar de forma especial os membros do povo Mapuche, bem como os outros povos indígenas que vivem nestas terras do sul: Rapanui (Ilha de Páscoa), Aymara, Quechua e Atacama, e muitos outros”.

“Esta terra, se a virmos com olhos de turista, deixar-nos-á extasiados, mas depois continuaremos a nossa estrada como antes; se, pelo contrário, nos aproximarmos do solo, ouvi-lo-emos cantar: «Arauco tem uma pena que não posso calar, são injustiças de séculos que todos veem aplicar»”, frisou Francisco.

“É neste contexto de ação de graças por esta terra e pelo seu povo, mas também de tristeza e dor, que celebramos a Eucaristia. E fazemo-lo neste aeródromo de Maquehue, onde se verificaram graves violações de direitos humanos. Oferecemos esta celebração por todas as pessoas que sofreram e foram mortas e pelas que diariamente carregam nos ombros o peso de tantas injustiças”.

“O sacrifício de Jesus na cruz está repleto de todo o pecado e do sofrimento dos nossos povos, um sofrimento a ser resgatado.

“No Evangelho que ouvimos, Jesus pede ao Pai que «todos sejam um só». Numa hora crucial da sua vida, detém-Se a pedir a unidade. O seu coração sabe que uma das piores ameaças que atinge, e atingirá, o seu povo e toda a humanidade será a divisão e o conflito, a subjugação de uns pelos outros. Quantas lágrimas derramadas!

Hoje queremos agarrar-nos a esta oração de Jesus, queremos entrar com Ele neste horto de dor, também com as nossas dores, para pedir ao Pai com Jesus: que também nós sejamos um só. Não permitais que nos vença o conflito nem a divisão.”

Segundo o Papa, “esta unidade, implorada por Jesus, é um dom que devemos pedir insistentemente pelo bem da nossa terra e seus filhos. E é necessário estar atento a eventuais tentações que possam aparecer e «contaminar pela raiz» este dom com que Deus nos quer presentear e com o qual nos convida a ser autênticos protagonistas da história.”

Os falsos sinônimos

“Uma das principais tentações a enfrentar é confundir unidade com uniformidade. Jesus não pede a seu Pai que todos sejam iguais, idênticos; pois a unidade não nasce, nem nascerá, de neutralizar ou silenciar as diferenças. A unidade não é uma simulação de integração forçada nem de marginalização harmonizadora.

“A riqueza duma terra nasce precisamente do fato de cada parte saber partilhar a sua sabedoria com as outras”.

Não é, nem será, uma uniformidade asfixiante que normalmente nasce do predomínio e da força do mais forte, nem uma separação que não reconheça a bondade dos outros.

A unidade pedida e oferecida por Jesus reconhece o que cada povo, cada cultura são convidados a oferecer a esta terra abençoada.

“A unidade é uma diversidade reconciliada, porque não tolera que, em seu nome, se legitimem injustiças pessoais ou comunitárias”.

Precisamos da riqueza que cada povo pode oferecer, pondo de lado a lógica de pensar que há culturas superiores ou inferiores. Um belo chamal [manto] requer tecelões que conheçam a arte de harmonizar os diferentes materiais e cores; que saibam dar tempo a cada coisa e a cada fase. Poder-se-á imitar de modo industrial, mas todos reconheceremos que é uma peça de roupa confeccionada sinteticamente.

A arte da unidade precisa e requer artesãos autênticos que saibam harmonizar as diferenças nos «laboratórios» das aldeias, das estradas, das praças e das paisagens. Não é uma arte de escrivaninha ou feita apenas de documentos; é uma arte de escuta e reconhecimento. Nisto se enraíza a sua beleza e também a sua resistência ao desgaste do tempo e às inclemências que terá de enfrentar.”

“A unidade, de que necessitam os nossos povos, requer que nos escutemos, mas sobretudo que nos reconheçamos, o que não significa apenas «receber informações sobre os outros (…), mas recolher o que o Espírito semeou neles como um dom também para nós».

Isto introduz-nos no caminho da solidariedade como forma de tecer a unidade, como forma de construir a história; solidariedade, que nos leva a dizer: temos necessidade uns dos outros com as nossas diferenças, para que esta terra continue a ser linda”.

“É a única arma que temos contra o «desflorestamento» da esperança. Por isso pedimos: Senhor, fazei-nos artesãos de unidade”.

As armas da unidade

“A unidade, se quer ser construída a partir do reconhecimento e da solidariedade, não pode aceitar um meio qualquer para esse fim. Há duas formas de violência que, em vez de fomentar os processos de unidade e reconciliação, acabam por os ameaçar. Em primeiro lugar, devemos estar atentos à elaboração de acordos «lindos», que nunca se concretizam.

Palavras bonitas, planos terminados sim – e necessários – mas que, por não se tornar concretos, acabam por «borratar com o cotovelo o que se escreveu com a mão». Isto também é violência, porque frustra a esperança.”

Em segundo lugar, é imprescindível defender que uma cultura do reconhecimento mútuo não se constrói com base na violência e destruição, que acaba por ceifar vidas humanas. Não se pode pedir reconhecimento, aniquilando o outro, porque a única coisa que isso gera é maior violência e divisão.
“A violência clama violência, a destruição aumenta a fratura e a separação”.

A violência acaba por tornar falsa a causa mais justa. Por isso, digamos «não à violência que destrói», em qualquer uma dessas duas formas.

Estas atitudes são como lava de vulcão que tudo destrói, tudo queima, deixando atrás de si apenas esterilidade e desolação. Em vez disso, procuremos o caminho da não-violência ativa, «como estilo duma política de paz». Nunca nos cansemos de procurar o diálogo para a unidade. Por isso, digamos vigorosamente: Senhor, fazei-nos artesãos de unidade.

Todos nós que, de certo modo, somos povo formado da terra (cf. Gn 2, 7), estamos chamados ao bom viver (Küme Mongen), como no-lo recorda a sabedoria ancestral do povo Mapuche.

Quanto caminho a percorrer, quanto caminho para aprender! Küme Mongen, um anseio profundo que brota não só dos nossos corações, mas ressoa como um grito, como um canto em toda a criação. Por isso, irmãos, pelos filhos desta terra, pelos filhos dos seus filhos, digamos com Jesus ao Pai: que também nós sejamos um só; fazei-nos artesãos de unidade.

Jovens se sintam e sejam protagonistas no coração da Igreja

“Arriscar, correr riscos. Queridos amigos, sede corajosos, ide prontamente ao encontro dos vossos amigos, daqueles que não conheceis ou que atravessam um momento difícil.” Foi a exortação do Papa Francisco no encontro com os jovens esta quarta-feira (17/01) no “Santuário de Maipú”, em Santiago, um dos eventos memoráveis desta visita do Santo Padre ao Chile, no âmbito de sua 22ª viagem apostólica internacional, que depois o levará ao Peru.

Um encontro de festa, com a alegria e o entusiasmo que os caracterizam, no qual o Sucessor de Pedro sentiu o calor e o afeto dos jovens chilenos. Após a saudação do jovem Ariel ao Santo Padre teve lugar um momento particularmente simbólico. Foi feita a apresentação do Símbolo dos jovens para o Sínodo: os jovens carregaram a Cruz do Chile. Tendo entregue ao Papa uma fita – sinal do sangue derramado por Cristo –, Francisco a colocou na Cruz.

Segundo centenário do Santuário dedicado à Virgem do Carmo

Já no início de seu discurso o Papa disse considerar muito importante poder estar com eles e “caminhar juntos por um pouco, ajudando-nos a olhar em frente!”, ressaltou, acrescentando a satisfação de encontrar-se no “Santuário de Maipú” dedicado à Virgem do Carmo, cujo templo comemora este ano seu segundo centenário.

“ A Virgem do Carmo acompanha-vos para poderdes ser os protagonistas do Chile que sonham os vossos corações. E sei que o coração dos jovens chilenos sonha, e sonha em grande. ”

“Vós gostais de aventuras e desafios. Antes, aborreceis-vos quando não tendes desafios que vos estimulem”, disse o Papa afirmando que em seu ministério episcopal teve a oportunidade de descobrir que há muitas e boas ideias no coração e na cabeça dos jovens.

 

“O problema somos nós, os grandes, que muitas vezes, com cara de sabichões, dizemos: ‘Pensa assim porque é jovem, depressa amadurecerá’. Até parece que amadurecer seja aceitar a injustiça, pensar que nada se pode fazer, resignar-se porque tudo sempre foi assim.”

Foi tendo em conta toda esta realidade dos jovens que o Papa disse querer realizar este ano o Sínodo e, antes do Sínodo, o Encontro de jovens, “para que se sintam e sejam protagonistas no coração da Igreja; para nos ajudar a fazer com que a Igreja tenha um rosto jovem”.

“ Quanta necessidade tem a Igreja chilena de vós, para nos ‘sacudirdes’ e ajudardes a estar mais perto de Jesus! ”

Tendo contado o caso do jovem que ao encontrar-se com seu celular com a bateria descarregada ou sem sinal da internet, disse-lhe que ficava aborrecido porque não podia acompanhar o que estava acontecendo, por ficar fora do mundo, Francisco afirmou que o mesmo pode nos acontecer com a fé.

“Sem conexão, sem a conexão com Jesus, acabamos por afogar as nossas ideias, os nossos sonhos, a nossa fé e enchemo-nos de mau humor. E de protagonistas que somos e queremos ser, podemos chegar a pensar que tanto vale fazer algo como não o fazer. Ficamos desconectados do que está acontecendo no ‘mundo’. Começamos a sentir que ficamos ‘fora do mundo’, como me dizia aquele jovem.”

Francisco apontou aos jovens a regra de ouro de Santo Alberto Hurtado, jesuíta chileno: “Que faria Cristo no meu lugar?”, qual palavra-chave, “a carga da bateria para acender o nosso coração, acender a nossa fé e a centelha nos nossos olhos. Isto é ser protagonistas da história”, afirmou.

 

Jesus é fonte de vida e de alegria

Olhos cintilantes porque descobrimos que Jesus é fonte de vida e alegria. Ser protagonistas é fazer o que Jesus fez. Onde quer que estejas, com quem quer que te encontres e seja a hora que for: “Que faria Jesus no meu lugar?”

“Ide com a única promessa que temos: no meio do deserto, do caminho, da aventura, sempre haverá a ‘conexão’, sempre existirá um ‘carregador de baterias’. Não estaremos sozinhos.” Sempre gozaremos da companhia de Jesus, de sua Mãe e duma comunidade. Uma comunidade que certamente não é perfeita, mas isso não significa que não tenha muito para amar e oferecer aos outros, acrescentou.

Premente exortação aos jovens chilenos

“Sede vós os jovens samaritanos que nunca abandonam um homem caído no caminho. Sede vós os jovens cireneus que ajudam Cristo a levar a sua Cruz e compartilham o sofrimento dos irmãos. Sede como Zaqueu, que transforma o seu coração materialista num coração solidário. Sede como a jovem Madalena, buscando apaixonadamente o amor, que só em Jesus encontra as respostas de que necessita. Tende o coração de Pedro, para deixar as redes nas margens do lago. Tende o carinho de João, para repor n’Ele todos os vossos afetos. Tende a disponibilidade de Maria para cantar com alegria (ao Senhor) e fazer a sua vontade”, exortou, por fim, Francisco.

“O conhecimento deve sentir-se sempre a serviço da vida”

Santiago (Chile) – O Papa Francisco visitou, nesta quarta-feira (17/01), a Pontifícia Universidade Católica do Chile, em Santiago. Fundada em 21 de junho de 1888, pelo então Arcebispo de Santiago, Dom Mariano Casanova, a instituição celebra, este ano, 130 anos de vida. Em seu discurso aos estudantes, funcionários e expoentes do mundo acadêmico, Francisco manifestou a alegria de estar ali naquela nesta universidade que “ofereceu ao país um serviço inestimável”.

Segundo o Papa, a história desta Universidade está, de certa forma, entrelaçada com a história do Chile. São milhares os homens e mulheres que, tendo-se formado aqui, desempenharam tarefas importantes em prol do desenvolvimento do país.

“Apraz-me recordar especialmente a figura de Santo Alberto Hurtado, neste ano em que se celebra o centenário do início de seus estudos aqui. A sua vida é um claro testemunho de como a inteligência, a excelência acadêmica e o profissionalismo na atividade, harmonizados com a fé, a justiça e a caridade, longe de se debilitar, adquirem uma força profética capaz de abrir horizontes e iluminar o caminho, especialmente para as pessoas descartadas da sociedade.”

Retomando as palavras do reitor, Doutor Ignacio Sánchez, a propósito dos desafios importantes para Chile, o Papa deteve-se em dois pontos: “convivência nacional e capacidade de progredir em comunidade”.

Convivência nacional

“Falar de desafios é admitir que há situações que chegaram a um ponto em que devem ser repensadas. O que até ontem podia ser um fator de unidade e coesão, hoje exige novas respostas. O ritmo acelerado e a implementação quase vertiginosa de alguns processos e mudanças, que se impõem em nossas sociedades, nos convidam, de maneira serena mas sem demora, a uma reflexão que não seja ingênua, utopista e menos ainda voluntarista. Isto não significa frear o desenvolvimento do conhecimento, mas fazer da universidade um espaço privilegiado para «praticar a gramática do diálogo que forma encontro». pois «a verdadeira sabedoria é fruto da reflexão, do diálogo e do encontro generoso entre as pessoas».

Segundo o Papa, a convivência nacional é possível na medida em que dermos vida a processos educativos que sejam simultaneamente transformadores, inclusivos e de convivência. “Educar para a convivência não significa apenas acrescentar valores ao trabalho educacional, mas gerar uma dinâmica de convivência dentro do próprio sistema educativo”, destacou o Papa.

“Não é tanto uma questão de conteúdos, como sobretudo de ensinar a pensar e raciocinar de modo integral: aquilo que os clássicos costumavam designar com o nome de forma mentis. E, para se alcançar isto, é necessário desenvolver o que eu chamaria uma alfabetização integral que saiba adaptar os processos de transformação que se estão a verificar no seio das nossas sociedades”.

De acordo com o Pontífice, “tal processo de alfabetização requer que se trabalhe, de maneira simultânea, na integração das diferentes linguagens que nos constituem como pessoas. Ou seja, uma educação (alfabetização) que integre e harmonize o intelecto (a cabeça), os afetos (o coração) e a ação (as mãos). Isto proporcionará e possibilitará um crescimento dos alunos de maneira harmoniosa não só em nível pessoal, mas também e simultaneamente em nível social.

É urgente criar espaços onde a fragmentação não seja o esquema dominante, mesmo do pensamento; para isso, é necessário ensinar a pensar o que se sente e faz; a sentir o que se pensa e faz; a fazer o que se pensa e sente. Um dinamismo de capacidades ao serviço da pessoa e da sociedade.”

“A alfabetização, baseada na integração das diferentes linguagens que nos constituem, envolverá os alunos no seu processo educativo; processo voltado para os desafios que o futuro próximo lhes apresentará”.

Segundo Francisco, “a única coisa que consegue o ‘divórcio’ dos saberes e das linguagens, o analfabetismo sobre como integrar as diferentes dimensões da vida, é a fragmentação e ruptura social”.

“Nesta sociedade líquida ou volátil, como a definiram alguns pensadores, vão desparecendo os pontos de referência a partir dos quais se possam construir, individual e socialmente, as pessoas. Parece que hoje a «nuvem» seja o novo ponto de encontro, que se caracteriza pela falta de estabilidade, já que tudo se volatiliza e, consequentemente, perde consistência. Esta falta de consistência poderia ser uma das razões para a perda de consciência do espaço público”.

“Um espaço que exige um mínimo de transcendência sobre os interesses privados (viver mais e melhor) para construir sobre bases que revelem aquela dimensão tão importante da nossa vida que é o «nós».

Sem esta consciência, mas sobretudo sem este sentimento e, por conseguinte, sem esta experiência é, e será, muito difícil construir a nação. Neste caso, pareceria que a única coisa importante e válida fosse o que diz respeito ao indivíduo e, tudo o que ficasse fora desta jurisdição, torna-se-ia obsoleto. Semelhante cultura perdeu a memória, perdeu os vínculos que sustentam e tornam possível a vida. Sem o «nós» dum povo, duma família, duma nação e, ao mesmo tempo, sem o «nós» do futuro, dos filhos e do amanhã; sem o «nós» duma cidade que «me» transcenda e seja mais rica do que os interesses individuais, a vida será não só cada vez mais fragmentada, mas também mais conflituosa e violenta.

Neste sentido, a universidade tem o desafio de gerar, dentro do seu próprio claustro, as novas dinâmicas que superem toda a fragmentação do saber e estimulem a uma verdadeira universitas”.

Progredir em comunidade

“Daí segue-se o segundo elemento, muito importante para esta Casa de Estudo: a capacidade de progredir em comunidade”, frisou o Pontífice.

“Soube, com alegria, do esforço evangelizador e da vitalidade radiosa da vossa pastoral universitária, sinal duma Igreja jovem, viva e «em saída». As missões, que vocês realizam em diferentes locais do país, são um ponto forte e muito enriquecedor.

Em tais ocasiões, vocês conseguem alargar o horizonte de seu olhar e entrar em contato com várias situações que, para além do evento específico, deixam vocês mobilizados. De fato, o «missionário» nunca retorna igual da missão; experimenta a passagem de Deus no encontro com tantos rostos.

Estas experiências não podem ficar isoladas do percurso universitário. Os métodos clássicos de investigação provam nisso certos limites, e mais ainda numa cultura como a nossa que estimula a participação direta e instantânea dos sujeitos.”

“A cultura atual exige novas formas capazes de incluir todos os atores que dão vida à realidade social e, consequentemente, educativa. Daí a importância de ampliar o conceito de comunidade educativa”.

“Esta comunidade é desafiada a não se isolar de [novas] formas de conhecimento; bem como a não construir conhecimentos à margem dos destinatários dos mesmos. É preciso que a aquisição de conhecimento seja capaz de gerar uma interação entre a aula e a sabedoria dos povos que constituem esta terra abençoada.

A exemplo do Bom Samaritano, o Papa interrompeu o seu trajeto em Iquique e foi até a policial ferida com a queda do cavalo.

Uma sabedoria carregada de intuições, de «olfato», que não se pode ignorar na hora de pensar o Chile. Deste modo, produzir-se-á a sinergia muito enriquecedora entre rigor científico e intuição popular.

Esta estreita interação mútua impede o divórcio entre a razão e a ação, entre o pensar e o sentir, entre o conhecer e o viver, entre a profissão e o serviço”.

“O conhecimento deve sentir-se sempre a serviço da vida e confrontar-se com ela para continuar a progredir”.

“Por isso, a comunidade educativa não se pode reduzir a aulas e bibliotecas, mas deve ser continuamente desafiada à participação. Tal diálogo só pode ser realizado a partir duma episteme capaz de assumir uma lógica plural, ou seja, que assume a interdisciplinaridade e a interdependência do saber.

«Neste sentido, é indispensável prestar uma atenção especial às comunidades aborígenes com as suas tradições culturais. Não são apenas uma minoria entre outras, mas devem tornar-se os principais interlocutores, especialmente quando se avança com grandes projetos que afetam os seus espaços».

A comunidade educacional guarda, em si mesma, um número infinito de possibilidades e potencialidades, quando se deixa enriquecer e interpelar por todos os atores que compõem a realidade educativa. Isto requer um maior esforço em termos de qualidade e integração.”

“O serviço universitário deve ter sempre como objetivo ser de qualidade e excelência, colocadas a serviço da convivência nacional.”

“Neste sentido, poderíamos dizer que a universidade se torna um laboratório para o futuro do país, porque sabe incorporar em si a vida e a caminhada do povo, superando toda a lógica antagónica e elitista do saber.

Uma antiga tradição cabalística diz que a origem do mal se encontra na divisão produzida pelo ser humano quando comeu da árvore da ciência do bem e do mal. Desta forma, o conhecimento adquiriu um primado sobre a criação, submetendo-a aos seus esquemas e desejos.

Será tentação latente em todos os campos acadêmicos, a de reduzir a criação a alguns esquemas interpretativos, privando-a do mistério que lhe é próprio e que impeliu gerações inteiras a procurar o que justo, bom, belo e verdadeiro.

Mas, quando o professor se torna «mestre» pela sua dimensão sapiencial, é capaz de despertar a capacidade de deslumbramento nos nossos alunos. Deslumbramento perante um mundo e um universo a descobrir!

“Hoje, a missão que vocês têm nas mãos é profética. Vocês são chamados a gerar processos que iluminem a cultura atual, propondo um humanismo renovado que evite cair em qualquer tipo de reducionismo.”

E esta profecia, que nos é solicitada, impele-nos a buscar eventuais espaços mais de diálogo que de conflito; espaços mais de encontro que de divisão; caminhos de amistosa discrepância, porque se diverge, com respeito, entre pessoas que caminham procurando lealmente progredir em comunidade para uma convivência nacional renovada.

E, se vocês pedirem, não duvido que o Espírito Santo guiará os seus passos para que esta Casa continue frutificando para o bem do povo do Chile e para a glória de Deus.”

Iquique: “Estejamos atentos a todas as situações de injustiça”

O Papa Francisco celebrou a missa, nesta quinta-feira (18/01), no Campus Lobito, em Iquique, em honra a Nossa Senhora do Carmo, padroeira do Chile, e pela integração dos povos. “Em Caná da Galileia, Jesus realizou o primeiro de seus sinais milagrosos.” Assim, o Pontífice iniciou a sua homilia, citando este versículo do Evangelho de São João. “Este Evangelho que ouvimos, nos mostra a primeira aparição pública de Jesus: nada mais, nada menos que numa festa. Não poderia ser doutra forma, pois o Evangelho é um convite constante à alegria.”

“Logo no início, o anjo diz a Maria: «Alegra-te». Anuncio-vos uma grande alegria: foi dito aos pastores. O menino saltou de alegria no seio de Isabel, mulher idosa e estéril. Alegra-te, fez Jesus sentir ao ladrão, porque hoje estarás comigo no paraíso.”

A mensagem do Evangelho é fonte de alegria: «Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja completa». Uma alegria que se propaga de geração em geração, e da qual somos herdeiros”, sublinhou Francisco citando mais um versículo do evangelho.

“Disto, bem vos entendeis vós, queridos irmãos do norte chileno. “Vocês sabem viver a fé e a vida em clima de festa! Venho, como peregrino, celebrar com vocês esta maneira linda de viver a fé.”

As sua festas patronais, as suas danças religiosas (que duram uma semana), a sua música, os seus vestidos fazem desta região um santuário de piedade popular. De fato, não é uma festa que fica fechada dentro do templo, mas consegue vestir de festa toda a aldeia. Vocês sabem celebrar cantando e dançando «a paternidade, a providência, a presença amorosa e constante» de Deus.

Deste modo geram em vocês «atitudes interiores que raramente se observam no mesmo grau» naqueles que não possuem tal piedade popular: «paciência, sentido da cruz na vida quotidiana, desapego, aceitação dos outros, dedicação e devoção». Ganham vida as palavras do profeta Isaías: «Então o deserto se converterá em pomar, e o pomar será como uma floresta».”

“Esta terra, abraçada pelo deserto mais seco do mundo, sabe vestir-se de festa.”

Neste clima de festa”, frisou ainda o Pontífice, “o Evangelho nos apresenta a ação de Maria, para que a alegria prevaleça.

Está atenta a tudo o que acontece ao redor d’Ela e, como boa mãe, não fica parada e assim consegue dar-se conta de que na festa, na alegria geral, acontecera algo: algo que estava para arruinar a festa. E, aproximando-Se de seu Filho, as únicas palavras que Lhe ouvimos dizer são: «Não têm vinho».”

“Da mesma forma, Maria vai pelas nossas aldeias, ruas, praças, casas, hospitais.”

“Maria é a Virgem da Tirana, a Virgem Ayquina em Calama, a Virgem das Penhas em Arica, que passa por todos os nossos problemas familiares, aqueles que parecem sufocar-nos o coração, para Se aproximar de Jesus e dizer-Lhe ao ouvido: Olha! «Não têm vinho».

Maria não fica calada, “mas logo se aproxima dos que serviam na festa e lhes diz: «Fazei o que Ele vos disser». Maria, mulher de poucas palavras mas muito concretas, também se aproxima de cada um de nós para nos dizer apenas isto: «Fazei o que Ele vos disser».

E assim se abre o caminho ao primeiro milagre de Jesus: fazer sentir aos seus amigos que eles também participam do milagre. Porque Cristo «veio a este mundo, não para fazer a sua obra sozinho, mas conosco, com todos nós, para ser a cabeça dum grande corpo cujas células vivas, livres e ativas somos nós».”

“O milagre começa quando os serventes aproximam as vasilhas de pedra com água, destinadas à purificação. Do mesmo modo cada um de nós também pode começar o milagre; mais ainda, cada um de nós é convidado a participar do milagre para os outros”, frisou o Papa.

“Irmãos, Iquique é uma «terra de sonhos» (tal é o significado do nome, em aymara); terra que soube acolher pessoas de diferentes povos e culturas que tiveram de deixar os seus queridos e partir”.

“Uma saída sempre baseada na esperança de obter uma vida melhor, mas sabemos que sempre se faz acompanhar por bagagens carregadas de medo e incerteza pelo que virá.”

“Iquique é uma região de imigrantes que nos lembra a grandeza de homens e mulheres; de famílias inteiras que, perante a adversidade, não se dão por vencidas mas se movem procurando a vida. ”

Eles, sobretudo quantos têm que deixar a sua terra, porque não encontram o mínimo necessário para viver, são ícones da Sagrada Família, que teve de atravessar desertos para continuar a viver.”

“Esta é terra de sonhos, mas procuremos que continue sendo também terra de hospitalidade. Hospitalidade festiva, porque sabemos bem que não há alegria cristã, quando se fecham as portas; não há alegria cristã, quando se faz sentir aos outros que estão a mais ou que não têm lugar para eles em nosso meio.”

“Como Maria em Caná, procuremos aprender a estar atentos em nossas praças e aldeias e reconhecer aqueles que têm a vida «arruinada»; que perderam, ou lhes roubaram, as razões para fazer festa. E não tenhamos medo de levantar as nossas vozes para dizer: «Não têm vinho».

O grito do povo de Deus, o grito do pobre, que tem forma de oração e alarga o coração, e nos ensina a estar atentos.

“Estejamos atentos a todas as situações de injustiça e às novas formas de exploração que fazem tantos irmãos perder a alegria da festa. ”

 

Estejamos atentos à situação de precariedade do trabalho que destrói vidas e famílias.

Estejamos atentos a quem se aproveita da irregularidade de muitos migrantes porque não conhecem a língua ou não têm os documentos em «regra».”

“Estejamos atentos à falta de teto, terra e trabalho de tantas famílias. E, como Maria, digamos com fé: Não têm vinho. ”

O Papa frisou que “como os servidores da festa, tragamos o que temos, por pouco que pareça. Como eles, não tenhamos medo de «dar uma mão», e que a nossa solidariedade e o nosso compromisso em prol da justiça sejam parte da dança ou do cântico que podemos entoar a nosso Senhor.

Aproveitemos também para aprender e deixar-nos impregnar pelos valores, a sabedoria e a fé que os migrantes trazem consigo; sem nos fecharmos a essas «vasilhas» cheias de sabedoria e história trazidas por aqueles que continuam chegando a estas terras. Não nos privemos de todo o bem que eles têm para oferecer”.

“Deixemos que Jesus possa completar o milagre, transformando as nossas comunidades e os nossos corações em sinal vivo de sua presença jubilosa e festiva, para experimentarmos que Deus está conosco, para aprendermos a hospedá-Lo no meio de nós. Júbilo e festa contagiosa que nos leva a não excluir ninguém do anúncio desta Boa Nova.”

Francisco concluiu a homilia, pedindo a Maria, invocada nestas terras abençoadas do norte sob diferentes títulos, para que “continue sussurrando aos ouvidos de seu Filho Jesus: «Não têm vinho»; e, em nós, continuem a fazer-se carne as suas palavras: «Fazei o que Ele vos disser».”

PAPA CONSOLA POLICIAL

Um incidente após a Missa celebrada no Campo Lobito, enquanto o Papa passava pela cidade de Iquique, chamou a atenção dos milhares de chilenos que queriam saudar o Papa. Uma militar dos “Carabineros del Chile” caiu do cavalo, lesionando-se. Francisco, ao perceber o ocorrido, desceu do papamóvel e foi até ela, para demonstrar a sua proximidade. Tudo foi muito rápido. Na passagem do papamóvel, dois carabineiros mantinham o cavalo no chão, segurando-o pelas rédeas. Repentinamente ele levantou-se e a jovem militar, que estava na sela, caiu, gritando de dor.

Francisco reagiu imediatamente. Pediu para que o motorista parasse o papamóvel, desceu e percorreu à pé os poucos metros que o separavam da policial estendida no asfalto, enquanto as equipes de socorro entravam em ação.

Médicos do séquito papal intervém

Entre os primeiros a prestar socorro, justamente os médicos do séquito papal, que se certificaram da presença dos sinais vitais. A militar reagiu positivamente. Segundo avaliaram, caso tivesse caído de costas as consequências teriam sido muito graves.

Rapidamente chegaram também os socorristas chilenos, que a colocaram em uma maca para leva-la ao hospital. O Papa Francisco permaneceu próximo dela todo este tempo, abençoando-a também com um beijo paternal na testa.

O que chama a atenção e fica de ensinamento deste incidente, foi a atitude do Santo Padre, que prontamente, com discrição e cuidado, aproximou-se para saber das condições da policial ferida e confortá-la. Em suas homilias e pronunciamentos, costuma citar a Parábola do Bom Samaritano, que ao ver um homem ferido e caído na beira da estrada, para e o socorre.

MATRIMÔNIO CELEBRADO PELO PAPA EM VOO

“Tinham ideia de casar-se em uma igreja, mas não puderam fazê-lo. Então decidiram fazer hoje no avião”.

Assim o diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Greg Burke, explicou aos jornalistas presentes no voo Santiago-Iquique o casamento celebrado momentos.

O Papa Francisco uniu em matrimônio os comissários de bordo Paula Podest Ruiz, de 39 anos, e Carlos Ciuffardi Elorriaga, de 41, pais de duas meninas, uma de 6 e outra de 3 anos.

“É tudo válido, tudo lícito! Foi feito pelo Papa. E há um ato escrito. (…). Foi uma surpresa também para o Papa. Eles pensavam em fazê-lo, tinham esta ideia de se casar no civil, eles tem dois filhos, queriam estar no mesmo avião, tinham a ideia de pedir ao Papa…tinham ideia de casar-se em uma igreja, mas não puderam fazê-lo. Então decidiram fazer hoje no avião”.

DESPEDIDA

O Papa Francisco despediu-se do Chile esta quinta-feira. Pouco antes das 17 horas, horário local, um avião A321 da Latam decolou do Aeroporto internacional “Diego Aracena” de Iquique, rumo ao Aeroporto internacional de Lima, distante 1.200 quilômetros.

O Pontífice foi acolhido na Sala Vip do aeroporto de Iquique pela presidente Michelle Bachelet, com quem conversou por alguns minutos. Após passou em revista a Guarda de Honra e saudou as delegações.

A Igreja não é alheia aos seus problemas e à sua vida

O ginásio Mãe de Deus acolheu cerca de três mil indígenas, entre os quais muitos brasileiros, entre fiéis, sacerdotes, bispos e Dom Cláudio Hummes, presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica. O encontro foi marcado por testemunhos e um longo discurso do Pontífice, em que o Papa manifestou a sua preocupação pela ameaça que os povos e o território da Amazônia está sofrendo.

“Provavelmente, nunca os povos originários amazônicos estiveram tão ameaçados nos seus territórios como estão agora”, disse Francisco, citando os grandes interesses econômicos da indústria extrativista e das monoculturas agro-industriais. O Papa criticou também “a perversão de certas políticas”, que promovem a «conservação» da natureza sem ter em conta o ser humano.

Todos estes interesses “sufocam” os povos nativos e causa a migração das novas gerações. “Devemos romper com o paradigma histórico que considera a Amazônia como uma despensa inesgotável dos Estados, sem ter em conta os seus habitantes.”

Para romper este paradigma e transformas as relações marcadas pela exclusão, Francisco sugeriu a criação de espaços institucionais de respeito, reconhecimento e diálogo com os povos nativos. Estes não são um “estorvo”, mas memória viva da missão que Deus nos confiou: cuidar da Casa Comum.

Tráfico de pessoas

“A defesa da terra não tem outra finalidade senão a defesa da vida”, disse ainda o Papa. Poluição ambiental e devastação da vida comportam ainda outro sofrimento: tráfico de pessoas e o abuso sexual.

“A violência contra os adolescentes e contra as mulheres é um grito que chega ao céu. «Sempre me angustiou a situação das pessoas que são objeto das diferentes formas de tráfico. Quem dera que se ouvisse o grito de Deus, perguntando a todos nós: “Onde está o teu irmão?” (Gn 4, 9). Onde está o teu irmão escravo? (…) Não nos façamos de distraídos! Há muita cumplicidade… A pergunta é para todos! ”

Francisco recordou que já São Toríbio denunciava essas violências cinco século atrás. Esta profecia, defendeu, “deve continuar presente na nossa Igreja, que nunca cessará de levantar a voz pelos descartados e os que sofrem”.

Para Francisco, as povos nativos jamais devem ser considerados uma minoria, mas autênticos interlocutores. Além de constituir uma reserva da biodiversidade, a Amazônia é também uma reserva cultural que deve ser preservada face aos novos colonialismos.

 

Família e educação

“A família é, e sempre foi, a instituição social que mais contribuiu para manter vivas as nossas culturas. Em períodos de crises passadas, face aos diferentes imperialismos, a família dos povos indígenas foi a melhor defesa da vida.”

O Pontífice falou também da educação, que deve ser uma prioridade e um compromisso do Estado; compromisso integrador e inculturado que assuma, respeite e integre como um bem de toda a nação a sua sabedoria ancestral.

Igreja na Amazônia

Por fim, Francisco comentou a presença da Igreja na Amazônia, enaltecendo o trabalho dos missionários em defender as culturas locais. O Papa exortou a não sucumbir às tentativas em ato para desarraigar a fé católica de seus povos.

“Cada cultura e cada cosmovisão que recebe o Evangelho enriquecem a Igreja com a visão de uma nova faceta do rosto de Cristo. A Igreja não é alheia aos seus problemas e à sua vida, não quer ser estranha ao seu modo de viver e de se organizar. Precisamos que os povos indígenas plasmem culturalmente as Igrejas locais amazônicas.” Francisco pede ajuda mútua e diálogo entre os povos locais e os bispos para “plasmar uma Igreja com rosto amazônico e uma Igreja com rosto indígena. Com este espírito, convoquei um Sínodo para a Amazônia no ano de 2019”.

O Papa concluiu encorajando os povos indígenas a resistirem, demonstrando capacidade de reação perante os momentos difíceis que são obrigados a viver. E se despediu em língua: quechua Tinkunakama [Até um próximo encontro].

 

“Onde há mãe, família e comunidade, os problemas poderão não desaparecer, mas certamente encontra-se força para os enfrentar de maneira diferente. Foi o que disse o Papa em Puerto Maldonado esta sexta-feira (19/01) no encontro com a comunidade local, realizado no Instituto Jorge Basadre – no grande campo do Instituto Público de Educação Superior Tecnológico –, no segundo compromisso de Francisco em terras peruanas.

Já no início de seu discurso, o Santo Padre destacou a proveniência dos presentes, não só das várias regiões desta Amazônia peruana, mas também dos Andes e de outros países vizinhos, acrescentando a importância destes momentos em que “podemos encontrar-nos e, “independente da proveniência, encorajar-nos a gerar uma cultura do encontro que nos renova na esperança”, afirmou.

Terra esquecida, ferida e marginalizada

Aludindo à experiência contada por Arturo e Margarita, que falaram de uma terra esquecida, ferida e marginalizada, Francisco endossou as palavras deles, de que aquele lugar não era terra de ninguém. “Esta terra tem nomes, tem rostos: tem-vos”, disse.

A região é designada com o nome muito belo de “Madre de Dios” (Mãe de Deus]. Não posso deixar de fazer menção de Maria, jovem mulher que vivia numa aldeia remota, perdida, considerada também por muitos como «terra de ninguém». Lá recebeu Ela a saudação e o convite maior que uma pessoa possa experimentar: ser a Mãe de Deus; há alegrias que só as podem escutar os pequeninos,” acrescentou.

“Vós tendes em Maria, não só uma testemunha para quem olhar, mas uma Mãe e, onde houver uma mãe, não existe esse mal terrível de sentir que não pertencemos a ninguém, esse sentimento que nasce quando começa a desaparecer a certeza de pertencer a uma família, a um povo, a uma terra, ao nosso Deus. Queridos irmãos, a primeira coisa que gostaria de vos transmitir – e quero fazê-lo com força – é: esta não é uma terra órfã, é a terra da Mãe! E, se há uma mãe, há filhos, há família, há comunidade.”

 

Esta terra não é órfã

“É triste constatar que há alguns que querem apagar esta certeza e tornar a Madre de Dios uma terra anônima, sem filhos, uma terra infecunda. Um lugar que se deixe facilmente vender e explorar. Por isso, faz-nos bem repetir nas nossas casas, nas comunidades, no mais fundo do coração de cada um: esta não é uma terra órfã! Tem uma Mãe!”, disse ainda.

Francisco referiu-se mais uma vez à cultura do descarte, explicitando de que se trata:

“Uma cultura que não se contenta apenas com excluir, mas que cresceu silenciando, ignorando e rejeitando tudo o que não serve aos seus interesses; parece que o consumismo alienante de alguns não consegue perceber a dimensão do sofrimento sufocante de outros. É uma cultura anónima, sem laços, nem rostos. Uma cultura sem mãe, que só quer consumir.”

“A terra é tratada dentro desta lógica, acrescentou. As florestas, os rios e as torrentes são aproveitados, utilizados até ao último recurso, e depois deixados como baldios e inúteis. As próprias pessoas são tratadas com esta lógica: são usadas até ao exaurimento e depois deixadas como ‘inúteis’. ”

É triste constatar como, nesta terra que está sob a proteção da Mãe de Deus, muitas mulheres sejam tão desvalorizadas, desprezadas e sujeitas a violências sem fim, disse o Pontífice tendo pouco antes afirmado que estamos habituados a usar a expressão “tráfico de pessoas”, mas que, na realidade, deveríamos falar de escravatura.

“Não se pode ‘olhar como normal’ a violência contra as mulheres, mantendo uma cultura machista que não aceita o papel de protagonista da mulher nas nossas comunidades. Não nos é lícito virar cara para o outro lado e deixar que tantas mulheres, especialmente adolescentes, sejam ‘espezinhadas’ na sua dignidade.”

 

Teto, trabalho e terra

Por fim, recordou que várias pessoas emigraram para a Amazônia à procura de teto, terra e trabalho. “Vieram à procura dum futuro melhor para elas mesmas e sua família. Abandonaram a sua vida humilde, pobre, mas digna. Muitas delas, com a promessa de que certos trabalhos poriam termo a situações precárias, basearam-se no brilho promissor da extração do ouro. Mas o ouro pode-se tornar num falso deus, que pretende sacrifícios humanos.”

“Os falsos deuses, os ídolos da avareza, do dinheiro, do poder corrompem tudo. Corrompem a pessoa e as instituições; e destroem também a floresta”, acrescentou.

Francisco deixou aos presentes uma veemente exortação:

“Encorajo-vos a continuar a organizar-vos em movimentos e comunidades de todos os tipos, para procurar superar estas situações; e também a organizar-vos, a partir da fé, como comunidades eclesiais que vivem ao redor da pessoa de Jesus.”

A corrupção é um “vírus social” na América Latina

O lema da viagem ao Peru, “Unidos pela esperança”, foi o tema do discurso que o Papa Francisco fez às autoridades no Palácio do Governo de Lima, em seu primeiro dia de atividades em solo peruano. “Olhar esta terra é, por si só, um motivo de esperança. Vocês possuem uma pluralidade cultural muito rica e cada vez mais interativa, que constitui a alma deste povo”, disse o Papa.

Os motivos de esperança são os jovens, presente mais vital que a sociedade possui, e o rosto de santidade do país. Francisco mencionou os Santos peruanos que abriram caminhos de fé para todo o continente americano, como S. Martinho de Porres.

Todavia, sobre esta esperança estende-se uma ameaça: o despojamento da terra dos recursos naturais, sem os quais nenhuma forma de vida é possível.

“Neste contexto, ‘unidos para defender a esperança’ significa fomentar e desenvolver uma ecologia integral. E isto exige escutar, reconhecer e respeitar as pessoas e os povos locais como válidos interlocutores.”

Para Francisco, a degradação do meio ambiente está intimamente ligada à degradação moral das comunidades. “Não podemos concebê-las como duas questões separadas.”

O Papa citou como exemplo as extrações minerárias irregulares e a devastação de florestas e rios com toda a sua riqueza. Como consequência, há o tráfico de seres humanos – nova forma de escravatura –, trabalho irregular e delinquência.

 

Vírus social

Porém, Francisco incluiu outra forma mais sutil de degradação ambiental que contamina progressivamente todo o tecido vital: a corrupção.

“Quanto mal faz, aos nossos povos latino-americanos e às democracias deste abençoado continente, este ‘vírus’ social! É um fenômeno que tudo infeta, sendo os pobres e a mãe-terra os mais prejudicados. Tudo o que se puder fazer para lutar contra este flagelo social merece a maior das considerações e cooperações; e esta luta pertence-nos a todos. ”

Portanto, ‘unidos para defender a esperança’ implica maior cultura da transparência entre entidades públicas, setor privado e sociedade civil. “Ninguém pode ficar alheio a este processo; a corrupção é evitável e exige o compromisso de todos.”

O Papa concluiu seu discurso exortando os que ocupam cargos de responsabilidade a trabalharem para que o Peru seja um espaço de esperança e oportunidades não só para poucos, mas para todos.

Neste esforço, Francisco renovou o compromisso da Igreja Católica, que acompanhou e acompanha a nação peruana para que continue a ser uma terra de esperança.

“Santa Rosa de Lima interceda por cada um de vocês e por esta abençoada nação. De novo, obrigado!”


ENCONTRO NO LAR “O PRINCIPEZINHO”

DISCURSO DO SANTO PADRE

Amados irmãos e irmãs,
Queridos meninos e meninas!

Muito obrigado por esta linda recepção e pelas palavras de boas-vindas. Ver-vos cantar e dançar enche-me de alegria.

Quando me referiram a existência deste Lar «O Principezinho» e da Fundação Apronia, pensei que não podia partir de Puerto Maldonado, sem vos saudar. Quisestes congregar-vos, vindos de diferentes casas, neste lindo Lar «O Principezinho». Obrigado pelos esforços que fizestes para estar aqui hoje.

Acabamos de celebrar o Natal. Enterneceu-nos o coração a imagem do Menino Jesus. Ele é o nosso tesouro, e vós meninos, sendo o seu reflexo, sois também o nosso tesouro, o tesouro de todos nós, o tesouro mais precioso de que devemos cuidar. Perdoai as vezes que nós, grandes, não o fazemos ou não vos damos a importância que vós mereceis. Quando fordes grandes, não vos esqueçais disto. O vosso olhar, a vossa vida requerem um compromisso e esforços sempre maiores para não ficarmos cegos ou indiferentes perante tantas outras crianças que sofrem e passam necessidade. Não há dúvida, vós sois o tesouro mais precioso de que devemos cuidar.

Queridos meninos do Lar «O Principezinho» e jovens dos outros centros de acolhimento! Às vezes, alguns de vós sentem-se tristes à noite, tendes saudade do pai ou da mãe que não estão convosco, e sei também que há feridas que doem muito. Dirsey, foste corajoso, ao partilhá-lo connosco. E dizias-me: «que a minha mensagem seja luz de esperança». Mas deixa-me dizer-te uma coisa: a tua vida, as tuas palavras e as de vós todos são luz de esperança. Quero agradecer-vos o vosso testemunho. Obrigado porque sois luz de esperança para todos nós.

Alegra-me ver que tendes um lar onde sois acolhidos, onde vos ajudam, com carinho e amizade, a descobrir que Deus vos segura nas suas mãos e coloca sonhos no vosso coração. É belo isto.

Como é belo o vosso testemunho de jovens que passastes por esta estrada, que ontem vos enchestes de amor nesta casa e hoje pudestes construir o vosso próprio futuro! Sois para todos nós o sinal das potencialidades imensas que cada pessoa tem. Para estes meninos e meninas, vós sois o melhor exemplo a seguir, a esperança de que também eles hão de conseguir. Todos nós precisamos de modelos para imitar; as crianças precisam de olhar em frente e encontrar modelos positivos: «quero ser – sentem e dizem – como ele, quero ser como ela». Tudo o que vós, jovens, puderdes fazer, como vir estar com eles, jogar, passar o tempo, é importante. Sede para eles, como dizia o «Principezinho», as estrelinhas que iluminam a noite.[1]

Alguns de vós, jovens que nos acompanhais, vindes das comunidades nativas. Vedes, com tristeza, a destruição das florestas. Os vossos avós ensinaram-vos a descobri-las: nelas encontravam o seu alimento e os remédios que os curavam: isto mesmo, o representastes, e bem, aqui ao princípio. Hoje, são devastadas na vertigem dum equivocado progresso. Os rios que acolheram os vossos jogos e vos deram comida, hoje estão sujos, poluídos, mortos. Jovens, não vos conformeis com o que está a acontecer. Não renuncieis à herança dos vossos avós, não renuncieis à vossa vida nem aos vossos sonhos. Gostaria de vos encorajar a estudar: preparai-vos, aproveitai as oportunidades que tendes para vos formar, esta oportunidade que vos dá a Fundação Apronia. O mundo precisa de vós, jovens dos povos nativos, e precisa de vós, não mascarados, mas assim como sois. Não mascarados como cidadãos doutro povo; isso não! É assim como sois, que precisamos de vós. Não vos conformeis com ser o vagão de cauda da sociedade, enganchados e deixando-se levar! Não, nunca sejais vagão de cauda, precisamos de vós como locomotiva, puxando. E recomendo-vos uma coisa: escutai os vossos avós, apreciai as vossas tradições, não reprimais a vossa curiosidade. Procurai as vossas raízes e, ao mesmo tempo, abri os olhos para a novidade; e, naturalmente, fazei a vossa própria síntese. Transmiti ao mundo o que aprendestes, porque o mundo precisa de vós originais, como realmente sois, não como imitações. Precisamos de vós autênticos, jovens orgulhosos de pertencer aos povos amazónicos e que oferecem à humanidade uma alternativa de vida autêntica. Amigos, muitas vezes, as nossas sociedades precisam de corrigir o rumo e estou certo de que vós, jovens dos povos nativos, podeis ajudar imenso neste desafio, sobretudo ensinando-nos um estilo de vida que se baseie no cuidado, e não na destruição, de tudo aquilo que se opõe à nossa ganância.

Outra coisa importante! Quero agradecer ao padre Xavier [Arbex de Morsier, fundador da Associação Apronia]. O padre Xavier sofreu muito… O que isto lhe custou! Simplesmente, obrigado! Obrigado pelo seu exemplo! Quero agradecer aos religiosos e religiosas, às missionárias leigas que realizam um trabalho fabuloso e a todos os benfeitores que formam esta família; aos voluntários que oferecem gratuitamente o seu tempo, que é como bálsamo refrescante nas feridas. Quero agradecer também a quantos fortalecem estes jovens na sua identidade amazónica e os ajudam a construir um futuro melhor para as vossas comunidades e para todo o planeta.

E agora, assim como estamos, fechemos os olhos e peçamos a Deus que nos dê a bênção:

Que o Senhor Se compadeça de vós e vos abençoe; faça brilhar sobre vós o seu rosto e vos acompanhe com a sua misericórdia e vos encha dos seus favores, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amen (cf. Nm 6, 24-26, Sal 66, Bênção I do Tempo Comum).

E peço-vos duas coisas: para rezardes por mim e para não vos esquecerdes de que vós sois as estrelinhas que iluminam a noite. Obrigado!

[1]Cf.Antoine de Saint-Exupéry, O Principezinho, XXIV; XXVI.
Puerto Maldonado – Hogar Principito
Sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Ser ricos de memória nos liberta de messianismos

Santiago (Chile ) -Após almoçar no Arcebispado de Trujillo e visitar a Catedral de Santa Maria, o Papa Francisco foi ao “Colégio Seminário” para encontrar os sacerdotes, religiosos, religiosas e seminaristas das Circunscrições eclesiásticas do norte do Peru. O Colégio tem 390 anos e é dedicado aos Santos Carlos e Marcelo. Fundado em 1625 como casa de formação para sacerdotes, atualmente é voltado à educação de jovens do primeiro e segundo grau.

Eis a íntegra do pronunciamento do Papa:

“Agradeço as palavras que D. José Antonio Eguren Anselmi, Arcebispo de Piura, me dirigiu em nome de todos os presentes.

Encontrar-me convosco, conhecer-vos, escutar-vos e manifestar o amor ao Senhor e à missão que nos deu, é importante. Sei do esforço que fizestes para estar aqui. Obrigado!

Acolhe-nos este Colégio-Seminário, um dos primeiros a ser fundados na América Latina para a formação de tantas gerações de evangelizadores. Estar aqui convosco é sentir que nos encontramos num desses «berços» que geraram tantos missionários. E não esqueço que esta terra viu morrer, quando andava em missão, São Toríbio de Mogrovejo, Patrono do Episcopado Latino-Americano.

Tudo nos leva a olhar para as nossas raízes, para o que nos sustenta no curso do tempo e da história para crescer rumo ao Alto e dar fruto. As nossas vocações sempre terão esta dupla dimensão: raízes na terra e coração no céu. Quando falta uma das duas, algo começa a correr mal e a nossa vida pouco a pouco definha (cf. Lc 13, 6-9).

Apraz-me salientar que a nossa fé, a nossa vocação é rica de memória, a dimensão deuteronómica da vida. Rica de memória, porque sabe reconhecer que nem a vida, nem a fé, nem a Igreja começaram com o nascimento de qualquer um de nós: a memória olha para o passado a fim de encontrar a seiva que, ao longo dos séculos, irrigou o coração dos discípulos e, assim, reconhece a passagem de Deus pela vida do seu povo. Memória da promessa que Ele fez aos nossos pais e que, perdurando viva no meio de nós, é causa da nossa alegria e nos faz cantar: «O Senhor fez por nós grandes coisas; por isso exultamos de alegria» (Sal 126/125, 3)

Gostaria de partilhar convosco algumas virtudes deste ser ricos de memória.

 

1. A consciência feliz de si

O Evangelho, que ouvimos, habitualmente lemo-lo em chave vocacional, pelo que nos detemos no encontro dos discípulos com Jesus. Preferiria, porém, fixar-me em João Batista. Estava com dois dos seus discípulos e, quando viu Jesus passar, disse-lhes: «Eis o Cordeiro de Deus» (Jo 1, 36); eles, ao ouvir isto, deixaram João e seguiram Jesus (cf. 1, 37).

Isto é surpreendente! Estiveram com João, sabiam que era um homem bom; antes, o maior dentre os nascidos de mulher, como Jesus o define (cf. Mt 11, 11), mas não era aquele que devia vir. Também João esperava outro maior do que ele. João sabia claramente que não era o Messias, mas simplesmente aquele que O anunciava. João era o homem rico de memória da promessa e da sua própria história.
João manifesta a consciência do discípulo que sabe que não é, nem nunca será o Messias, mas apenas um chamado a indicar a passagem do Senhor pela vida do seu povo. Nós, consagrados, não estamos chamados a suplantar o Senhor, nem com as nossas obras, nem com as nossas missões, nem com as intermináveis atividades que temos de fazer.

Simplesmente nos é pedido para trabalhar com o Senhor, lado a lado, mas sem nunca esquecer que não ocupamos o seu lugar. Isto não nos faz esmorecer na tarefa evangelizadora; antes, pelo contrário, impele-nos e exige que trabalhemos, lembrando que somos discípulos do único Mestre. O discípulo sabe que secunda, e sempre secundará, o Mestre. Esta é a fonte da nossa alegria.

Faz-nos bem saber que não somos o Messias! Liberta de nos crermos muito importantes, muito ocupados (é típico ouvir em algumas regiões: «Não, a essa paróquia não vás, porque o padre está sempre muito ocupado»). João Batista sabia que a sua missão era indicar a estrada, iniciar processos, abrir espaços, anunciar que o portador do Espírito de Deus era Outro. Ser ricos de memória liberta-nos da tentação dos messianismos.

Esta tentação combate-se de muitas maneiras, incluindo com o riso. Sim, aprender a rir-se de si mesmo dá-nos a capacidade espiritual de estar diante do Senhor com os nossos próprios limites, erros e pecados, mas também com os próprios sucessos, e com a alegria de saber que Ele está ao nosso lado.

Um bom teste espiritual é interrogarmo-nos sobre a capacidade que temos de rir de nós mesmos. O riso salva-nos do neopelagianismo «autorreferencial e prometeico de quem, no fundo, só confia nas suas próprias forças e se sente superior aos outros».

Irmãos, ride em comunidade, mas não da comunidade nem dos outros! Tenhamos cuidado com as pessoas tão importantes, que se esqueceram como se faz na vida para sorrir.

 

2. A hora do chamado

João evangelista até refere, no seu Evangelho, a hora daquele momento que mudou a sua vida: «Eram as quatro da tarde» (1, 39). O encontro com Jesus muda a vida, estabelece um antes e um depois. Faz-nos bem lembrar sempre aquela hora, aquele dia-chave para cada um de nós, no qual nos demos conta que o Senhor esperava algo mais. A memória daquela hora, em que fomos tocados pelo seu olhar.

Sempre que nos esquecemos desta hora, esquecemo-nos das nossas origens, das nossas raízes; e, perdendo estas coordenadas fundamentais, pomos de parte a coisa mais preciosa que uma pessoa consagrada pode ter: o olhar do Senhor. Talvez não estejas contente com o lugar onde te encontrou o Senhor, talvez não seja adequado a uma situação ideal ou «mais do teu gosto».

Mas foi lá onde te encontrou e curou as tuas feridas. Cada um de nós conhece onde e quando: talvez um momento de situações complexas, de situações dolorosas, sim; mas foi lá que te encontrou o Deus da Vida para tornar-te testemunha da sua Vida, para fazer-te participante da sua missão e ser, com Ele, carícia de Deus para muitos.

Faz-nos bem recordar que as nossas vocações são uma chamada de amor para amar, para servir. Se o Senhor Se enamorou de vós e vos escolheu, não foi porque éreis mais numerosos do que os outros – de facto, sois o povo mais pequeno – mas por puro amor (cf. Dt 7, 7-8). Amor entranhado, amor de misericórdia que comove as nossas entranhas para ir servir aos outros com o estilo de Jesus Cristo.

Gostaria de me deter num aspeto que considero importante. Em muitos de nós, a formação que tínhamos, no momento de entrar no Seminário ou na Casa de Formação, era a fé das nossas famílias e vizinhos. Foi assim que demos os nossos primeiros passos, apoiados não raro nas manifestações de piedade popular, que, no Perú, adquiriram as formas mais estupendas e um grande enraizamento no povo fiel e simples.

O vosso povo demonstra um carinho imenso a Jesus Cristo, a Nossa Senhora e aos Santos e Beatos, com tantas devoções que nem me atrevo sequer a nomear com medo de deixar alguma de lado. Nesses santuários, «muitos peregrinos tomam decisões que marcam suas vidas. As paredes [deles] contêm muitas histórias de conversão, de perdão e de dons recebidos que milhões poderiam contar». Inclusive muitas das vossas vocações podem estar gravadas naquelas paredes.

Exorto-vos a não esquecer, e muito menos desprezar, a fé simples e fiel do vosso povo. Sabei acolher, acompanhar e estimular o encontro com o Senhor. Não vos transformeis em profissionais do sagrado que se esquecem do seu povo, donde vos tirou o Senhor. Não percais a memória e o respeito por quem vos ensinou a rezar.

Recordar a hora da chamada, conservar memória feliz da passagem de Jesus Cristo pela nossa vida, ajudar-nos-á a dizer aquela bela oração de São Francisco Solano, grande pregador e amigo dos pobres: «Meu bom Jesus, meu Redentor e amigo, que tenho eu que Tu não me tenhas dado? Que sei eu que Tu não me tenhas ensinado?»

Assim, o religioso, o sacerdote, a consagrada, o consagrado é uma pessoa rica de memória, alegre e agradecida: trinómio a fixar e manter como «armas» contra todo o «disfarce» vocacional. A consciência agradecida alarga o coração e estimula-nos para o serviço.

Sem gratidão, podemos ser bons executores do sagrado, mas faltar-nos-á a unção do Espírito para nos tornarmos servidores dos nossos irmãos, especialmente dos mais pobres. O povo fiel de Deus tem olfato e sabe distinguir entre o funcionário do sagrado e o servidor agradecido. Sabe distinguir entre quem é rico de memória e quem é desmemoriado. O povo de Deus sabe suportar, mas reconhece quem o serve e cura com o óleo da alegria e da gratidão.

 

3. A alegria contagiante

André era um dos discípulos de João Batista que seguira Jesus naquele dia. Depois de ter estado com Ele e ter visto onde morava, voltou para casa de seu irmão Simão Pedro e disse-lhe: «Encontramos o Messias!» (Jo 1, 41). Esta é a maior notícia que lhe podia dar, e levou-o a Jesus. A fé em Jesus é contagiosa, não pode esconder-se nem fechar-se; aqui se vê a fecundidade do testemunho: os discípulos recém-chamados, por sua vez, atraem outros mediante o seu testemunho de fé; e – como vemos na passagem evangélica – Jesus chama-nos por meio de outros.

A missão brota espontaneamente do encontro com Cristo. André começa o seu apostolado pelos mais próximos, pelo seu irmão Simão, quase como algo natural, irradiando alegria. Este é o melhor sinal de que «descobrimos» o Messias. A alegria é uma constante no coração dos apóstolos; vemo-la na força com que André confidencia ao seu irmão: «Encontramo-Lo!» Pois «a alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria».

Esta alegria abre-nos aos outros, é alegria para ser transmitida. No mundo fragmentado onde nos é concedido viver e que nos impele a isolar-nos, somos desafiados a ser artífices e profetas de comunidade. Porque ninguém se salva sozinho. E gostaria de ser claro nisto.

A fragmentação ou o isolamento não é algo que acontece «fora», como se fosse apenas um problema do «mundo». Irmãos, as divisões, as guerras, os isolamentos, vivemo-los também dentro das nossas comunidades. E quanto mal nos faz! Jesus envia-nos a ser portadores de comunhão, de unidade; mas, muitas vezes, parece que o fazemos desunidos e, o que é pior, muitas vezes fazendo o outro tropeçar.

É-nos pedido para sermos artífices de comunhão e unidade, o que não equivale a pensar todos do mesmo modo, a fazer todos as mesmas coisas. Significa apreciar as várias contribuições, as diferenças, o dom dos carismas dentro da Igreja, sabendo que cada um, a partir da sua especificidade, dá a própria contribuição, mas precisa dos outros. Só o Senhor tem a plenitude dos dons, só Ele é o Messias.

E quis distribuir os seus dons de tal maneira que todos possamos dar o nosso, enriquecendo-nos com o dos outros. É preciso defender-se da tentação do «filho único», que quer tudo para si, porque não tem com quem partilhar. Àqueles que devem exercer encargos no serviço da autoridade, peço, por favor, que não se tornem autorreferenciais; procurai cuidar dos vossos irmãos, fazei com que estejam bem, porque o bem é contagioso.

Não caiamos na armadilha duma autoridade que se transforma em autoritarismo, esquecendo que, antes de tudo, é uma missão de serviço.

Queridos irmãos, mais uma vez obrigado! E que esta memória deuteronómica nos torne mais alegres e agradecidos por sermos servidores de unidade no meio do nosso povo.

Que o Senhor vos abençoe e a Virgem Santa vos proteja. E não vos esqueçais de rezar por mim”.

 


CRISTO É A MELHOR SOLUÇÃO PARA TEMPESTADES DA VIDA

Na manhã deste sábado, o Papa Francisco percorreu mais 500 km, desta vez em direção ao norte do país, à cidade de Trujillo. Trujillo, localizado na costa do Pacífico, é conhecido como “cidade da eterna primavera”, com quase 500 anos de história. A cidade, que já foi a capital do país, aparece nas crônicas por sofrer com fortes chuvas de janeiro a março. No ano passado, o “El Niño” deixou milhares de desabrigados.

“Estas terras têm o sabor do Evangelho”, disse o Papa na homilia ao celebrar a missa na esplanada de Huanchaco.

Força da natureza

“Todo o ambiente que nos rodeia, tendo como pano de fundo este mar imenso, ajuda-nos a compreender melhor a experiência que os apóstolos viveram com Jesus e que também nós, hoje, somos chamados a viver.”

Assim como os discípulos, também hoje muitos moradores da região ganham a vida com a pesca. E assim como os apóstolos, conhecem bem a força da natureza. Francisco mencionou o fenômeno “Niño costiero, cujas dolorosas consequências ainda se fazem sentir em tantas famílias. Foi por isso também que quis vir e rezar aqui com vocês”.

O Papa comentou o Evangelho das dez virgens, que ouvem um grito que as acorda e se põem em movimento.

“Sei que no momento da escuridão quando sentiram o ‘Niño’, estas terras souberam pôr-se em movimento e tinham o azeite para correr e ajudar-se como verdadeiros irmãos. Havia o azeite da solidariedade, da generosidade”, afirmou.

 

Força divina

Para Francisco, a alma de uma comunidade se mede pelo modo como consegue unir-se para enfrentar os momentos difíceis, de adversidade, para manter viva a esperança. Além das tempestades, outras tormentas castigam as costas peruanas, como a violência organizada e a insegurança; a falta de oportunidades educativas e laborais, especialmente para os mais jovens.

Para enfrentar estas tempestades, disse o Papa, “quero dizer que não existe solução melhor que a do Evangelho: chama-se Jesus Cristo. Encham sempre a vida de Evangelho”.

“Ele transforma tudo, renova tudo, consola tudo. Em Jesus, temos a força do Espírito para não aceitar como normal o que nos prejudica, o que nos definha o espírito e – o que é pior – nos rouba a esperança.”

Francisco concluiu ressaltando a devoção do povo de Trujillo pela Virgem de la Puerta: “Peçamos a Ela que nos coloque sob o seu manto e sempre nos leve ao seu Filho; mas digamos cantando este lindo cântico marino: ‘Virgenzinha da porta, dá-me a tua bênção. Virgenzinha da porta, dá-nos paz e muito amor’”.

Papa pede para lutar contra o feminicídio no Continente

Após o encontro com Sacerdotes, Religiosos, Religiosas e Seminaristas no Seminário dos Santos Carlos e Marcelo, o Papa Francisco dirigiu-se à Plaza de Armas, centro de Trujillo, também conhecida como Plaza Mayor, para a celebração mariana “Virgen de la Puerta”.

Após pronunciar-se aos mais de 30 mil presentes, o Papa fez uma homenagem a Virgem enquanto eram cantadas Ladainhas a Mãe de Deus de S. Toribio de Mongrovejo e crianças levavam flores e velas.

Eis a íntegra de seu pronunciamento:

“Queridos irmãos e irmãs!

Agradeço a D. Héctor Miguel as suas palavras de boas-vindas, em nome de todo o Povo de Deus que peregrina nestas terras.

Nesta linda e histórica praça de Trujillo, que soube suscitar sonhos de liberdade em todos os peruanos, congregamo-nos hoje para encontrar-nos com a «Mamita de Otuzco [Mãezinha de Otuzco]». Tenho conhecimento dos muitos quilómetros que tantos de vós fizestes para estar aqui hoje, reunidos sob o olhar da Mãe.

Assim, esta praça transforma-se num santuário a céu aberto no qual todos queremos deixar-nos olhar pela Mãe, pelo seu olhar materno e amável. Mãe que conhece o coração dos peruanos do norte e de tantos outros lugares; viu as suas lágrimas, os seus sorrisos, as suas aspirações.

Nesta praça, queremos fazer tesouro da memória dum povo que sabe que Maria é Mãe e não abandona os seus filhos.

A casa veste-se de festa duma maneira especial. Acompanham-nos as imagens vindas dos diferentes cantos desta região. Juntamente com a querida Imaculada Virgem da Porta de Otuzco, saúdo e dou as boas-vindas à Santíssima Cruz de Chalpón de Chiclayo, ao Senhor Prisioneiro de Ayabaca, à Virgem das Mercês de Paita, ao Deus Menino do Milagre de Eten, à Virgem das Dores de Cajamarca, à Virgem da Assunção de Cutervo, à Imaculada Conceição de Chota, a Nossa Senhora de Alta Graça de Huamachuco, a São Toríbio de Mogrovejo de Tayabamba (Huamachuco), à Virgem Assunta de Chachapoyas, à Virgem da Assunção de Usquil, à Virgem do Socorro de Huanchoco, às Relíquias dos Mártires Conventuais de Chimbote.

Cada comunidade, cada cantinho desta terra, vem acompanhado pelo rosto dum Santo, pelo amor a Jesus Cristo e à sua Mãe. E pensar que, onde há uma comunidade, onde há vida e corações palpitando ansiosos por encontrar motivos de esperança, motivos para o canto, para a dança, para uma vida digna…, lá está o Senhor, lá encontramos sua Mãe e também o exemplo de muitos Santos que nos ajudam a permanecer alegres na esperança.

Convosco dou graças pela delicadeza do nosso Deus. Ele procura aproximar-Se de cada um segundo a modalidade em que O pode acolher e, assim, nascem as mais diferentes invocações. Expressam o desejo que tem o nosso Deus de estar perto de cada coração, porque a linguagem do amor de Deus sempre se pronuncia «em dialeto», não conhece outra forma de o fazer.

Além disso é motivo de esperança ver como a Mãe assume os traços dos filhos, as vestes, o dialeto dos seus, para os tornar participantes da sua bênção. Maria será sempre uma Mãe mestiça, porque no seu coração encontram lugar todas as raças, porque o amor procura todos os meios para amar e ser amado. Todas estas imagens recordam-nos a ternura com que Deus quer estar perto de cada aldeia, de cada família, de ti, de mim, de todos.

Sei do amor que tendes à Imaculada Virgem da Porta de Otuzco, que hoje, juntamente convosco, desejo proclamar Virgem da Porta, «Mãe da Misericórdia e da Esperança».

 

Virgem querida, que, nos séculos passados, demonstrou o seu amor pelos filhos desta terra, quando, colocada por cima duma porta, os defendeu e protegeu das ameaças que os afligiam, suscitando o amor de todos os peruanos até aos nossos dias.

Ela continua a defender-nos e a indicar-nos a Porta que nos abre o caminho para a vida autêntica, a Vida que não definha. Ela é a única que sabe acompanhar, um a um, os seus filhos para voltarem a casa. Acompanha-nos e conduz-nos até à Porta que dá Vida, porque Jesus não quer que alguém fique fora, sob as intempéries. Assim acompanha «a saudade que muitos sentem de regressar à casa do Pai, que aguarda a sua chegada» e muitas vezes não sabem como regressar.

Como dizia São Bernardo: «Tu que te sentes longe da terra firme, arrastado pelas ondas deste mundo, no meio de borrascas e tempestades: olha a Estrela e invoca Maria». Ela indica-nos o caminho para casa, leva-nos a Jesus, que é a Porta da Misericórdia.

Em 2015-2016, tivemos a alegria de celebrar o Jubileu da Misericórdia. Um ano em que convidei todos os fiéis a passar pela Porta da Misericórdia, através da qual «qualquer pessoa que entre poderá experimentar o amor de Deus que consola, perdoa e dá esperança». E quero repetir, juntamente convosco, o mesmo desejo que tinha então: «Quanto desejo que os anos futuros sejam permeados de misericórdia para ir ao encontro de todas as pessoas levando-lhes a bondade e a ternura de Deus!»

Quanto desejo que esta terra, que alberga a Mãe da Misericórdia e da Esperança, possa difundir levando a toda a parte a bondade e a ternura de Deus. Com efeito, queridos irmãos, não há um remédio melhor para curar tantas feridas do que um coração capaz de misericórdia, um coração capaz de ter compaixão perante o sofrimento e a desgraça, perante o erro e a vontade de se levantar de muitos, que frequentemente não sabem como fazê-lo.

A compaixão é ativa, porque «aprendemos que Deus Se inclina sobre nós (cf. Os 11, 4), para que também nós possamos imitá-Lo inclinando-nos sobre os irmãos»; inclinando-nos especialmente sobre aqueles que mais sofrem. À semelhança de Maria, estar atentos àqueles que não têm o vinho da alegria, como sucedeu nas Bodas de Caná.

 

Olhando para Maria, não queria concluir sem vos convidar a pensar em todas as mães e avós desta nação; são verdadeira força motriz da vida e das famílias do Perú. Que seria o Perú sem as mães e as avós? Que seria a nossa vida sem elas?

O amor a Maria tem que nos ajudar a gerar atitudes de reconhecimento e gratidão para com a mulher, para com as nossas mães e avós que são um baluarte na vida das nossas cidades. Quase sempre silenciosas, fazem avançar a vida. É o silêncio e a força da esperança. Obrigado pelo vosso testemunho.

Reconhecer e agradecer… Mas, olhando para as mães e as avós, quero convidar-vos a lutar contra uma praga que fere o nosso continente americano: os numerosos casos de feminicídio. E muitas são as situações de violência que ficam silenciadas por trás de tantas paredes. Convido-vos a lutar contra esta fonte de sofrimento, pedindo que se promova uma legislação e uma cultura de repúdio a todas as formas de violência.

Irmãos, a Virgem da Porta, Mãe da Misericórdia e da Esperança, mostra-nos o caminho e indica-nos a melhor defesa contra o mal da indiferença e do endurecimento. Ela leva-nos ao seu Filho e, assim, nos convida a promover e irradiar uma «cultura de misericórdia, com base na redescoberta do encontro com os outros: uma cultura na qual ninguém olhe para o outro com indiferença, nem vire a cara quando vê o sofrimento dos irmãos».”

Não se pode usar ‘photoshop’ no coração

O Papa Francisco rezou neste domingo a tradicional oração do Angelus com os jovens na Praça das Armas, em Lima. Do balcão do Arcebispado diante de uma praça repleta de jovens Francisco expressou sua alegria por poder se encontrar com eles afirmando que esses encontros são sempre muito importantes, mas mais ainda neste ano em que “nos preparamos para o Sínodo sobre os jovens”.

“Os seus rostos, as suas aspirações, a sua vida são importantes para a Igreja: devemos dar-lhes a importância que merecem e ter a coragem que demonstraram muitos jovens desta terra que não tiveram medo de amar e apostar em Jesus”.

Em seguida recordou os muitos exemplos como o de São Martinho de Porres que nada impediu a ele de realizar os seus sonhos, gastar a sua vida pelos outros e de amar, “porque – disse Francisco -, tinha experimentado que o Senhor o amara primeiro”.

Recordou que ele mulato com muitas privações, aos olhos humanos soube fazer algo que se tornaria o segredo da sua vida: ter confiança. Teve confiança no Senhor que o amava.

Há momentos em que vocês podem pensar que não poderão realizar os desejos de sua vida, seus sonhos, continuou o Papa. Todos passamos por situações como estas.

“Queridos amigos, nesses momentos em que parece apagar-se a fé, não se esqueçam que Jesus está ao seu lado. Não se deixem vencer, não percam a esperança! Não se esqueçam dos Santos, que nos acompanham do céu; recorram a eles, rezem e não se cansem de pedir a sua intercessão. Os Santos de ontem, mas também os de hoje”.

Francisco disse ainda aos jovens que busquem ajuda e conselho de pessoas que vocês sabem serem boas para lhes aconselhar, porque os seus rostos manifestam alegria e paz. Deixem-se acompanhar por elas e, assim, avancem pelo caminho da vida.

“ Jesus – disse o Papa – quer ver você em movimento; quer ver você levar adiante os seus ideais e que você se decida a seguir as suas instruções. ”

“Jesus conta com você, como fez, há muito tempo, com Santa Rosa de Lima, São Toríbio, São João Macías, São Francisco Solano e muitos outros. Você está disposto a segui-Lo? Está disposto a deixar-se impelir pelo seu Espírito, para tornar presente o seu Reino de justiça e amor?”

Jesus disse ainda Francisco olha para vocês com esperança, nunca desanima a nosso respeito. Mas nós talvez sim, talvez possamos desanimar de nós mesmos ou dos outros.

O Pontífice em seguida afirmou que é muito belo ver fotos retocadas digitalmente, mas isso serve só para as fotografias, não podemos fazer o «photoshop» aos outros, à realidade, a nós próprios. Os filtros coloridos e a alta definição funcionam bem apenas nos vídeos; nunca podemos aplicá-los aos amigos. Há fotos que são muito lindas, mas estão todas maquiladas; o coração não se pode «photoshopear», porque é nele onde se joga o amor verdadeiro; nele joga-se a felicidade.

Jesus não quer que «maquilhem» o seu coração. Ele ama você assim como você é e tem um sonho para realizar com cada um de vocês. Não se esqueçam: Ele não desanima de nós.

E se vocês desanimarem, – disse o Santo Padre – convido-os a pegar a Bíblia e recordar os amigos que Deus Se escolheu. Entre eles o Papa recordou Moisés, que era tartamudo; Abraão, um idoso; Jeremias, muito jovem; Zaqueu, de baixa estatura; Pedro renegou-O… e poderíamos continuar a lista. Que desculpa queremos encontrar?

Quando Jesus nos olha, não pensa quão perfeitos somos, mas em todo o amor que temos no coração para oferecer aos outros e servi-los. Para Ele, o importante é isto e sempre vai insistir no mesmo.

 

“Não Se fixa na sua altura, se tens dificuldade em falar ou não, se adormeces ao rezar, se você é muito jovem ou uma pessoa idosa. A única pergunta é: você quer seguir-Me e ser meu discípulo? Não perca tempo em mascarar o seu coração; encha a sua vida do Espírito!” Ele não se cansa de esperar para nos dar o seu Espírito.

Queridos jovens! Concluiu o Papa: na minha oração, coloco toso vocês nas mãos de Nossa Senhora. Tenham a certeza de que Ela os acompanhará em todos os momentos de suas vidas, em todas as encruzilhadas dos seus caminhos, sobretudo quando tiverem de tomar decisões importantes. Lá estará Ela, como boa Mãe, encorajando-os, apoiando-os para que vocês não desanimem. Não deixem de rezar, não deixem de pedir, não deixem de ter confiança na sua proteção materna.

Antes de rezar o Angelus o Papa dirigiu o seu pensamento à República Democrática do Congo.

“Notícias preocupantes chegam da “República Democrática do Congo: peço a todos os responsáveis que se empenhem ao máximo para deter toda forma de violência e encontrar uma solução baseada no diálogo”.


São Toríbio inspira reflexão do Papa aos bispos: trabalhem pela unidade

São Toríbio quis chegar à outra margem em busca dos afastados, à outra margem da caridade, à outra margem da unidade, à outra margem na formação de seus sacerdotes, à outra margem não só geográfica, mas cultural.
Cidade do Vaticano

“São Toríbio, o homem que soube chegar à outra margem”. O Papa Francisco inspirou sua reflexão aos bispos peruanos reunidos da sede do Arcebispado em Lima, ao Patrono do Episcopado Latino-americano, São Toríbio de Mogrovejo, “exemplo de construtor de unidade eclesial”, “deixou terreno seguro para penetrar num universo totalmente novo, desconhecido e cheio de desafios”

Francisco recordou o quadro conservado no Vaticano onde aparece São Toríbio atravessando um rio caudaloso, cujas águas se abrem à sua passagem, “como se fosse o Mar Vermelho, para que ele possa chegar à outra margem onde o aguarda um numeroso grupo de indígenas”. Atrás dele, “uma grande multidão de pessoas que segue o seu pastor da obra da evangelização”:

“1. Quis chegar à outra margem em busca dos afastados e dispersos. Para isso, teve que deixar as comodidades do paço episcopal para percorrer o território, que lhe estava confiado, em contínuas visitas pastorais, procurando chegar e estar onde necessitavam dele e quanto necessitavam dele! Ia ao encontro de todos por caminhos que, nas palavras do secretário, eram mais para cabras do que para pessoas. Tinha que enfrentar os mais variados climas e ambientes; «de vinte e dois anos de episcopado, dezoito passou-os fora da sua cidade, percorrendo por três vezes o seu território».

Sabia que esta era a única forma de pastorear: estar perto oferecendo os dons de Deus; uma exortação que ele fazia continuamente também aos seus presbíteros. E não se limitava a fazê-lo com palavras, mas com o seu testemunho, apresentando-se ele mesmo na primeira linha da evangelização. Hoje chamá-lo-íamos um bispo «de estrada». Um bispo com as solas consumadas pelo muito andar, por se mover, por sair ao encontro dos outros para «anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnâncias e sem medo.

A alegria do Evangelho é para todo o povo, não se pode excluir ninguém». Bem o sabia São Toríbio! Sem medo nem repugnância, penetrou no nosso continente para anunciar a Boa Nova.

2. Quis chegar à outra margem não só geográfica mas cultural. Por isso promoveu, de muitos modos, uma evangelização na língua nativa. Com o III Concílio Limense, procurou que os catecismos fossem feitos e traduzidos em quechua e aymara. Incitou o clero a estudar e conhecer a língua dos seus fiéis, para poderem administrar-lhes os Sacramentos de forma compreensível. Visitando e vivendo com o seu povo, deu-se conta de que não bastava alcançá-lo apenas fisicamente, mas era necessário aprender a falar a língua dos outros: só assim é que o Evangelho poderia ser compreendido e penetrar nos corações.

Como é urgente esta visão para nós, pastores do século XXI, que – só para dar um exemplo – temos de aprender uma linguagem completamente nova, como é a digital! Conhecer a linguagem atual dos nossos jovens, das nossas famílias, das crianças… Como justamente viu São Toríbio, não é suficiente chegar a um lugar e ocupar um território, é necessário poder suscitar processos na vida das pessoas, para que a fé ganhe raízes e seja significativa. E, para isso, devemos falar a língua delas.

É preciso chegar onde se geram os novos temas e paradigmas, alcançar com a Palavra de Jesus os núcleos mais profundos da alma das nossas cidades e dos nossos povos. A evangelização da cultura requer que entremos no coração da própria cultura, para que esta seja iluminada a partir de dentro pelo Evangelho.

 

3. Quis chegar à outra margem da caridade. Segundo o nosso Patrono, a evangelização não poderia acontecer sem a caridade. Porque sabia que a forma mais sublime da evangelização era plasmar na própria vida a doação de Jesus Cristo por amor a cada homem. Nisto se distinguem os filhos de Deus e os filhos do diabo: todo aquele que não pratica a justiça não é de Deus, nem aquele que não ama o seu irmão (cf. 1 Jo 3, 10).

Nas suas visitas, pôde constatar os abusos e excessos que sofriam as populações nativas, não hesitando, em 1585, a excomungar o governador de Cajatambo, enfrentando todo um sistema de corrupção e uma rede de interesses, o que «lhe acarretou a inimizade de muitos», incluindo do Vice-rei. Deste modo se nos apresenta como o pastor ciente de que o bem espiritual nunca se pode separar do justo bem material e, menos ainda, quando se põem em risco a integridade e a dignidade das pessoas.

Profecia episcopal que não tem medo de denunciar os abusos e excessos cometidos contra o seu povo. E assim consegue lembrar no seio da sociedade e das comunidades que a caridade deve ser sempre acompanhada pela justiça, e não há autêntica evangelização que não anuncie e denuncie toda a falta contra a vida dos nossos irmãos, especialmente dos mais vulneráveis.

4. Quis chegar à outra margem na formação dos seus sacerdotes. Fundou o primeiro Seminário depois do Concílio [de Trento] nesta área do mundo, promovendo assim a formação do clero nativo. Compreendeu que não bastava chegar a todos os lugares e falar a mesma língua; era necessário que a Igreja pudesse gerar os seus próprios pastores locais, tornando-se assim mãe fecunda.

Por isso, quando ainda se discutia muito sobre a mesma, defendeu a Ordenação de padres mestiços, procurando favorecer e estimular a santidade dos seus pastores, pois se o clero se devesse diferenciar em algo, que fosse pela santidade de vida e não pela origem étnica. E esta formação não se limitava apenas aos estudos no Seminário, mas prosseguia nas visitas contínuas que lhes fazia. Assim podia, em primeira mão, dar-se conta do «estado dos seus padres», cuidando deles.

Conta-se que, nas vésperas do Natal, a sua irmã lhe ofereceu uma camisa para a estrear nas festas. Nesse mesmo dia, ele foi visitar um pároco e, ao ver as condições em que vivia, pegou naquela camisa e deu-lha. É o pastor que conhece os seus sacerdotes. Procura ir ter com eles, acompanhá-los, encorajá-los, admoestá-los: lembrava aos seus padres que eram pastores e não comerciantes e, por conseguinte, deveriam cuidar e defender os indígenas como se fossem filhos.[7] Mas não o fazia «sentado à escrivania», e assim pôde conhecer as suas ovelhas e estas reconhecerem, na voz dele, a voz do Bom Pastor.

5. Quis chegar à outra margem: a da unidade. Promoveu de maneira admirável e profética a formação e integração de espaços de comunhão e participação entre as várias componentes do povo de Deus. Assim o realçou São João Paulo II quando nestas terras, dirigindo-se aos bispos, lhes disse: «O III Concílio Limense é o resultado desse esforço presidido, encorajado e dirigido por São Toríbio, e que frutificou num precioso tesouro de unidade na fé, de normas pastorais e de organização, ao mesmo tempo que em válidas inspirações para a desejada integração latino-americana».

Bem sabemos que esta unidade e este consenso foram precedidos de grandes tensões e conflitos. Não podemos negar as tensões, as diferenças; é impossível uma vida sem conflitos. Estes exigem de nós – se somos homens e cristãos – que os enfrentemos e aceitemos. Mas, aceitá-los em unidade, em diálogo honesto e sincero, olhos nos olhos e evitando cair numa destas tentações: ignorar o que aconteceu ou então ficar prisioneiros e sem horizontes que permitam encontrar caminhos que sejam de unidade e de vida.

Serve de inspiração, no nosso caminho de Conferência Episcopal, recordar que a unidade sempre prevalecerá sobre o conflito. Queridos irmãos, trabalhai pela unidade, não fiqueis prisioneiros de divisões que reduzem e limitam a vocação a que fomos chamados: ser sacramento de comunhão. Não vos esqueçais do que atraía na Igreja primitiva: era ver como eles se amavam. Essa foi, é e será a melhor evangelização.

Para São Toríbio chegou o momento de partir para a margem definitiva, para aquela terra que o esperava e que ele ia saboreando no seu contínuo deixar a margem. Esta nova partida, não a fez sozinho. Como no quadro de que vos falei ao início, ia ao encontro dos Santos, seguido por uma grande multidão atrás dele. É o pastor que soube encher «a sua mala» de rostos e nomes.

Estes eram o passaporte dele para o céu. Por isso não quero omitir a nota final, o momento em que o pastor entregava a sua alma a Deus. Fê-lo unido ao seu povo, enquanto um aborígene tocava para ele a flauta para que a alma do seu pastor se sentisse em paz. Quem dera, irmãos, que pudéssemos viver estas coisas, quando tivermos que realizar a última viagem. Peçamos ao Senhor que no-lo conceda.

E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim.”

Depois de seu discurso lido, o Papa começou a falar de forma espontânea ao episcopado.


ORAÇÃO DO SANTO PADRE DIANTE DAS RELÍQUIAS DOS SANTOS PERUANOS

Após a Oração da Hora Média com as Religiosas de vida contemplativa no Santuário do Senhor dos Milagres, o Papa Francisco se dirigiu para a Catedral Basílica de Lima dedicada a São João Apóstolo e Evangelista.

A Catedral está localizada no centro histórico de Lima, diante da Plaza Mayor. A sua origem remonta a 1535 quando o conquistador Francisco Pizarro colocou a primeira pedra daquela que deveria ser a igreja mãe da cidade. Foi inaugurada pelo próprio Pizarro em 1540. A construção inicialmente era dedicada a Assunção de Nossa Senhora. A nova dedicação a São João foi decidida quando a igreja se tornou catedral.

No interior da Catedral o Santo Padre se deteve em oração diante das Relíquias dos Santos peruanos.

Presentes na Catedral Basílica cerca de 2.500 pessoas entre sacerdotes, religiosos, seminaristas, membros de movimentos eclesiais e agentes de pastoral.

Após alguns momentos em silêncio diante do altar com as Relíquias dos Santos peruanos o Papa fez uma oração junto com os presentes:

Deus e Pai nosso,
que, por meio de Jesus Cristo,
instituístes a Igreja
sobre o fundamento dos Apóstolos,
para, guiada pelo Espírito Santo,
ser no mundo sinal e instrumento
do vosso amor misericordioso,
nós Vos damos graças pelos dons
que concedestes à nossa Igreja em Lima.

Agradecemo-Vos, de forma especial,
a santidade florescida na nossa terra.
A nossa Igreja arquidiocesana,
fecundada pelo trabalho apostólico
de São Toríbio de Mogrovejo;
engrandecida pela oração,
pela penitência e pela caridade
de Santa Rosa de Lima e São Martinho de Porres;
enriquecida pelo zelo missionário
de São Francisco Solano
e pelo serviço humilde de São João Macías;
abençoada pelo testemunho de vida cristã
doutros irmãos fiéis ao Evangelho,
agradece a vossa ação na nossa história
e suplica-Vos a graça de ser fiel à herança recebida.

Ajudai-nos a ser Igreja em saída,
aproximando-nos de todos,
especialmente dos menos favorecidos;
ensinai-nos a ser discípulos missionários
de Jesus Cristo, o Senhor dos Milagres,
vivendo o amor, procurando a unidade
e praticando a misericórdia,
para que, protegidos pela intercessão
de Nossa Senhora da Evangelização,
vivamos e anunciemos ao mundo
a alegria do Evangelho.

Papa se despede do Peru: “Levo vocês no coração”

Na conclusão da Santa Missa na Base Aérea Las Palmas, antes de deixar o Peru, o Papa Francisco fez o seu último discurso em terras peruanas. O Santo Padre, agradeceu as palavras do cardeal Juan Luis Cipriani, Arcebispo de Lima, proferidas momentos antes, agradeceu aos bispos pela presença e a todos que fizeram com que esta visita deixasse uma marca indelével no seu coração.

Um agradecimento também a todos aqueles que tornaram possível esta viagem, em primeiro lugar, ao Senhor Presidente Pedro Pablo Kuczynski, às autoridades civis, aos milhares de voluntários que, com o seu trabalho silencioso e abnegado como “formiguinhas”, contribuíram para que tudo se realizasse. Fez-me bem encontrar-me com vocês. Obrigado!

Francisco recordou que iniciou a sua peregrinação, afirmando que o Peru é uma terra de esperança:

“ Terra de esperança pela biodiversidade que nele se encontra, juntamente com a beleza de lugares capazes de nos ajudar a descobrir a presença de Deus. Terra de esperança pela riqueza das suas tradições e costumes, que marcaram a alma deste povo. Terra de esperança pelos jovens, que não são o futuro, mas o presente do Perú. ”

Mais uma vez Francisco pediu aos peruanos que descubram, na sabedoria dos seus avós, dos seus idosos, o DNA que guiou os seus grandes Santos. Vocês não devem se desenraizar. Avós e idosos, – pediu ainda – não deixem de transmitir às jovens gerações as raízes do seu povo e a sabedoria do caminho para chegar ao céu. Convidou a todos de não terem medo de ser os santos do século XXI.

Na conclusão de suas palavras o Santo Padre falou mais uma vez de esperança: “vocês têm tantos motivos para esperar! Vi-o, toquei-o com a mão nestes dias. Conservem a esperança. Não há melhor maneira de guardar a esperança do que permanecer unidos, para que todos estes motivos, que a sustentam, se consolidem sempre mais de dia para dia. A esperança em Deus não engana.”

“Levo vocês no coração. Deus abençoe vocês! E peço-lhes, por favor, que não se esqueçam de rezar por mim”, finalizou Francisco.

Da Base Aérea o Papa dirige-se ao Aeroporto, onde será recebido pelo presidente Pedro Pablo Kuczynski e consorte. Após passar em revista a Guarda de Honra e saudar as delegações, Francisco embarca no voo B767 da Latam com destino ao Aeroporto Ciampino, em Roma, onde deverá chegar às 14h15 de segunda-feira, hora local, após 11.223 km percorrridos em 13h30min de voo.

No voo retorno, o Brasil não será sobrevoado.

 


PAPA SE DESPEDE DO PERU

O Papa Francisco despediu-se do Peru com a celebração de uma Missa para milhares de fiéis na Base Aérea Las Palmas.

Em sua homilia, Francisco afirmou que Jesus nos chama para atravessar as nossas cidades com Ele, como discípulos missionários, nos tornando participantes “do grande sussurro que quer continuar a ressoar nos mais variados ângulos de nossa vida: Alegra-te, o Senhor está contigo!”.

“Como acenderemos a esperança, se faltam profetas? Como enfrentaremos o futuro, se nos falta unidade? Como chegará Jesus a tantos lugares, se faltam ousadas e válidas testemunhas?”, perguntou.

Referindo-se ao Profeta Jonas, o Papa diz que diante das situações de sofrimento e injustiça que se repetem no dia-a-dia, podemos experimentar “a tentação de fugir, de nos escondermos, de desertar. E razões não faltam nem a Jonas, nem a nós”.

Nas cidades e bairros “que poderiam ser lugares de encontro e solidariedade, de alegria”, constatamos que “há tantos “não-cidadãos”, os “meio-cidadãos” ou os “resíduos urbanos”» que se encontram na beira dos nossos caminhos, que vão viver à margem das nossas cidades sem condições necessárias para levar uma vida digna, e custa ver que muitas vezes, entre estes «resíduos» humanos, se encontram rostos de tantas crianças e adolescentes; se encontra o rosto do futuro”.

E ao vermos isso, é gerada em nós “o que poderíamos chamar a síndrome de Jonas: um espaço irreal, para onde fugir:

“ Um espaço para a indiferença, que nos torna anônimos e surdos face aos demais, torna-nos seres impessoais de coração assético e, com esta atitude, amarfanhamos a alma do povo ”

Francisco traz uma citação de Bento XVI, quando diz que «a grandeza da humanidade determina-se essencialmente na relação com o sofrimento e com quem sofre. (…) Uma sociedade que não consegue aceitar os que sofrem e não é capaz de contribuir, mediante a com-paixão, para fazer com que o sofrimento seja compartilhado e assumido mesmo interiormente é uma sociedade cruel e desumana».

Ao contrário de Jonas que foge diante da dor, “Jesus, perante um acontecimento doloroso e injusto como foi a prisão de João, entra na cidade, entra na Galileia e começa, partindo daquela insignificante população, a semear o que seria o início da maior esperança: o Reino de Deus está perto, Deus está no meio de nós”.

E esta mensagem encontrou eco nos discípulos, passou por vários Santos – como Santa Rosa de Lima, São Toríbio, São Martinho de Porres, São João Macías, São Francisco Solano – até chegar a nós, para nos comprometer novamente, “como um antídoto renovado, contra a globalização da indiferença. Com efeito, perante este Amor, não se pode ficar indiferente”.

“ Jesus chamou os seus discípulos a viverem, no hoje da história, algo que tem sabor a eternidade: o amor a Deus e ao próximo ”

E faz isto “à maneira divina, suscitando a ternura e o amor misericordioso, suscitando a compaixão e abrindo os seus olhos para aprenderem a ver a realidade à maneira divina. Convida-os a gerar novos vínculos, novas alianças portadoras de eternidade”.

“Jesus – disse Francisco – atravessa a cidade com os seus discípulos e começa a ver, a escutar, a prestar atenção àqueles que sucumbiram sob o manto da indiferença, lapidados pelo grave pecado da corrupção”:

“Começa a desvendar muitas situações que sufocavam a esperança do seu povo, suscitando uma nova esperança. Chama os seus discípulos e convida-os a ir com Ele, convida-os a atravessar a cidade, mas muda-lhes o ritmo, ensina-os a fixarem o que até agora passavam por alto, indica-lhes novas urgências. Convertei-vos: dizia-lhes Ele.”

E Jesus, “continua a atravessar as nossas estradas”, “a bater às portas, a bater aos corações para reacender a esperança e os anseios”:

“Que a degradação seja superada pela fraternidade, a injustiça vencida pela solidariedade e a violência apagada com as armas da paz. Jesus continua a chamar e quer ungir-nos com o seu Espírito para que também nós saiamos para ungir com esta unção capaz de curar a esperança ferida e renovar o nosso olhar”.

“ Jesus chamou os seus discípulos a viverem, no hoje da história, algo que tem sabor a eternidade: o amor a Deus e ao próximo”

“Deus não Se cansa nem Se cansará de andar para chegar junto dos seus filhos. Como acenderemos a esperança, se faltam profetas? Como enfrentaremos o futuro, se nos falta unidade? Como chegará Jesus a tantos lugares, se faltam ousadas e válidas testemunhas?”.

“Hoje o Senhor chama-te a atravessar com Ele a cidade, a tua cidade. Chama-te a ser seu discípulo missionário, tornando-te assim participante desse grande sussurro que quer continuar a ressoar nos mais variados ângulos da nossa vida: Alegra-te, o Senhor está contigo!”

Papa pede desculpas por comentário durante viagem

O Papa Francisco, em um ato extremamente raro de autocrítica, pediu desculpas, na coletiva de imprensa durante o voo que o trouxe da capital peruana Lima para Roma, a vítimas de abusos sexuais cometidos por clérigos, reconhecendo que havia “ferido muitos” com seus comentários defendendo um bispo chileno que está sob investigação.

O comentário em questão foi feito respondendo a pergunta de um repórter na última quinta-feira no Chile, antes de partir para o Peru. Francisco disse que o bispo Juan Barros, que é acusado de proteger um notório pedófilo, permaneceria em seu cargo na diocese de Osorno porque não há, atualmente, nenhuma evidência confiável contra ele.

Entretanto, embora o Papa tenha dito se arrepender de sua escolha de palavras e tom de voz, ele também disse ter certeza de que o clérigo é inocente.

“Eu tenho que pedir desculpas”, disse o Papa a repórteres a bordo do avião retornando a Roma, após uma viagem ao Chile e Peru, dizendo que percebeu que havia “ferido muitas pessoas que foram abusadas”.

“Eu peço desculpas a eles se eu os feri sem perceber, mas foi uma ferida que eu infligi sem ter a intenção”, disse. “Isso me dói muito.”

A Comissão de combate a abusos segue adiante

Uma jornalista perguntou-lhe se o vencimento do mandato para alguns membros da Comissão vaticana de tutela contra os abusos significa, eventualmente, que este organismo não é considerado uma “prioridade”. O Papa quase a interrompeu para assegurar que, como Bento XVI antes deles, a linha permanece sendo a de “tolerância zero”. Portanto, a Comissão prosseguirá o trabalho realizado até então, que Francisco avalia positivamente, e que o que está sendo feito nesta fase é a renovação de parte dos membros, que precisa de um certo tempo para ser ultimada.

A viagem

Em primeiro lugar, referiu-se a Lima porque, à distância de uma hora da decolagem, brilhava em seus olhos o espetáculo de um milhão e 300 mil fiéis na imensa esplanada da Base área Las Palmas, em Lima, na missa conclusiva da viagem, uma liturgia marcada pelo entusiasmo e grande participação da multidão.

Todavia, reconheceu o Santo Padre, teve análogo impacto com o testemunho de afeto dos chilenos, percebido em todos os lugares – disse –, tanto pelas ruas da capital como nas ruas de Temuco e Iquique. Toda essa demonstração de fé, marcada pelo “calor do povo”, frisou, “me contagiou” com alguns momentos particularmente marcantes:

O cárcere das mulheres me comoveu muito. Sou muito sensível aos cárceres e aos encarcerados, sempre me pergunto: porque eles e não eu? Ver estas mulheres, a capacidade de mudar de vida, de reinserir-se na sociedade com a força do Evangelho – um de vocês me disse: “Vi a alegria do Evangelho”. Na etapa Puerto Maldonado e o encontro com os indígenas – houve a primeira reunião da Comissão pré-sinodal para a Amazônia – me comoveu muito o Lar “Pequeno Príncipe”: ver aquelas crianças que em sua maioria tinham sido abandonadas, aqueles adolescentes que conseguiram mediante a educação seguir adiante – ali há profissionais –, isso me comoveu muito, a obra de levar uma pessoa a desenvolver-se me comoveu bastante.

De fato, sintetizam-se nestas palavras, e em algumas considerações expressas pouco antes em espanhol, as impressões do Pontífice sobre uma viagem na qual se passou por diferentes condições climáticas, passando do verão urbano de Santiago ao ar seco e terroso de Iquique, ao calor caracterizado pela considerável umidade da Amazônia peruana.

Casamento em grande altitude: “Estavam preparados”

Não faltou a pergunta sobre o fora de programa mais singular da viagem, as núpcias do casal chileno celebradas por Francisco no voo para Iquique. Também aí Francisco explicou:

Disseram-me que sempre quiseram casar-se. Eu os interroguei por um pouco e as respostas eram claras – “por toda a vida…” – fizemos o curso pré-matrimonial… Estavam preparados e me certifiquei disso. Pediram-me e os Sacramentos são para as pessoas. Todas as condições eram claras e, então, por que não fazer hoje aquilo que se pode fazer hoje, sem deixar para amanhã, quando este amanhã poderia ser daqui a 8-10 anos?

A um certo ponto durante o voo foram anunciadas turbulências, mas o Papa decidiu não interromper seu colóquio com a mídia. Sentou-se numa poltrona por alguns minutos e brincou sobre o fato de permanecer “na fossa dos leões”.

Liberalismo? Depende

Outra pergunta voltou ao conceito expresso pelo Santo Padre durante o encontro com as populações amazônicas: a existência de políticas ambientalistas que contrapõem a tutela da natureza à tutela dos seres humanos. Francisco reiterou que, sim, infelizmente, ocorreu que “para proteger a floresta algumas populações foram expulsas e depois a floresta em questão foi objeto de exploração”. E reiterou, respondendo à pergunta de um jornalista peruano, a urgência de a América Latina livrar-se do fenômeno endêmico da corrupção. Uma chaga, da “vida dúplice”, que também a Igreja conheceu e conhece e que ele sofre por isso.

Outro jornalista pediu-lhe um comentário sobre o caso do cardeal hondurenho Maradiaga e do dinheiro…, mas o Pontífice afirmou não ter nada a dizer além do que o próprio purpurado declarou. E sobre o Chile que em vinte anos reduziu o nível da pobreza de 40% para 11%, Francisco traçou da seguinte forma suas considerações sobre os benefícios ou malefícios de políticas liberais:

“Diria que devemos estudar bem os casos de política liberal. Há outros países na América Latina com políticas liberais que os levaram a uma pobreza maior ainda. No caso do Chile realmente não saberia o que responder porque não sou um técnico nisso, mas, em geral, uma política liberal que não envolve todo o povo é seletiva e leva a um enfraquecimento.”