Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Quaresma, tempo de conversão

Quaresma, tempo de conversão

Ter-se-á sempre em vista que a Quaresma constituía preparação para o Tríduo Pascal da Paixão-Morte, Sepultura e Ressurreição do Senhor Jesus, celebrado de quinta-feira à noite até o domingo da Ressurreição.

A Quarta-feira de Cinzas abre este tempo de conversão e de penitência, fazendo a proposta da observância quaresmal da oração, do jejum e da esmola.

Seguem todos os anos os dois domingos com temática fixa, variando apenas conforme os Evangelistas do ano. No 1º  Domingo da Quaresma: As tentações de Jesus no deserto; 2º  Domingo: a transfiguração do Senhor.

Jesus é o modelo da vida de penitência dos cristãos. O Jesus que jejua, o Jesus que se dedica à oração, deve ser visto à luz do Cristo transfigurado. Toda a caminhada da conversão dos cristãos só tem sentido à luz da ressurreição pregustada no Tabor.

A partir do 3º Domingo temos uma diversificação, conforme os ciclos do Ano A, B e C.

O Ano A apresenta a temática batismal. O Batismo será revivido no Tríduo pascal e especialmente na Vigília.

Se isso é verdade todos os anos, vem tematizado no Ano A. Utilizam-se os Evangelhos de São João. No 3º  Domingo: o poço da samaritana; no 4º  Domingo: o cego de nascença junto à piscina de Siloé. No 5º  Domingo: a ressurreição de Lázaro. As leituras do Antigo Testamento, em harmonia com os evangelhos, apresentam os grandes lances da história da salvação. As leituras do Apóstolo realçam também a temática batismal.

No Ano B, de Marcos, sobressai o mistério da renovação da pessoa humana em Cristo e por Cristo, através da penitência. Seguindo o Cristo no mistério da cruz, o cristão participará de sua ressurreição. Os evangelhos são novamente de João: a restauração do Templo (o corpo de Cristo), Jo 21,13-25; o Cristo exaltado na cruz para a salvação do mundo, Jo 3,14-21; o grão de trigo que precisa morrer para produzir fruto, Jo 12, 20-33. As leituras apresentam tópicos da aliança de Deus com seu povo.

O Ano C, de Lucas, é perpassado pelo tema da necessidade da penitência e da misericórdia de Deus para com a humanidade em Cristo Jesus. A necessidade da conversão (Lc 13,1-9) no 3º  Domingo; o filho pródigo (Lc 15,1-3.11-32) no 4º  Domingo e a mulher adúltera (Jo 8,1-11) no 5º  Domingo. As leituras apresentam experiências pascais do Povo de Deus na história da salvação.

Tudo isso pode acontecer cada ano com o Povo de Deus, a Igreja, no Tríduo Pascal. As condições são a conversão, a renovação da aliança batismal em Cristo Jesus.

OS CINCO DOMINGOS DA QUARESMA NO ANO A

1º Domingo da Quaresma

1ª Leitura: Gn 2,7-9; 3,1-7
Sl 50
2ª Leitura: Rm 5,12-19
Evangelho: Mt 4,1-11

2º Domingo da Quaresma

1ª Leitura: Gn 12,1-4a
Sl 32
2ª Leitura: 2Tm 1,8b-10
Evangelho: Mt 17,1-9

3º Domingo da Quaresma

1ª Leitura: Ex 17, 3-7
Sl 94
2ª Leitura: Rm 5,1-2.5-8
Evangelho: Jo 4,5-42

4º Domingo da Quaresma

1ª Leitura: 1Sm 16,1b.6-7.10-13a
Sl 22
2ª Leitura: Ef 5,8-14
Evangelho: Jo 9,1-41

5º Domingo da Quaresma

1ª Leitura: Ez 37,12-14
Sl 129
2ª Leitura: Rm 8,8-11
Evangelho: Jo 11,1-45

Texto de “Viver o Ano Litúrgico – Reflexões para os domingos e solenidades”, de Frei Alberto Beckhauser, Editora Vozes.

Mensagem do Papa Francisco

«Em nome de Cristo, suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus» (2 Cor 5, 20)Queridos irmãos e irmãs!

O Senhor concede-nos, também neste ano, um tempo propício para nos prepararmos para celebrar, de coração renovado, o grande Mistério da morte e ressurreição de Jesus, perne da vida cristã pessoal e comunitária. Com a mente e o coração, devemos voltar continuamente a este Mistério. Com efeito, o mesmo não cessa de crescer em nós na medida em que nos deixarmos envolver pelo seu dinamismo espiritual e aderirmos a ele com uma resposta livre e generosa.

1. O Mistério pascal, fundamento da conversão

A alegria do cristão brota da escuta e receção da Boa Nova da morte e ressurreição de Jesus: o kerygma. Este compendia o Mistério dum amor «tão real, tão verdadeiro, tão concreto, que nos proporciona uma relação cheia de diálogo sincero e fecundo» (Francisco, Exort. ap. Christus vivit, 117). Quem crê neste anúncio rejeita a mentira de que a nossa vida teria origem em nós mesmos, quando na realidade nasce do amor de Deus Pai, da sua vontade de dar vida em abundância (cf. Jo 10, 10). Se, pelo contrário, se presta ouvidos à voz persuasora do «pai da mentira» (Jo 8, 44), corre-se o risco de precipitar no abismo do absurdo, experimentando o inferno já aqui na terra, como infelizmente dão testemunho muitos acontecimentos dramáticos da experiência humana pessoal e coletiva.

Por isso, nesta Quaresma de 2020, quero estender a todos os cristãos o mesmo que escrevi aos jovens na Exortação apostólica Christus vivit: «Fixa os braços abertos de Cristo crucificado, deixa-te salvar sempre de novo. E quando te aproximares para confessar os teus pecados, crê firmemente na sua misericórdia que te liberta de toda a culpa. Contempla o seu sangue derramado pelo grande amor que te tem e deixa-te purificar por ele. Assim, poderás renascer sempre de novo» (n. 123). A Páscoa de Jesus não é um acontecimento do passado: pela força do Espírito Santo é sempre atual e permite-nos contemplar e tocar com fé a carne de Cristo em tantas passoas que sofrem.

2. Urgência da conversão

É salutar uma contemplação mais profunda do Mistério pascal, em virtude do qual nos foi concedida a misericórdia de Deus. Com efeito, a experiência da misericórdia só é possível «face a face» com o Senhor crucificado e ressuscitado, «que me amou e a Si mesmo Se entregou por mim» (Gl 2, 20). Um diálogo coração a coração, de amigo a amigo. Por isso mesmo, é tão importante a oração no tempo quaresmal. Antes de ser um dever, esta expressa a necessidade de corresponder ao amor de Deus, que sempre nos precede e sustenta. De facto, o cristão reza ciente da sua indignidade de ser amado. A oração poderá assumir formas diferentes, mas o que conta verdadeiramente aos olhos de Deus é que ela escave dentro de nós, chegando a romper a dureza do nosso coração, para o converter cada vez mais a Ele e à sua vontade.

Por isso, neste tempo favorável, deixemo-nos conduzir como Israel ao deserto (cf. Os 2, 16), para podermos finalmente ouvir a voz do nosso Esposo, deixando-a ressoar em nós com maior profundidade e disponibilidade. Quanto mais nos deixarmos envolver pela sua Palavra, tanto mais conseguiremos experimentar a sua misericórdia gratuita por nós. Portanto não deixemos passar em vão este tempo de graça, na presunçosa ilusão de sermos nós o dono dos tempos e modos da nossa conversão a Ele.

3. A vontade apaixonada que Deus tem de dialogar com os seus filhos

O facto de o Senhor nos proporcionar uma vez mais um tempo favorável para a nossa conversão, não devemos jamais dá-lo como garantido. Esta nova oportunidade deveria suscitar em nós um sentido de gratidão e sacudir-nos do nosso torpor. Não obstante a presença do mal, por vezes até dramática, tanto na nossa existência como na vida da Igreja e do mundo, este período que nos é oferecido para uma mudança de rumo manifesta a vontade tenaz de Deus de não interromper o diálogo de salvação connosco. Em Jesus crucificado, que Deus «fez pecado por nós» (2 Cor 5, 21), esta vontade chegou ao ponto de fazer recair sobre o seu Filho todos os nossos pecados, como se houvesse – segundo o Papa Bento XVI – um «virar-se de Deus contra Si próprio» (Enc. Deus caritas est, 12). De facto, Deus ama também os seus inimigos (cf. Mt 5, 43-48).

O diálogo que Deus quer estabelecer com cada homem, por meio do Mistério pascal do seu Filho, não é como o diálogo atribuído aos habitantes de Atenas, que «não passavam o tempo noutra coisa senão a dizer ou a escutar as últimas novidades» (At 17, 21). Este tipo de conversa, ditado por uma curiosidade vazia e superficial, carateriza a mundanidade de todos os tempos e, hoje em dia, pode insinuar-se também num uso pervertido dos meios de comunicação.

4. Uma riqueza que deve ser partilhada, e não acumulada só para si mesmo

Colocar o Mistério pascal no centro da vida significa sentir compaixão pelas chagas de Cristo crucificado presentes nas inúmeras vítimas inocentes das guerras, das prepotências contra a vida desde a do nascituro até à do idoso, das variadas formas de violência, dos desastres ambientais, da iníqua distribuição dos bens da terra, do tráfico de seres humanos em todas as suas formas e da sede desenfreada de lucro, que é uma forma de idolatria.

Também hoje é importante chamar os homens e mulheres de boa vontade à partilha dos seus bens com os mais necessitados através da esmola, como forma de participação pessoal na edificação dum mundo mais justo. A partilha, na caridade, torna o homem mais humano; com a acumulação, corre o risco de embrutecer, fechado no seu egoísmo. Podemos e devemos ir mais além, considerando as dimensões estruturais da economia. Por este motivo, na Quaresma de 2020 – mais concretamente, de 26 a 28 de março –, convoquei para Assis jovens economistas, empreendedores e transformativos, com o objetivo de contribuir para delinear uma economia mais justa e inclusiva do que a atual. Como várias vezes se referiu no magistério da Igreja, a política é uma forma eminente de caridade (cf. Pio XI, Discurso à FUCI, 18/XII/1927). E sê-lo-á igualmente ocupar-se da economia com o mesmo espírito evangélico, que é o espírito das Bem-aventuranças.

Invoco a intercessão de Maria Santíssima sobre a próxima Quaresma, para que acolhamos o apelo a deixar-nos reconciliar com Deus, fixemos o olhar do coração no Mistério pascal e nos convertamos a um diálogo aberto e sincero com Deus. Assim, poderemos tornar-nos aquilo que Cristo diz dos seus discípulos: sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5, 13.14).

Franciscus

Roma, em São João de Latrão, 7 de outubro de 2019,

Memória de Nossa Senhora do Rosário.

As linhas-força da Quaresma

A Quaresma recebe toda a sua força de inspiração da Vigília pascal, desdobrada no Tríduo Pascal da Paixão-Morte, Sepultura e Ressurreição de Jesus Cristo.

Trata-se da preparação para a Festa da Páscoa do Cristo total, isto é, de Jesus Cristo e dos cristãos. Esta vida nova em Cristo é que chamamos de mistério pascal.

A páscoa-fato, celebrada pela Igreja, movimenta-se em três níveis: a páscoa-fonte, a Paixão-Morte, Sepultura e Ressurreição de Jesus Cristo; a páscoa participada pelos cristãos, acontecida no batismo; e a renovação da páscoa dos cristãos em Cristo no hoje pela renovação de vida, na conversão ou penitência e no compromisso renovado.

Tudo isso torna-se sacramental na páscoa-rito, na celebração da Vigília maior, desdobrada no Tríduo Pascal.

Compreendemos que a celebração da Páscoa é essencialmente uma festa batismal. Dela brotam duas linhas-força:

A primeira: A dimensão batismal. Nesta dimensão podemos realçar dois aspectos. A Páscoa é a festa da celebração do batismo daqueles e daquelas que se prepararam durante a Quaresma. Hoje, esta realidade está tornando-se sempre mais presente.

Os catecúmenos caminharam com a Igreja; a comunidade tornou-se catecúmena com os que se preparam para o batismo.

A Igreja gera novos filhos na fé. Mas enquanto ela se toma catecúmena, os cristãos se preparam para renovar os compromissos do próprio batismo. Assim, estamos na segunda linha-força da Quaresma: a penitência ou a prática da conversão para viver o batismo ou para renovar as promessas do batismo.

Os cristãos já batizados têm consciência de que ainda não estão na plenitude do ideal cristão, que é o próprio Cristo Jesus. Todo cristão, mesmo batizado, sabe que o processo de sua conversão não chegou ao fim. Ele é um caminhante, consciente do já presente do ainda não. Embora justificado e santificado pelo batismo e pela fé, encontra-se ainda a caminho. Além disso, ele tem consciência de que muitas vezes se torna infiel à aliança batismal, à morte libertadora de Jesus Cristo, afastando-se ou negando totalmente sua vocação e missão de batizado. Ou, então, torna-se infiel aos compromissos batismais, não correspondendo devidamente à proposta do amor de Deus em Jesus Cristo. Daí o sentido da penitência quaresmal para todos. Será preparação para retomar os compromissos do batismo ou para fortificá-los. Esta experiência de reconciliação oferecida pela misericórdia de Deus em Cristo Jesus constitui, por sua vez, outra experiência pascal celebrada sacramentalmente na Páscoa.

Texto de “Viver o Ano Litúrgico – Reflexões para os domingos e solenidades”, de Frei Alberto Beckhauser, Editora Vozes.

A observância Quaresmal

Poderíamos falar também de exercícios da Quaresma ou exercícios de conversão. Trata-se de três exercícios de culto a Deus, já conhecidos no Antigo Testamento e abordados por Jesus no Evangelho de São Mateus (6,1-18): a oração, o jejum e a esmola.

Jesus não condenou estas práticas de culto. Quis, sim, purificá-las da hipocrisia. Muito cedo, a Igreja acolheu esses exercícios como prática de conversão, sobretudo na Quaresma. São Leão Magno, o grande papa do século V, mostra como essas três práticas atingem de modo profundo os três principais relacionamentos do homem:
com Deus, pela oração; com a natureza criada, pelo jejum e com o próximo, pela esmola. Por isso, esse evangelho é proclamado na Quarta-feira de Cinzas, abertura da Quaresma, como um verdadeiro programa de exercício de conversão para os cristãos.

Na virtude da fé, o homem volta-se diretamente a Deus pela oração. Louva-o e o adora. Reconhece-o como Criador, Senhor e Pai e a si mesmo como criatura e filho. Realiza-se uma conversão, pois pela oração o homem se situa no seu lugar, na sua vocação em relação a Deus.

E temos mais: quando, na Quaresma, a Igreja intensifica a oração, ela celebra o Cristo orante em profunda comunhão com o Pai.

Na virtude da esperança, o homem já participa do Bem Supremo que é Deus. Então, os bens deste mundo não o escravizam.

Faz uso deles para o bem próprio e do próximo e neles degusta o Bem, que é Deus. Mas muitas vezes acaba escravizando-se aos bens materiais. Aparece, então, o sentido do jejum religioso. Jejuar significa abster-se de alimento, tomar uma atitude de respeito e de liberdade diante das coisas, fazer espaço para os outros e para Deus, confiar na providência de Deus. Por este gesto, que é um rito, a Igreja comemora o Cristo, Senhor da criação e a vocação do homem como senhor da criação. Constitui um ato de conversão a Deus através das coisas. Importa, então, viver em atitude de jejum. De quantas coisas podemos jejuar!

Na virtude da caridade, o homem é chamado a ser profeta, revelando Deus, que é amor e apontando para ele. E chamado a viver como irmão. Num gesto ou rito de generosidade, a esmola, ele celebra sua capacidade de doar, de amar, de partilhar, segundo Deus. Celebra a generosidade do Deus Criador e do Deus Salvador. É o sentido mais profundo da esmola: dar de graça, dar sem querer retribuição, dar em solidariedade, partilhar com o próximo. Importa, então, viver em atitude de esmola: ser esmola, ser generoso, ser dom para o próximo, partilhar com os irmãos os seus bens, a exemplo do Deus Criador e de Jesus Cristo, dando sua vida por todos.

Texto de “Viver o Ano Litúrgico – Reflexões para os domingos e solenidades”, de Frei Alberto Beckhauser, Editora Vozes.

Campanha da Fraternidade, uma ajuda à Quaresma

A Campanha da Fraternidade (CF), que se realiza na Igreja do Brasil durante a Quaresma desde 1964, pretende ser uma ajuda para vivê-la mais intensamente.

Para tanto, ela deve preencher algumas suposições. A primeira e mais importante: ela deseja ser um momento forte de evangelização. Isso traz consigo algumas conseqüências. A CF situa-se mais no campo do anúncio da Palavra de Deus, ou seja, da evangelização e da catequese prolongada na Escola da fé, concretizada nos encontros, círculos de estudos, grupos de reflexão etc. Portanto, não em primeiro lugar na Liturgia, pois a dimensão celebrativa supõe comunidades evangelizadas e catequizadas. Devemos reconhecer que a Liturgia também tem uma dimensão evangelizadora. Se esta ação evangelizadora e catequética for intensa, repercutirá decisivamente na Liturgia quaresmal.

A CF deve respeitar as grandes linhas-força da Quaresma. Estas linhas-força são, sobretudo, a observância quaresmal da oração, do jejum e da esmola no seu sentido mais profundo, e a temática que se expressa na Palavra de Deus nos Anos A, B e C da Quaresma.

Fundamentalmente, a renovação das promessas batismais, no Ano A, a participação no mistério pascal de Cristo pela conversão, no Ano B, e a necessidade da conversão e penitência para participar da misericórdia de Deus, no Ano C. Isso, sem perder de vista a Palavra de Deus do 1° e 2° domingos, respectivamente, as tentações de Jesus e sua transfiguração.

Nesta perspectiva, a Campanha da Fraternidade, com seu tema e lema, poderá servir de pano de fundo da pregação homilética.Ela poderá inspirar o Ato penitencia], sem transformá-lo em “Celebração penitencial”. Algumas preces poderão brotar da ação concreta desenvolvida pela CF, sem se esquecerem as grandes lições da Igreja e do mundo, bem como a dinâmica quaresmal.

Cada ano, a Igreja no Brasil está oferecendo cantos para a Missa. É discutível se todas as partes deveriam ser sobre o tema da Campanha. Em todo caso, faz-se um sincero esforço para que esses respeitem a temática da Quaresma e das leituras bíblicas de
Domingo.

Desta forma, a CF leva a Igreja no Brasil a fazer uma experiência na vivência da fraternidade. Esta experiência de fraternidade transforma-se em celebração no Tríduo Pascal, numa linguagem menos cósmica do que no hemisfério norte e mais histórica, bem dentro da caminhada libertadora promovida pela Igreja.

Texto de “Viver o Ano Litúrgico – Reflexões para os domingos e solenidades”, de Frei Alberto Beckhauser, Editora Vozes.

Liturgia para Quarta-feira de Cinzas

Quarta-feira de Cinzas – Ano A

 1ª Leitura: Jl 2., 11-18

Sl 51

2ª Leitura: 2Cor 5,20-6,2

Evangelho: Mt 6,1-6,16-18

Superar a justiça dos hipócritas

* 1 «Prestem atenção! Não pratiquem a justiça de vocês diante dos homens, só para serem elogiados por eles. Fazendo assim, vocês não terão a recompensa do Pai de vocês que está no céu.»

-* 2 «Por isso, quando você der esmola, não mande tocar trombeta na frente, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem elogiados pelos homens. Eu garanto a vocês: eles já receberam a recompensa. 3 Ao contrário, quando você der esmola, que a sua esquerda não saiba o que a sua direita faz, 4 para que a sua esmola fique escondida; e seu Pai, que vê o escondido, recompensará você.»

-* 5 «Quando vocês rezarem, não sejam como os hipócritas, que gostam de rezar em pé nas sinagogas e nas esquinas, para serem vistos pelos homens. Eu garanto a vocês: eles já receberam a recompensa. 6 Ao contrário, quando você rezar, entre no seu quarto, feche a porta, e reze ao seu Pai ocultamente; e o seu Pai, que vê o escondido, recompensará você.»

-* 16 «Quando vocês jejuarem, não fiquem de rosto triste, como os hipócritas. Eles desfiguram o rosto para que os homens vejam que estão jejuando. Eu garanto a vocês: eles já receberam a recompensa. 17 Quando você jejuar, perfume a cabeça e lave o rosto, 18 para que os homens não vejam que você está jejuando, mas somente seu Pai, que vê o escondido; e seu Pai, que vê o escondido, recompensará você.»


* 6,1: O termo justiça se refere, aqui, a atitudes práticas em relação ao próximo (esmola), a Deus (oração), e a si mesmo (jejum). Jesus não nega o valor dessas práticas. Ele mostra como devem ser feitas para que se tornem autênticas.

* 2-4: A esmola é um gesto de partilha, e deve ser o sinal da compaixão que busca a justiça, relativizando o egoísmo da posse. Dar esmola para ser elogiado é servir a si mesmo e, portanto, falsificá-la.

* 5-6: Na oração, o homem se volta para Deus, reconhecendo-o como único absoluto, e reconhecendo a si mesmo como criatura, relativizando a auto-suficiência. Por isso, rezar para ser elogiado é colocar-se como centro, falsificando a oração.

* 16-18: Jejuar é privar-se de algo imediato e necessário, a fim de ver perspectivas novas e mais amplas para a realização da vida. Trata-se de deixar o egocentrismo, para crescer e dispor-se a realizar novo projeto de justiça. Jejuar para aparecer é perder de uma vez o sentido do jejum.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral


 

Penitência: abrir espaço para Deus

Matematicamente falando, a Quaresma, tempo dos “quarenta dias”, vai do 1º domingo quaresmal até a 4ª-feira da Semana Santa. O Tríduo Santo já é contado com a Páscoa (cf. adiante). Mas, na Idade Média, os domingos foram descontados do tempo penitencial, cujo início foi então antecipado para a Quarta-feira de Cinzas. Mesmo não pertencendo à tradição litúrgica mais antiga, as leituras são muito significativas, pois têm teor diferente daquele dos domingos quaresmais, que acentuam a preparação para o batismo a ser administrado na noite pascal. Em Cinzas, o tema central é mesmo a penitência.

A liturgia insiste na autenticidade da penitência (“rasgar o coração, não apenas as vestes”, 1ª leitura) e no caráter interior do jejum, juntamente com as outras “boas obras”, a esmola e a oração ( evangelho). A 2ª leitura (introduzida pela liturgia renovada) proclama o “tempo da reconciliação” com Deus, pregada por Paulo com vistas à iminência da Parusia.

O rito da imposição das cinzas, que quanto à literalidade contradiz um pouco as palavras do evangelho, antigamente era acompanhado da macabra citação de Gn 3,19: “És pó, e ao pó voltarás”; hoje em dia, a fórmula alternativa “Convertei-vos e crede no evangelho” combina melhor com o teor da liturgia. A “mortificação” pode ser um meio para libertar-se dos apegos e da vida superficial, mas não é um fim em si! O fim é a conversão, a volta para Deus, que na 2ª leitura ganha um tom de esperançosa alegria, bem de acordo com o evangelho, que manda usar perfumes para não ostentar o jejum. Conversão é encontro com Deus que se volta para nós (1ª leitura), portanto, uma razão de alegria. Oxalá fosse concebida assim o sacramento da penitência neste “tempo favorável”.

A oração do dia e a das oferendas falam do combate ao vício e do domínio de si. Mas o importante no jejum não é o que nós fazemos, mas a maravilha que Deus opera. Nossa parte é preparar-nos para receber a sua graça. A conversão não é tanto fazer algo quanto deixar-se fazer por Deus (prefácio). Na Quaresma vamos dar maior chance a Deus para agir em nós, refreando os instintos egoístas (todos eles, também os do ter e do dominar!), tentando acompanhar aquele que se liberou completamente para, em obediência a Deus, doar-se por nós por amor.

Impondo certas restrições aos nossos impulsos, abrimos em nosso coração mais espaço para Deus e seus filhos. Por isso cabe neste dia a abertura da Campanha da Fraternidade. A melhor penitência é: abrir espaço para Deus e para nossos irmãos.

 Liturgia Dominical, Johan Konings, S.J, Editora Vozes

Quarta-feira de Cinzas – Ressuscitar das Cinzas

Quarenta dias antes da Páscoa, a Igreja abre solenemente o tempo de penitência, chamado Quaresma, em preparação para a celebração da Páscoa. É a Quarta-feira de Cinzas, entre nós bastante prejudicada pelo carnaval.

Neste dia, após a Liturgia da Palavra, em que se proclama o trecho do Evangelho em que Cristo recomenda a oração, o jejum e a esmola como exercícios de conversão (cf. Mt 6,1-18), realiza-se o rito da imposição das cinzas. Elas são sinal de penitência, no sentido de conversão. A conversão consiste, sobretudo, no reconhecimento de nossa condição de criaturas limitadas, mortais e pecadoras. No gesto de imposição das cinzas sobre a cabeça das pessoas, o sacerdote ou o ministro diz: “Convertei-vos e crede no Evangelho”. A conversão consiste em crer no Evangelho. Crer é aderir a ele, viver segundo os ensinamentos do Senhor Jesus. Pode-se usar também a fórmula tradicional: “Lembra-te que és pó e ao pó hás de voltar”. Numa das orações de bênção das cinzas se diz: “Reconhecendo que somos pó e que ao pó voltaremos, consigamos, pela observância da Quaresma, obter o perdão dos pecados e viver uma vida nova, à semelhança do Cristo ressuscitado”.

A origem das cinzas usadas tem seu significado. Elas são preparadas pela queima de palmas usadas na procissão de Ramos do ano anterior. Lembram, portanto, o Cristo vitorioso sobre a morte. A palma é símbolo de vitória e de triunfo. Assim, se os cristãos aceitam reconhecer sua condição de criaturas mortais, e transformar-se em pó, ou seja, passar pela experiência da morte, a exemplo de Cristo, pela renúncia de si mesmos, participarão também da vida que ressurge das cinzas.

Aqui vale a pena lembrar uma lenda egípcia. Fênix era uma ave fabulosa que durava muitos séculos e, queimada, renascia das próprias cinzas. Foi fácil perceber que ela é símbolo da ressurreição de Cristo e dos que aceitam viver na atitude de Cristo.

Certamente não é fácil aceitar ser cinza. Contudo, a fé em Jesus Cristo ressuscitado faz com que a vida renasça das cinzas. Jesus Cristo faz brotar a vida, onde o ser humano reconhece sua condição de criatura necessitada da ação de Deus. É entrar na atitude pascal.

Esta páscoa se vive na conversão, através dos exercícios da oração, do jejum e da esmola.
A imposição das cinzas não constitui um mero rito a ser repetido a cada ano. É celebração da vocação do ser humano, chamado à imortalidade feliz, contanto que realize o mistério pascal de morte e vida em sua vida fraterna.

Texto de “Viver o Ano Litúrgico – Reflexões para os domingos e solenidades”, de Frei Alberto Beckhauser, Editora Vozes.